Crise sistémica global:
O choque acumulado das três "ondas monstruosas" do Verão
de 2009
Como fora previsto desde Outubro de 2008 pelo LEAP/E2020, muito antes do
Verão de 2009, a questão da capacidade dos Estados Unidos e do
Reino Unido para financiar os seus défices públicos, já
descontrolados, impôs-se como a questão central no debate
internacional, abrindo assim caminho para o duplo fenómeno de uma
cessação de pagamentos dos Estados Unidos e do Reino Unido daqui
até ao fim do Verão de 2009.
Assim, nesta fase de desenvolvimento da crise sistémica global,
contrariando o discurso mediático e político agora dominante, a
equipe do LEAP/E2020 não encara de forma alguma a retomada após o
Verão de 2009 (nem igualmente nos doze meses seguintes)
[1]
. Muito pelo contrário, devido à ausência de tratamento de
fundo dos problemas na origem da crise, consideramos que o Verão de 2009
vai assistir à convergência de três "ondas
monstruosas"
[2]
particularmente destruidoras que representam a continuação do
agravamento da crise e vão provocar convulsões históricas
daqui até Setembro/Outubro de 2009. Como tem sido desde o
princípio desta crise, cada região do mundo será afectada
de forma diferente
[3]
. Mas, para os nossos investigadores, todas elas, sem excepção,
experimentarão uma forte degradação da sua
situação daqui até ao fim do Verão de 2009
[4]
.
Esta evolução faz com que numerosos operadores económicos
e financeiros, seduzidos pela euforia mediática, corram o risco de serem
apanhados desprevenidos.
Neste número especial "Verão 2009" do GEAB, a nossa
equipe apresenta em pormenor estas três vagas destruidoras convergentes e
as suas consequências. E a nossa equipe descreve na conclusão as
suas recomendações estratégicas (ouro, imobiliário,
títulos, acções, divisas) para evitar ser arrastado
neste Verão destruidor.
Assim, para o LEAP/E2020, longe dos "jovens rebentos"
("green shoots")
que se vêm desde há dois meses nos cantos de
tabelas estatísticas
[5]
publicadas pelos media financeiros internacionais, mencionadas por peritos
reconhecidos e pelos políticos que os escutam
[6]
, trata-se de três vagas particularmente destruidoras para o tecido
sócio-económico que vão convergir no Verão de 2009.
Elas traduzem a continuação do agravamento da crise e implicam
convulsões históricas a partir do fim do Verão de 2009
em particular, situações de cessação de
pagamento dos Estados Unidos e do Reino Unido, ambos no cerne do sistema global
em crise:
1- A vaga de desemprego maciço: três datas de impacto que variam
conforme os países da América, Europa, Ásia, Médio
Oriente e África
2- A vaga das falências em série: empresas, bancos,
imobiliário, estados, regiões, cidades
3- A vaga da crise terminal dos Títulos do Tesouro dos EUA, do
dólar e da libra e do retorno da inflação.
Estas três vagas não são de facto sucessivas como as
vagas monstruosas chamadas "três irmãs", ainda que
igualmente destruidoras. Elas são bem mais perigosas pois são
simultâneas, assíncronas e não paralelas. Por isso, o
seu impacto sobre o sistema mundial é gerador de
desarticulações pois atingem sob diversos ângulos, a
diferentes velocidades, com forças variáveis. A única
certeza nesta etapa é que o sistema internacional nunca foi tão
fraco e indefeso face a uma tal situação: a reforma do FMI e das
instituições de governação mundial anunciada no G20
de Londres permanece letra morta
[7]
, o G8 parece cada vez mais um clube moribundo em que toda a gente já
pergunta para que é que ele pode servir
[8]
, a liderança americana já não é senão uma
sombra de si própria que tenta desesperadamente conservar compradores
para os seus títulos do tesouro
[9]
, o sistema monetário mundial está em plena
desintegração com os russos e os chineses, nomeadamente, a
acelerarem o seu jogo para se posicionarem no mundo pós-dólar, as
empresas não vêem nenhuma melhoria no horizonte e aumentam os seus
despedimentos; cada vez mais estados vacilam sob o peso da dívida que
acumularam para "salvar bancos" e deverão enfrentar uma onda
de falências a partir do fim do Verão
[10]
. Tal como os bancos, igualmente, que, depois de terem extorquido mais uma vez
o dinheiro dos poupadores crédulos graças ao embelezamento dos
mercados financeiros orquestrado nestas últimas semanas, a partir do fim
do Verão de 2009 terão de reconhecer que continuam insolventes.
Nos Estados Unidos, e particularmente no Reino Unido, o colossal esforço
financeiro público realizado em 2008 e no princípio de 2009
apenas em proveito dos grandes bancos atingiu um tal grau de impopularidade que
na Primavera de 2009 se tornou impossível considerar novas
injecções de fundos públicos em proveito dos bancos, que
entretanto continuam sempre insolventes
[11]
. Tornou-se então imperioso orquestrar um "belo conto de
fadas" para pressionar o poupador médio a injectar os seus
próprios fundos no sistema financeiro. A golpes de
"green shoots",
índices bursáteis empurrados para cima sem
fundamento económico real e "reembolsos antecipados de fundos
públicos", a preparação foi efectuada. Assim,
enquanto os grandes investidores das monarquias petrolíferas ou dos
países asiáticos
[12]
, aproveitando a oportunidade saíam do capital dos bancos em causa, uma
multidão de novos pequenos accionistas ali entrava cheia de
esperanças. Quando descobrirem que os reembolsos dos fundos
públicos não são senão uma gota de água em
relação ao que estes mesmos bancos obtiveram em termos de ajuda
pública (nomeadamente para garantir os seus activos tóxicos) e
que daqui a três ou quatro meses, no máximo (como analisado neste
GEAB nº 36), estes mesmos bancos estarão novamente a ponto de se
afundarem, eles constatarão, impotentes, que as suas
acções já não valem nada.
Intoxicados pelos financeiros, os dirigentes políticos do planeta
vão novamente ter uma surpresa após o Verão ao descobrirem
que todos os problemas do ano passado vão ressurgir multiplicados pois
não foram tratados, mas apenas "escondidos" sob massas imensas
de dinheiro público. Depois de este dinheiro ter sido dilapidado com
bancos insolventes, forçados a "salvar" concorrentes em pior
estado do que eles próprios, ou com planos de estímulo
económico mal concebidos, os problemas ressurgirão agravados.
Para centenas de milhões de habitantes da América, Europa,
Ásia e África, o Verão de 2009 vai ser uma terrível
transição rumo a um empobrecimento duradouro devido à
perda do seu emprego sem perspectiva de reencontrar outro antes de dois,
três ou quatro anos; ou devido à evaporação das suas
economias aplicadas directamente na bolsa, em fundos de aposentadoria por
capitalização ou em aplicações bancárias
ligadas à bolsa ou denominadas em US dólar ou na libra
britânica; ou ainda devido ao seu investimento em empresas
forçadas a
aguardar desesperadamente uma melhoria da situação que não
se verificará antes de longo tempo.
16/Junho/2009
Notas:
(1) Nem sequer a recuperação sem empregos
("jobless recovery")
como tentam vender-nos numerosos peritos. Nos Estados Unidos, no Reino Unido,
na zona euro e no Japão, será uma recuperação sem
recuperação
("recoveryless recovery"),
uma pura invenção destinada a tentar fazer consumir outra vez
consumidores americanos ou britânicos insolventes e a fazer com que se
acalmem o mais tempo possível os países compradores de
Títulos do Tesouro dos EUA e de Gilts britânicos (antes que eles
decidam não haver mais futuro para os seus produtos no país do
dólar e da libra).
(2) As "vagas gigantes"
(
"vagues scélérates"
)
são vagas oceânicas muito altas, súbitas, e que eram
consideradas muito raras, ainda que hoje se saiba que aparecem no decorrer de
praticamente todas as tempestades de uma certa importância. As
"vagas gigantes" podem atingir alturas de topo de mais de 30 metros e
pressões fenomenais. Assim, uma vaga normal de 3 metros de altura exerce
uma pressão de 6 toneladas/metro quadrado. Uma vaga de tempestado de 10
metros de altura pode exercer uma pressão de 12 t/m
2
. Uma vaga
gigante de 30 metros de altura pode exercer uma pressão de até
100 t/m
2
. Ora, nenhum navio é concebido para resistir a uma tal
pressão. Existe também o fenómeno das "três
irmãs". Trata-se de três "vagas gigantes"
sucessivas e portanto mais perigosas, pois um navio que tivesse tido tempo para
reagir correctamente às duas primeira não teriam em caso algum a
possibilidade de se colocar numa posição favorável para
enfrentar a terceira. Segundo o LEAP/E2020, é com um fenómeno
deste tipo que o mundo vai ser confrontado neste Verão. E nenhum estado
(navio) está em posição favorável para
enfrentá-las, ainda que alguns estejam mais em perigo do que outros como
antecipa este GEAB nº 36.
(3) O LEAP/E2020 considera que as suas antecipações sobre a
evolução sócio-económica das diferentes
regiões do mundo, publicadas no
GEAB nº 28
(15/10/2008) continuam pertinentes.
(4) Ou, mais exactamente, em cada uma das regiões, a
degradação da situação não poderá
mais ser mascarada por artifícios mediáticos e bursáteis.
(5) Será igualmente interessante, em matéria de
estatísticas económicas americanas, acompanhar as
consequências da revisão pelo
Bureau of Economic Analysis
das
classificações e processos de cálculo que se
verificará em 31/07/2009. Em geral, este tipo de revisões tem
como resultado tornar mais complexas as comparações
históricas e modificar num sentido favorável as
estatísticas importantes. Para perceber isso basta constatar como as
revisões anteriores permitiram diminuir por 3, em média, o
nível da inflação medida. Fonte:
MWHodges
, 04/2008.
(6) Os leitores do GEAB não terão deixado de constatar que
são exactamente as mesmas pessoas, medias e instituições
que há três anos achavam que tudo ia no melhor dos mundos;
há dois anos que não havia nenhum risco de crise grave; e
há um ano que a crise estava sob controle. Portanto, opiniões de
uma grande fiabilidade!
(7) Salvo ao nível regional, onde cada entidade política
organiza-se à sua maneira. Assim, aproveitando o apagamento
político do Reino Unido engolfado na crise financeira, na crise
económica e na crise política, a UE está em vias de colocar a
City londrina sob tutela (fonte:
Telegraph,
11/06/2009). O Verão de 2009 pode assim por um fim a 300 anos de
história de uma City todo poderosa no cerne do poder britânico. A
este respeito, é preciso ler o artigo muito instrutivo de George Monbiot
em
The Guardian
de 08/06/2009 e sobretudo tomar algum tempo para ler o brilhante ensaio de
John Lanchester publicado na
London Review of Books
de 28/05/2009 intitulado "It's finished".
(8) Certamente ainda preocupam declarações finais do G8, assim
como a do G8 Finanças de 13/Junho/2009 (fonte:
Forbes
, 13/06/2009), num
momento em que cada um agia de facto pelo seu lado: americanos de um lado,
canadianos e europeus do outro, britânicos e japoneses no meio, ao passo
que os russos jogavam um jogo diferente (?).
(9) A desventura sofrida pelo secretário do Tesouro americano, Timothy
Geithner aquando do seu recente discurso aos estudantes de economia da
Universidade de Shangai é muito instrutiva: o público do
anfiteatro explodiu às gargalhadas quando ele se pôs a explicar
doutamente que os chineses haviam feito uma boa escolha ao investirem os seus
haveres em Títulos do Tesouro e em dólares dos EUA (fonte:
Examiner/Reuters
, 02/06/2009) ! Ora, não há nada pior para um
poder estabelecido do que provocar a ironia ou ridículo pois a
potência nada é sem o respeito (tanto da parte do amigo como do
adversário), sobretudo quando o que ridiculariza é
"apanhado" pelo ridicularizado. Esta explosão de riso
equivale, segundo o LEAP/E2020, a longas demonstrações para
indicar que a China não se sente "capturada" pelo dólar
dos EUA e que doravante as autoridades chinesas sabem exactamente a que ater-se
quanto à evolução do bilhete verde e dos títulos do
Tesouro. Esta cena teria sido impensável há apenas doze meses
atrás, talvez mesmo há apenas seis meses atrás, primeiro
porque os chineses ainda estavam ludibriados, a seguir porque pensavam que era
preciso continuar a fazer crer que continuavam ludibriados.
Esta preocupação desapareceu visivelmente nas vésperas do
Verão de 2009: agora já não há necessidade de
fingir, como indica a sondagem junto a 23 economistas chineses, publicada no
dia em que Timothy Geithner chegou a Pequim, em que julgam os activos
americanos "arriscados" (fonte:
Xinhuanet
, 31/05/2009). Os
próximos meses vão ecoar esta explosão de riso dos
estudantes...
(10) E não é só nos Estados Unidos que os accionistas
serão sistematicamente lesados pelo Estado sob o pretexto do interesse
colectivo superior, como mostram as perdas dos fundos de pensão que
haviam investido nas acções da Chrysler ou da GM, ou as
pressões do Fed e do governo dos EUA sobre o Bank of America que este
esconda aos seus accionistas o estado desastroso do Merrill Lynch no momento da
sua compra. Fontes:
OpenSalon
, 10/06/2009 /
Wall Street Journal,
23/04/2009. No Reino Unido, na Europa e na Ásia, as mesmas causas
produzirão os mesmos efeitos. A "razão de Estado"
é desde sempre a desculpa mais simples para justificar todas as
espoliações. E as crises graves são propícias a
invocar a "razão de Estado".
(11) Na Alemanha, coloca-se um problema semelhante devido à
eleição nacional de Setembro próximo. Após a
eleição, os problemas bancários do país
serão os títulos dos media, com várias centenas de
milhares de milhões de activos em risco nos balanços dos bancos,
nomeadamente regionais. Ali estão longe da dimensão dos problemas
dos bancos estado-unidenses ou britânicos, mas Berlim vai sem
dúvida ter de enfrentar falências potenciais. Fonte:
AFP/Google
,
25/04/2009. E nos Estados Unidos, os bancos ajudados pelo estado federal muito
simplesmente diminuíram os seus empréstimos à economia
quando deles se esperava que fizessem o contrário. Fonte:
CNNMoney
, 15/06/2009
(12) Fontes:
Financial Times,
01/06/2009;
YahooFinance
, 04/06/2009;
StreetInsider
+Holdings/4656921.html ,
15/05/2009;
Financial Times,
01/06/2009
Outros comunicados do GEAB:
Crise sistémica global: O surrealismo financeiro
Verão de 2009: Confirma-se a ruptura do sistema monetário internacional
Crescem as tensões transatlânticas na véspera do G20
Princípio da fase 5 da crise sistémica global: A deslocação geopolítica mundial
Fase IV da crise sistémica: Começa a sequência da insolvência global
Crise sistémica global: Novo ponto de inflexão em Março de 2009
Fase IV da crise sistémica global: Ruptura do sistema monetário mundial até ao Verão de 2009
Crise sistémica global: Cessação de pagamentos do governo americano no Verão de 2009
Porque manter a previsão da taxa de câmbio Euro-USD a 1,75 no fim de 2008
Julho-Dezembro de 2008: O mundo mergulha no coração da fase de impacto da crise sistémica global
Novo ponto de inflexão da crise sistémica global: Quando a ilusão de que a crise está dominada se desvanece…
Crise sistémica global: Quatro grandes tendências para o periodo 2008-2013
Crise sistémica global: Fim de 2008: Derrocada dos fundos de pensão
Crise sistémica global: Fase de afundamento da economia real dos EUA: Setembro/2008
2008: Fase de pleno impacto global da Muito Grande Depressão dos EUA
Fase de ruptura do sistema financeiro mundial em 2008
Bancos mundiais aspirados para o "buraco negro" da crise financeira: Os quatro factores desencadeadores da grande falência bancária
As sete sequências da fase de impacto da crise sistémica global (2007-2009)
A crise actual explicada em mil palavras
Crise das subprimes: Após o sector financeiro, a próxima vítima será o US dólar
A economia americana entrou em recessão no 1º trimestre de 2007
Crise sistémica global - Abril de 2007: Ponto de inflexão da fase de impacto e entrada em recessão da economia dos EUA
Fase de impacto da crise sistémica global: Os seis aspectos da "Muito grande depressão americana" de 2007
Novembro/2006: Princípio da fase de impacto da crise sistémica global
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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