Grécia, o arauto do colapso financeiro global
por Valentin Katasonov
A crise da dívida grega está hoje nos radares. Mas é uma
pena que 99% das publicações sejam dedicadas apenas às
implicações para a Grécia e a eurozona. Esta
questão deveria ser considerada num contexto mais vasto. As
implicações deveriam ser analisadas à escala global.
Primeiro,
seja qual for a espécie de acordo alcançado entre Atenas e
Bruxelas, ninguém pode dizer o que está reservado à
Grécia e à União Europeia. Se a Europa for afectada na
totalidade, isto provocará ondas de choque que abrangem o mundo todo.
Segundo,
evidentemente, nenhumas soluções fundamentais estão na
agenda das conversações conduzidas pelos responsáveis dos
estados. O Fundo Monetário Internacional é um participante nas
negociações. Ele tem uma reputação de organismo
internacional que nunca apresenta soluções reais para problemas.
Pode-se com razão suspeitar que nem organizações
internacionais nem a Grécia procuram realmente uma saída para a
situação.
Há países que têm um rácio dívida-PIB muito
mais elevado. No Japão, por exemplo, ele excede os 200%. Quando a crise
financeira mundial estava no auge em 2008-2009 foram exprimidas novas ideias em
cimeiras do G20 e outros fóruns. Nos últimos cinco anos todas
elas caíram no esquecimento. Não deveria ser assim.
Em Fevereiro último o McKinsey Global Institute publicou seu
relatório
Debt and not Much Deleveraging.
Diz ele que sete anos após o estouro de uma bolha global do
crédito, a dívida continua a crescer. De facto, ao invés
de reduzir o endividamento, ou desalavancar, todas as economias principais de
hoje têm níveis de empréstimos em relação ao
PIB mais altos do que tinham em 2007. A dívida global nestes anos
cresceu em US$57 milhões de milhões
(trillion),
elevando o rácio dívida-PIB em 17 pontos percentuais.
Isto coloca novos riscos para a estabilidade financeira e pode minar o
crescimento económico global. O montante da dívida mundial
atingiu os US$199 milhões de milhões no fim de 2014, a comparar
com US$142 milhões de milhões em 2007, com a taxa de crescimento
excedendo o ritmo da expansão económica global e o rácio
dívida-PIB aumentou de 269 para 286 por cento. Os autores deste
relatório exprimem alarme. A situação global é pior
do que no tempo em que a crise global se desencadeou. Naquele tempo a causa foi
uma inundação de empréstimos hipotecários
irresponsáveis nos EUA.
Hoje a situação é agravada pelos problemas na Europa
devido à crise da dívida grega e pelo estouro da bolha do mercado
de acções na China que afectam a economia global. A Grécia
deveria ter sido uma advertência para a comunidade mundial. Este
país apresenta uma boa lição a ser aprendida. Tais
instrumentos tradicionais como reestruturação parcial,
concessão de novos créditos e mesmo incumprimento soberano num
país individual não podem proteger a humanidade da crise global
da dívida. As regras da matemática financeira entram em jogo para
disparar um processo que se assemelha à propagação do
cancro, uma espécie de reacção em cadeia extremamente
difícil de travar. Uma nova rodada de reestruturações ou
ainda outros pacotes de ajuda apenas adiam o momento do colapso final.
Em 2012 a dívida grega foi reestruturada para ser reduzida em 100 mil
milhões de euros ou cerca de 130% do PIB. A ajuda proporcionada pela
"grande Troika" de prestamistas internacionais de moeda fê-la
ascender para 170% num curto espaço de tempo. Hoje é igual a
175% do PIB. Bruxelas oferece um novo pacote de ajuda de 86 mil milhões
de euros a ser reembolsado em três anos. Os peritos que analisaram os
pormenores chegaram à conclusão de que no Verão de 2018 a
dívida pública grega ultrapassará os 200% do PIB.
"Reestruturação da dívida", "ajuda
financeira", "refinanciamento da dívida" tudo isto
são jogos só para dar aparência de actividade
frenética. Em resultado destas "reformas" a economia grega
afundou completamente. Seu PIB caiu em 20% nos últimos cinco anos. As
novas medidas não podem travar o deslizamento para o fundo. O colapso da
economia grega está pré-programado. Isto deveria provocar uma
pausa em Bruxelas. A sua política é irracional. Ela mata a
Grécia e toda a Europa unida. A reacção em cadeia a seguir
afectará a Itália, a Espanha e Portugal. Alguns outros
países europeus "fracos" podem sofrer quando o processo se
desenrolar. Uma nova reestruturação da dívida grega pode
atingir os grandes detentores de títulos gregos. Chipre foi uma presa
na recente reestruturação que teve lugar em 2012. Foi preciso um
grande esforço para resgatar aquela nação insular com a
ajuda de decisões "não padronizadas" (confisco de
depósitos).
Dizem que os deuses tornam loucos àqueles que pretendem destruir. Neste
momento isto tem relação com Bruxelas. A pirâmide global da
dívida mais cedo ou mais tarde desmoronará. Será um
problema de resolução impossível. O efeito de
propagação que se seguirá provocará um retrocesso
violento. É difícil dizer com exactidão como
acontecerá. Um cenário prevê um desenvolvimento
espontâneo de acontecimentos inesperados para todos, incluindo os
prestamistas de moeda. Em outro caso os prestamistas estarão bem
preparados para o colapso. Eles o provocarão quando o momento for
propício.
Desde há muito os prestamistas de moeda começaram a implementar
uma política destinada a aumentar a dívida pública e
geral. A dívida pública dos EUA chegou aos 110% do PIB. Ela pode
ser aumentada um pouco mais mas é difícil dizer
exactamente
quanto crescerá. Evidentemente, ninguém pode arcar com uma
dívida igual a 500% do PIB. O governo dos Estados Unidos não
podem atender ao serviço de uma tal dívida. Não é
apenas a dívida total mas as taxas de juros que constituem o fardo sobre
o orçamento. As taxas de juro dependem das taxas do Federal Reserve
System as quais se mantêm nos 0,25% actualmente. Esta taxa permite
à América aumentar a dívida. Um aumento de 2-3% (um
nível muito modesto de acordo com os critérios do século
passado) significaria um colapso.
Isto pode disparar a implementação do plano "Zero"
destinado a abolir dívidas, especialmente a dívida pública
dos EUA denominada em US dólares. A implementação pode
seguir alguns cenários. Num, por exemplo, o dólar poderia ser
grandemente desvalorizado. Uma outra possibilidade é uma reforma
monetária lançada pelo governo estado-unidense. Ele pode emitir
novos dólares, ou uma nova divisa. Há poucos anos discutia-se a
possibilidade de emitir o
Amero
, uma nova divisa para os Estados Unidos,
Canadá e México. Washington trocaria dólares antigos
por novos só na condição de os possuidores da nota
verde provarem não estarem envolvidos em esquemas de lavagem de
dinheiro, não terem relação com actividades
terroristas, nunca terem violado sanções económicas e
não terem relação com corrupção...
Alguns financeiros gostam de fazer piada dizendo que se houver activos
alguém sempre terá alguma razão para duvidar da sua
legalidade. Eles querem dizer que há uma ténue probabilidade de o
Tio Sam trocar os velhos dólares por nova divisa. As reservas
internacionais da China, Japão, Arábia Saudita e outros
países, totalizando alguns milhões de milhões de
dólares, desvanecer-se-ão juntamente com os milhões de
milhões pertencentes a companhias e não residentes que utilizam
contas off-shore. A dívida mundial hoje excede os 200 milhões de
milhões, metade dela em US dólares. Cerca da metade da
dívida em US dólar cabe a não residentes. A América
terá de "incinerar" 50 milhões de milhões, ou
cerca de dois terços do PIB global.
A implementação do Plano "Zero" provocará uma
exacerbação abrupta dos relacionamentos inter-estatais. Isto pode
levar a conflitos armados ou a uma grande guerra. Será que a humanidade
sobreviverá em condições de sobrecarga e reinício?
Prestamistas de dinheiro desejarão minimizar as despesas através
do uso da força. Washington está abertamente a flexionar
músculos. Acredita-se amplamente que a causa é seu impasse com
Moscovo. Em alguma medida isso é verdade, mas há algo mais. Caso
dívidas em dólar sejam anuladas as relações de
Washington com o mundo exterior serão exacerbadas. Ela precisará
demonstrar sua prontidão para utilizar a força.
Prestamistas de moeda acreditam que lhes será dada uma folha limpa para
começar uma nova vida. Mas há muitos modos diferentes de fazer
isto. Pode-se lançar a construção de uma outra
pirâmide de dívida baseada na divisa de papel. Mas este
padrão (como, por exemplo, o sistema de divisas da Jamaica com 40 anos
de idade) foi desacreditado. A humanidade está farta dele. Uma nova
pirâmide de dívida seria erguida mais rapidamente do que a
anterior.
O outro cenário é mais realista. A humanidade pode voltar
atrás para o padrão ouro que existiu cerca de 150 anos (em 1821
ele surgiu na Grã-Bretanha e foi eficaz até a conferência
da Jamaica na década de 1970, quando foi rejeitado). Realmente,
prestamistas de moeda estão bem preparados para este cenário.
Este ponto de vista é apoiado por muitos factos. Durante muitos anos as
reservas oficiais de ouro dos EUA e outros países foram esgotadas,
especialmente o ouro armazenado em Fort Knox, Kentucky, onde o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos tem mantido o Depósito de Barras de Ouro
(Bullion Depository)
desde 1937. Esta instalação é operada unicamente pelo
Departamento do Tesouro. Não houve auditoria ali desde a década
de 1950. O mesmo se pode dizer dos cofres do Federal Reserve Bank of New York
(Manhattan) o guardião e custodiante do ouro em nome de
detentores de contas, as quais incluem o governo dos EUA, governos
estrangeiros, outros bancos centrais e organizações
internacionais oficiais. A nenhuma entidade individual ou do sector privado
é permitido armazenar ouro naquele cofre. A Alemanha desde 2012 tem
estado a pedir o seu ouro de volta. Até agora não lhe foi dada
oportunidade de auditar seu ouro armazenado em Manhattan. Isto dá o que
pensar.
Não há dúvida de que o padrão ouro é bom
só para prestamistas de ouro. Os outros terão de procurar pelo
metal a fim de apoiar suas divisas. Este cenário encara a
utilização do ouro como uma opressão dourada.
Resumindo tudo, pode-se chegar à conclusão de que não
estão a ser feitas quaisquer tentativas a nível global para
impedir uma crise financeira geral provocada pelas dívidas. Nenhumas
ideias estão a ser avançadas nem pelo Fundo Monetário
Internacional, nem pelo Bank of International Settlements, nem pelas
Nações Unidas. Se assim é, negociações
sérias sobre medidas preventivas deveriam ser iniciadas a nível
regional. Os BRICS ou a Organização de Cooperação
de Shangai poderiam tornar-se plataformas para lançar o processo de
negociação tendo em vista acordar mecanismos de pagamentos e
acertos mútuos sem a utilização do US dólar
até que o plano "Zero" seja lançado. Aos planos a
nível regional deveriam ser acrescentados programas nacionais
destinados a conter a segunda onda da crise financeira. Os eventos relacionados
com a Grécia fazem-nos perceber quão aguda é esta
questão.
20/Julho/2015
Do mesmo autor em resistir.info:
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O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/...
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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