Peak Oil
A crise global que se aproxima e o declínio da aviação
Apesar de debatida e muitas vezes negada, uma queda maciça na
produção de petróleo está a aproximar-se mais
rapidamente do que muita gente está pronta a admitir. O Dr. Alex
Kuhlman avalia a situação e o seu efeito sobre a indústria
aeronáutica, e faz-nos lembrar que devemos começar a pensar no
amanhã.
Nos últimos poucos meses tem havido um aumento da cobertura dos media
acerca dos records de preços altos do petróleo e do futuro da
produção petrolífera global. O inevitável
endurecimento da oferta está a desestabilizar os mercados de
petróleo, os quais agora apresentam respostas extremas de preços
às mais pequenas perturbações. É curioso que muito
poucas pessoas saibam que a produção petrolífera mundial
está a aproximar-se do seu pico histórico, e os actuais US$ 60
por barril
[1]
podem parecer como uma pechincha daqui a uns poucos anos. Em mais de 54 dos 65
mais importantes países produtores de petróleo a
produção já começou a declinar, prevendo-se que o
Médio Oriente venham logo a seguir. As implicações de
termos menos petróleo amanhã do que temos hoje são de
grande alcance pois uma crise global inevitável se seguirá. As
indústrias intensivas em energia como a aviação comercial
sofrerão primeiro, seguida pelas outras indústrias, pelas
economias nacionais e pela economia global. Em última análise, a
escassez de petróleo limitará severamente a capacidade do mundo
para sustentar sua população pois a produção de
alimentos repousa pesadamente sobre combustíveis fosseis. Isto
não é uma teoria da conspiração ou profecia
bíblica. Trata-se, ao contrário, da conclusão
científica dos mais amplamente respeitados e conservadores
geólogos, físicos e economistas.
PICO PETROLÍFERO
(PEAK OIL)
O mundo não está a ficar desprovido de petróleo, mas a sua
capacidade para produzir petróleo de alta qualidade barato e
economicamente extraível de acordo com a procura está a diminuir.
Com grandes esforços e despesas, o nível actual de
produção petrolífera poderá possivelmente ser
mantido por mais uns poucos anos, mas para além disto a
produção de petróleo deve começar um
declínio irreversível. Mais de 95 por cento de todo o
petróleo recuperável já foi descoberto e aproximadamente
90% de todas as reservas conhecidas estão actualmente em
produção. Não tem havido descobertas significativas de
novo petróleo desde 2002. O petróleo agora está a ser
consumido quatro vezes mais rápido do que está a ser descoberto,
e a situação está a tornar-se crítica. Isto
é um problema irremediável e constitui o desafio mais central
enfrentado pela civilização moderna.
ALTERNATIVAS
Não há fontes de energia prontamente disponíveis que
possam substituir o petróleo à medida que ele declinar
gradualmente ao longo das próximas décadas. Na sua forma actual,
as energias alternativas simplesmente não são capazes de
substituir os combustíveis fosseis à escala, taxa e maneira com a
qual o mundo actualmente os consome. O público, líderes de
negócios e políticos estão todos sob a falsa
suposição de que o esgotamento do petróleo é um
problema objectivo de engenharia, mas é improvável que a
engenhosidade da espécie humana ultrapasse os factos básicos da
geologia e da física. Os combustíveis fosseis permitem-nos
operar sistemas altamente complexos a escalas gigantescas. As
renováveis são simplesmente incompatíveis neste contexto e
os novos combustíveis e tecnologias exigidos levariam um bocado mais de
tempo para desenvolver do que o disponível e exigem uma base de
abundantes combustíveis fosseis para funcionar.
A INDÚSTRIA AERONÁUTICA
O curto prazo:
O petróleo proporciona 40 por cento de toda a energia primária, e
aproximadamente 90 por cento da energia no nosso transporte. Para a maior
parte das companhias aéreas, o combustível é a segunda
maior categoria de despesa, logo após o trabalho. Em resultado directo
dos aumentos dramáticos nos preços do petróleo, o custo do
jet fuel mais do que duplicou desde o princípio de 2004. A
lucratividade das companhias aéreas já estava sob extrema
pressão devido à competição acrescida, à
super-capacidade e a rendimentos mais baixos. Além disso, ataques
terroristas têm tido efeitos negativos temporários sobre a procura
em geral e sobre rotas específicas, enquanto o custo da segurança
também aumentou. Mais uma vez, a indústria da
aviação está a sofrer. Em noticiários recentes, o
presidente da Thai Airways e ministro das Finanças da Tailândia
exprimiu preocupações acerca do futuro dos transportadores em
meio a ascensão dos preços do petróleo. Em Agosto aquela
companhia aérea anunciou ter perdido 4,78 mil milhões de bath
(US$ 117 milhões) no terceiro trimestre depois de ser atingida pelo
disparo nos custos do jet fuel. Apenas umas poucas companhias de
aviação têm a perspicácia, a coragem e os fundos
necessários (ou capacidade de crédito) para protegerem
(hedge)
os preços dos combustíveis. A Southwest conseguiu proteger seu
preço a US$ 26 para 85% do seu combustível com lucros a
aumentarem 41% no segundo trimestre de 2005 em resultado disto. Em 2004, a
Delta Airlines manteve posições [de hedge] mas foi forçada
a vendê-los numa aflição financeira
(cash crunch)
de curto prazo. Aqueles hedges teriam protegido cerca de um terço das
suas necessidades de combustível. O preço da sua
acção entrou em colapso, passando de mais de US$ 8 um ano
atrás para menos de US$ 0,70 hoje. A Continental não tem hedges
este ano em contratos a termo de petróleo. A United Airlines, que pediu
a protecção de bancarrota em Dezembro de 2002, tem 30% do seu
combustível protegido
(hedged)
a US$ 45. Recentemente, a American eliminou rotas devido ao alto custo do
combustível, ao passo que a perspectiva para a Northwet está
longe de ser optimista com as suas acções tem caído de
mais de US$ 22 para menos de US$ 4 nos últimos 12 meses, sob o
Capítulo 11 da protecção de bancarrota. A Ryanair
protegeu em torno de US$ 45, enquanto a Easyjet conseguiu cobrir-se a US$ 60.
No curto prazo, o hedging tornou-se uma parte crucial do negócio para a
maior parte das companhias de aviação que têm exito.
O Médio prazo:
Dentro de uns poucos anos, ou mesmo antes, a extracção de
petróleo dos furos será fisicamente incapaz de atender à
procura global. Os preços dispararão, propelidos pelo
pânico do mercado, prejudicando mais uma vez a indústria
aeronáutica. Além disso, os preços elevados do
petróleo diminuirão o rendimento disponível do consumidor
e deprimirão a procura. O número de companhias aéreas
carentes de dinheiro aumentará. As companhias mais fracas sem contratos
hedging, que de alguma forma conseguiram sobreviver no curto prazo,
estão condenadas ao colapso. Além disso, custos de
combustíveis mais altos diluirão a vantagem competitiva que
têm os transportadores de baixo custo. A razão para isto é
que como a fatia do custo do combustível em relação ao
custo total aumenta, a fatia relativa de todas as outras despesas operacionais
diminui, enfraquecendo as vantagens do baixo custo em que estas companhias
tradicionalmente basearam o seu modelo de negócio. Um outro efeito
possível pode ser um aumento relativo nas viagens regionais em
detrimento das de longa distância. As companhias de maior êxito
provavelmente serão as transportadoras de bandeira do Médio
Oriente pois esta região beneficiará dos altos preços do
petróleo, permitindo que estas companhias se fortaleçam. Os
emirados encomendaram 45 dos novos Airbus 380 gigantes, os quais são
elementos chave no futuro crescimento da companhia, enquanto peritos acreditam
que muitas companhias aéreas árabes farão mais encomendas
de Airbus e Boeing nos próximos poucos anos.
Longo prazo:
Num cenário de pior caso, o futuro da aviação a longo
prazo é desastroso. À medida que os preços do
petróleo continuam a ascender, a economia mundial será
confrontada com um grande choque que tolherá o crescimento
económico e aumentará a inflação. O economista
chefe do Morgan Stanley previu recentemente que temos uma probabilidade de 90
por cento de enfrentar um "Armagedão económico".
Durante o período de transição para uma era
pós-petróleo, poderá haver interrupções
maciças nos transportes à medida que o declínio global da
produção de petróleo se aprofunda. Haverá
inquietação social e uma forte redução da
actividade dos negócios e dos governos, bem como um desemprego muito
sério. No final das contas, uma grande proporção da
procura por viagens aéreas será quase completamente
destruída, com o risco de a aventura da aviação ser
eliminada do negócio, com excepção talvez de um punhado de
companhias. As viagens aéreas serão novamente reservadas para os
ricos e negócios dos governo e o mundo tornar-se-á outra vez um
lugar mais amplo.
As soluções devem ser fundamentadas na ciência
Se quisermos ter pelo menos um vislumbre deste sombrio cenário futuro
é vital compreender plenamente o problema. É o que alguns chamam
"um problema fora do contexto" tão distante do nosso
âmbito de experiência normal que estamos colectivamente um trabalho
árduo para processar isto. O declínio do petróleo
é uma certeza e é garantido pelas leis naturais que governam
nosso mundo físico, e nada na ciência, na tecnologia ou na
engenharia pode impedir. O mundo precisa preparar-se para uma era
pós-petróleo e fazer enormes compromissos e sacrifícios
para evitar uma crise profunda. Com o pouco tempo que nos resta, precisamos de
uma intervenção dos governos de todo o mundo, bem orquestrada e
em grande escala, para conservar a base de combustíveis fosseis
remanescente que é necessária para desenvolver e implementar
fontes de energia capazes de fazer funcionar países como os Estados
Unidos ou mesmo uma fracção substancial dele do
modo como estamos a faze-lo funcionar agora. Com uma base energética
minguante, pode simplesmente faltar-nos as ferramentas e o tempo para
substituir um fluido tão barato, abundante e versátil.
A visão tradicional de economistas de que o sempre criterioso mercado
resolverá todos os problemas é uma falácia. O objectivo
supremo em todos os países de elevar os rendimentos, os padrões
de vida e o PIB tanto quanto possível, constantemente e sem qualquer
noção de limite, é inalcançável. De acordo
com as tendências actuais, um país como a China estará a
precisar de 88 milhões de barris por dia em 2031, quando a
produção total mundial de hoje é de apenas 84
milhões de barris/dia. Mesmo os níveis actuais de
produção e de consumo são brutalmente
insustentáveis com uma base energética em processo de
encolhimento. A teoria de que o estímulo económico
estimulará descobertas, e de que o mercado manterá o
equilíbrio, ignora as sérias limitações
técnicas de várias tecnologias de substituição.
Além disso, assume que o lado da oferta pode responder rapidamente no
curto prazo, ignorando os longos tempos de execução exigidos para
quaisquer novos projectos petrolíferos e projectos de energias
alternativas começarem a produzir (mais de 10 anos) enquanto abstrai o
enorme custo que significa modificar a infraestrutura global de um
milhão de milhão
(trillion)
de dólares que foi estabelecida sobre preços dos do
petróleo sistematicamente baixos (a da aviação inclusive).
Finalmente, a teoria económica fundamental falha em
relação às leis da física e da termodinâmica.
Por exemplo: ao olhar para equações de energia, verifica-se que
para extrair petróleo das altamente glorificadas areias betuminosas
gasta-se duas unidades de energia para produzir três unidades e o seu
valor energético líquido é portanto marginal. Nos dias
primitivos da descoberta do petróleo, este rácio costumava ser
1:20. Haverá sempre grandes reservas de petróleo que
ficarão na terra pois simplesmente seria preciso mais energia para
extraí-las do que o que elas renderiam, pouco importando o preço
do mercado.
Devemos mover-nos rapidamente rumo a regulações globais que
restringirão o crescimento económico e o consumo de
combustíveis fosseis a fim de permitir que a transição
para uma era pós petróleo seja o menos penosa possível.
Actualmente é impossível conseguir que as pessoas ou os governos
sequer examinem esta questão. Contudo, para prevenir um futuro que
é tão drasticamente deslocado em relação ao
presente, devemos realinhar nossas ideais com este objectivo e adoptar
acções radicais a uma escala global.
29/Outubro/2005
[1]
Escrito em de 2005. O preço actual já é superior a US$
70/barril.
[*]
Pós-graduado em Ciências Económicas pela Universidade de
Amsterdam. Autor do sítio web
www.OilDecline.com
. Voa comercialmente para uma grande companhia europeia
low cost.
Acerca da decisão do governo português de construir um novo aeroporto,
a inaugurar em 2015, ver
O Novo Aeroporto de Lisboa e a escassez de petróleo
.
O original encontra-se em
http://www.airliners.net/articles/read.main?id=81
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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