Crescem as tensões transatlânticas na véspera do G20
Wall Street e City tentam desestabilizar o sistema bancário
da UE e o Euro
Para o LEAP/E2020, as alternativas que se apresentam aos dirigentes do G20 na
reunião de Londres a 2 de Abril próximo são em
número de duas: 1) reconstruir um novo sistema monetário
internacional que permita um novo jogo global, integrando equitativamente todos
os principais actores mundiais, e dessa forma reduzir a crise a uma
duração de três a cinco anos; ou, 2) tentar fazer durar o
sistema actual e mergulhar o mundo, a partir do fim de 2009, numa crise
trágica durante mais de uma década.
Neste GEAB Nº 33 descrevemos as duas grandes linhas de futuro que
permanecerão abertas até o Verão de 2009. Para além
deste período, a nossa equipe considera efectivamente que a
opção "crise curta" estará obsoleta e que o
mundo entrará na fase da deslocação geopolítica
mundial da crise
[1]
, e da crise profunda de mais de uma década.
Além disso, face à urgência, a 24 de Março
próximo o LEAP/E2020 publicará à escala mundial uma carta
aberta aos dirigentes do G20, modesta contribuição da nossa
equipe para tentar evitar uma crise longa e trágica.
A situação torna-se tanto mais inquietante porque na
véspera da cimeira de 2 de Abril vêm à luz tensões
crescentes, as quais fazem emergir ameaças apenas veladas de certos
dirigentes do G20, bem como operações de
manipulação das opiniões públicas por parte de
outros.
Voltaremos com mais pormenores a estes aspectos no GEAB Nº 33. Neste
número a equipe do LEAP/E2020 decidiu igualmente efectuar um
exercício útil a todos os leitores (inclusive os dos Estados
Unidos, de onde provêm mais de 20% do público do LEAP/E2020) que
se exasperam com a ilusão mantida pelos principais media ocidentais
acerca do estado em que estão os EUA, pilar fundamental do nosso actual
sistema: antecipar o estado sócio-económico dos Estados Unidos
daqui a um ano, na Primavera de 2010. As tendências pesadas parecem-nos
com efeito estar já suficientemente afirmadas para que uma tal
antecipação tenha sentido. Um exercício da mesma ordem
será naturalmente efectuado para a União Europeia, a
Rússia e a China nos próximos números do GEAB.
Com uma mesma preocupação de fiabilidade das
informações, a equipe do LEAP/E2020 que desde Dezembro de
2007, no
GEAB Nº 20
, havia advertido contra o risco imobiliário na
Europa central e oriental decidiu analisar neste comunicado
público do GEAB Nº 33 a realidade da chamada "bomba
bancária do leste europeu" que invadiu os media há cerca de
um mês.
Este assunto parece-nos pertinente porque representa uma tentativa deliberada
da parte da Wall Street e da City
[2]
de fazer acreditar numa fractura da UE e instilar a ideia de um risco
"mortal" a pairar sobre a zona Euro, emitindo continuamente falsas
informações sobre o "risco bancário vindo da Europa
do Leste" e tentando estigmatizar uma zona Euro
"sensível" frente às medidas "voluntaristas"
americanas ou britânicas. Um dos seus objectivos é igualmente
tentar desviar a atenção internacional do agravamento dos
problemas financeiros em Nova York e Londres, enfraquecendo ao mesmo tempo a
posição europeia nas vésperas da cimeira do G20.
A ideia é brilhante: retomar um tema já bem conhecido das
opiniões públicas, assegurando uma adesão fácil ao
novo conteúdo; nele integrar uma ou duas analogias chocantes a fim de
assegurar uma grande difusão nos media e na Internet (pesquise no Google
"crise bancária Europa do Leste", o resultado é
eloquente); depois utilizar o apoio de alguns homens e
organizações servis sempre disponíveis para uma mentira
suplementar. Com um tal cocktail, é mesmo possível fazer
acreditar durante uns tempos que a guerra do Iraque é um êxito,
que a crise das subprime não afectará o sector financeiro, que a
crise financeira não afectará a economia real, que a crise
não é realmente grave, e que se ela for grave tudo está de
facto sob controle!
Quanto ao que aqui nos preocupa, o tema já bem conhecido é a
"separação entre a "Velha Europa" e a "Nova
Europa", entre uma Europa rica e egoísta e uma Europa pobre e cheia
de esperança. Desde Rumsfeld quanto ao Iraque até o Reino Unido
quanto ao alargamento [da UE], isto é um tema comum que nos tem sido repetido
infindavelmente durante dez anos pelos media anglo-saxónicos e
apaniguados, e de que certos media britânicos fizeram-se
especialistas
[3]
.
As analogias aqui são duas: a Europa do Leste é "a crise dos
subprime da UE" (subentendido que cada um forçosamente tem uma
crise de subprime em sua casa
[4]
); e uma crise na Europa do Leste terá o mesmo efeito terrível
que a crise asiática de 1997 (certamente porque tudo se passa no Leste
[5]
).
Os suspeitos disponíveis são numerosos. Em primeiro lugar,
encontra-se um agência de classificação, no caso a Moodys
[6]
que, como as suas congéneres, por um lado está ao serviço
integral da Wall Street e por outro é incapaz de ver um elefante num
corredor (eles fracassaram nas subprimes, nos CDS, no Bear Stearn, na Lehman
Brothers, na AIG, ...). Mas, misteriosamente, a imprensa financeira continua a
difundir as suas opinião, aplicando certamente um princípio muito
humano consistindo em pensar que um dia por simples acaso estatístico
acabarão por avaliar alguma coisa correctamente. No nosso caso, o eco
foi unânime: a Moodys havia identificado com muita
antecipação uma enorme "bomba" escondida no quarto dos
fundos da zona Euro (pois é exactamente do Euro que se trata aqui) ... a
qual não deixaria de devastar o sistema financeiro europeu.
A seguir, para credibilizar a coisa, utilizam-se alguns media visceralmente
anti-Euro (como o
Telegraph
por exemplo, que apesar de produzir algumas boas análises da crise,
devido à queda da Libra e da economia britânica actualmente tem
tendência a cegar no que se refere à zona Euro) e difunde-se uma
informação que se desmente a seguir (por ser inexacta) de modo a
ganhar credibilidade com o desmentido, com a marca do secreto
[7]
que revelaria um "tsunami financeiro" mundial em
preparação nomeadamente devido aos compromissos dos bancos da
Velha Europa no sector financeiro da Nova Europa
[8]
. Remexe-se tudo a cada dia através dos principais media financeiros
americanos e britânicos, sabendo que os outros os seguirão por
hábito. E com a UE é muito fácil uma vez que é
preciso sempre um longo momento para compreender e ainda mais tempo para
reagir, com a inevitável divergência que permite ricochetear a
manipulação. Desta vez, é o primeiro-ministro
húngaro,
Ferenc Gyurcsany
, que desempenha o papel do "pobre pequeno
novo mártir europeu". Para registo: os húngaros tentam em
vão desembaraçar-se do personagem desde que ele
involuntariamente, há dois anos, confessou ter mentido ao seu povo a fim
de se fazer reeleger, confirmando no caminho que havia endividado o seu
país para além de todo limite razoável. E é ele que
anuncia números delirantes para um plano de salvamento do sistema
financeiro da Europa do Leste, atribuindo aos velhos europeus o papel de
"maus" ou de "inconscientes". A recusa destes
últimos é posta em destaque pelo conjunto da imprensa americana e
britânica, concluindo naturalmente pela inevitável derrota da
solidariedade europeia, ... e minimizando (ou mesmo por vezes esquecendo) o
facto de que foram os polacos ou os checos os mais violentos contra as
exigências aberrantes do primeiro-ministro húngaro
[9]
. A tentativa de enfraquecer a zona Euro e a UE pelo Leste pode portanto
prosseguir. Há que aguardar as declarações reiteradas dos
dirigentes da zona Euro, o anúncio de um plano de apoio financeiro
substancial (diante dos riscos reais) e os comunicados musculados dos
dirigentes políticos e dos banqueiros centrais da região para que
esta manipulação comece a perder um pouco do seu vigor. Mas ela
não desapareceu de todo, pois nos media mencionados é mantido o
paralelo entre a crise das subprime e a crise imobiliária na Europa do
Leste, como se a Hungria equivalesse à Califórnia, ou a
Letónia à Florida.
Pois aqui está o nó do problema: a dimensão tem
importância em matéria económica e financeira. Não
é a cauda que faz balouçar o cão, como alguns desejariam
visivelmente fazer acreditar.
Já em Dezembro de 2007, num momento em que os nossos "actuais
peritos em crise na Europa do Leste" não tinham a menor ideia do
problema, o LEAP/E2020 sublinhara o risco imobiliário importante que
pesava sobre os países europeus afectados (Letónia, Hungria,
Roménia, ...) e naturalmente sobre os seus credores (Áustria,
Suíça em particular). Para a nossa equipe, era evidente nessa
altura que se tratava de um problema limitado aos países afectados.
Há muitos problemas pela frente para estes operadores e estes
países, mas eles não são mais graves que a média
dos problemas do sistema financeiro mundial; e sem nenhuma medida comum com os
problemas das praças financeiras de Nova York, Londres ou da
Suíça. Recordamo-nos que o banco mais citado como
"detonador" desta "bomba leste europeia", a saber, o banco
austríaco Raiffeisen, realizou um lucro em alta de 17% em 2008; um
desempenho para além das mais loucas esperanças da maior parte
dos bancos americanos ou britânicos como observa correctamente William
Gamble, um dos raros analistas que se interessaram pela realidade da
situação
[10]
.
Para aqueles que conhecem mal a geografia da UE, o título "a
Hungria em bancarrota" ou "a Letónia em bancarrota" pode
parecer inteiramente comparável a "a Califórnia em
bancarrota". Para os que perdem o seu emprego devido a estes fracassos,
é com efeito um problema idêntico. Mas em termos de impacto mais
amplo, não há nenhuma relação entre os dois. Assim,
a Califórnia, duramente atingida pela crise dos subprimes, é o
estado mais povoado e o mais rico dos Estados Unidos ao passo que a
Letónia é um país pobre com uma população
igual a menos de 1% daquela da UE (contra 12% da população dos
EUA para a Califórnia
[11]
). O PIB da Hungria representa apenas 1,1% do PIB da zona Euro (para a
Letónia este percentual é de 0,2%)
[12]
: ou seja, uma proporção comparável à de Oklahoma
(1% do PIB dos Estados Unidos
[13]
), não à da Florida. Está-se portanto longe de uma Europa
do Leste portadora de uma crise das subprime à europeia. O conjunto dos
novos Estados membros da UE pesa menos de 10% do PIB da UE (e dentre estes, os
mais ricos ou os maiores como a Chéquia ou a Polónia quase
não são afectados). O montante em causa, para o sistema europeu,
situa-se no pior dos casos em torno dos 100 mil milhões de Euros
(US$130 mil milhões)
[14]
, ou seja, uma quantia módica à escala do sistema financeiro da
UE
[15]
. Além disso, a UE assumiu a direcção de um
consórcio que já injectou cerca de 25 mil milhões
(ou seja, 20% do cenário mais grave) para estabilizar a
situação
[16]
, da qual a recente baixa do Franco suíço ainda diminui a
gravidade.
E,
last but not least,
na Europa do Leste o imobiliário recente manterá um valor
importante (ainda que mais fraco do que em 2007/2008) pois, após 50 anos
de comunismo, há uma penúria de imóveis modernos. Ao passo
que nos Estados Unidos as casas construídas durante o boom
imobiliário destes últimos anos são
construções em excesso, de uma qualidade muito variável e
que já estão em vias de se degradar nos estados mais afectados.
Há ali uma verdadeira destruição de riqueza para os
proprietários, a economia, os credores e os bancos.
A complexidade desta crise impõe que se seja muito vigilante para
identificar as tendências e os factores que são realmente
portadores de perigos graves e não se deixar enganar pelos rumores ou as
falsas informações.
Esperamos portanto que esta explicação pormenorizada possa
não só torcer o pescoço à mentira orquestrada em
torno da chamada "bomba financeira" da Europa do Leste
[17]
como também sirva de exemplo a fim de permitir a cada um "romper
as aparências" e ir procurar "por trás do espelho"
dos media financeiros dominantes os elementos factuais, os únicos que
proporcionam uma ideia precisa.
Se a cimeira do G20 de Londres não conseguir evitar a entrada na fase da
deslocação geopolítica mundial, estas
operações de manipulação e de
desestabilização irão multiplicar-se, procurando cada
bloco desacreditar o seu adversário, como em todo jogo de soma nula
[18]
: aquilo que perde ele, ganho eu.
15/Março/2009
Notas:
(1) Ver
GEAB N°32
(2) Difundidos por todos entre os media financeiros e os peritos, a maior parte
dos quais não tinha a mais remota ideia de um problema
habitacional/financeiro a aproximar-se em alguns países do Leste Europeu
quando, em Dezembro de 2007, o LEAP/E2020 descreveu o risco.
(3) Não há surpresa portanto em que Marketwatch retome num artigo
sobre o assunto as acusações feitas contra o Banco Central checo.
Fonte: Marketwatch, 09/03/2009.
(4) O que contudo é falso. Nenhum outro país, excepto os Estados
Unidos e o Reino Unido, experimenta uma tal convergência de factores
catastróficos.
(5) Enquanto os países da Europa central e oriental afectados (Hungria,
países bálticos, Bulgária, Roménia) são
totalmente marginais na economia mundial, os países do Sudeste
Asiático eram actores-chave da globalização nos anos 1990.
(6) Fonte:
Reuters
, 17/02/2009
(7) E isto faz com que mesmo os sítios bem informados estejam incertos
sobre a atitude a tomar em relação a esta
"informação", mantendo portanto a sua credibilidade,
como é o caso por exemplo de Gary North, a 19/Fevereiro/2009, no
sítio
LewRockwell.com
.
(8) Fonte:
Telegraph,
15/02/2009
(9) Fonte:
EasyBourse
, 01/03/2009
(10) Fonte:
SeekingAlpha
, 26/02/2009
(11) Fonte: Statistiques 2007,
US Census Bureau
.
(12) Fonte:
Statistiques 2008
, Eurostat. E os países bálticos
são "cobiçados" pelos países escandinavos, em
particular pela Suécia que toma todo o cuidado para evitar uma espiral
incontrolável na região. Fonte:
International Herald Tribune,
12/03/2009
(13) Fonte: Statistiques 2008,
Bureau of Economic Analysis
, US Department of Commerce.
(14) Fonte:
Baltic Course
, 05/03/2009
(15) E ridículo em relação às centenas de milhares
de milhões que, de modo reiterado, os governos americano e
britânico não param de injectar nos seus bancos.
(16) Fonte:
Banque Européenne d'Investissement
, 27/02/2009
(17) E não perderemos tempo aqui acerca da amálgama feita com a
Ucrânia (amálgama para a qual Nouriel Roubini, geralmente mais
sagaz, contribuiu fonte:
Forbes
, 26/02/2009), que não só
não pertence à UE como é um peão de Washington e de
Londres desde a "revolução laranja". O actual
afundamento da Ucrânia, se bem que possa apresentar problemas para a UE
como todo factor de instabilidade nas suas fronteiras, ilustra o
"afundamento do Muro do Dólar" em detrimento das
posições americanas pois é a Rússia que vai ali
recuperar a sua influência. No momento em que na Wall Street e na City os
grandes bancos afundam ou são nacionalizados, com esta
manipulação tentou-se fazer esconder a floresta
americano-britânica com a árvore leste europeia. Alguns
deixaram-se apanhar com toda a honestidade pois a história era
crível: "si non è vero è bello" como dizem os
italianos.
(18) O que se tornará o mundo a partir do fim de 2009, se não for
lançado um novo jogo daqui até ao próximo Verão.
Outros comunicados do GEAB:
Princípio da fase 5 da crise sistémica global: A deslocação geopolítica mundial
Fase IV da crise sistémica: Começa a sequência da insolvência global
Crise sistémica global: Novo ponto de inflexão em Março de 2009
Fase IV da crise sistémica global: Ruptura do sistema monetário mundial até ao Verão de 2009
Crise sistémica global: Cessação de pagamentos do governo americano no Verão de 2009
Porque manter a previsão da taxa de câmbio Euro-USD a 1,75 no fim de 2008
Julho-Dezembro de 2008: O mundo mergulha no coração da fase de impacto da crise sistémica global
Novo ponto de inflexão da crise sistémica global: Quando a ilusão de que a crise está dominada se desvanece…
Crise sistémica global: Quatro grandes tendências para o periodo 2008-2013
Crise sistémica global Fim de 2008: Derrocada dos fundos de pensão
Crise sistémica global Fase de afundamento da economia real dos EUA: Setembro/2008
2008: Fase de pleno impacto global da Muito Grande Depressão dos EUA
Fase de ruptura do sistema financeiro mundial em 2008
Bancos mundiais aspirados para o "buraco negro" da crise financeira: Os quatro factores desencadeadores da grande falência bancária
As sete sequências da fase de impacto da crise sistémica global (2007-2009)
A crise actual explicada em mil palavras
Crise das subprimes: Após o sector financeiro, a próxima vítima será o US dólar
A economia americana entrou em recessão no 1º trimestre de 2007
Crise sistémica global - Abril de 2007: Ponto de inflexão da fase de impacto e entrada em recessão da economia dos EUA
Fase de impacto da crise sistémica global: Os seis aspectos da "Muito grande depressão americana" de 2007
Novembro/2006: Princípio da fase de impacto da crise sistémica global
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Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
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