Sequestro de Rodrigo Granda
"A ditadura fascista de Pinochet fez exactamente o mesmo aos seus
opositores políticos"
"Este sequestro constitui um delito de lesa humanidade"
"A política de
segurança democrática
constitui uma
verdadeira tragédia, não somente para os colombianos, mas
também para todo o continente"
por Dick Emanuelson
O secretário-geral da Comissão Colombiana de Juristas
Democráticos, Dr. Miguel Gonzalez, advogado e defensor de Rodrigo
Granda membro da Comissão Internacional das FARC-EP sequestrado
em Caracas, Venezuela, a 13 de Dezembro por um comando colombo-venezuelano
rejeita as declarações do governo de
Álvaro Uribe Velez sobre a legitimidade do sequestro e o pagamento
posterior de recompensa. Considera, como uma grande parte dos defensores dos
direitos humanos na Colômbia e América Latina, que o estimulo do
terrorismo e do crime internacional noutros países constitui uma
expansão da guerra suja além fronteiras.
Dick Emanuelson: A 13 de Dezembro foi sequestrado em Caracas Rodrigo Granda,
chamado chanceler das FARC. Esta manhã (12/Jan2005) o
governo de Álvaro Uribe admitiu ter pago uma recompensa ao comando que
sequestrou Granda. Estamos com o dr. Miguel Gonzalez, advogado que assumiu a
defesa do caso Rodrigo Granda a pedido dos seus familiares. Podia
dizer-nos em que situação se encontra hoje em dia o caso? Quando
pode falar com o seu cliente e o que é que ele contou?
Miguel Gonzalez: Muito boas tardes à vasta audiência de
Café Stereo
[1]
e a Dick por nos ter possibilitado este contacto. Efectivamente, como
assinalas, Rodrigo Granda Escobar foi sequestrado por um grupo de pessoas em
Caracas e todo este processo parece-me que hoje acaba de se tornar claro. Tive
ocasião de me encontrar pela primeira vez com ele a 18 de Dezembro,
às 8 horas da manhã. Fui contactado por familiares de Rodrigo
Granda. Eles já tinham informação de que alguma coisa de
estranho havia sucedido e temiam um pouco pela vida do meu constituinte.
Depois, a família recebeu uma chamada dele, em que os informa de que
fora sequestrado na Venezuela, transferido de Caracas para Cúcuta e que,
por fim, os sequestradores o entregaram a autoridades policiais na fronteira
colombiana em Cúcuta; estas as informações. Tive
oportunidade de falar com ele pela primeira vez, de forma muito limitada, foram
15 minutos, tratámos de vários temas e, entre eles, a necessidade
de me passar uma procuração para o processo penal aqui na
Colômbia.
D.E.: Tiveram tempo para que ele contasse o que havia sucedido em Caracas e
quem foram os autores do comando que o sequestrou?
M.G.: Sim, tive já várias oportunidades de me reunir com o meu
cliente, que se encontra, actualmente, na prisão de segurança
máxima de Cúcuta, numa área especial de isolamento. Isto
é um eufemismo utilizado pelas autoridades administrativas colombianas.
Ali, ele está num espaço bastante reduzido, podemos dize-lo, em
regime de detenção especial, só tem possibilidade de sair
da sua cela num curto período do dia. A cela é muito pequena e a
região de Combita é muito fria. De manhã, num curto
período, é-lhe permitido andar, fazer algumas chamadas e uma hora
de recreio ao ar livre. Está totalmente isolado, não tem
contacto com outros presos de Combita, onde julgo que há aproximadamente
1.800, repartidos por oito pavilhões. No caso de Rodrigo, ele
está numa cela especial e numa ala onde, até há poucos
dias, só estava ele; depois chegaram mais duas pessoas. Mas não
tem contactos com eles, porque também estão incomunicáveis
nas suas celas.
D.E.: As autoridades venezuelanas e o próprio ministro do Interior e da
Justiça pediram ao governo de Alvaro Uribe uma audiência para os
seus procuradores públicos, para que possam encontrar-se com Rodrigo
Granda, precisamente para averiguar quem foi que o deteve e sequestrou em
Caracas. O ministro da Defesa colombiano, Jorge Alberto Uribe, disse que nunca
vão dizer quanto pagaram como recompensa pelo sequestro, nem quem foram
os seus autores. Que disse Granda e como descreve os seus captores em Caracas?
M.G.: Rodrigo Granda estava a dar uma entrevista a um jornalista colombiano,
Omar Rodriguez, que penso ser correspondente de
Le Monde Diplomatique.
A entrevista já ia longa, Rodrigo teve que sair várias vezes
da mesa. Estavam num café situado na estação do metro
Belas Artes, em Caracas. Ele pára, interrompe várias vezes a
entrevista, porque recebia chamadas no seu telemóvel e, numa dessas
interrupções, alguns homens irrompem pelo café, fortemente
armados; eram aproximadamente quatro da tarde do dia 13 de Dezembro, hora da
Venezuela.
Então, o meu constituinte é deitado ao chão. Estas
pessoas chegam com muita agressividade, todas fortemente armadas. Ele disse
que, inicialmente, eram quatro pessoas as que o abordaram e o deitaram ao
chão. Tiraram-lhe os seus dois telemóveis, despojaram-no de
todos os pertences, dos documentos de identidade pessoal, do dinheiro que
trazia e, inclusivamente, a aliança matrimonial foi-lhe roubada pelos
sequestradores. De imediato, meteram-no num carro, identificado com
matrícula venezuelana; e ali começa todo este périplo.
Atravessam toda a Venezuela, desde Caracas até Cúcuta. Assinala
que, durante mais ou menos, entre 14 e 16 horas, esteve na mala do
veículo. Trocaram de carro num determinado momento, já de noite.
Saem da estrada num lugar escarpado, tiram-no do carro e mudam-no para outro
e, finalmente, dá-se conta que já está na Colómbia,
em Cúcuta, quando o entregam às autoridades policiais da
Colômbia. Este é, basicamente o resumo dos factos tal como o meu
cliente Rodrigo Granda me resenhou todas as circunstâncias.
D.E.: Ele contou quantos foram os seus captores?
M.G.: Disse que pôde contar aproximadamente 16 pessoas que se deslocaram
em quatro carros, ao longo das 16 horas de trajecto. Disse que pelo sotaque,
os primeiros quatro que o detiveram eram colombianos, que lhe chamaram
vários nomes e que falavam com sotaque da região de Medellin.
D.E.: As autoridades pediram-te alguma coisa, ou tiveste algum tipo de contacto
com elas?
M.G.: Não, até agora não, e eu entendo que há
convénios e acordos bilaterais de cooperação judicial
entre a Colômbia e a Venezuela e, seguramente, as autoridades
venezuelanas, as autoridades jurisdicionais, os juizes, e neste caso os
promotores venezuelanos, irão utilizar estes mecanismos e estes
contactos, governo a governo, para poder ouvir em primeira mão a
versão de Rodrigo Granda sobre este assunto.
D.E.: Hoje, também o vice-presidente Francisco Santos se pronunciou,
dando as boas vindas a todos os caçadores de prémios do mundo que
venham para a Colômbia, precisamente para que façam o mesmo que
fez este comando que sequestrou o teu cliente. Como advogado, como jurista
defensor dos direitos humanos, que pensas de uma declaração desta
natureza, feita pelo vice-presidente de um Estado?
M.G.: Creio que a situação é extremamente complicada. O
governo de Uribe Velez e sobretudo a sua política de
segurança democrática,
constitui uma verdadeira tragédia, não somente para os
colombianos, mas para todo o continente. Esta política de
segurança democrática,
na verdade, contém em si mesma uma prática, uma
reedição das práticas do terrorismo de Estado, tão
características dos regimes reaccionários da América
Latina, e constitui um perigo para todos os governos da região.
Não somente o que dizes sobre o vice-presidente, que é uma
espécie de bobo em toda esta teia, mas as próprias
declarações do presidente da república, que disse qualquer
coisa como: os membros destes organismos terroristas merecem um tratamento com
base no respeito e reafirmou a vigência dos direitos humanos; qualquer
pessoa ouve isto e fica surpreendido.
Os direitos humanos baseiam-se em princípios universais. Todos estes
princípios são verdadeiras conquistas de toda a humanidade, na
medida em que os seres humanos devem ser tratados com respeito e de acordo com
a dignidade humana. Ao meu cliente, não somente foi violada a sua
condição de ser humano, tratamento que ele merece como
cidadão colombiano e como cidadão que é; estava desarmado
e foi sequestrado.
Este sequestro constitui um delito de lesa humanidade, agravado pelo facto de
os sequestradores estarem fortemente armados, agravado pelo facto do meu
cliente ser colocado num estado indefeso, agravado pelo facto de se ter
utilizado um veículo. Prenderam-no, algemaram-no, vendaram-lhe os
olhos, quer dizer, perante estes factos tipificam-se todas as condutas
violadoras dos direitos humanos, contidas em convénios e tratados
internacionais vigentes na Colômbia e que, de acordo com a artigo 93 da
nossa Constituição, fazem parte do chamado Bloco de
Constitucionalidade. Quer dizer, fazem parte da nosso normativo interno.
Todos estes direitos foram violados, pelo que o meu cliente, juridicamente, por
direito, com base nestes convénios de direitos humanos, pela
legislação, pela própria Constituição
política da Colômbia de 1991, hoje deveria estar em liberdade,
porque se verificou um delito, e com base nesse delito sobre esta pessoa,
entregaram-no às autoridades colombianas, que tornaram efectivo um
mandato de captura, emitido há meses.
D.E.: Que consequências poderá ter este sequestro, estimulado pelo
Estado colombiano através de um prémio, para a América
Latina como continente?
M.G.: Este facto tem muita semelhança com toda a política
praticada, por exemplo, durante a ditadura de Augusto Pinochet. É a
reedição do Plano Condor; efectivamente, a ditadura fascista de
Pinochet fez exactamente o mesmo aos seus opositores políticos.
Perseguiu-os em terceiros países, fê-los desaparecer, violou todos
os direitos humanos essenciais e fundamentais dessas pessoas. Trinta anos
depois a Justiça daquele país reclama e iniciou juridicamente um
processo contra o ditador, precisamente para que responda penalmente pelos seus
crimes. Creio que na Colômbia vai ocorrer o mesmo. Sejamos optimistas,
não vão passar mais de trinta anos até que os
responsáveis por este execrável crime respondam pelo delito que
cometeram.
D.E.: Qual é a situação jurídica do teu cliente,
quais são as acusações que o Procurador deduziu contra
Rodrigo Granda? Diz-se que ele não só pode ser acusado de
rebelião, como de enriquecimento ilícito, isto é por
narcotráfico, que é a fórmula uribista para o extraditar
da mesma forma que, a 31 de Dezembro, foi extraditado para os EUA Simón
Trinidad, acusado de ter exportado 5 quilos (sic) de cocaína.
Poderá o teu cliente ter a mesma sorte?
M.G.: Na realidade, contra o meu constituinte existem, formalmente, dois
processos. Hoje, existe contra ele, na Colômbia, um processo por
rebelião. A rebelião está tipificada no nosso
Código Penal como um delito político. No entanto a figura do
delito político é complexa. E com toda esta política de
segurança democrática
foi relegada para um plano secundário. Isto é, não se
atribui, para dize-lo de outra forma, a condição de
delinquente político a uma pessoa que se levantou em armas
contra o Estado; a situação, neste caso, é agravada porque
a Procuradoria defende que o meu constituinte é um dirigente das FARC.
Ele nega esta conotação. Diz que há muitos anos tem um
vínculo a essa organização, mas que não tem
qualquer autoridade, não tem cargos de direcção e que
não faz parte das estruturas directivas dessa organização.
Há um segundo processo que não conheço em profundidade,
porque o meu cliente não foi chamado a depor. No primeiro processo, que
estava a comentar, ele prestou declarações e está no
início da fase instrutória. Estou à espera que a
Procuradoria se pronuncie sobre as provas que apresentei, para poder interpor
os recursos legais. Mas tenho muito receio.
Penso que no caso do senhor Palmera,
[2]
o outro insurrecto das FARC, a situação é um tanto
aberrante. Ele enfrentou, no ano em que esteve preso na Colômbia, 91
processos que lhe moveram. Tinha apenas dois advogados. Como podiam, nestas
circunstâncias, contestar 91 processos contra uma pessoa !
No caso do meu constituinte, efectivamente, especulou-se muito, e essa
especulação também partiu das autoridades colombianas, ao
mais alto nível. Então, ao meu cliente violaram todos os
direitos essenciais, mas também um princípio fundamental da nossa
Constituição, que é a presunção de boa
fé: uma pessoa é inocente até prova em contrário.
Como se desvirtua esta premissa, quando uma pessoa é acusada,
desmonta-se essa acusação, mas sobre ela continua a pesar uma
sanção de carácter penal, isto é uma pena?
Na Colômbia não existe qualquer acusação contra o
meu constituinte por narcotráfico. No entanto, até o
próprio Procurador Geral o aponta como narcotraficante, coisa que
não é assim. É evidente que se está a violar a
presunção de inocência. Na Colômbia, até que
se demonstre o contrário, em processo, o meu cliente é inocente
em todas as acusações que lhe estão a imputar. De
qualquer maneira, quero afirmar que o senhor Rodrigo Granda nunca negou a sua
condição de rebelde. Ele sempre afirmou que faz parte, que
é membro de uma organização insurreccional colombiana.
D.E.: Que perspectivas tem o teu cliente, onde pode acabar o caso?
M.G.: Permita-me que eu seja um pouco franco. Eu tenho sérias
dúvidas de que, no contexto político que se vive na
Colômbia e com a atitude assumida por todas as autoridades, se possa
dizer, com verdade, que na Colômbia existe um Estado de direito, social e
democrático; existe em teoria, a Constituição de 91
promulgou-o, mas na verdade, hoje, está em questão a
independência dos magistrados judiciais e, particularmente dos
procuradores. Sobre estas pessoas há uma enormíssima
pressão que limita seriamente a sua independência.
Creio que hoje, nas condições da Colômbia, no quadro de
conflito social armado interno que vive a nossa Pátria, com o
desenvolvimento da política de segurança nacional e de todas
essas políticas de
segurança democrática,
os próprios alicerces do Estado de direito social e democrático
estão seriamente limitados e amputados. Creio que nestas
condições, o relato que se fez do sequestro, a
detenção do meu cliente, a forma como as autoridades deduzem a
acusação neste processo, creio que, nestas
condições, falar de um julgamento justo na Colômbia
é muito difícil.
De todos os modos, é minha obrigação, como profissional de
direito, como defensor dos direitos humanos, como advogado que vê com
preocupação os problemas que vive a Pátria, é minha
obrigação defender com toda a dignidade o senhor Rodrigo Granda
Escobar, porque é meu cliente, e esse é o meu compromisso.
Não tenho somente uma relação contratual com a sua
família, é também um compromisso ético com o meu
país, com os sectores democráticos, com os sectores mais
progressistas da sociedade colombiana, dos quais faço parte.
D.E.: Em 31 de Dezembro, um dia com tantas notícias na Colômbia,
saíram vários comunicados, da Presidência da
República, do ministério do Interior e da Justiça, onde
diziam que iam estimular ainda mais as recompensas, inclusivamente por ordem do
presidente Uribe. Disseram que havia um total de 27.000 insurrectos que se
haviam desmobilizado ou haviam sido mortos durante o ano de 2004, o que, penso,
é todo o movimento insurrecto da Colômbia. Também
informaram que há 3,5 milhões de informadores nos serviços
de informação das forças armadas e do governo de Uribe.
Com toda esta situação de enorme tensão na sociedade
colombiana, como é trabalhar como advogado dos direitos humanos,
defensor dos muitos milhares de colombianos que foram presos nas
operações maciças, feitas pelas forças armadas
deste país?
M.G.: Dizes muito bem. É um desafio enorme, há sérias
limitações ao exercício da profissão de advogado de
forma independente, comprometida com a defesa e a promoção dos
direitos humanos e o direito internacional humanitário. Aqui, nessas
condições, foram vítimas da perseguição e
estigmatização, também advogados prestigiados, advogados
defensores dos direitos humanos. Depois, há sérias
limitações ao exercício da profissão de advogado.
E desse ponto de vista é um desafio. Mas como tu próprio dizes,
manipulam-se os números, há um drama terrível com 3
milhões de deslocados. As cadeias, a partir das detenções
maciças, estão cheias de pessoas presas. Viola-se o direito
essencial de uma pessoa ter um acesso pronto à justiça. Em geral,
são pessoas humildes, deslocados, desempregados. Creio que uma
contestação e um exercício democrático, é
uma obrigação para com todas estas pessoas que sofrem o
desemprego, que sofrem a miséria. A profissão de advogado
oferece essa possibilidade de poder ajudá-las e poder mitigar, de alguma
forma, esse sofrimento, ajudar um pouco as pessoas que mais necessitam.
Notas do tradutor
[1] Estação de rádio
[2] Refere-se a Simón Trinidad, que em 31 de Dezembro passado foi ilegal
e ilegitimamente extraditado para os EUA, sob a acusação
fraudulenta de ter traficado 5 kg de cocaína numa data em que
participava, como porta-voz das FARC, nas negociações com o
ex-presidente Pastraña da Bolívia.
A entrevista pode ser ouvida na emissora Café Stéreo:
http://ajpl.nu/radio.htm.
O original encontra-se em:
http://colombia.indymedia.org/print.php?id=21063.
Tradução de JPG.
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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