Os fins e os meios
por Rodrigo Granda
Questões formuladas por Jean Batou
[*]
Em Havana, no passado dia 24 de Julho, o nosso jornal conseguiu uma entrevista
exclusiva com Rodrigo Granda, membro da Comissão Internacional das
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
Exército do Povo (FARC-EP), sequestrado na Venezuela pela polícia
secreta colombiana, encarcerado, e finalmente libertado a pedido de Nicolas
Sarkozy. Ele permite-nos compreender melhor as posições desse
movimento político-militar que há 43 anos combate o regime da
oligarquia colombiana, sustentada pelos Estados Unidos.
As FARC consideram-se um movimento político-militar que lidera uma
guerra social insurrecta contra o Estado colombiano. Nessa qualidade, as FARC
capturam polícias, soldados, oficiais e mercenários. As FARC
decidiram também sequestrar personalidades civis representantes do
aparelho de Estado colombiano. Finalmente, acabaram por raptar também
civis cuja libertação foi condicionada ao pagamento de um
resgate. Se ninguém pode contestar que um exército aprisione
combatentes adversos, como é que as FARC podem justificar o
encarceramento de civis? Não pensam que essas acções
tendem a isolar largos sectores da opinião pública colombiana
opositora do governo?
Efectivamente, as FARC-EP são um movimento político-militar que
têm o justo direito de rebelião contra um Estado que pratica uma
democracia de fachada. Nós respondemos a uma guerra que nos foi imposta
pelas altas esferas do poder colombiano. Durante décadas, o terrorismo
de Estado foi utilizado como método de extermínio contra
nós e contra o nosso povo. Desde logo, toda a gente o sabe, uma guerra
desse tipo necessita de financiamento. Este conflito foi-nos imposto pelos
ricos da Colômbia: então eles têm de financiar essa guerra
que eles mesmos desencadearam. É por essa razão que as FARC
capturam pessoas, e as libertam em troca de uma soma de dinheiro, que é,
na verdade, um imposto. Esse dinheiro destina-se ao financiamento do aparelho
de guerra do povo.
Como deve saber, nós falamos sobre a construção de um novo
poder e de um novo Estado. Na Suíça, na França, ou nos
Estados Unidos, se alguém não pagar os impostos vai para a
prisão necessariamente. O novo Estado que nós estamos em vias de
constituir decidiu que deve haver um imposto pela paz. Isso significa que toda
a pessoa física ou moral, bem como empresas estrangeiras estabelecidas
na Colômbia e que facturam valores superiores a um milhão de
dólares por ano, devem responsabilizar-se por um imposto para a paz que
represente 10% dos seus lucros. Os devedores são informados que devem
entrar em conversações com os responsáveis financeiros das
FARC e entregar essa soma. Se essas pessoas não o fizerem, são
detidas e presas até que tenham efectuado o pagamento, com o qual
nós assumimos os encargos do novo Estado, construído e dirigido
pelas FARC, agindo como o exército do povo.
Evidentemente, durante as operações militares, as FARC capturam
oficiais, sub oficiais, polícias e soldados actualmente detidos
como prisioneiros de guerra. Nestes confrontos, o inimigo também faz
prisioneiros do nosso lado que, após julgamentos sumários e
falsos, cumprem penas demasiado pesadas nas diferentes prisões do
país. Infelizmente, isso é normal no contexto da guerra. Seja
como for, num conflito tão agudo como é o da Colômbia,
é possível que certas detenções de civis não
sejam bem aceites pela população de modo geral. No entanto,
consideramos que tendo sido publicada a lei 002, segundo a qual determinadas
pessoas e entidades economicamente poderosas devem pagar o imposto para a paz,
isso significa que as avisámos devidamente e que elas podem entrar em
conversações para regularizar a sua situação nos
prazos acordados. Se conseguirmos isso, as detenções
diminuirão.
Quanto ao facto de essa situação nos afastar da
população civil, até pode acontecer, mas não
será com certeza determinante, porque a larga maioria da
população colombiana sabe perfeitamente que as FARC-EP apenas
detêm pessoas economicamente favorecidas e que podem pagar. Não se
detêm pessoas ao acaso. No que toca aos prisioneiros de guerra,
guardamo-los com vista a uma futura troca humanitária, que esperamos que
se realize brevemente. Temos sempre em conta o facto que, na Colômbia, a
justiça e os juízes especiais impõem penas fortes, a
numerosos guerrilheiros e guerrilheiras detidos que tiveram a sorte de
não terem sido assassinados aquando da sua captura , que equivalem
praticamente a penas perpétuas. Porque no nosso país a
justiça é uma justiça de classe e aplica-se como tal: os
que usam do justo direito à rebelião são condenados como
"terroristas" ou "autores de sequestro": as
sentenças contra os revolucionários oscilam entre os 40 e 80 anos
de prisão. Assim, o imposto é uma necessidade ditada pela
situação actual de guerra que a Colômbia está a
viver. Nós queríamos não ter de deter ninguém, nem
civis mesmo os provenientes dos píncaros da oligarquia ,
nem militares
mas o confronto quotidiano no nosso país
impõe que as coisas se passem dessa maneira, e não como
nós desejaríamos.
O financiamento da luta armada depende em larga medida do imposto
revolucionário que incide sobre a cultura da folha de coca e sobre a
produção de pasta de base, e em certa medida também dos
raptos com pedido de resgate. Se um processo de paz se iniciasse, a guerrilha
poderia sobreviver sem essas fontes de financiamento sem pôr em perigo a
sua autonomia política e organizacional? Por outras palavras, não
existe no interior do vosso movimento forças que tendem a defender o
statu quo por temerem que a desmobilização possa privar as FARC
de fontes de rendimentos decisivos, e que isso conduza à sua
marginalização?
Em primeiro lugar, devo dizer que as FARC-EP sempre foram um movimento
autárcico, ou seja, que sempre viveram dos seus próprios recursos
e que nunca dependeram nem antes nem agora e nunca
dependerão de qualquer financiamento estrangeiro. Enquanto FARC-EP,
nós conseguimos desenvolver inicialmente uma economia de
subsistência antes de desenvolver factores de produção que
permitem a manutenção do nosso movimento. As FARC-EP já
existiam na Colômbia muito antes do desenvolvimento do
narcotráfico ou da implementação de uma política
logística de captura sistemática de pessoas, que são
coisas conjunturais. Com o passar do tempo, as FARC-EP diversificaram o seu
financiamento graças a investimentos de ordem vária: nas
operações financeiras no interior e exterior do país, na
produção agrícola, na criação de gado, nas
minas, nos transportes e em muitos outros sectores produtivos.
É inegável que a Colômbia foi transfigurada por
políticas neoliberais impostas pelo terror, que destruíram os
campos, num país produtor de folhas de coca para a
elaboração de cocaína, o que obrigou milhares e milhares
de famílias de camponeses pobres a tirar o seu sustento dessa economia
para não morrer à fome, face à destruição
das suas culturas tradicionais de café, milho, bananas, sorgo,
algodão, etc.
As FARC-EP são um movimento principalmente rural e nós estamos em
contacto directo com essa realidade, mas nós não temos meios para
obrigar as pessoas a abandonar essas plantações ditas
ilícitas sem lhes dar uma alternativa. Por ocasião do
diálogo de el Caguán (1999-2002), o governo de Pastraña,
por iniciativa da nossa organização de guerrilha, organizou a
primeira conferência pública internacional para a
substituição das culturas ditas "ilícitas" e a
protecção do ambiente. A União Europeia, o Japão, o
Canadá, bem como a ONU, o Grupo dos países amigos do processo de
paz na Colômbia e os países orientadores desse diálogo
[entre eles a Suíça] participaram nesses encontros. Os Estados
Unidos foram convidados, mas declinaram o convite. Nessa altura, as FARC
apresentaram um projecto viável para a erradicação das
plantações de folhas de coca nos municípios de Cartagena
del Chairá e do Caquetá, que dedicavam cerca de 8000 hectares a
essa cultura.
Teríamos gostado que a comunidade internacional se empenhasse a favor de
uma alternativa à repressão e que fossem feitos investimentos
sociais nessa região para o desenvolvimento de um
"laboratório experimental" dedicado à procura de
soluções para a supressão dessas culturas, e que poderiam
também ser aplicadas noutras zonas do país, e se possível
do continente: no Equador, no Peru, na Bolívia. Esta é uma
proposta que será sempre válida. Acreditamos também que a
legalização da droga contribuiria para a resolução
do problema. Economistas como Friedman e uma revista tão prestigiada
como
The Economist
reconhecem isso. Existem razões para isso: como se trata de um tipo de
comércio clandestino, a rotação do capital é
impressionante. Actualmente, calcula-se que o produto mundial do
narcotráfico represente 680 biliões de dólares e
não há crime que não se cometa para se ter essa enorme
quantidade de dinheiro.
Trata-se logo à partida de um problema económico, depois
político, e finalmente ético, mas se os lucros gigantescos
desaparecessem, a incitação fundamental que são os ganhos
sobre os investimentos desaparecia e os Estados poderiam controlar esse
mercado. Algo parecido com o que aconteceu com o fim da proibição
nos Estados Unidos, apesar das diferenças de proporção, na
época de Al Capone e Cie, nos anos 20. Deverá ser claro e
nós demonstrámo-lo perante a nossa nação e a
comunidade internacional que as FARC-EP não são, de
maneira nenhuma, narcotraficantes, nem estão implicadas na
produção, nem no transporte, nem na
comercialização, nem na exportação de
narcóticos. Pelo contrário, nós estamos dispostos a
trabalhar com a comunidade internacional e mesmo com o governo dos Estados
Unidos na resolução deste grave problema.
A nossa organização impôs a colecta de um imposto junto dos
compradores de pasta de coca que penetram nas zonas onde existem estas culturas
e onde nós estamos presentes; e este imposto representa uma forma de
controlo relativamente aos abusos cometidos contra os camponeses cultivadores.
Mas não exercemos funções de polícia. Compete ao
Estado colombiano controlar essas zonas, e até agora ele tem sido
incapaz de o fazer, apesar dos milhares de milhões de dólares
investidos pelo governo dos Estados Unidos para acabar com este tráfico
que afecta o mundo.
Além disso, é de notar que as receitas geradas por esse imposto
representam uma fracção ínfima dos custos do aparelho
militar das FARC-EP. O que ganhamos com a detenção de pessoas
ajuda à manutenção económica das FARC, mas
não é um produto decisivo. O objectivo último das FARC-EP
não é o "conforto" do seu pessoal dirigente, da sua
hierarquia ou dos seus combatentes. Para nós, o dinheiro é um
meio, algo que pode contribuir para a concretização da finalidade
política e estratégica das FARC-EP, que visa a tomada do poder
para efectuar mudanças políticas, económicas, sociais,
ecológicas e outras, das quais o país tem necessidade e que
reclama. O financiamento é, nesse sentido, um meio para atingir esses
fins. Ninguém nas FARC-EP aspira a ser multimilionário; essa
é uma das grandes diferenças entre nós e os
narcotraficantes e os paramilitares que procuram enriquecer pessoalmente e
"levar uma vida à grande".
Enfim, as FARC-EP não fazem a guerra por gosto. Nós já
dissemos que se o quadro político mudar e as condições
para a prática de uma política abrangente, legal, sem receio de
represálias ou de assassinatos, existirem, se a via aberta for para uma
democracia real, nós poderemos pensar em mudar a forma actual de
confronto militar para responder a essa nova situação. Durante
todo o mandato presidencial de Uribe, e muito antes, as FARC-EP tiveram de se
constituir como uma oposição política e militar ao regime,
porque não existia outra forma de expressar o nosso pensamento. A
burguesia colombiana é uma burguesia sanguinária,
retrógrada, que apenas compreende a linguagem das armas. Se não
tivéssemos respondido à agressão, já nos teriam
marcado com um ferro em brasa, e estaríamos acorrentados como na
época da escravatura
As recentes mobilizações em massa contra a violência e os
sequestros fizeram com que a responsabilidade recaísse sobre o governo
bem como sobre os insurgidos. Será que essas mobilizações
não representam uma reviravolta para a esquerda, na medida em que
Álvaro Uribe soube tirar partido delas para desviar a
atenção do público da sua implicação nos
escândalos da parapolítica?
Como acaba de dizer, essas mobilizações significam uma
rejeição da violência, e mais particularmente da
violência oficial e paramilitar. O povo colombiano está certamente
cansado do confronto militar, mas que povo não estaria depois de 40 anos
de guerra imposta pelo regime estabelecido? Álvaro Uribe tentou
capitalizar um movimento no qual participaram sectores populares muito
próximos das FARC-EP, e até membros da nossa
organização. Nessas mobilizações podia-se ver
cartazes exigindo a troca humanitária de prisioneiros, a procura de
diálogo para uma abertura política ao conflito social e armado
que o país vive. Se analisar os boletins de imprensa, da rádio e
da televisão, constatará que a maior parte dos editorialistas do
país criticaram o oportunismo político do governo. Além
disso, convém lembrar que na cidade de Cali se deu um confronto
público entre o Ministro do Interior e um dos parentes dos 11 deputados
mortos durante a tentativa falhada de salvamento militar, ordenada pelo
governo, no dia 18 de Junho de 2007. Não é certo que o presidente
Uribe tenha capitalizado essas mobilizações. Pelo
contrário, as últimas sondagens de opinião efectuadas
após esse acontecimento mostram que a imagem de Uribe está gasta
e "em queda livre", pela primeira vez depois da sua ascensão
à presidência.
Quanto ao problema da parapolítica, ele foi denunciado há mais de
vinte anos pelo jornal
Voz,
órgão do Partido Comunista da Colômbia, pelas FARC-EP e
pelos democratas de todo o país. No entanto, o Estado colombiano ignorou
sempre essas denúncias. Há um ano e meio, tive ocasião de
falar na prisão de alta segurança de Combita, onde estive
detido com o responsável pela paz do governo Uribe, o doutor
Luís Carlos Restrepo. Durante essa conversa, abordámos diversos
temas: entre outras coisas, consegui demonstrar-lhe que a política de
"segurança democrática" imposta pelo Presidente e o
Plano Colômbia tinham falhado. E ele respondeu-me: "escute senhor
Granda, o Estado colombiano combateu-vos certamente com métodos
não-ortodoxos
" Esses métodos de que falava Restrepo
são precisamente a parapolítica e o paramilitarismo, porque esse
modo de fazer foi friamente calculado pela Colômbia. É uma das
formas de expressão do fascismo, graças às quais os
monopólios financeiros, o sector industrial e os grandes
proprietários rurais beneficiaram da recomposição
económica do país, provocada pela globalização e as
privatizações que a acompanham. Os negócios e os lucros
obtidos por esses sectores foram extraordinários. O que resta para
privatizar neste momento é reduzido, o que nos diz que o período
de implementação mais brutal do projecto neoliberal na
Colômbia já está, em certa medida, atrás de
nós, pois não resta nenhuma empresa pública de
importância para vender às transnacionais. É por essa
razão que eles tentam agora desmontar esses aparelhos de morte que eles
tinham posto a funcionar como apoio militar ao projecto fascizante de
imposição do neoliberalismo.
Nesse sentido, podíamos fazer uma comparação como o Chile
do general Pinochet. Lembre-se que as políticas neoliberais
começaram a ser impostas no continente depois do golpe de Estado de 1973
no Chile. Esse golpe de Estado liquidou praticamente a resistência
popular da classe trabalhadora, das classes médias e camponesas;
impôs a disciplina social dos monopólios, ou seja, do fascismo ao
serviço do neoliberalismo, que utilizou o terror na nossa América
para impor o seu projecto económico e a sua ideologia política.
Actualmente, na Colômbia, o "establishment" está
abalado, porque as instituições e os homens que o compõem
estão implicados na crise à qual eles conduziram a
nação. A Colômbia é um dos países com o mais
alto nível de corrupção à escala mundial. Dir-se-ia
que as instituições colombianas foram criadas para proteger todas
as formas de corrupção. É por essa razão que o
"establishment", para impor as suas políticas neoliberais,
jogou borda fora todo o sentido ético em política, e agora recebe
e paga a factura do seu "casamento" com o narco-paramilitarismo
criado para eliminar a esquerda revolucionária, não importa a que
preço. Esse modelo e esse projecto fascistas para a Colômbia
falharam. Quando a maré de denúncias deflagra, o presidente tenta
evidentemente evitar todo o debate público e transmite ecrãs de
fumaça: a reeleição, o referendo, a copa do mundo de
futebol, etc., a fim de distrair a opinião pública nacional. Mas
os escândalos e a corrupção reinante na Colômbia
são de tal amplitude que esses espectáculos publicitários
não conseguirão desviar a atenção do aspecto
fundamental: a corrupção imposta pela máfia, o
paramilitarismo e o narcotráfico que são a mesma coisa
a favor de um governo mafioso que pratica uma narco-democracia.
O Exército de Libertação Nacional (ELN) decidiu
recentemente depor as armas. Em que medida é que essa decisão
enfraquece a luta armada das FARC, visto que doravante o Estado colombiano, o
paramilitarismo e os Estados Unidos poderão concentrar todos os
esforços para vos combater?
É necessário relativizar a luta contra-insurrecta que nós
vivemos hoje, da parte do governo colombiano e dos Estados Unidos. Praticamente
desde o início do Plano Colômbia, as FARC-EP resistiram sozinhas a
essas operações. É inegável que o Estado colombiano
nunca combateu militarmente o paramilitarismo. As operações
militares nas zonas onde operavam os camaradas do ELN foram mínimas;
numa certa medida, a responsabilidade e o peso fundamental das
operações levadas a cabo pelo exército colombiano e os
gringos foram suportadas pela nossa organização. Deverá
lembrar-se que neste momento, a Colômbia é o terceiro país
beneficiário da ajuda militar norte-americana, a seguir a Israel e ao
Egipto. Na primeira etapa do Plano Colômbia, os Estados Unidos investiram
7500 milhões de dólares e o Estado colombiano impôs um
imposto de guerra de 12% (que aumentou este ano mais 8%). Mesmo assim, todas as
operações do Plano Colômbia e aquelas que se seguiram
falharam face à resistência e à contra-ofensiva das
FARC-EP. Logo, é bastante relativo pensar que o inimigo nos possa
desorientar, ainda que gaste todas as baterias contra nós. A nossa
história demonstra isso desde a época em que nascemos, em
Marquetalia, em 1964: note-se que 16 mil militares foram destacados para essa
região contra o grupo fundador das FARC, formado por quarenta e seis
homens e duas mulheres de origem camponesa. Nessa altura não existia
nenhum outro movimento insurgido dentro do país. O peso dessa ofensiva
contra as zonas de autodefesa camponesa denominada
"Operação LASSO" recaiu naturalmente sobre as
FARC-EP.
Acreditamos que nesse novo período de tempo, foi atingido um limite nas
acções militares das tropas gringas, mercenárias e do
exército colombiano. Actualmente fala-se do seu declínio. Nas
altas esferas do governo colombiano e nos corredores do Pentágono,
fala-se no fracasso sonante do Plano Colômbia, do Plano Patriota, do
Plano Consolidação e do "Plano Victoria" (2002-2007).
Os gringos e o Estado colombiano não conseguem uma vitória
militar sobre um movimento armado que, como o nosso, conduz uma luta há
quarenta e três anos, e que dispõe de uma larga experiência,
tanto ao nível dos seus comandantes como dos seus combatentes. Trata-se
de uma experiência quase única na América latina e no
mundo. Pode constatar que neste momento, não existe nenhum grande plano
ou "operação militar" no hemisfério ocidental
com a envergadura e as características das operações
conduzidas no Centro e no Sul da Colômbia, e praticamente em todo o
território nacional.
Verdadeiramente, nós tivemos de enfrentar uma guerra sozinhos. Antes,
existia o "campo socialista", a solidariedade internacional, e
tivemos de "dançar com a mais feia" (utilizando aqui uma
expressão popular colombiana um pouco machista), mas reparámos
que sozinhos também poderíamos confrontar e vencer o inimigo.
Para nós, trata-se de uma obrigação e de um contributo
solidário para os povos oprimidos do mundo. A combinação
de todas as formas de luta de massas irá assegurar-nos a vitória
num futuro próximo. Não resta nenhuma outra alternativa ao Estado
colombiano senão a de aceitar a sua incapacidade de desencaminhar os
insurgidos, bem como o fracasso do seu projecto fascista, que utilizou o terror
de Estado como arma fundamental, e a de procurar um acordo connosco para que
possamos conversar e encontrar uma resposta política negociada para o
longo conflito social e armado que o nosso país vive.
Quanto ao desarmamento do ELN, estou a agora a sabê-lo
Sei que o
ELN não depôs as armas. Além disso, não me quero
pronunciar sobre as decisões do ELN. É uma
organização soberana, uma organização de guerrilha
que combate há anos e que, pelo que sei, nunca, até ao presente,
entregou um único cartucho.
As FARC nasceram de um movimento de camponeses pobres que constitui desde
sempre o núcleo da sua base social. Desde então, será que
as FARC foram capazes de repensar a sua reorientação
estratégica à luz da urbanização extremamente
rápida da Colômbia? Por outras palavras, como é que as FARC
se dirigem às massas urbanas empobrecidas que sofrem os ataques
constantes dos paramilitares, e a repressão exercida pelo Estado
colombiano? Dizia-lhe há pouco que as FARC-EP são uma
organização político-militar. A luta conduzida pelas
FARC-EP não é um confronto de aparelhos, ou seja, do aparelho
militar do Estado colombiano e do aparelho militar propriamente dito das
FARC-EP?
De um modo geral, se se analisar a evolução do comportamento dos
Estados burgueses, verifica-se que estes têm diversas maneiras de
pôr em marcha o que eles chamam de "democracia representativa",
e que eles combinam todas as formas de luta para explorar os povos. Os gringos
chamam isso de "cenoura e pau", e que praticam-no da seguinte forma:
se eles consideram que as massas são dóceis, deixam que se
desenvolva certas formas limitadas de democracia durante algum tempo; se
consideram que as massas se radicalizaram, eles mandam as tropas para as ruas e
exercem a repressão. Mas se eles notam que as massas ainda se
radicalizam mais, recorrem ao terrorismo de Estado e praticam o
genocídio dos seus opositores e o extermínio das
organizações de massas. É o terror ao nível mais
assustador que todos os países da nossa América conheceram no
passado recente e que ainda perdura na Colômbia.
Deste ponto de vista, é legítimo que os movimentos
revolucionários da Colômbia e do mundo empreguem todas as formas
de luta em massa para obterem as mudanças revolucionárias de que
a sociedade tem necessidade em determinado momento do seu desenvolvimento.
Nós não decretámos a luta armada. Aliás, ela
não o pode ser, muito menos pela vontade deste ou daquele partido. A
luta armada nasce da necessidade imperiosa de defender os interesses de classe
num dado momento, quando os Estados burgueses fecham toda a possibilidade de
democracia e de expressão de que as massas poderiam beneficiar.
Na Colômbia, infelizmente, a história confirma o que acabo de
afirmar: as FARC-EP, em busca de uma reconciliação nacional em
1982, entraram em diálogo com o presidente da época, Belisario
Betancourt. Chegámos a assinar os acordos de La Uribe. Como
corolário desses acordos foi fundado o vasto movimento chamado
União Patriótica (UP). Quando esse movimento surgiu na vida
política nacional beneficiou de um sentimento de simpatia por parte dos
habitantes do campo e das cidades, das classes médias, dos estudantes,
etc. Dito de outra forma, era um movimento que reunia sectores muito diversos.
Assim que este se começou a desenvolver, a burguesia entrou e
pânico e encetou um extermínio planificado e sistemático:
em primeiro lugar dos seus dirigentes e de seguida dos seus militantes. Tudo
isso conduziu ao genocídio político mais aberrante que a
América latina já conheceu. Com essa experiência, votada ao
fracasso pelo terrorismo de Estado, as FARC-EP aprenderam muito, e não
estão dispostas a repetir a mesma história. Nós
contribuímos com um esforço importante na criação
de movimentos e organizações populares e políticas a
nível nacional. Fizemos um esforço considerável para a
construção do Partido Comunista clandestino da Colômbia,
que tem de ser clandestino porque já tivemos a experiência de
cinco mil mortes com a UP. Nós construímos também o
Movimento Bolivariano para uma nova Colômbia, no qual todos e todas podem
participar. Este movimento não tem estatutos, as pessoas podem-se reunir
em pequenos grupos para evitar os golpes do inimigo; ninguém
deverá fazer referência ao seu activismo político e as suas
formas de expressão são clandestinas. Através destas
estruturas organizacionais é possível participar no movimento
estudantil, operário, camponês, popular
mas as FARC-EP
construíram também as Milícias Bolivarianas que actuam nos
campos, nos arredores e no interior das grandes cidades.
As FARC-EP consideram que a revolução na Colômbia deve
emergir sob a forma de insurreições urbanas, talvez semelhantes
às que se desenvolveram no Nicarágua (lembremo-nos das batalhas
de Managua, Masaya, Estelí, Léon, para citar apenas algumas), que
na época foram acções de guerrilha e de
insurreição popular combinadas que, no seu conjunto, fizeram cair
a ditadura de Somoza.
Nós estamos a fazer um esforço muito importante em
direcção ao movimento sindical, estudantil, das classes
médias urbanas, dos trabalhadores e trabalhadoras informais, ao
movimento municipal, cooperativo, dos pais de família. Ou seja,
nós estamos a tentar retornar tudo a formas de organização
simples, a fim de favorecer, a partir de fora, a consciência
política e prática da necessidade de mudança de que o
país precisa, ainda mais agora que as consequências desastrosas
das políticas neoliberais não só radicalizam as massas
urbanas, como também, paradoxalmente, as aproximam e aliam nas lutas.
Na Colômbia, as FARC-EP estão interessadas na
construção de um novo governo de reconciliação e de
reconstrução nacionais, abrangente e democrático, sem
exclusões, no qual possam participar todos os sectores da vida
política nacional que desejam retirar o país do abismo no qual
ele se encontra, para o colocar em posição de enfrentar os
desafios do século XXI, com muita esperança, optimismo e na
vanguarda das nações democráticas e revolucionárias
do mundo.
Quais são para as FARC os movimentos sociais urbanos cujo
desenvolvimento parece estrategicamente essencial para esse processo?
Nas cidades, nós trabalhamos essencialmente na direcção
dos sectores industriais. Trabalhamos igualmente no seio do movimento
cooperativo, com colectivos de acção municipal nos bairros, com
associações de economia informal, que se multiplicaram no decurso
dos últimos anos, devido às políticas neoliberais. Damos
também muita importância aos problemas das mulheres e da juventude
em geral. Consequentemente, beneficiamos de uma representação em
todos esses sectores. Agimos de modo consciencioso de modo a dotá-los de
um carácter organizacional e de os orientar para a luta política.
Ao mesmo tempo, este trabalho alimenta, pelas experiências e formas de
confronto com a repressão, a nossa própria acção
política. Ainda que as FARC tenham nascido como um movimento
essencialmente camponês, e que essa base social se mantenha na sua
composição actual, é igualmente verdade que existem outros
sectores da sociedade que nos acompanham na luta. Entre as pessoas ligadas
às FARC-EP, encontramos sectores das classes médias e
profissionais, técnicos e superiores, mas também profissionais
liberais, padres, pessoas do meio cultural e artístico popular em todas
as suas expressões. É uma mudança que se operou no decurso
destes últimos anos. Sublinhamos a participação das
mulheres nas nossas fileiras, com uma representação de 43% das
forças da guerrilha.
Diz-se que as FARC-EP nem sempre se mostraram capazes de permitir, em concreto
nas regiões sob o seu controlo, o desenvolvimento de uma sociedade civil
organizada de maneira autónoma em função dos diferentes
interesses que a permeiam (cooperativas, sindicatos, associações
diversas, minorias indígenas, etc.). Será que essa atitude
não revela um projecto de sociedade autoritária fundada
exclusivamente nas capacidades e nas competências de uma espécie
de partido-Estado?
(Risos
) Não sei a que é que se refere nessa pergunta. E
muito menos quando é que tivemos parte alguma do território
nacional sob o nosso controlo. Isso nunca aconteceu. Na Colômbia,
nós não conduzimos uma guerra de posição.
Nós somos um exército de guerrilhas móveis. Quando estamos
durante algum tempo em determinadas regiões, desenvolvemos a democracia
directa de uma forma inédita noutras organizações apoiadas
pelo Estado ou pelos partidos da oligarquia. Mais ainda, eu penso que as
FARC-EP são muito mais democráticas que certos Estados ou
democracias. Nós dispomos, enquanto órgão de
decisão das FARC-EP, da conferência nacional dos guerrilheiros,
que se reúne de quatro em quatro anos (ou um pouco mais, conforme o
estado da guerra). Os postos de comando, sem excepção, são
decididos através do voto dos guerrilheiros. Dito de outra forma,
não existe nomeação por decreto. É através
do voto popular, através do voto dos membros das FARC-EP, que se vive a
democracia e que se regulam as questões de hierarquia no interior do
movimento guerrilheiro, em colaboração com as comunidades. O caso
mais significativo foi o de San Vicente del Caguán, no Centro Sul do
país, durante o período de descomprometimento e de
diálogo, entre 1999 e 2002. Instalámo-nos aí durante
três anos e trabalhámos em conjunto com as comunidades no quadro
de acções civis e militares. Juntos, população
civil e guerrilheiros, construímos pontes, estradas, escolas, hospitais,
caminhos municipais, e diversos rios, ribeiras e ribeirinhos altamente
poluídos puderam ser reabilitados. Por outro lado, as FARC-EP emitiram
regulamentos em matéria ecológica (caça, pesca, poda e
exploração da madeira, protecção das árvores
indígenas), e tudo isto se fez com a participação da
comunidade. Por exemplo, para a construção de uma estrada,
reuniram-se 100 a 200 colectivos de acção municipal de toda a
região, e, através de votação popular, determinaram
quem iria trabalhar, como, e com que apoios económicos e
logísticos. Faziam-se as contas e apresentavam-se às massas para
que elas pudessem analisar a finalidade de cada investimento. Isso é a
democracia participativa e aberta, uma verdadeira democracia de massas como o
país nunca conheceu. É a experiência que nós
fizemos. O autoritarismo não faz parte dos princípios das
FARC-EP. Certamente, nós defendemos princípios, e de acordo com
esses princípios nós não cedemos. Nós temos a nossa
própria visão daquilo que deve ser a democracia. A democracia
deve ser aberta e o mais directa possível. Ou seja, uma democracia de
massas que permita definir e debater grandes problemas. É muito simples:
se numa comunidade existem 100 pessoas, por que razão é que
só 10 deverão decidir? Para nós, são essas 100
pessoas que devem decidir. Fala-se de uma democracia representativa na
Colômbia, porque existem eleições, mas na realidade, esses
patifes que vão ao Senado ou à Câmara dos Representantes
não são de modo algum representantes autênticos das
comunidades. São pessoas que chegam lá através da sua
riqueza, do clientelismo e das vigarices a que submetem o nosso povo.
Consequentemente, como pode verificar, é importante clarificar de que
tipo de democracia se está a falar, o que nós enquanto FARC-EP
entendemos por democracia e o que vocês, na Europa, entendem por este
termo. Eu considero que as FARC-EP são uma organização
democrática que exerce a democracia nos domínios em que trabalha.
Nós somos a favor da democracia directa a mais ampla e participativa
possível. Uma democracia exercida para e por a maioria e não uma
democracia de fachada, uma democracia para um grupo restrito de privilegiados.
Esse tipo de "democracia" não nos agrada e nós
não a iremos praticar. Disse-lhe que nas FARC-EP, nós preferimos
organizar as massas em forma de colectivos variados que lhes permitam defender
os seus interesses. Eis o segredo da sobrevivência das FARC-EP no
coração de um conflito tão complexo como o da
Colômbia.
As FARC-EP são frequentemente criticadas, inclusive por forças da
esquerda, pelo uso de métodos "expeditivos" no seu seio:
é o caso das execuções dos desertores, do envio de
militantes "desmoralizados" para cumprirem missões suicidas,
da obrigatoriedade de as combatentes grávidas abortarem, etc. Não
há dúvida que as FARC-EP estão envolvidas numa luta armada
bastante dura, mas será que tais métodos ou práticas
não põem em questão os direitos individuais dos
combatentes ou a liberdade de discussão no seio da guerrilha, revelando
assim uma forma de organização política demasiado vertical
na tradição estalinista?
A sua questão mostra que se sabe muito pouco sobre as FARC-EP e que
ainda se sente o eco, talvez inconscientemente, da propaganda do regime (o
regime oligárquico colombiano e o seu aliado, os Estados Unidos).
É o inimigo que diz que nós estamos organizados de maneira
vertical, que resolvemos os problemas de uma forma expeditiva, como evoca na
sua questão.
Nós utilizamos métodos políticos para resolver todos os
problemas que surgem no interior das FARC-EP. Inicialmente, os novos
combatentes seguem uma formação de seis meses, em que os
documentos que se estudam são essencialmente os nossos estatutos, as
normas de comando e o regime disciplinar. Se os aspirantes se deram conta que
não podem, por razões físicas ou morais, pôr em
prática essas normas, eles podem voltar para casa sem problemas, porque
até esse momento, eles não conhecem mais nada nem ninguém,
a não ser as pessoas que tal como eles frequentaram essa
formação inicial clandestinamente. Quando se passa esse
nível, uma pessoa assume um comprometimento, e quando integra as
FARC-EP, sabe que é para a vida, ou seja, até ao triunfo da
revolução e à construção de uma nova
sociedade.
Nós não dispomos de um serviço militar obrigatório,
nem voluntário. A integração nas FARC-EP supõe um
envolvimento completo na formação política e militar na
base de uma adesão consciente. Não nos esqueçamos que se
encontram pessoas capazes de manusear armas por todo o lado, mas pessoas que
compreendam a política, a luta de classes e as
transformações sociais, numa sociedade como a nossa, é bem
mais difícil. Esse conjunto de capacidades, cujo desenvolvimento
é do nosso interesse, necessita e exige uma formação
permanente e a longo prazo.
Consequentemente, isso não implica obrigatoriamente o uso do
pelotão de execução ou a prática de
execuções extrajudiciárias. Existem nos nossos estatutos
muitas outras formas de sancionar as rupturas da disciplina da nossa
organização. A execução está apenas prevista
para os traidores e os infiltrados que trabalham conscientemente para o
inimigo. É a medida mais grave que se aplica dentro das FARC-EP.
Quaisquer outras situações que possam surgir resolvem-se
através da crítica e da autocrítica com base nos
princípios do marxismo-leninismo que são parte integrante da
nossa concepção da revolução.
O resto, tal como está contido na sua pergunta, revela uma campanha
difamatória que tenta transformar as FARC num movimento sem disciplina,
sem hierarquia, sem mandatos de comando reconhecidos. E nessas
condições, uma organização militar não
consegue subsistir. Há um adágio que diz: "sem disciplina, a
milícia desaparece".
Nesse sentido, é absurdo pensar-se que nós enviamos pessoas
desmoralizadas, com problemas psíquicos, ou sem
qualificações político-militares suficientes, para cumprir
missões. Estamos em guerra! Quem poderia cometer tamanho erro? Na
verdade, no interior das FARC-EP, a participação em
missões constitui uma forma de reconhecimento do bom trabalho; é
um encorajamento e uma honra para os combatentes. Nas FARC-EP, preconiza-se uma
participação consciente, e por isso, o valor dos combatentes em
condições de participar em cada uma das acções de
guerra, ou nas missões especiais que as FARC-EP decidam empreender,
é estudado previamente pelos comandantes.
No que diz respeito às mulheres da guerrilha, tenho a dizer que elas
são livres. Pela primeira vez, uma organização de esquerda
e um movimento revolucionário encara a mulher como uma pessoa
absolutamente livre e igual ao homem, que assume as mesmas responsabilidades,
as mesmas tarefas e os mesmos direitos. Após a época do
matriarcado, a guerrilha é hoje, sem dúvida, o lugar onde a
mulher começa a cumprir o papel que ela perdeu historicamente, o que foi
a maior derrota que o género feminino sofreu na história da
humanidade. Quanto ao problema da gravidez nas FARC-EP, as guerrilheiras sabem
antecipadamente que no contexto de guerra em que estão a viver
não podem engravidar. Por isso, no interior da nossa
organização, pusemos em prática um trabalho educativo de
difusão de informação e de prevenção para
que as mulheres conheçam bem os mecanismos da procriação,
bem como as formas de evitar a gravidez e/ou as doenças sexualmente
transmissíveis.
Por vezes, por erro ou acidente, acontecem casos involuntários de
gravidez, e tendo em conta as normas e as condições objectivas de
vida num ambiente de combate, a gravidez é interrompida, geralmente, a
pedido da própria combatente. Nesses casos, a interrupção
é efectuada em condições higiénicas de assepsia,
com o acompanhamento de médicos qualificados, e tomando medidas para
evitar riscos de vida. Em muitos países, a interrupção da
gravidez está legalizada e faz parte de certas
constituições no mundo, contudo sempre nos diabolizaram e
acusaram de arbitrariedade nestas questões. Não haverá
aqui uma moral dupla? Saiba que para as FARC-EP, os valores familiares
(tão importantes para a sociedade colombiana) constituem um dos
fundamentos para a concepção da nova sociedade que nós
queremos construir. Mas estamos a viver uma etapa que não facilita o
desenvolvimento dessa parte importante da vida.
Penso que é revelador, apesar de toda essa propaganda contra a nossa
organização, o facto de a presença feminina nas fileiras
das FARC-EP ser actualmente da ordem dos 43%. As guerrilheiras das FARC
são verdadeiras amazonas na guerra, ou como diria Simon Bolívar
referindo-se a essas valorosas guerreiras romanas, elas são verdadeiras
"luzes". Fora do contexto de guerra, as nossas camaradas mulheres
têm um comportamento muito feminino. No combate, elas são
tão aguerridas como os homens. Elas dão-nos lições
de honestidade, de abnegação, de sacrifício, de
fraternidade e de heroísmo
como poderíamos nós
maltratar essas camaradas que são parte fundamental da luta pelo triunfo
da revolução?...
Quem é o responsável pela morte dos onze deputados colombianos
detidos pelas FARC? Como é que é possível que esses onze
reféns tenham sido encontrados juntos no mesmo lugar? Acha que se trata
de uma operação deliberada do Estado colombiano para
lançar uma vasta campanha política contra a guerrilha das FARC?
Há já algum tempo que as FARC-EP alertavam a opinião
pública nacional e internacional do facto de as operações
de resgate de prisioneiros pelo exército serem demasiadamente arriscadas
para a vida dos reféns detidos. É por essa razão que as
FARC-EP disseram que a responsabilidade pela morte dos onze deputados do Valle
del Cauca, no dia 18 de Junho de 2007, incumbia essencialmente aos que deram a
ordem e os tentaram libertar pela força. O primeiro responsável
é o senhor Uribe.
Explicar-lhe por que é que eles estavam juntos seria entregar-me a
especulações, porque eu lembro-me que nessa data, eu tinha
acabado de deixar a prisão de La Dorada. No entanto, parece-me
indiscutível que se tratou de um plano minuciosamente preparado tanto a
nível político como militar e de propaganda. O governo de Uribe
iniciou o seu plano falando da possibilidade de libertar um determinado
número de prisioneiros das FARC-EP, em relação aos quais
ninguém havia pedido nada. Tentámos sempre obter uma troca
humanitária de prisioneiros bilateral FARC-EP/governo. De repente, Uribe
solta, de modo totalmente unilateral, determinados combatentes das FARC-EP.
Essa acção, no meu entender, estava ligada à
preparação secreta de uma outra acção de maior
envergadura nas montanhas colombianas. Tratava-se precisamente do resgate dos
doze deputados, agentes da CIA, mercenários ingleses e israelitas e de
comandos do exército colombiano.
O projecto era este : enquanto esse grupo aparecia como tendo libertado
com sucesso os doze deputados, Uribe voltava a deter os prisioneiros libertados
e daria início a um trabalho político no interior e exterior do
país, com o intuito de demonstrar que as intervenções
directas seriam doravante o meio mais indicado para se obter a
libertação das pessoas controladas pelas FARC-EP, acabando assim
com qualquer esperança de trocas humanitárias e de qualquer
possibilidade de diálogo. O resultado dessa operação e de
outras operações de libertação análogas, do
tipo "Embaixada de Lima" ou "Operação
Entebbe" não podem acabar bem nas florestas colombianas. O que se
impõe inexoravelmente na Colômbia é a troca
humanitária entre o governo e as FARC-EP, como preâmbulo a uma
possibilidade de diálogo que abra a via para a paz e a justiça
social. Esperamos que os leitores e as leitoras, a comunidade internacional, os
Estados, os governos, os partidos, as organizações sociais,
religiosas, humanistas e de esquerda possam contribuir para essa demanda, para
a possibilidade real de uma troca humanitária, do estabelecimento de um
diálogo que crie saídas para o conflito social e armado que
estamos a viver na Colômbia.
[*]
Da publicação suíça
solidaritéS.
Acerca de Rodrigo Granda ver também:
As FARC reafirmam a opção comunista e respondem a campanhas difamatórias
, Miguel Urbano Rodrigues, 23/Abr/2004
Ricardo, estamos contigo!
, Miguel Urbano Rodrigues, 20/Nov/2004
Carta aberta de intelectuais à opinião pública internacional
, 17/Jan/2005
Sequestro de Rodrigo Granda: "A ditadura fascista de Pinochet fez exactamente o mesmo aos seus opositores políticos"
, Dick Emanuelson, 26/Jan/2005
Droga, indigenismo, ALCA
, Miguel Urbano Rodrigues, 23/Abr/2005
Democracia, participação, revolução — três vértices de um triângulo
, Miguel Urbano Rodrigues, 29/Ago/2005
O julgamento farsa de um revolucionário: Audiências virtuais através de câmaras de TV, na cela da prisão
, entrevista de Rodrigo Granda, 04/Abr/2006
Declaração final do 1º encontro nacional de solidariedade com as lutas do povo colombiano
, MMSLPC, 17/Mar/07
Nem é acordo nem é humanitário
, Athemay Sterling, 03/Jun/07
A troca é produto de acordos
, Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP, 22/Jun/2007
O encontro de Hato Grande
, Iván Márquez, 08/Set/07
O original encontra-se em
www.solidarites.ch/journal/index.php3?action=2&id=3052&num=113&db_version=2
.
Tradução de Rita Maia.
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
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