Acerca dos custos e benefícios da saída do euro
por Jorge Figueiredo
"A saída do euro é uma necessidade objectiva para a viabilização do País"
, como afirmou, e bem,
Octávio Teixeira. No entanto, há quem apresente esta necessidade
como uma "opção" entre muitas possíveis.
Eugénio Rosa, em
artigo ontem publicado no resistir.info
, está
entre eles. Considerou ali que os defensores da saída do euro
"dizem ser esta
a
(sublinhado nosso) solução para a atual
situação", mas "não analisam os efeitos que tal
opção terá para o país e para os portugueses, com o
rigor, profundidade e abrangência necessária (...)". E
acrescenta que "tal omissão, por parte daqueles que defendem a
opção da saída do euro, só tem facilitado a
manipulação da opinião pública pelo governo e pela
direita que dizem que a saída será uma catástrofe".
Quanto à utilização do artigo definido "a" antes
de "solução", parece-nos um simplismo excessivo. Pouca
gente defenderá que só isso, de per si, seja suficiente para
resolver o problema da estagnação económica portuguesa
não se deve confundir condição necessária
com suficiente. Por outro lado, deve-se assinalar que a sua crítica da
falta de análise "com o rigor, profundidade e abrangência
necessária" também poderia voltar-se contra o seu autor
o próprio tão pouco a fez. É
certamente desejável que tais análises sejam feitas e para isso
será necessário estimular um debate por enquanto incipiente.
Entretanto, a acusação de omissão apenas aos que defendem
a saída do euro (e só destes, não àqueles que
não a defendem) estaria a facilitar "a manipulação da
opinião pelo governo e pela direita" não propicia um clima
adequado para o debate necessário.
É evidente que todo projecto tem custos e tem benefícios, o que
vale
também para a recuperação da
soberania monetária. Assim, acenar só com os custos da
saída e ignorar os benefícios não é curial para
analisar um assunto de tamanha importância.
Em primeiro lugar, deve-se examinar o contexto geral: o mundo
está no
início de uma depressão e isso é verdadeiro tanto para a
América do Norte como para a Europa. Não há qualquer
perspectiva à vista de recuperação da economia real. O que
há, sim, é a
perspectiva de o capital financeiro aproveitar esta crise para impor a sua dominação parasitária sobre a economia real
. Isso já está a acontecer. Na União Europeia
e em particular na zona euro um dos instrumentos principais de
dominação é precisamente a moeda única europeia e o
Banco Central Europeu.
Vejamos alguns benefícios da recuperação da soberania
monetária. O primeiro, bastante óbvio, é permitir
desvalorizações da moeda nacional, o que aumentará a
competitividade do país e incrementará exportações.
O segundo é que se o Estado português dispuser de moeda
própria poderá financiar-se junto ao seu banco central,
dispensando-se de contrair empréstimos junto a banqueiros privados. O
terceiro é consequência do anterior: a
contenção da
dívida pública pois o Estado já não
precisará continuar a empenhar-se e pagar juros à banca privada.
O quarto
é permitir a retomada do crescimento português, que está
estagnado desde a adesão de Portugal ao euro. Em suma, trata-se de
romper um círculo perverso que
aumenta
o endividamento do país.
Do lado dos custos, não há dúvida que terá de haver
um período de dificuldades durante a fase de transição. No
entanto, é importante não esquecer que isto acontecerá
só durante um período de tempo limitado
(cerca de um ano, talvez). Mas a alternativa de permanecer na zona euro
são dificuldades contínuas
durante um período de tempo indefinido
pois a perspectiva do capital financeiro é transformar o país em
servo da dívida, num pasto para a extracção de rendas tal
como na Grécia. E quando já não houver mais rendas
adicionais a extrair de Portugal as transnacionais passam à fase
seguinte: impor privatizações selvagens e a venda a preço
vil dos activos do país. Isto já está a acontecer, como se
verifica com as recentes vendas ao desbarato do que resta do sector empresarial
do Estado (EDP, REN,
ANA
, TAP, ENVC, Águas de Portugal, etc).
Na óptica dos trabalhadores, a saída do euro seguida de uma
desvalorização da moeda nacional certamente implicará
alguma perda de poder aquisitivo. Calcula Octávio Teixeira que
"uma desvalorização de 30% geraria uma inflação da ordem dos 8/9% (reflectindo o efeito do peso das importações na produção e no consumo) o que significaria, embora não necessariamente, idêntica quebra nos salários reais"
.
Entretanto, a retomada do crescimento que isto possibilita deverá
compensar esta perda inicial.
Mas discutir a saída da zona euro abstraindo as condições
em que isso se der gera equívocos. Há muitos cenários
possíveis para atingir esse objectivo. Poderia em princípio haver
uma saída suave, negociada. Neste cenário o "euro"
permaneceria como moeda
comum e de reserva, mas não como moeda única. E, claro
está, seria estabelecida uma paridade entre o euro e o "novo
escudo". Mas na impossibilidade de uma saída suave devido
à falta de vontade política dos que mandam na zona euro
Portugal deveria avançar para a saída unilateral
. Nesse caso,
seria um "divórcio litigioso" em que teriam de ser negociadas
questões espinhosas como as dívidas líquidas a
não-residentes. Seria natural que houvesse um período de
moratória para avaliar a parte justa dessa dívida.
Quanto ao faseamento da operação de saída pode-se ainda,
em princípio, considerar uma solução súbita tipo
"big bang" ou dilatada no tempo. Neste último caso pode-se
imaginar que durante algum tempo (seis meses por exemplo) as duas moedas
circulassem em paralelo: a nova moeda seria injectada na
circulação através dos pagamentos do Estado (a
fornecedores, funcionários, etc) e este a aceitaria no pagamento de
impostos. Seria preciso certamente estabelecer controles a fim de evitar fugas
de capitais. Como a banca privada colaboraria em tais fugas, seria preciso
nacionalizar as instituições financeiras. Dessa forma poderia ao
mesmo tempo ser eliminado o direito exorbitante dos banqueiros privados de
emitirem meios de pagamento a partir do nada,
ex nihilo.
O novo escudo seria uma moeda fiduciária
(fiat currency)
de emissão estatal.
Por muito grande que seja o desejo de evitar rupturas e alcançar
acomodações institucionais com as estruturas da UE,
chegará o momento em que as rupturas terão de se impor. O que
está em causa é o futuro de Portugal nas próximas muitas
dezenas de anos. O plano da Merkel, do BCE, do FMI é transformar-nos em
servos do capital financeiro, numa espécie de neo-feudalismo. É
para isso que eles impõem a austeridade a Portugal, à
Grécia e a outros países europeus. Assim, é preciso
afirmar alto e bom som que
a saída existe
ainda que
neste momento
a
correlação de forças não permita que avancemos por
ela mas para alterar a correlação é preciso que
estes cenários sejam agitados e debatidos. Não acenar com estas
possibilidades e a necessidade de sair do euro é enganarmos a nós
próprios e enganarmos os outros. Estaremos condenados à partida
se tudo o que reivindicarmos for uma tímida renegociação
da dívida. As piores derrotas são aquelas que se dão sem
combate.
Para encomendar
Ascensão e queda do euro
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Para descarregar
Portugal: Rethinking the State—Selected Expenditure Reform Options
, de Gerd Schwartz, Paulo Lopes, Carlos Mulas Granados,
Emily Sinnott, Mauricio Soto e Platon Tinios, FMI, 09/Janeiro/2013, 81 p.,
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