Nem é acordo nem é humanitário

por Athemay Sterling [*]

O publicitado desencarceramento de supostos guerrilheiros não é desencarceramento pois apenas transferem-se alguns reclusos de umas penitenciárias para outras. Assim, sem que percam sua qualidade de réus, já estão em Chiquinquirá num Centro de reclusão hoje altamente vigiado, e a seguir transferem-nos para outro presídio em Chicoral, segundo se soube através de diferentes meios.

O que se verifica não é um acordo e nem é humanitário. É uma acção do executivo no âmbito do foro presidencial Ela demonstra que na verdade há conflito na Colômbia e, por outro lado, que não há vontade deste executivo em tentar resolvê-lo concertadamente como deve ser. Num conflito social e armado, ou armado não internacional, o que se exige nesta conjuntura é concretizar pactuadamente fórmulas para a diminuição do intensidade do conflito. É este o caso da exigência do intercâmbio humanitário e, oxalá, posteriormente a solução política deste conflito de meio século com profundas causas estruturais, sociais, económicas e políticas.

Não ajuda que o executivo e o Estado, o qual confronta com as forças armadas constitucionais outras forças armadas revolucionárias, seja o mesmo que designa e determina quem é guerrilheiro e quem não é. Administrativa e juridicamente é confundir a jurisdição e competência dele e da justiça, é fundir estes dois poderes, ainda que na prática já o estejam, em expedita manifestação autoritária.

E o que se sabe por todos os meios de comunicação é que os guerrilheiros das FARC que estão privados da sua liberdade nos cárceres de La Picota, Girón, Doña Juana, Picaleña, Valledupar e até mesmo o próprio Rodrigo Granda já indicaram que não são desencarceráveis e sim trocáveis num acordo de intercâmbio humanitário.

Situação que advogados e representantes de altas cortes judiciais caracterizam como de incerteza jurídica, referindo-se às determinações desenvolvidas pelo executivo que tentam desconhecer o seu contraditor querendo utilizá-lo para os seus propósitos.

Num conflito social e armado como o colombiano, do que se trata é de actuar com base em realidades. A primeira delas é reconhecer a sua própria existência, já inegável, conflito já reconhecido como tal, nacional e internacionalmente.

Não é gratuito que o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tenha representação numerosa em várias sedes de cidades colombianas, não é para incomodar que o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos tenha também várias delegações na Colômbia. É um sintoma de que todos os olhares internacionais sejam pelo intercâmbio humanitário e pela soluça política deste conflito. Tudo acontecer devido à existência real do conflito. Que os três países amigos do Intercâmbio Humanitário e até o senhor presidente francês Nicolás Sarcozy [1] estejam à frente desta acção humanitária é muito significativo.

Todos os Tratados, Convénios, Protocolos, Pactos, Convenções sobre Direito Internacional dos Direitos Humanos, de Direito Internacional Humanitário, de Direito Penal Internacional que o Estado subscreveu, ratificou e incorporou ao âmbito constitucional mediante as respectivas Leis Aprovatórias de Tratados Internacionais demonstram de maneira vinculante a existência do conflito.

Mas também nesta rubrica o Estado obriga-se a acatá-los como se estipula na Convenção de Viena do Direito dos Tratados, que prescreve o "Pacta sunt servanda" quando assevera que todo Tratado em vigor obriga as parte deve ser cumprido por elas de boa fé.

Nem esta obrigação convencional internacional é acatada pelo Estado colombiano e seu actual regime político a fim de concretizar o Intercâmbio Humanitário. Tão pouco aplica os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, do Direito Internacional Humanitário e do Direito Penal Internacional, nem sequer porque na própria Constituição em vigor na Colômbia se afirme que os Tratados que tratem destes temas prevalecerão sobre tudo o mais e reafirme que fazem parte do chamado Bloco de Constitucionalidade, de cumprimento obrigatório.

Fez-se caso omisso da nossa proposta e argumentação jurídica que apresentámos no Centro de Direitos Humanos da Universidade Santiago de Cali acerca da Cláusula Martens [2] , que bem expliquei em documento anterior de impulso ao intercâmbio Humanitário entre as pessoas privadas da sua liberdade em consequência do conflito social e armado, umas em poder da insurgência nas selvas, montanhas e cordilheiras a sofrerem a inclemência da natureza e as acções estatais para tentar resgatá-las militarmente, e outras pessoas em poder do Estado, amontoadas em cárceres, e outras duas extraditas ilegalmente.

Nada adiantou para que o Estado colombiano e o regime político actual, com toda essa blindagem jurídica internacional e interna que apontámos publicamente, evacuasse [os municípios de] Pradera e Florida, para que ali se reunissem os representantes da insurgência e do Estado durante 45 dias e se concretizasse mediante um acordo, que comprometesse estas duas partes, que se confrontam política e militarmente, a libertação acordada das suas partes, em poder de uns e outros. Já indiquei que do que se trata agora é de passar da unilateralidade à bilateralidade, ou do contrário a história não absolverá.

O Estado colombiano tem esta obrigação convencional e também constitucional: criar condições objectivas e viáveis para o início de conversações entre os três integrantes que a insurgência designou tempos atrás com os representantes do Estado.

Tais condições materiais e objectivas concretizam-se na evacuação temporária destes dois municípios que estão à espera e com o seu território aberto de braços e vontade cidadã para coadjuvar na diminuição da intensidade do conflito.

Um acordo bilateral que conduza ao intercâmbio humanitário é a saída viável agora, e não outra. Assim ficou demonstrado.

O Intercâmbio Humanitário continua a ser necessário socialmente, viável juridicamente, vigente politicamente e válido humanitariamente.

O Intercâmbio Humanitário é tudo isso, e sobretudo humanitário entre aqueles que estão retidos pelas FARC nas selvas e cordilheiras, o deputados de Valle Cauca Héctor Fabio Arismendi Ospina, Carlos Alberto Barragán López, Carlos Alberto Charry Quiroga, Ramiro Echeverri Sánchez, Francisco Javier Giraldo Cadavid, Jairo Javier Hoyos Salcedo, Sigifredo López Tobón, Juan Carlos Narváez Reyes, Nacianceno Orozco Grisales, Edinson Pérez Núñez, Alberto Quintero Herrera, Rufino Varela Cobo; a ex candidata presidencial Ingrid Betancourt e sua assessora Clara Rojas; os congressistas Jorge Eduardo Gechen, Consuelo González, Orlando Beltrán, Luis Eladio Pérez, Gloria Polanco, Oscar Lizcano; o ex gobernador do Meta Alan Jara ; os militares norte-americanos Thomas Howe, Marc Gonsalves e Keith Stannsen; os oficiales e sub-oficiais do Exército Tenientes Juan Carlos Bermeo, Raimundo Malagón; Sargentos Harvey Delgado, Luis Moreno, José Ricardo Marulanda, Erasmo Romero; Cabos Luis Beltrán, Róbinson Salcedo, Amaon Flórez, José Miguel Arteaga, Luis Arturo Arcía, William Pérez, Libio Martínez; os oficiais e sub-oficiais da Policía Nacional Coronel Luis Mendieta, os Capitanes Edgar Duarte, Teniente William Donato, os Sargentos César Lasso, Luis Erazo; os Cabos José Libardo Forero, Jhon Durán, Julio Buitrago, Enrique Murillo; Subtenentes Javier Rodríguez, Wilson Rojas, Elkin Fernández, Jorge Romero, Alvaro Moreno, Luis Peña, Armando Castellanos, Jhon Pintado, Carlos Duarte e Jorge Trujillo; o Capitán Julián Guevara, e todos os insurgentes e presos políticos que estão amontoados nas penitenciárias em poder do Estado, incluindo os extraditados ilegalmente, proibição até a INTERPOL reconhece [3] .

(1) http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america/newsid_6631000/6631331.stm
(2) http://www.pacocol.org/es/Inicio/Archivo_de_noticias/Mayo07/77.htm; http://www.anncol.org/es/site/doc.php?id=3061
(3) http://www.interpol.int/Public/ICPO/LegalMaterials/FactSheets/FS11es.asp : "Admite-se no direito internacional sobre extradição que os delitos políticos não podem dar lugar à extradição".


Breve Dicionário cibergráfico sobre o Intercâmbio Humanitário

Onde ficam Pradera e Florida? É preciso a evacuação? Leia em:
http://www.prensarural.org/sterling20050809.htm
http://bellaciao.org/es/article.php3?id_article=1357
http://www.caicedonia.redyaccion.com/Creada%20comision.htm

Será preciso esperar até o ano 2010 para concretizar o Intercâmbio Humanitário? Leia em:
http://www.voltairenet.org/article146702.html
http://www.partidoverdeoxigeno.com/base/article.php3?id_article=167
http://www.anncol.org/es/site/doc.php?id=2938

Há argumentos jurídicos para o Intercâmbio Humanitário? Leia em:
http://www.elcorreo.eu.org/esp/article.php3?id_article=1599
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=48070
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=21423

Quais são os obstáculos para o Intercâmbio Humanitário? Leia em:
http://www.la-casa.ca/?q=fr/node/954
http://forums.terra.com/foros/noticias/
http://www.rodolfowalsh.org/spip.php?breve4202
http://www.tertulialatina.com/
http://anncol-brasil.blogspot.com/2007/04/uribe-se-ope-ao-intercmbio.html
http://www.elpais.com.co/historico/ene232006/REG/A323N2.html

Há ou não há conflito na Colômbia? Leia em:
http://www.emancipacion.org/modules.php?name=News&file=article&sid=20
http://www.anncol.org/es/site/doc.php?id=3026

[*] Advogado Defensor de Direitos Humanos; Director do Centro de Direitos Humanos da Universidade Santiago de Cali; Subdirector CPDH-Valle; Integrante da equipe jornalística do semanário Voz. athemaysterling@usc.edu.co

O original encontra-se em http://www.anncol.org/es/site/doc.php?id=3119

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
03/Jun/07