Verão de 2009:
Confirma-se a ruptura do sistema monetário internacional
A próxima etapa da crise será determinada por um sonho
chinês. Com efeito, o que de melhor pode sonhar Pequim preso, segundo
Washington, na "armadilha dólar" dos seus 1.400 mil
milhões de activos denominados em US dólar
[1]
? Segundo os dirigentes americanos e o seu cortejo de peritos
mediáticos, seria continuar a ser prisioneiro e até mesmo
reforçar esta condição carcerária comprando sempre
mais Títulos do Tesouro e US dólares
[2]
.
Contudo, todo o mundo sabe com o que sonha realmente um prisioneiro. Em
evadir-se certamente, em sair da sua prisão. Para o LEAP/E2020
não há dúvida que doravante Pequim procura sem descanso
[3]
desembaraçar-se o mais rapidamente possível desta montanha de
activos "tóxicos" que se tornaram os Títulos do Tesouro
dos EUA e a divisa americana sob a qual a riqueza dos 1300 mil milhões
de chineses
[4]
está aprisionada. Neste GEAB Nº 34, a nossa equipe pormenoriza
pois "os túneis e as galerias" que Pequim escava discretamente
desde há vários meses no sistema económico e financeiro
mundial a fim de escapar à "armadilha dólar" daqui
até o fim do Verão de 2009. Sobre o pano de fundo da
cessação de pagamentos dos Estados Unidos abrir-se-á o
período a partir do qual o "cada um por si" tornar-se-á
a regra do jogo internacional, na linha directa de um G20 de Londres cujo
comunicado final pode ser lido como a "crónica de uma
deslocação geopolítica anunciada" tal como o
LEAP/E2020 analisa neste número do Global Europe Anticipation Bulletin.
Por trás do "jogo de tolos" londrino, em que cada um pretendeu
acreditar que uma colaboração internacional
"histórica"
[5]
estava em acção, constata-se de facto uma profunda
divisão do G20: os americanos e os britânicos (seguidos por um
Japão dócil) tentam desesperadamente preservar o seu controle
sobre o sistema financeiro mundial, bloqueando ou diluindo toda reforma
significativa que dê uma poder mais importante aos outros actores do
sistema, sem ter mais suficiente poder para impor seus objectivos. Os chineses,
os russos, os indianos, os brasileiros, ... tentam reequilibrar o sistema
monetário e financeiro internacional em seu favor, mas sem poder (ou
talvez mesmo sem querer verdadeiramente
[6]
) impor uma tal reforma. Os europeus (e quando se utiliza esta palavra ela
implica cada vez mais uma UE sem o Reino Unido) demonstram-se pelo seu lado
incapazes de decidir entre as duas únicas opções que se
lhes oferece: afundar com os Estados Unidos e o Reino Unido copiando suas
políticas ou então por fundamentalmente em causa o sistema
monetário e financeiro actual em parceria com os chineses, os russos, os
indianos e os brasileiros. Eles chegam a não seguir Washington em
Londres na reprodução das suas políticas passadas que
já faliram todas
[7]
, mas não chegam a ousar preparar o futuro.
Os europeus arcarão igualmente com uma grande responsabilidade se, na
breve janela temporal que resta (menos de seis meses doravante), nenhuma
acção importante for empreendida para evitar a crise longa e
trágica que durará mais de uma década
[8]
. Eles possuem em simultâneo o know-how técnico para permitir o
êxito de uma divisa internacional fundada sobre um cabaz das principais
moedas e um método político que permite gerir o melhor
possível os interesses estratégicos diversos de um conjunto de
países como aqueles cuja moeda estaria por trás da nova divisa
internacional de referência. Contudo, existe hoje uma incapacidade
evidente dos dirigentes da UE (e nomeadamente da zona Euro) para assumir estas
responsabilidades, como se finalmente preferissem ver o sistema ocidental
acabar de se romper (sempre proclamando o contrário) ao invés de
se baterem para fazer uma ponte para um novo sistema mundial: que isto seja uma
escolha (o que o LEAP/E2020 não crê) ou que seja o simples
resultado da pusilanimidade de dirigentes europeus escolhidos pela sua
docilidade (para com Washington e grandes operadores económicos e
financeiros europeus), em qualquer dos casos, a sua neutralidade é muito
perigosa para o planeta pois ela impede o lançamento de um processo
eficaz que permite evitar uma crise longa e trágica
[9]
.
Assim, neste GEAB Nº 34, nossos investigadores desenvolvem mais as suas
antecipações sobre as formas possíveis que tomará a
cessação de pagamentos americana daqui até o fim do
Verão de 2009 e que o mês de Abril de 2009 (o principal mês
de arrecadação das receitas fiscais nos Estados Unidos) vai
doravante tornar impossível mascarar
[10]
. A cessão de pagamentos dos Estados Unidos no Verão de 2009
é com efeito de uma actualidade sempre mais candente com um
défice público doravante totalmente fora de controle sobre um
fundo de explosão das despesas (+41%) e de afundamento das receitas
fiscais (-28%) como antecipou o LEAP/E2020 há mais de um ano: só
no mês de Março de 2009, o défice federal subiu a cerca de
200 mil milhões de dólares (muitíssimo acima das
previsões mais pessimistas), ou seja, a apenas um pouco menos da metade
do défice recorde do conjunto do ano de 2008
[11]
. E o mesmo fenómeno repete-se a todos os níveis da estrutura
pública do país: Estado federal, estados federados
[12]
, condados, cidades
[13]
, ... por toda a parte as receitas fiscais se evaporam arrastando de modo
acelerado o conjunto do país numa espiral deficitária que
ninguém (Washington em primeiro lugar) domina mais.
Neste GEAB Nº 34, nos investigadores debruçam-se igualmente sobre o
"mistério do curso do ouro". Para o metal amarelo, nossos
pesquisadores (não de ouro, mas de informação)
identificaram algumas pistas muito interessantes para compreender porque
[14]
, quando os compradores de ouro são legião e em numerosos
países assinalam-se rupturas de abastecimento de peças ou
lingotes de ouro, o curso do metal amarelo não faz senão oscilar
em torno do mesmo eixo desde há meses.
Finalmente, nossa equipe apresenta as suas recomendações quanto
à preparação para os próximos meses da crise
atendo-se este mês, nomeadamente, à poupança em geral e aos
seguros de vida em particular.
15/Abril/2009
Notas:
(1) Se o conjunto das reservas chinesas for doravante avaliado em cerca de
US$2000 mil milhões, a parte de activos denominados em dólares
não é no máximo senão de 70%, o que dá cerca
de US$1400 mil milhões. O resto consiste no essencial em activos
denominados em Euros.
(2) Não esquecemos que foram em geral os mesmos "peritos" que
nestes últimos anos prediziam que a economia mundial beneficiar-se-ia
com a supressão da regulamentação dos bancos, que a
economia da Internet abria o caminho para um crescimento sem fim, que os
défice americanos eram um sinal de força, que os preços do
imobiliário nos EUA não pararia de subir e, enfim, que
endividar-se sem restrições era a forma moderna de um
enriquecimento duradouro.
(3) A mensagem sobre mudança necessária de divisa internacional
de referência que Pequim dirigiu ao mundo inteiro, e às
autoridades americanas em particular, na véspera da cimeira do G20 de
Londres não de forma alguma um "balão de ensaio" ou uma
tentativa sem esperança de êxito. Os dirigentes chineses
não tinham nenhuma ilusão sobre a probabilidade de que um tal
assunto fosse discutido no decorrer deste G20. Eles quiseram impor este debate
nos corredores da cimeira a fim de fazer passar uma mensagem, uma
advertência oficiosa a todos os actores do sistema monetário
internacional: para Pequim, o sistema dólar está acabado. Se
ninguém quiser preparar um sistema alternativa em comum, então
isto será feito de outra forma. E os seus actos, analisados neste
número do GEAB, corroboram esta intenção. Igualmente, o
acaso no calendário político é uma raridade em Pequim, no
mesmo período saiu um livro intitulado "A China descontente",
que pede uma acção mais voluntarista dos líderes chineses
a fim de impor as suas escolhas no cenário internacional. Fonte:
ChinaDailyBBS
, 27/03/2009
(4) Um link original para acompanhar este número em tempo real:
Chine Informations
.
(5) Foi de facto Angela Merkel que deu prova da maior clarividência ao
encontrar a palavra justa sobre a natureza da cimeira do G20 em Londres. Ela
disse que era uma reunião
"quase histórica"
; e
está correcta a palavra "quase" que resume o que se passou em
Londres. Os dirigentes do G20 "quase" abordaram as questões
essenciais; eles "quase" definiram um programa comum de
acção; eles "quase" chegaram a lançar novos
estímulos económicos e uma nova regulação
financeira mundial; eles "quase" proibiram os paraísos
fiscais; e eles "quase" convenceram a opinião pública
mundial. "Quase" mas, infelizmente, não realmente. E isto faz
uma grande diferença para o prosseguimento da crise.
(6) É com efeito o dilema do "jogo internacional" desenvolvido
no GEAB Nº 33. Num certo momento, o interesse dos jogadores cujo poder
aumenta é deixar pura e simplesmente que o antigo jogo se parta para
reconstruir um que lhes convenha ao invés de se baterem para transformar
o antigo jogo através de uma transição longa e incerta.
(7) Nomeadamente o endividamento público ao extremo, que Washington e
Londres chamam de "estímulo económico".
(8) O G20 de Londres inscreve-se directamente na direcção desta
crise de longa duração.
(9) A propósito da UE, a equipe do LEAP/E2020 deseja sublinhar a
inanidade das "análises" económico-políticas,
emitidas essencialmente por eminentes e economistas e peritos próximos
do Partido Democrata americano, divulgadas actualmente pelos principais media
internacionais, e que se limitam a criticar os europeus ... por não
fazerem como Washington. Com Paul Krugman à cabeça, estes
"grandes amigos" da Europa, que amam-na tanto que pensam saber melhor
que os europeus o que ela deve fazer (e também o que ela deve ser pois
os mesmos geralmente defendem também a sua extensão à
Turquia, mesmo a Israel e à Ásia Central), fariam melhor se se
ocupassem a aconselhar eficazmente o seu próprio partido e o seu novo
presidente para evitar o afundamento do seu país, pois é
exactamente disso que se trata a partir de agora. Enfim, e não
voltaremos mais ao assunto, é pelo menos espantoso que um conjunto de
peritos que desde há anos tanto louvaram os méritos de um sistema
que hoje se afunda sob os olhos de todos, ouse ainda dar lições
ao resto do mundo. A mais elementar decência deveria impor-lhe, a
nível internacional, a única via respeitável
possível: o silêncio. Em todo caso, na Europa, este discurso, que
naturalmente tem sempre os seus repetidores académicos e
jornalísticos, não passa mais pois ele vem directamente de uma
época ultrapassada. Como faz notar regulamente o LEAP/E2020, é
evidentemente necessário e legítimo um olhar muito crítico
sobre a UE, seus dirigentes e suas políticas; mas fazê-lo tendo
como único critério a conformidade ou não às
orientações de Washington (ou Londres) é doravante
inaceitável. Visivelmente, a imagem dos financeiros que ainda não
compreenderam que uma página foram virada no que se refere às
suas acções-opções e aos seus "paraquedas
dourados", de numerosos intelectuais e políticos que ainda
não integraram bem que as suas referências, os seus valores e as
suas análises doravante pertencem ao passado. Que eles pensem nas elites
do bloco soviético ... e compreenderão como e a que velocidade um
sistema de pensamento pode tornar-se obsoleto.
(10) Para além da baixa das receitas fiscais, assiste-se doravante nos
Estados Unidos a extensão de um movimento de revolta contra a
utilização dos impostos para salvar a Wall Street e contra a
ampliação dos défices previstos, que põem em causa
o conjunto da classe dirigente americana. Fontes:
USAToday,
13/04/2009 ;
MarketWatch
} , 16/04/2009
(11) Fontes :
USAToday,
11/04/2009;
MarketWatch
} , 10/04/2009
(12) Na Califórnia, os primeiros dias de Abril fazem temer receitas
muitíssimo inferiores às piores previsões, implicando um
défice orçamental multiplicado por dois para a Califórnia
em relação às previsões de há apenas alguns
meses. Ao nível federal, um processo do mesmo tipo está em curso,
tornando doravante encarável, segundo o LEAP/E2020, um défice
federal anual próximo dos US$3500 mil milhões, ou seja, mais de
20% do PNB dos Estados Unidos. Fonte:
CaliforniaCapitol
, 08/04/2009
(13) O exemplo destas cidades que, como Auburn na região de Seattle,
devem proibir seus grandes eixos viários aos peso-pesados por falta de
meios para os manter é eloquente. Fonte:
SeattleBusinessJournal
,
10/04/2009
(14) E permitir assim antecipar as tendências dos próximos meses.
Outros comunicados do GEAB:
Crescem as tensões transatlânticas na véspera do G20
Princípio da fase 5 da crise sistémica global: A deslocação geopolítica mundial
Fase IV da crise sistémica: Começa a sequência da insolvência global
Crise sistémica global: Novo ponto de inflexão em Março de 2009
Fase IV da crise sistémica global: Ruptura do sistema monetário mundial até ao Verão de 2009
Crise sistémica global: Cessação de pagamentos do governo americano no Verão de 2009
Porque manter a previsão da taxa de câmbio Euro-USD a 1,75 no fim de 2008
Julho-Dezembro de 2008: O mundo mergulha no coração da fase de impacto da crise sistémica global
Novo ponto de inflexão da crise sistémica global: Quando a ilusão de que a crise está dominada se desvanece…
Crise sistémica global: Quatro grandes tendências para o periodo 2008-2013
Crise sistémica global Fim de 2008: Derrocada dos fundos de pensão
Crise sistémica global Fase de afundamento da economia real dos EUA: Setembro/2008
2008: Fase de pleno impacto global da Muito Grande Depressão dos EUA
Fase de ruptura do sistema financeiro mundial em 2008
Bancos mundiais aspirados para o "buraco negro" da crise financeira: Os quatro factores desencadeadores da grande falência bancária
As sete sequências da fase de impacto da crise sistémica global (2007-2009)
A crise actual explicada em mil palavras
Crise das subprimes: Após o sector financeiro, a próxima vítima será o US dólar
A economia americana entrou em recessão no 1º trimestre de 2007
Crise sistémica global - Abril de 2007: Ponto de inflexão da fase de impacto e entrada em recessão da economia dos EUA
Fase de impacto da crise sistémica global: Os seis aspectos da "Muito grande depressão americana" de 2007
Novembro/2006: Princípio da fase de impacto da crise sistémica global
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu
Este comunicado encontra-se em
http://resistir.info/
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