A dissonância cognitiva em acção
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"A dissonância cognitiva (segundo a Wikipedia) assemelha-se à
ambivalência e descreve pensamentos ou crenças conflitantes que se
verificam em simultâneo. Pode ser constituída pela filtragem da
informação que entra em conflito com aquilo que já se
acredita, num esforço para ignorar aquela informação e
reforçar as próprias crenças.
Esta "incapacidade irracional para incorporar informação racional" talvez seja a percepção mais comum da dissonância cognitiva". (Tavrin e Aronson) |
Abastecimento de urânio
No programa Radio 4 Today da BBC, difundido em 29 de Maio de 2008, a co-autora
Carol Tavrin foi entrevistada por Evan Davis, quando esta apresentou o conceito
de dissonância cognitiva. O ponto seguinte foi uma discussão com
Sir David King, outrora cientista-chefe do governo Blair. Ele é um
apóstolo do "renascimento" nuclear, sendo um forte advogado de
centrais nucleares por proporcionarem segurança de abastecimento, e por
efectuarem a produção de electricidade com emissões
relativamente livres de carbono.
Como o Reino Unido não tem minas de urânio e confia no
combustível importado para a sua produção nuclear, muito
provavelmente no futuro proveniente do construtor nuclear francês Areva,
a sua percepção
(cognition)
das segurança de abastecimento é combinado com uma
percepção oposta de que a mineração de
urânio, que de qualquer forma proporciona apenas 60% da procura,
está em declínio. Além disso, espera-se que os outros 40%
provenientes dos chamados abastecimentos secundários reduzam-se a muito
pouco em 2013.
Para evitar esta dissonância, na entrevista, ele afirma que
"há uma grande quantidade de urânio neste país".
Outros na fraternidade nuclear juntaram-se-lhe argumentando que o stock de
urânio do Reino Unido em combustível gasto (que fica em piscinas
de arrefecimento), em restos de enriquecimento e em urânio empobrecido
(armazenado em cilindros de gás como urânio hexafluorido)
representa uma fonte valiosa de combustível. Em Sellafield algum dos
elementos de combustível gasto foram dissolvidos em ácido e o
plutónio retirado para fabricar um óxido de combustível
misto
(mixed oxide fuel, MOX)
com uma parte do urânio reciclado.
A Nuclear Decommissioning Authority (NDA), proprietária de Sellafield,
estimou que o combustível que poderia ser fabricado a partir do seu
stock de urânio e plutónio seria capaz de abastecer três
reactores de um gigawatt durante o seu tempo de vida, portanto apenas 15% da
necessidade de combustível da expansão prevista. Contudo, mesmo
esta moderada contribuição está sujeita a maciças
despesas de capital em fábricas e em custos operacionais em Sellafield.
Seria necessário equipamento adicional, incluindo centrifugadoras de
enriquecimento a gás, as quais seriam empregadas de forma mais relevante
se fizessem uma melhor utilização dos abastecimentos de
urânio natural agora em declínio.
As agências nucleares afirmam que uma ascensão no preço do
urânio permitirá a abertura económica de novas minas com
baixos teores, estendendo portanto as reservas. Ao invés de apoiar esta
defesa habitual da indústria, Sir David preferiu "obrigar a sua
mente a adquirir novos pensamentos ou crenças" na sua advocacia das
centrais nucleares e ao assim fazê-lo proporcionou um exemplo da
dissonância cognitiva em acção.
A utilização do carro e o pico petrolífero
O Departamento de Transportes do Reino Unido exibe colectivamente
dissonância cognitiva nas suas políticas rodoviárias.
A rápida ascensão dos preços da gasolina e do
gasóleo levou a pedidos de que o imposto sobre combustíveis seja
cortado e isto provavelmente significará que futuros ajustamentos em alta
serão abandonados. Até agora geralmente foi aceite que
acrescentar pistas a rodovias atrai mais tráfego até que elas
sejam mais uma vez congestionadas, enquanto a estrada actua nesse intervalo
para aumentar a frustração. Está para ser visto
quão alto os preços dos combustíveis têm de aumentar
a fim de ter um efeito significativo sobre a utilização das
estradas. É provável que em zonas urbanas prósperas os
custos virão a ser absorvidos, ao passo que em áreas rurais a
utilização diminuirá pois as viagens aguardarão uma
acumulação de necessidades.
Dois relatórios, o "Roads and Reality" do RAC em Dezembro de
2007 (RAC Foundation 2007) e "The Eddington Transport study"
(Eddington 2006) do governo, argumentam fortemente por mais investimentos
rodoviários juntamente com a cobrança de portagens. Nenhum dos
dois relatórios considerou o efeito do pico petrolífero sobre a
utilização das estradas ou de qualquer escassez real de
combustíveis. Os relatórios examinaram os efeitos do
tráfego acrescido nas estradas sobre as alterações
climáticas. Apesar de a melhoria de eficiências dos motores, os
combustíveis e os meios de propulsão alternativos terem sido
discutidos, a única restrição à
utilização era através de portagens e possivelmente
impostos sobre combustíveis.
Mesmo antes da escalada recente dos preços, os novos registos de carros
atingiram um pico em 2003 com 2.563.631, caindo para 2.344.864 em 2006 (SMMT
2007), o que é uma redução bastante significativa de 9,1%.
Não há dúvida, a queda em novas compras de carros
reflecte a congestão crescente e a falta de capacidade em algumas
estradas. Assim, mesmo sem o efeito do aumentos dos preços dos
combustíveis, a fabricação de carros na e para a
Grã-Bretanha está em declínio.
A produção global de petróleo bruto tem estado estagnada
(flat),
sustida pela contribuição de petróleo bruto
sintético de areias betuminosas e de outras fontes não
convencionais, mas a tendência subjacente é para que a
produção do petróleo convencional que já passou do
pico venha a declinar. Embora os preços na bomba tenham ascendido, tem
havido abastecimento suficiente. Uma vez que o conjunto de todas as ofertas
(convencional + não convencional) decline, os países ricos
manterão os seus abastecimentos a expensas dos países pobres por
pagarem mais, mas então a competição entre eles pelos
abastecimentos inevitavelmente conduzirá à escassez e a
prioridades de partilhas.
A dissonância cognitiva "está muitas vezes associada à
tendência de as pessoas resistirem à informação em
que elas não querem pensar, porque se o fizessem isto criaria tal
dissonância, e talvez lhes exigisse que actuassem de maneiras que se
afastariam dos seus hábitos confortáveis".
O governo recusou-se a admitir o início do pico petrolífero,
apesar de a situação nos campos do Mar do Norte proporcionar uma
ilustração clássica do fenómeno. Isto significa
o esvaziamento progressivo das estradas e o colapso da indústria
motorizada, que actualmente emprega mais de 500 mil pessoas. Perversamente,
ele tem advogado pela portagem nas auto-estradas e autorizou mais despesas na
construção de estradas, negando assim o problema do
abastecimento, enquanto se atem a problemas de congestionamento que não
podem ser senão temporários.
Em lugar disso, o governo "adquiriu ou inventou novos pensamentos ou
crenças" com a actual preocupação quanto à
mudança climática, a qual proporciona uma desculpa conveniente
para reduzir a queima de combustíveis com as emissões que lhe
são associadas, sem admitir a inevitabilidade da
contracção do uso de combustíveis fósseis.
Tráfego áereo e pico petrolífero
Cópias do artigo "Flight-Path Britain" (Busby 2007) publicado
em
Real Resources Review
foram enviadas a agências governamentais relacionadas com o assunto e
aos media, mas eles não conseguiram produzir uma resposta. O artigo foi
apresentado e submetido como documento no inquérito público sobre
a expansão do Aeroporto de Stansted, o qual ainda não apresentou
relatório, e será enviado ao inquérito a seguir acerca de
uma segunda auto-estrada.
Ele mostra que se os gráficos do pico petrolífero, os quais
aparecem em sucessivas edições da newsletter da ASPO, forem reais,
então o tráfego aéreo de passageiros e mercadorias
declinará, de modo que não são necessárias novas
auto-estradas. Enquanto isso, o declínio já está a
caminho com fusões, bancarrotas e aviões no solo. Mas até
agora não há qualquer sinal de o governo admitir que a
expansão de Heathrow (que leva à destruição de
comunidades inteiras e provoca a miséria a milhões que vivem na
Londres Ocidental) é desnecessária.
O aeroporto de Heathrow já é servido por uma vasta infraestrutura
rodoviária, de modo que a escassez de combustível
automóvel e de jet fuel terá um duplo impacto sobre a sua
actividade. O novo Terminal 5 provavelmente será suficiente para servir
os negócios residuais dentro de uns poucos anos e os terminais a serem
demolidos não precisam ser reconstruídos.
Dissonância cognitiva "pode ser a filtragem de
informação que entra em conflito com o que já se acredita,
num esforço para ignorar aquela informação". No caso
do tráfego aéreo, a redução na actividade
significará o cancelamento de encomendas por aviões novos e mais
eficientes. O Reino Unido juntou-se à Europa ao subsidiar a Airbus com
empréstimos do Estado a fim de assegurar o empregos em Broughton, ao
Norte de Gales. Mas sem novas pistas de aviação não
haverá espaço para aumento de tráfego; de modo que sem a
expansão contemplada a Airbus entrará em colapso e com ela os
empréstimos que serão cancelados. A
"informação" do pico petrolífero tem portanto de
ser ignorada.
Percepção pública
Como o declínio iminente do abastecimento de petróleo não
foi admitido pelo governo, a "percepção" pública
do actual choque de preços conduziu apenas à
aplicação de um "imposto discreto". Mas a
"desculpa" oficial para a aplicação de elevados
impostos sobre os produtos petrolíferos tem sido dada como uma medida
necessária para combater o "aquecimento global", donde se
conclui que com este modesto imposto o próprio argumento
das alterações climáticas para aumentar impostos foi
(oficialmente) negado.
Isto significa que os inevitáveis protestos relativos aos
combustíveis continuarão e que os impostos serão
reduzidos. Já é demasiado tarde para o governo admitir que os
seus planos para estradas e auto-estradas são mal concebidos; a
"dissonância cognitiva" do público ignorará o
pico petrolífero como profecias do "juízo final".
Era claro a partir dos protestos após o ano 2000 que era
necessário uma mudança de estilo de vida. Foi perdida uma
oportunidade de instilar uma mudança da direcção
económica e o então novo governo fracassou em abraçar a
sua oportunidade para fazer-nos entrar numa sociedade magra de energia.
Entretanto, há um movimento nascente de Cidades em
transição (Trasition Towns, Hopkins 2008) iniciado em Kinsale,
Irlanda, a seguir em Totnes, em Devon, e agora a espraiar-se a fim de incluir
Lewes em Sussex e Lampeter em Wales para advogar e criar a revisão do
estilo de vida.
Ele precisa tanto do (re)conhecimento
(re"cognition")
público como do governo.
Chega de elefantes brancos! Assine a petição on line para impedir a construção de qualquer novo aeroporto em Portugal: http://www.PetitionOnline.com/naoaerop/petition.html Ver também: |