Novo ponto de inflexão da crise sistémica global:
Quando a ilusão de que a crise está dominada se desvanece
Os aprendizes de feiticeiro estão condenados a repetir os mesmos erros.
Assim, em 2007, a tentativa das autoridades e das grandes
instituições financeiras de camuflar a crise dos créditos
subprime
[1]
que tinham, no entanto, começado já a fustigar os mercados em
Fevereiro/Março de 2007, resultou no choque brutal e durável do
Verão de 2007. Iremos viver, nas próximas semanas, um
"remake" desse cenário, com o agravamento da crise financeira
dos meses de Janeiro a Março de 2008, a partir do início do
Verão de 2008.
No número 25 do Global Europe Anticipation Bulletin, a nossa equipa
escolheu analisar cinco das sete tendências em curso que irão
gerar esse ponto de inflexão da crise sistemática global (as duas
últimas tendências Europa e Ásia serão
analisadas no GEAB Nº 26):
Imobiliário:
um buraco sem fundo
Bolha financeira mundial:
apenas a inflação progride
Economia dos EUA:
a recessão instala-se
Défices públicos dos EUA:
o grande retorno
Dólar:
a recuperação que não existe
Europa:
desacoplamento confirmado o coração da Euroland
resiste/Reino Unido em recessão
Ásia:
abrandamento brutal em perspectiva
Por outro lado, formulamos igualmente uma série completa de
recomendações estratégicas e operacionais para que se
prepare para o choque do início do Verão de 2008 (mediante
assinatura).
Neste comunicado público, desejamos também explicar como
esta nova operação de "euforização"
contribuirá para agravar o choque que vem aí.
Na verdade, apesar das evidências quotidianas da
continuação da crise (perdas bancárias e
continuação do processo de depreciação dos activos
financeiros
[2]
, multiplicação da falência de bancos médios,
nomeadamente, nos Estados Unidos
[3]
, fragilização das grandes companhias seguradoras
[4]
, queda dura dos preços do imobiliário
[5]
, contaminação da economia real e das economias fora dos Estados
Unidos
[6]
, continuação da queda da divisa dos Estados Unidos
[7]
, abrandamento económico na Europa
[8]
,
), as autoridades financeiras, os grandes bancos e os meios de
comunicação internacionais empenharam-se em fazer-nos crer que a
crise estava controlada. Impotentes perante a realidade, esses "aprendizes
de feiticeiro" não tiveram outra opção senão
utilizar a "arma psicológica" numa tentativa de travar a crise.
Podemos igualmente dizer que a crise sistémica global tem bons dias pela
frente pois ela não pertence ao domínio do virtualismo em que
parecem esmerar-se os banqueiros centrais, banqueiros de negócios e
meios financeiros. Obviamente, os grandes bancos usufruíram da
"euforização" actual com o intuito de fazer partilhar
ao maior número as perdas passadas, e sobretudo as que estão para
chegar, ainda mais importantes
[9]
, ao lançar vastas operações de
recapitalização
[10]
.
Todavia, desta vez, e ao contrário do que aconteceu no ano passado, os
actores não estão dispostos a ser enganados. Segundo o
LEAP/E2020, este é um elemento psicológico significativo que
irá acentuar o impacto da crise quando a ilusão da "crise
controlada" se desvanecer no início do Verão de 2008.
Com efeito, o sistema financeiro mundial, e em particular o seu pilar
americano, está a apostar tudo o que pode. A equipa do LEAP/E2020
duvida, no entanto, que o sistema esteja plenamente consciente disso. A
credibilidade do FED e dos grandes bancos é hoje extremamente
frágil (para não falar na das autoridades políticas). Os
operadores (quer se trate de investimentos individuais, poupanças ou
fundos soberanos) estão desconfiados e perguntam-se se não
estarão a ser manipulados. Se, como pensam os nossos investigadores,
daqui a algumas semanas, eles forem obrigados a constatar que estavam de facto
a ser manipulados, e ainda, que a crise longe de estar "dominada"
reaparece com uma força redobrada, então, assistiremos a
verdadeiros movimentos de pânico nomeadamente nos mercados financeiros.
Pois não existe nada pior na psicologia das massas do que o sentimento
colectivo de se ter sido enganado deliberadamente.
Para adoptar uma imagem simples mas compreensível para todos os que
sabem que os bancos "prendem" a grande massa dos investidores pela
confiança que os investidores lhes concedem a fim de gerir as suas
poupanças, basta imaginar as consequências de uma súbita
recusa dos investidores em continuar a deixar os bancos gerirem as suas
poupanças à vontade e passarem a exigir a
liquidação das suas carteiras de acções em favor de
aplicações menos arriscadas. As consequências de uma tal
evolução são da ordem de uma baixa de 20% nos
praças financeiras mundiais em apenas alguns dias. É este
pesadelo que assombra os bancos centrais e em particular a Reserva Federal dos
EUA e o Banco de Inglaterra (cujas economias respectivas estão
estreitamente ligadas ao comportamento das bolsas). Paradoxalmente, ao
recusarem enfrentar directamente a crise financeira eles preparam um choque
ainda mais brutal.
De facto, ao contrário do que eles dizem (e talvez até ao
contrário do que eles realmente acreditam), não existe fundo que
possa travar a queda; ou melhor, até pode haver um piso, mas ele
está a tornar-se cada dia mais profundo
[11]
. Ironicamente, aqueles que, em anos passados, costumavam dizer que não
havia limite para o lucro e para o aumento de benefícios, encontram-se
agora emboscados num processo em que o fundo se torna sempre mais fundo, em que
as perdas continuam a aumentar incessantemente à medida que os
preços dos activos de referência estão em descida
contínua, e em que as únicas coisas que aumentam são a
energia e o preço da comida. Não será porventura a ironia
um dos únicos traços identificáveis da História?
O que é trágico são os milhares de milhões de
pessoas que lutam agora para poder comprar a sua alimentação
diária devido à inflação dos preços dos bens
alimentares de primeira necessidade; ou as dezenas de milhões de pessoas
que compraram casas nos Estados Unidos, no Reino Unido ou na Espanha e que se
vêm agora detentoras de activos em constante
desvalorização; ou ainda as dezenas de milhões de
empregados, de empreendedores individuais ou de trabalhadores da
função pública que irão perder os seus postos nos
próximos doze meses.
"Terá sido mesmo necessário salvar o 'soldado Bear Stearns'
ao preço de tamanha complacência financeira, sem
precedentes?" esta é a pergunta que toda a gente deveria
estar a fazer aos peritos financeiros. "Como é que podemos salvar
as dezenas de milhões de operadores económicos desconhecidos
afectados pela crise?" irá tornar-se na questão central para
todos os decisores políticos, económicos e financeiros a partir
do Verão de 2008. Tendo em conta a atmosfera virtual que parece
considerar que a manipulação da informação é
o meio de governação absoluto, a nossa equipa tende a ser
pessimista quando à capacidade dos dirigentes mundiais de dar respostas
eficazes à segunda questão. Em todo o caso, é a segunda
questão que é importante porque ainda pertence ao futuro, ainda
que o tempo esteja a escassear.
No próximo número do GEAB, o do Verão de 2008, a nossa
equipa irá descrever em pormenor as perspectivas para o segundo semestre
de 2008 em cada grande região do planeta; bem como, as
opções disponíveis, região por região,
sector por sector e por categorias de activos.
Notas:
[1] Na altura, a nossa equipa chamava a essa operação um
"processo de euforização dos actores".
[2] Quase todos os dias, um banco americano, europeu ou asiático anuncia
perdas ou reduções nos seus lucros de milhares de milhões
de dólares americanos ou de euros, como por exemplo ao longo das cinco
últimas semanas: Citigroup (fonte:
Bloomberg
, 18/04/2008), UBS (fonte:
New York Times
, 07/05/2008), Crédit agricole (fonte:
France24
,
13/05/2008), HSBC (fonte:
ICWales
, 12/05/2008), Lehman Brothers (fonte:
Financial Post
, 17/04/2008), Deutsche Bank (fonte:
International Herald Tribune
, 29/04/2008), Mizuho Bank (fonte:
India Times
, 11/04/2008), Royal Bank of Scotland (fonte:
Financial Week
, 28//042008), etc a lista completa seria demasiado longa.
[3] Três falências bancárias em três meses nos Estados
Unidos, sem contar com o banco Bear Stearns readquirido pela JP Morgan com o
dinheiro
da FED para evitar a sua falência, e Countrywide cujo comprador
providencial, o Bank of America, parece estar a ficar cada vez mais relutante
em concluir a operação.
Fontes:
CNNMoney
, 12/05/2008 &
BusinessWeek
, 06/05/2008.
[4] Tal como a nossa equipa havia antecipado há vários meses
atrás, as grandes companhias de seguros estão a começar a
ser obrigadas a reconhecer perdas significativas devido à crise.
Há poucas semanas atrás, duas companhias seguradoras americanas
de grande dimensão AIG, líder mundial, e State Street (que
arrisca a falência) abriram a temporada. Mas elas são
apenas as primeiras de uma longa lista: tal como os bancos, as companhias
seguradoras são apanhadas no meio das desvalorizações dos
activos e da insolvência dos clientes. Fontes:
CNNMoney
, 09/05/2008 &
DowJones/EfinancialNews
, 08/05/2008.
[5] Nos Estados Unidos, os preços do imobiliário residencial
baixaram uma média de 7,7% no primeiro trimestre de 2008, o que
significa a maior baixa desde há 29 anos (quando se começaram a
fazer estas estatísticas). No Reino Unido o governo está
preocupado com uma baixa de pelo menos 10% este ano. Fontes:
Bloomberg
,
13/05/2008 &
Telegraph
, 14/05/2008.
[6] Sobre este assunto, leia o excelente artigo de Ambrose Evans-Pritchard no
jornal
Telegraph
de 13/05/2008.
[7] Num comunicado de imprensa do dia 07/05/2008, a Reserva Federal de Atlanta
sublinha o facto de o dólar americano ter alcançado uma nova
baixa histórica em Abril em relação às grandes
divisas mundiais (não apenas em relação ao Euro). Fonte:
Federal Reserve Bank of Atlanta
, 07/05/2008.
[8] Fonte:
Comissão Europeia
, 28/04/2008
[9] Como sublinhado recentemente por David Rubinstein, o chefe do Carlyle
Group. Fonte:
Bloomberg
, 12/05/2006
[10] Como por exemplo Washington Mutual (fonte:
La Tribune
, 04/08/2008),
Citigroup (fonte:
BBC News
, 29/04/2008), Royal Bank of Scotland (fonte:
SkyNews
, 22/04/2008) e tantos outros como Société
Générale, UBS, etc. ou outros que se salvaram temporariamente
através de injecções de capital de fundos soberanos. Claro
que estas operações deverão parecer oportunidades a
não perder
pelo menos durante alguns meses.
[11] O exemplo mais flagrante é-nos dado pelo mercado imobiliário
americano cujos preços não param de descer, enquanto a
recessão económica em curso dissuade os potenciais compradores de
aproveitar os preços baixos, e enquanto os bancos que se
desintegram debaixo dos stocks de bens imobiliários adquiridos
reduzem o valor dos empréstimos imobiliários a potenciais
compradores. Isso contribui para que os preços baixem cada vez mais, que
a desvalorização dos activos dos bancos aumente, que a capacidade
de endividamento dos agregados familiares reduza, que as despesas relacionadas
com o imobiliário (um sector chave da economia americana) abrandem, que
as receitas fiscais reduzam e que os potenciais compradores esperem ainda mais.
É assim que o buraco se torna cada vez mais fundo debaixo dos pés
dos consumidores, dos bancos e das autoridades locais, nacionais e federais.
Para a nossa equipa esta tendência de baixa irá continuar pelo
menos até ao final de 2009.
15/Maio/2008
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin, Nº 25
O original encontra-se em
http://www.leap2020.eu/
Tradução de RM.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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