As FARC reafirmam a opção comunista
e respondem a campanhas difamatórias
Entrevista com o comandante Ricardo González,
do Estado Maior Central das
FARC-EP
,
conduzida por Miguel Urbano Rodrigues
Das FARC-EP correm pelo mundo os nomes de quatro ou cinco dirigentes que
adquiriram ressonância internacional quer em combates contra o
Exército quer como negociadores, ou ainda como ideólogos da mais
antiga organização guerrilheira da América Latina.
É o caso do comandante-chefe Manuel Marulanda e, entre outros, dos
comandantes Jorge Briceño, o estratego militar, e Raul Reyes, que foi o
interlocutor principal do governo em Los Pozos, na mesa de diálogo,
durante a Administração de Pastraña.
No grande colectivo das FARC são, porém, numerosos os comandantes
de qualidade excepcional, que, pela própria natureza das tarefas
desempenhadas, se fala pouco ou nada. Em Março tive a oportunidade de
reencontrar numa cidade mexicana um desses combatentes: Ricardo Gonzalez. No
passaporte figurava outro nome. O pormenor é irrelevante porque
também não se chama Ricardo Gonzalez. Tal como em anteriores
visitas, havia entrado no país com documentação falsa,
pois Fox, cedendo a pressões de Washington, trata as FARC como
«organização terrorista».
Somos amigos há anos e já lhe conheci diferentes apelidos.
Ricardo traz-me à memória, pela síntese de personagens
diferentes, heróis de romances de Cholokov e Alexei Tolstoi.
Descendente de uma família oligárquica de terratenientes, rompeu
com a sua classe muito jovem, optando pela luta revolucionária nas FARC.
É um orador de talento incomum. Em várias capitais da
América latina, ao intervir em Conferencias Internacionais, ouvi-lhe
(quando as FARC não figuravam ainda na lista negra) discursos em que um
elevado conteúdo ideológico era valorizado pelo rigor da
análise e o estilo oratório. Ricardo exprime-se naquele
castelhano clássico, em vias de extinção, que se fala
ainda nas altas mesetas da Colômbia, com um leve sotaque antioquenho. O
seu porte aristocrático talvez o ajude no vaivém de
missões clandestinas. As polícias não identificam com
facilidade o revolucionário perseguido naquele senhor de maneiras
distintas.
Actualmente pertence ao Estado Maior Central das FARC. O presidente Uribe, na
sua recente visita à Europa, citou-lhe o nome, o verdadeiro, incluindo-o
entre os comandantes guerrilheiros cuja cabeça foi posta a prémio.
Quando o revi há semanas vinha das Montanhas da Colômbia, da luta.
Irradiava aquela intensa alegria de viver que é um dos traços da
sua fascinante personalidade de revolucionário profissional.
Foi uma conversa de muitas horas. Pedi-lhe que falasse para o
«Avante!».
Desse encontro, combinado com muita antecedência, saiu, em estilo
coloquial, a entrevista que se segue, na qual Ricardo Gonzalez, respondendo a
campanhas de desinformação e a calúnias, aborda
também questões ideológicas importantes, muitas das quais
preocupam toda a humanidade.
MUR:
As FARC têm quase 40 anos. Os seus críticos dizem com
frequência que uma organização revolucionária que
não conseguiu chegar ao poder em quatro décadas dificilmente o
conquistará. Pergunto: qual é a perspectiva das FARC,
organização com vocação de poder? Nos
Diálogos para a Paz, em Los Pozos, El Caguan, tinham um projecto
plural para a sociedade colombiana, mas a longo prazo a perspectiva era a do
socialismo. Como encaram hoje as FARC o futuro a curto e médio prazo?
Ricardo:
A primeira coisa que te posso dizer é que 40 anos na
construção de um exército revolucionário é
um tempo muito curto. Os nossos adversários desconhecem a
paciência oriental das FARC. Temos um plano estratégico para a
tomada do poder e vimos que é através da combinação
de todas as formas de luta que temos de enfrentar um inimigo que se
caracterizou já pela sua intolerância numa questão a que
eles chamam democracia, mas que na realidade não se aplica em parte
alguma do nosso país. Esse inimigo tem a seu alcance todos os meios,
conta com uma poderosa ajuda internacional, liderada pelos EUA e há 40
anos que se esforça por nos eliminar. Não esqueças que
Marulanda e os seus companheiros, em Marquetália, eram apenas 48, mas
conseguiram romper o cerco apesar de ali haverem concentrado contra eles todo o
poder do Estado colombiano para aniquilar esse reduto de patriotas que tinham
assumido a gesta de libertar a Colômbia da dominação que
sofre, fundamentalmente por parte dos EUA. Pretendiam criar uma nova
sociedade, uma sociedade justa, sem exploradores nem explorados, uma
pátria digna para todos os colombianos, sem exclusões de qualquer
tipo. Esse objectivo já é visto pelas novas
gerações como uma possibilidade real. Tardamos um pouco, mas foi
uma questão muito meditada o que seguramente permitirá uma
singularidade tremenda na revolução colombiana. Digo isto porque
a comparação é má, mas em Cuba um movimento
guerrilheiro triunfou e a partir da sua vitoria construiu-se como partido
político, tornou-se governo e construiu o Estado. No caso do sandinismo
, repara, uma insurreição popular irrompeu a partir da
existência do movimento guerrilheiro. Tomaram o poder e tiveram que
percorrer o mesmo caminho: construção do partido,
construção do exército, construção do
governo e do Estado. No nosso caso creio que a situação é
inversa. Temos vindo a construir o partido antes de tomar o poder, temos vindo
a construir o governo em algumas zonas porque nessas áreas o governo
real são as FARC. E temos vindo a construir as bases do novo Estado em
muitas regiões da geografia colombiana. Não cabe falar de
prepotência. O desfecho da revolução para nós vai
ser mais fácil porque desenvolvemos toda uma experiência e podemos
consolidar o projecto revolucionário com menos dificuldades, apesar de
tudo o que se passa hoje. Isto ocorre no âmbito de uma
confrontação violenta imposta pelo estado colombiano. Assumimos
o desafio. Os nossos amigos e aqueles que simpatizam connosco podem ter a
certeza de que as FARC não cederão. Consideramos que existe um
estado terrorista na Colômbia, um estado agora marcado por uma
tendência fascizante. Actualmente a luta armada alastra, pela
necessidade de se fazer frente às armas homicidas do estado com as armas
libertárias daqueles que mantiveram o amor da dignidade. Este povo
colombiano de que fazemos parte é um povo digno e valente que,
recorrendo a todas as formas de luta, e combinando-as, muda o cenário
político e abre uma possibilidade de diálogo, e transito pacifico
para a revolução colombiana. Nisso também as FARC se
podem medir na praça publica com os seus inimigos. Não tememos a
praça publica. Não tememos a confrontação de
ideias. O mau é que eles não permitem que se produza ai essa
confrontação de ideias. Neste momento qualquer homem ou mulher,
combatente das FARC, que se apresente a expor o que pensa é
imediatamente assassinado ou capturado, acusado de terrorista. Por isso, neste
momento não nos resta outra opção para expor as nossas
ideias que não seja o recurso aos fuzis. Essa é a realidade na
Colômbia. No imediato trabalhamos para a construção de um
novo governo de ampla coligação, que permita abrir as alamedas de
uma democracia real no país. Para isso convocamos os sectores
políticos e sociais mais diversos, liberais, conservadores, o clero
católico, as associações económicas de todo o
país, a intelectualidade, os operários, os camponeses, as
minorias étnicas, homens e mulheres do mundo da cultura. O objectivo
é parar a guerra. Para isso temos de enfrentar unidos o projecto
fascista para a Colômbia que está a ser implementado pelo Sr
Álvaro Uribe com o apoio da oligarquia e dos EUA e, também, de
alguns países da União Europeia que se intrometem descaradamente
num conflito que somente diz respeito aos colombianos, conflito cuja
solução cabe exclusivamente aos colombianos. Há 40 anos
que vimos dizendo que queremos a paz, que lutamos por mudanças. Teria
sido bem preferível que não tivéssemos sido obrigados a
lutar entre colombianos para implantar uma reforma que o país necessita
urgentemente. Como somos revolucionários, cabe-nos assumir os riscos
que resultam do enfrentamento com o estado colombiano e os seus
cúmplices, aqueles que o amamentam do estrangeiro.
MUR:
Outra questão. Não apenas os inimigos, mas por vezes
forças democráticas com uma posição muito
crítica perante o regime de Uribe, afirmam que as FARC não
conseguem implantar-se nas grandes cidades, que não avançam nesse
terreno, que não penetram nas classes médias urbanas. Que tens a
dizer sobre o assunto?
Ricardo:
Relativamente ao assunto, a desinformação é total.
Resulta de um desconhecimento do que são as FARC-Exército do Povo
como organização político-militar. Não somente
contamos com um aparelho armado como constituímos também o
Partido Comunista Colombiano clandestino. Construimo-lo assim, clandestino,
porque ali não há possibilidades de desenvolvimento real de
organizações legais, abertas, de carácter
revolucionário. E estamos também a construir o Movimento
bolivariano pela Nova Colômbia, que é um movimento igualmente
clandestino com forte implantação em sectores estudantis e
operários, nos bairros periféricos das grandes cidades e em meios
universitários e entre a intelectualidade. O que se passa é que
este é um trabalho eminentemente clandestino. Não podemos tornar
publico o que está a ser feito nos terrenos ideológico,
político e organizativo. Esse trabalho é muito importante. Mas
há mais. Temos ainda as Milícias bolivarianas, e as
Milícias populares em grandes cidades como Bogotá, Barranquilla,
Medellín e Cali, e esse trabalho é extremamente delicado, porque
nos centros urbanos está concentrado todo o poderio do inimigo, que tem
ali todo o seu aparelho técnico, os serviços de segurança
e também os seus colaboradores, os bufos ou «sapos», como
são conhecidos popularmente na Colômbia. Obviamente, construir
essas redes clandestinas implica para nós um autêntico trabalho de
filigrana. O inimigo fareja em busca delas, tratando de decapitá-las,
empenhado em evitar que penetremos em força nas áreas urbanas.
É preciso levar em conta essas dificuldades. Nós, como
Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia, somos de origem
camponesa; naturalmente a nossa maioria é ainda camponesa, mas nos
últimos 10-12 anos ingressaram nas FARC homens e mulheres provenientes
de todas as camadas sociais. Entre eles muitos intelectuais. Há
jornalistas, sacerdotes, engenheiros, agrónomos, advogados, escritores
de grande prestigio, antropólogos. Chegaram e são tratados como
quaisquer outros que aderiram às FARC em qualquer momento da sua
história. O nível de qualificação dos quadros das
FARC nos últimos tempos impressiona. A detenção do
camarada Simón Trinidad chamou a atenção para essa
evidência. Muitos países e muitos amigos demonstraram espanto
porque a imprensa não pôde ocultar que se trata de um homem
educado nas melhores universidades dos Estados Unidos, um homem com uma
formação cultural muito profunda. Não esqueças que
sempre se difundiu a ideia de que nas FARC somos uma quantidade de camponeses
atrasados e ignorantes e isso faz parte daquilo que o inimigo diz de nós
e que os nossos amigos, às vezes, sem reflectirem, assimilam. É
normal que tal aconteça. Nos nossos vaivéns, no tocante à
confrontação ideológica, alguns amigos, quando vem
à baila o tema da repressão, tomam distância.
Inclusivamente aceitam sem uma atitude critica o que diz a grande imprensa.
Entendemos perfeitamente isso. Não nos fere, mas tratamos de explicar a
esses amigos e simpatizantes que devem confiar em nós, confiar na
consolidação do nosso exército, que cresce no campo, na
cidade, em profundidade e extensão, com o recrutamento de novos
guerrilheiros, cobrando novas áreas da geografia colombiana. Estamos
chegando, essa é a realidade, ao coração e à mente
colombiana nas grandes cidades da Colômbia.
MUR:
Sobre a questão que acabas de tratar gostaria que fosses mais preciso
num ponto. As FARC afirmam que combatem em 60 Frentes, distribuídas por
todo o território nacional. É muito, mesmo num país 13
vezes maior do que o meu. Entretanto, o governo de Uribe e toda a imprensa
basta ler "El Tiempo" sustentam que nos últimos
meses, segundo o alto comando do exército, este alcançou grandes
vitórias militares. Então, pergunto: que há de concreto
sobre a situação militar durante esse período? Houve
alguma mudança importante? Porventura as FARC são actualmente
mais débeis do que quando Uribe tomou posse, quando Pastraña
acabou com a zona desmilitarizada? Ou as FARC mantêm intacta a sua
capacidade militar?
Ricardo:
As FARC estão intactas e podemos afirmar que, tal como o seu comandante
chefe, que goza de excelente saúde, assim está o corpo total das
FARC, como força de combate.
MUR:
A propósito do que afirmas, disseram que o comandante Marulanda estava
com um cancro em fase terminal, num hospital brasileiro, no Mato Grosso. Isso
apareceu na imprensa internacional, creio que na CNN. Algum comentário?
Ricardo:
Imagina. Já mataram Marulanda umas 50 vezes, mais ou menos e essa
é apenas outra morte prematura do nosso comandante-chefe. Como se
costuma dizer, «os mortos que matais gozam de excelente
saúde!». É o caso do nosso comandante-chefe.
MUR:
Outra questão, agora sobre a reeleição de Uribe.
Trata-se, se a memória não falha, da segunda tentativa, porque a
primeira não passou no Senado. A nova manobra partiu, creio, da
embaixadora da Colômbia em Madrid, ex-ministra e ex-candidata à
Presidência da Republica. Que possibilidades tem isto de ir adiante e
qual o efeito eventual destas manobras no debate em torno da troca de
prisioneiros?
Ricardo:
Bom, a aspiração de Uribe é converter-se num pequeno
César.
MUR:
Uribe é fascista? As FARC identificam-no como fascista?
Ricardo:
Exactamente, é um fascista integral. Ele não esconde, digamos,
a sua simpatia por esse tipo de fenómeno político e trata de
reeditar Hitler noutro contexto, e inspira-se muito no seu mestre e chefe, que
é o Sr Bush. Então nesse sentido temos pela frente um regime
que utiliza todos os meios, inclusive inconstitucionais, na sua
estratégia autocrática. Utiliza concretamente o sector
financeiro e o industrial. Inclusivamente, agora, os postos-chave como o
Ministério da Defesa e o do Interior e da Justiça foram
atribuídos a gente que vem dos grupos económicos mais influentes
na oligarquia. Então, coloca-se uma questão. Tanto pela sua
situação de classe como pelo facto de exercer o poder,
desencadeia a repressão arbitrária. Os direitos constitucionais
dos detidos são desconhecidos. Agora qualquer colombiano tem de se
registrar obrigatoriamente perante um notário, informando qual o lugar
de residência, com quantas pessoas vive, etc. E mais. Se quer mudar
para outra cidade tem de pedir autorização. Na pratica, a
Colômbia está a ser transformada num imenso cárcere.
Muitos cidadãos cumpriram 6, 8 ou 10 meses de prisão e depois as
autoridades foram forçadas a libertar esses detidos porque não
encontraram qualquer indício de que fossem auxiliares da guerrilha ou
que mantivessem contactos com o movimento insurgente. Qualquer tipo de
protesto social implica punições. Há tortura, há
prisão, há execuções extrajudiciais. Isso é
o que estamos vivendo os colombianos neste momento, enquanto lá fora o
Sr. Álvaro Uribe Vélez fala da tal segurança
democrática global, que não é mais do que o seu desejo de
converter a Colômbia num imenso quartel.
MUR:
Passemos à situação internacional. A humanidade vive
uma crise de enorme complexidade, uma crise de civilização, e
neste momento apesar do seu colossal poder militar, económico e
político o sistema de dominação imperial, com a sua
ambição planetária atravessa uma crise, diferente das
anteriores. Seria uma crise estrutural. Os enormes défices comercial e
orçamental e a gigantesca divida externa, a maior do mundo, explicam a
agressividade crescente do sistema. Hoje não existiria, na perspectiva
deles, outra saída para a crise senão a das guerras preventivas
e do saque dos recursos naturais de outros povos. Pergunto se as FARC acham
correcta essa tese, defendida por eminentes cientistas marxistas, como o
húngaro István Mészaros, que retoma a frase de Rosa
Luxemburgo socialismo ou barbárie? Segundo Meszaros, a
saída positiva desta crise somente pode ser o fim do capitalismo.
Pergunto: acreditam as FARC que o marxismo, a herança de Marx e Lenine
podem desempenhar um papel importante na construção do futuro?
Ricardo:
Com toda essa recomposição do capitalismo, os políticos
neoliberais trataram de apagar a questão das lutas de classes,
esforçam-se por mudar a própria linguagem. Negam inclusive a
existência do imperialismo como tal e o que vemos é ouvi-los
bramar que chegou o fim da história com a queda do campo socialista.
Ora, nem sequer desapareceu a fome do mundo. Pelo contrario, as desigualdades
sociais aumentam, e não apenas nos países da América
Latina, mas também na própria Europa e no interior dos EUA.
Obviamente, os recursos estratégicos também começam a
escassear. O caso do petróleo, por exemplo, que é um problema
sério para os EUA e para os países mais desenvolvidos, bem como
as questões do meio ambiente e problemas como o da água
potável e as suas reservas mundiais. Isso exige do Império uma
revisão estratégica. Entre os problemas do Hemisfério
figura a questão da bacia amazónica na qual se concentra a sexta
parte da agua potável do planeta Terra, assim como a maior
biodiversidade e gigantescos recursos e minérios estratégicos.
Vemos que os Estados Unidos não escondem o seu desejo de apropriar-se
dessas riquezas na América Latina, tal como já principiaram a
faze-lo no Iraque e no Afeganistão com o petróleo e o gás.
Regista que, com tudo o que estamos vendo desde o 11 de Setembro, o
império foi ferido no coração e começa a agitar-se
desordenadamente. Aventurou-se no Afeganistão, desencadeou a guerra
contra o Iraque, pensando que era um passeio para derrotar Saddam Hussein que,
digamos, pode ter sido o que foi como ditador, mas era o presidente de um
país soberano. Os Estados Unidos, ignorando as Nações
Unidas, atribuíram-se o direito de entrar ali para impor a sua nova
ordem económica e a sua nova ordem internacional. E aí
está o pântano em que se atolaram. Acontece que os povos
não estão de joelhos, e o povo do Iraque, recorrendo à
guerra de guerrilhas, está a causar grandes baixas ao exército
mais poderoso que a humanidade conheceu e enfrenta com êxito
também os outros exércitos de ocupação, o
inglês, o espanhol e o italiano. E as repercussões começam
a senti-las aqueles que planificaram esta guerra de extermínio, esta
guerra injusta, esta guerra de agressão, esta guerra maldita contra o
povo iraquiano.
Por isso, penso na tragédia que foi a morte em Espanha de gente
inocente, o senhor Aznar está neste momento a receber o castigo por ter
envolvido o seu povo na guerra que ele procurou, apesar dos espanhóis a
condenarem maioritariamente. Está recebendo no seu território
os toques de uma guerra pela qual optou para defender os interesses
estadunidenses no Médio Oriente. Isso tornou-se agora transparente. A
situação em Espanha provocou a queda do Partido Popular. Quanto
à América Latina, vemo-la em convulsão desde a Argentina,
em choque com o Banco Mundial e o FMI, passando pela Bolívia com esse
levantamento popular e o que está ocorrendo no Equador, no Peru, no
Haiti, na Colômbia. Quer dizer, estamos vivendo um momento de auge na
luta dos povos. Creio que este Império se sente mortificado por
não poder aplicar a sua política de globalização
tal como pretendia, utilizando a dominação das grandes
transnacionais. Os povos não a aceitam e a luta vai intensificar-se com
confrontações violentas. Os movimentos anti-guerra na Europa
desenvolveram-se e começam a sentir-se os seus efeitos em todo o
planeta. Com cada povo a empregar a forma de luta da sua escolha podemos
entre todos ir gerando uma corrente de opinião e de resistência e
fazer recuar o fascismo e o projecto de ditadura mundial que o império
quer impor-nos. O facto de as FARC neste momento, com as armas na mão,
recebendo todo o peso da agressão do exército colombiano, ajudado
económica e militarmente e, não esqueças, com a
ajuda da alta tecnologia dos EUA e da sua inteligência militar se
manterem firmes, insisto, essa luta das FARC é uma grande
contribuição para as lutas revolucionárias no mundo.
Estamos em combate sem ter sofrido as baixas que eles anunciam. Na pergunta
anterior tu falavas das 60 frentes e, efectivamente, nós temos 60
Frentes funcionando. Esse dado é oficial das FARC, e confirmado pela
inteligência militar que sempre diz que as FARC contam com 18 000 homens.
Nós não sabemos quantos somos exactamente. Talvez o saiba
Manuel Marulanda Vélez, mas pelo que dizem os jornais e os
balanços do inimigo, chega-se à conclusão de que eles
mataram ou prenderam 23 mil guerrillheiros. Estão tomando os seus
desejos pela realidade. E esta é bem outra. Pelo contrário, as
FARC continuam crescendo em combatentes e em extensão territorial. O
que acontece é que a confrontação, nesta fase, desde que o
Sr Álvaro Uribe Velez rompeu o diálogo e assumiu a
Presidência, apenas está começando. As FARC não
podem pôr-se a lutar no momento em que o governo e o exército ou
os gringos gostariam que elas o fizessem, digam eles o que disserem
Não. As FARC reservam-se o directo de dar combate no momento que o
julgarem oportuno e necessário. Estamos tranquilos, acompanhando com
muito optimismo a marcha dos acontecimentos. Os próximos anos
dirão se temos ou não razão, mas do ponto de vista militar
é utópico pensar que vão encurralar as FARC ou
exterminá-las. Precisamente em Outubro do ano passado as FARC
promoveram um plenário para a reestruturação de toda a sua
linha de comando, começando pelo secretariado Nacional, pelo Estado
Maior Central, pelos estados maiores dos Blocos, pelos estados maiores de
Frente e pelos e pelos estados maiores de colunas de combate. Quer dizer, a
direcção está garantida para o futuro, sem sobressaltos,
aconteça o que acontecer. Na confrontação estamos
tranquilos: Qualquer que seja o desfecho da revolução na
Colômbia, as FARC sempre estarão presentes.
MUR:
Ricardo, voltando um pouco à questão do imperialismo, acreditas
que efectivamente a alternativa, se o capitalismo for erradicado, seja entre
socialismo e barbárie? Que papel teria o marxismo? Em todo o debate em
torno do binómio movimentos partidos não faltam
intelectuais e dirigentes políticos para os quais a
solução na luta contra o neoliberalismo resultará
fundamentalmente de acção dos movimentos sociais. Recordo
intervenções em que Fausto Bertinotti, de Rifondazione Comunista,
defendeu uma posição surpreendente. Segundo ele, o
desaparecimento do capitalismo será o resultado de uma luta de
carácter revolucionário, conduzida pelo movimento dos movimentos.
Entretanto, outros é o meu caso concluem que cabe
às organizações e partidos revolucionários cumprir
um papel insubstituível. Que pensas desse debate?
Ricardo:
Nós nunca negamos que somos uma organização
marxista-leninista. Nas FARC uma esquadra é composta de 12 homens ou
mulheres e simultaneamente é uma célula do partido comunista e
nela educamos combatentes no pensamento marxista-leninista. Acreditamos que
essa posição mantém plena actualidade. Alem disso
juntamos ao marxismo o pensamento bolivariano por consideramos que
Bolívar tem muito que fazer na América Latina. Mais,
Bolívar hoje é uma grande preocupação para
Washington. Os estrategos e ideólogos do sistema temem que
Bolívar saia do túmulo, empunhando novamente a espada
libertadora. No Documento Santa Fé 4, os gringos manifestam a
preocupação de que esse pensamento bolivariano possa alastrar por
toda a área andina e sul americana. Estamos noutra época, mas o
pensamento da unidade latino-americana permanece vivo e a ameaça de
sermos submetidos pelo império acentua-se. A ideia de criar governos
que proporcionem felicidade aos seus povos é uma exigência
continental. E a de constituir exércitos libertadores não perdeu
actualidade. Então, verificamos que Bolívar tem muito que fazer
por aqui.
Acreditamos que o socialismo é plenamente atingível e que a
própria globalização contribuiu para nos aproximar da
futura transição. Não podemos afirmar que existe uma
única via para enfrentarmos o império e dar o salto. Não.
Certamente em determinados países será mais difícil. Por
exemplo, nós, neste momento, como Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia, pelas condições que nos
impõe o regime de Uribe Vélez, estamos colocados numa
situação muito mais complexa do que outras
organizações revolucionárias do passado recente, quando
existia o campo socialista e podia chegar ajuda económica. Nós
sofremos as consequências do intercâmbio dos serviços de
inteligência e de assessoria militar, de treino de batalhões
especiais, etc. Somos uma guerrilha forçada a autoabastecer-se em todos
os domínios, incluindo a compra de armas no mercado negro e o seu
fabrico, como alias já estamos a fazer no tocante à
produção de armas caseiras, indispensáveis numa luta
tão desigual do ponto de vista tecnológico, fundamental na guerra
moderna. Acreditamos que caminharemos para um socialismo com as
características e a idiossincrasia colombianas para o que certamente
teremos de analisar todos os tipos de socialismo que existiram desde a
União Soviética, a própria China, a Coreia, o Vietnam, a
Cuba socialista, e de tudo isso extrair o positivo que houve e aplicá-lo
às condições do desenvolvimento e das forças
produtivas na Colômbia. Mas nós não acreditamos que exista
uma terceira via. Cremos que a opção será entre
socialismo ou barbárie. E a barbárie já sabemos quem a
promove, o imperialismo que não desapareceu. Pelo contrario,
está hoje mais vivo e perigoso do que no passado e nós,
revolucionários, depois do que ocorreu na URSS e na Europa do Leste,
estamos em desvantagem. Contudo, na Colômbia somos muito optimistas e
assumimos coincidentemente o peso da responsabilidade histórica do
momento.
MUR:
Agora uma questão muito delicada: o tema da droga. Uma campanha de
âmbito mundial está hoje em todos os continentes e dificulta muito
a mobilização da solidariedade. Ela tem como argumento
permanente e principal a acusação de que as FARC seriam uma
organização intimamente ligada aos cartéis da droga. Eu
sei que foi um diplomata estadunidense, Louis Stamb, ex-embaixador em
Bogotá, quem, um dia, durante uma reunião no Pentágono,
para com o qual colaborava, afirmou que era necessário inventar um
slogan que pudesse criar uma legenda negra em torno das FARC. Nessa mesma
reunião, sob proposta sua, nasceu a expressão «a guerrilha
do narcotráfico» ou «narcoguerrilha» para desmoralizar as
FARC.
Pergunto: que respondem as FARC à montanha de acusações
que a apresentam comprometida com os cartéis da droga? Os seus
adversários sustentam que é uma organização
milionária e que não poderia, sem os milhões do
tráfico da cocaína, actuar como actua. Inclusive muitos
intelectuais de esquerda temem demonstrar solidariedade com as FARC por
acreditarem que a organização mantém efectivamente
laços com o narcotráfico. Que tens a responder a essas
acusações?
Ricardo:
Contra nós sempre houve campanhas de desprestigio. Quando não
existia o narcotráfico na Colômbia diziam que éramos a
quinta coluna do imperialismo soviético, que as FARC eram financiadas
pelos soviéticos e que somente por isso existiam. Depois trataram-nos
como bandoleiros ou simples delinquentes comuns. Posteriormente sim, o senhor
Stamb, como disseste , forjou o epíteto da narcoguerrilha, e com
frequência nos chamam também narcoterroristas ou simplesmente
terroristas. É uma campanha bem orquestrada e montada em momentos
escolhidos. Qualquer pessoa pode aperceber-se de que o negócio do
narcotráfico é um negócio eminentemente capitalista, que
na Colômbia, pelas condições específicas da
aplicação das políticas neoliberais arruinou o campo,
tirou da circulação um milhão e quinhentos mil hectares de
terras, antes dedicadas ao cultivo do café, arruinou também toda
a economia do sorgo, arruinou toda a economia de outro produto, o
algodão. Os camponeses começaram a cultivar marijuana ou a
plantar coca e isso foi em certa medida tolerado pelos governos colombianos.
Os narcotraficantes na década de 80 estavam metidos em todas as camadas
sociais do país. O próprio Pablo Escobar, o rei da droga, fez-se
eleger para a Câmara de Representantes nas listas do Partido Liberal.
E nos aviões dos narcotraficantes colombianos viajavam desde o
presidente já falecido, o Sr. Carlos Lleras Restrepo, até aquilo
que vimos com o narcopresidente Ernesto Samper, que foi eleito com os dinheiros
do narcotráfico. Recordo um episódio expressivo da hipocrisia
dessa sociedade colombiana. Quando o Papa João Paulo II visitou a
Colômbia, os cartéis da droga reuniram uns três
milhões de dólares para os oferecerem a obras sociais do
Vaticano.
MUR:
E o papa aceitou?
Ricardo:
Certamente não soube donde procedia esse dinheiro, mas ele chegou
às mãos do chefe da Igreja católica. Recordarás
que Pablo Escobar era um homem muito religioso; rezava à Virgem Maria
antes de colocar as bombas. Mas, enfim, como sabes, o narcotráfico
contaminou todas as estruturas da sociedade colombiana, desde o Parlamento aos
grandes banqueiros e industriais, aos juizes e outros magistrados e à
alta oficialidade do exército colombiano
Inclusivamente
aviões da Força aérea levavam droga para os EUA. O navio
numero 1 da armada colombiana, o «Glória», foi interceptado
quando transportava cocaína. Até no avião presidencial,
quando o dr. Ernesto Samper Pizarro ia visitar os EUA, encontraram
cocaína. Mas obviamente esse negócio é dos mais
rentáveis do planeta. Está quase no mesmo nível dos
armamentos. Aqui o capital circula com muita rapidez; analistas do problema
calculam que há em circulação 550 mil milhões de
dólares no mundo, produto do narcotráfico. Desses 550 mil
milhões a parte da América Latina é apenas de 20 mil
milhões dos quais chegaram à Colômbia 5 500 milhões
segundo os mais optimistas, embora se admita que a Colômbia produz 80%
da cocaína do planeta. Onde permanece esse dinheiro? Dentro do
império; o grande negócio é dos próprios EUA.
Durante os dois mandatos de Clinton a economia dos Estados Unidos cresceu a um
ritmo de 6,11%. Porque, claro, esses capitais provenientes do
narcotráfico irrigavam como torrente financeira a economia
norte-americana. As FARC propuseram aos EUA e às Nações
Unidas e a todos os governos do mundo que estivessem interessados em dar
combate real ao narcotráfico uma política clara de
substituição de culturas, de ataque em profundidade à
questão. Nós recebemos os ataques dos grandes cartéis da
droga porque tivemos de os enfrentar militarmente porque a verdadeira
aliança está entre os narcotraficantes os paramilitares, os
homens de alguns comandos militares colombianos e toda a apodrecida casta
política colombiana enlameada pelo negócio. São eles
realmente que o dirigem, pois podem sair do país e entrar nele sem
problemas. Nós não podemos sequer mover-nos livremente no
território nacional, porque nos perseguem por todo o lado. Como sabes,
desde a época da guerra fria, todo o Caribe e o Pacifico, a
Amazónia e a região andina estão infestadas de radares dos
Estados Unidos. Nós dissemos aos gringos: deixem de ser
hipócritas; o problema é vosso e vocês tiram lucros dele.
Calcula-se que nos EUA, neste momento, haverá uns 25 milhões de
consumidores directos da droga. Se admitirmos que cada habitante consumidor de
droga afecta quatro ou cinco pessoas, chega-se á conclusão de que
uns 120 a 125 milhões estão envolvidas no problema. Para
combater dentro dos Estados Unidos o flagelo dos narcóticos, o
governo, para reduzir 1% do consumo no seu território, curando
viciados, promovendo campanhas nas universidades e colégios e entre a
população em geral, gastaria cerca de 180 milhões de
dólares. Se dentro dos EUA se fizesse a mesma campanha, mas tendo por
complemento o combate sério à entrada da droga no país,
então, para se obter a mesma redução de 1% a
administração federal gastaria 380 milhões de
dólares.
A hipocrisia é inocultável. Não combatem o problema nos
EUA, mas levam a guerra contra a droga à Bolívia, ao Peru, ao
Equador, ou à Colômbia e então os custos para reduzir o
consumo na mesma percentagem de 1% elevam-se a 780 milhões de
dólares. Por outras palavras, seria mais produtivo para os EUA o
combate no interior do seu próprio território. Nós
propusemos no I Encontro Internacional sobre o Combate a culturas chamada
ilícitas e ao narcotráfico, propusemos, recordo, à
União Europeia e ao presidente Pastraña substituir essas
plantações à base de um estudo realizado num
município chamado Cartagena del Chairá, onde existiam para o
efeito 7200 hectares de plantações de coca. A ideia era formar
ali um grande laboratório experimental, realizar um teste para provar
que se pode efectivamente combater o narcotráfico em profundidade. Mas,
como te disse, logo levantaram-se contra nós esses fantasmas que servem
de pretexto aos EUA para agredir militarmente a Colômbia e esconder o
verdadeiro motivo do Plano Colômbia, que é um plano
contrainsurrecional para acabar com as FARC, para implantar o seu
domínio no país, agredir a Venezuela e, além disso,
apropriar-se da região. Já antes falámos da
Amazónia a propósito da cobiça despertada pelas suas
riquezas. Lamentamos muito neste momento tão difícil que amigos
nossos continuem acreditando em infâmias que visam desacreditar a nossa
organização guerrilheira. Sempre condenámos o
narcotráfico como crime contra a humanidade. Sabemos dos males que
causa sobretudo entre a juventude. Nós, nas áreas onde estamos
implantados, condenamos com muito rigor o consumo de estupefacientes.
Sendo maioritariamente camponesa a guerrilha das FARC, é uma guerrilha
sadia. Os camponeses da Colômbia, os próprios camponeses dos EUA,
tal como os de Portugal, da Argentina ou da Venezuela são gente sadia,
que nunca utilizou drogas. Quem as consome são os estadunidenses, quer
dizer milhões deles, o que demonstra o alto grau de desequilíbrio
moral dessa sociedade. O mesmo acontece na Europa. Na Colômbia
nós não estamos metidos no negócio, mas a partir de
calunias afirma-se que as FARC são um movimento milionário, o que
dá vontade de rir porque ninguém sabe com que sede outro bebe.
Nós somos uma guerrilha autárquica e vimo-nos obrigados a
autofinanciar todas as coisas. Há grandes industriais patriotas que
contribuem para as FARC, tal como proprietários de grandes fazendas, que
também nos ajudam. As FARC mantêm na Colômbia
negócios rentáveis que facilitam o seu abastecimento. Obviamente
como é uma guerra que nos foi imposta e são os ricos quem tem o
dinheiro, os potentados que se beneficiam do suor e das lágrimas do
nosso povo, às vezes tivemos de recorrer a retenções de
pessoas, os chamados sequestros, mas não esqueças que na ultima
etapa, a partir de El Caguán, as FARC promulgaram a
lei 002
, mediante a
qual qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, cujos lucros excedam um
milhão de dólares tem que pagar às FARC 10%. Estamos
cobrando esse imposto e para o cobrar não pode ser com flores. Temos de
agir porque as FARC, quando promulgam uma lei, é para ser cumprida.
Neste momento, cada vez mais industriais, mais banqueiros, mais transaccionais
tocam à porta das FARC para saber quanto têm de nos pagar. Mas
obviamente o custo de manutenção de um exército como o
nosso é muito elevado. Enfrentamos dificuldades de toda a ordem. Essa
situação impede-nos de ter acesso à alta tecnologia de
armamentos. A França, os EUA, as Nações Unidas pedem-nos
que não utilizemos as minas «quiebra patas» e outras armas
não convencionais. Mas, que fazer? Como já somos um estado
pequeno e em formação, dizemos aos ingleses e aos estadunidenses,
aos gringos em geral que se lhes dói muito o recurso às minas
«quiebra patas», então que nos abram um crédito, que
nos vendam armas convencionais .
MUR:
Como são as minas «quiebra-patas»? Explica como traduzir
isso? São minas pessoais?
Ricardo:
Sim, são minas pessoais que nós, combatentes das FARC,
fabricamos. Numa lata de sardinhas coloca-se X quantidade de explosivos e
metralha, pregos, pedaços de ferro, etc. E é isso que vem
colando o exército colombiano ao terreno.
MUR:
Quer dizer
Vocês não têm mísseis?
Ricardo:
Não. Não temos mísseis?
MUR:
Nunca foram acusados disso?
Ricardo:
Uma vez viram algures uns camponeses com um carro velho pintado como se fosse
um míssil e então disseram que sim, afinal, já
tínhamos mísseis. Uma estória que nos divertiu.
Não, não contamos com essas armas sofisticadas.
Em matéria de armas temos o que viste nos acampamentos do
Caquetá. Uma ou outra escopeta
MUR:
Ricardo, uma última pergunta. O governo de Uribe nega-se a discutir
com as FARC o problema da troca de prisioneiros, mas ao mesmo tempo
mantém um diálogo quase amistoso com os paramilitares de Carlos
Castaño e Salvatore Mancuso, responsáveis por incontáveis
crimes. Como vêem as FARC essa contradição?
Ricardo:
Eu não diria que existe dialogo entre Uribe e os paramilitares. O que
há é um monólogo entre eles. O Sr Uribe orgulha-se de lhe
chamarem paramilitar, porque ele vem daí
Deveriam perguntar ao Sr
Uribe o que fazia na Aeronáutica Civil quando foi director nacional.
Então entregou uma quantidade de pistas de aterragem aos
narcotraficantes colombianos. O Sr Uribe tem um passado horrendo nesse campo.
Agora, velhos conhecidos reunem-se e procedem a uma divisão social do
trabalho. Votaram por Uribe e prestaram-lhe toda a ajuda. Agora recebem a
recompensa pelos serviços que prestaram ao Sr Uribe noutras
épocas. Foi muito generoso com eles e continuará a sê-lo.
Não há diálogo, assistimos a um monólogo.
MUR:
E a troca de prisioneiros? O governo aí está intransigente.
Recusa-se...
Ricardo:
O Sr Uribe trata de se mostrar intransigente perante um clamor que é
nacional e que já transcende as fronteiras colombianas. O que existe
na Colômbia é um conflito interno de duas forças, uma
irregular, no caso as FARC, e a outra o exército oficial. Nós
temos prisioneiros de guerra, tal como o estado colombiano tem prisioneiros de
guerra das FARC nas suas masmorras. O Sr Uribe simula desconhecer que os seus
oficiais do Exército e da Polícia e da Marinha, assim como
membros dos serviços de inteligência, como o DAS e o F2,
estão em poder das FARC, presos em combate por defenderem um regime
putrefacto, insensível ao drama que a sua gente vive. Nós
propusemos a troca de prisioneiros e a proposta permanece válida.
MUR:
Quantos prisioneiros têm as FARC em seu poder?
Ricardo:
Neste momento calcula-se que uns 50 ou 60 oficiais do exército e da
polícia estão em poder das FARC. E alem disso personalidades
representativas da classe política colombiana. Conforme declarou o
comandante Raul Reyes, todos estão em bom estado de saúde, embora
suportando, claro, as incomodidades próprias da selva, mas tratados
sempre com dignidade e decoro. No caso das FARC são respeitados como
prisioneiros de guerra e o tratamento que recebem é o mesmo dispensado
aos nosso guerrilheiros. Não existe discriminação.
Acreditamos que a troca terá de caminhar neste governo ou noutro que
compreenda a necessidade de abrir as comportas para o entendimento entre
colombianos. Por isso, a pretensão do Sr Uribe de se perpetuar no poder
é uma piada e uma ameaça. Há sectores sociais,
sobretudo a nível da grande imprensa, que magnificam o grau de
aceitação que tem o actual presidente na população.
Mas estamos golpeando muito o sistema e até «El Tiempo» tem
que começar a noticiar essas coisas. As minas anti-pessoais
estão provocando uma tremenda sangria no exército. Isso
também terá que ser analisado pelo povo colombiano.
A guerra não traz nada bom aos povos, a guerra só deixa
desolação e morte. Aqui temos um presidente que fala diariamente
de guerra quando nós dizemos que queremos dialogar com um governo que
esteja realmente empenhado em abrir as comportas para uma solução
dialogada ao conflito social armado que a Colômbia vive.
MUR:
Bom, chegamos ao fim. O tema é inesgotável, poderíamos
falar durante horas da luta das FARC, mas creio que disseste coisas
importantes. Queres acrescentar alguma coisa?
Ricardo:
Sim. Quero agradecer a solidariedade dos comunistas portugueses, dos
camaradas do teu partido à nossa luta. Para os camaradas portugueses e
em especial para Álvaro Cunhal vai a mais fraterna, revolucionaria e
combativa saudação marxista-leninista. Partidos como o PCP
demonstraram grandeza e firmeza ideológica. Nós admiramo-los
profundamente. Lemos e estudamos o «Partido com Paredes de Vidro» e
ainda aprendemos com ele. Creio que os comunistas portugueses podem sentir-se
orgulhosos por não ter fraquejado quando a cobardia começou a
tomar conta do mundo. Agora mais do que nunca sentimo-nos próximos de
vocês em tudo. Para o PCP uma saudação das Forças
Armadas Revolucionarias da Colômbia e oxalá surja a oportunidade
de nos visitarem nos nossos acampamentos nas montanhas e que alguma
delegação nossa possa também receber esse calor dos
comunistas e do povo português que, apesar da distancia, estão
próximos, na nossa mente e no nosso coração.
Março de 2004, em algum lugar no México.
O original encontra-se no semanário
Avante!
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