A armadilha do crescente endividamento do Estado, das empresas e do país
com o governo PSD/CDS e com a "troika", e a opção de
sair do euro
O governo PSD/CDS, a "troika", e os seus defensores têm
procurado convencer os portugueses que o chamado "Programa de Ajustamento
Económico e Financeiro" (PAEF) que está a ser imposto ao
país tem tido êxito, que os seus objetivos estão a ser
alcançados, que os sacrifícios que os portugueses estão a
suportar estão a ter resultados, já que o aumento da divida foi
estancado, e o país "regressará aos mercados" e ao
crescimento económico. Tudo isto é um grande embuste que
não resiste nem mesmo ao confronto com os próprios dados oficiais
do Banco de Portugal como mostra o quadro 1.
Quadro 1 Crescente endividamento das Administrações
Públicas, das empresas públicas, das empresas privadas e dos
particulares no período Dez./2008 a Out./2012, Valores não
consolidados
SETORES
|
Dez/2008
|
Dez/2010
|
Out/2012
|
Aumento em %
Dez/2008-Out/2012
|
% do Externo no TOTAL
|
TOTAL
|
Externo
|
TOTAL
|
Externo
|
TOTAL
|
Externo
|
TOTAL
|
Externo
|
Dez/08
|
Out/12
|
Em milhões de euros
|
Administrações Públicas
|
139.964
|
94.441
|
184.955
|
103.085
|
238.409
|
133.000
|
70,3%
|
40,8%
|
67,5%
|
55,8%
|
Empresas Públicas
|
32.854
|
18.960
|
43.532
|
21.275
|
43.879
|
17.880
|
33,6%
|
-5,7%
|
57,7%
|
40,7%
|
Empresas Privadas
|
296.595
|
35.120
|
307.082
|
44.186
|
306.677
|
57.845
|
3,4%
|
64,7%
|
11,8%
|
18,9%
|
Particulares
|
173.346
|
587
|
179.485
|
533
|
168.003
|
562
|
-3,1%
|
-4,3%
|
0,3%
|
0,3%
|
TOTAL
|
642.759
|
149.108
|
715.054
|
169.079
|
756.968
|
209.287
|
17,8%
|
40,4%
|
23,2%
|
27,6%
|
Fonte: Boletim Estatístico Dezembro de 2012 Banco de
Portugal
Segundo o Banco de Portugal, no período Dez/2008-Out/2012, o
endividamento das Administrações Públicas, das empresas
públicas e privadas, e dos particulares aumentou de 642.759
milhões para 756.968 milhões (4,5 vezes o valor do
PIB de 2012), e o endividamento externo cresceu de 149.108 milhões
para 209.287 milhões , ou seja, em 40,4%. Mas foi
precisamente depois de 2010, ou seja, depois da tomada de posse do governo
PSD/CDS e da entrada da "troika" em Portugal que o endividamento
cresceu mais acentuadamente. Para conclui isso, basta ter presente que 66,8% do
aumento do endividamento externo verificado nos quatro anos (2008/2012) teve
lugar nos últimos dois anos (Dez.2010/Out.2012), ou seja, com o governo
PSD/CDS e "troika".
Portanto, a politica imposta pelos credores
externos, e tão empenhadamente adotada por Passos Coelho e pelo seu
ministro das Finanças está a empurrar também o país
para a armadilha da divida e, nomeadamente, da divida externa. Portugal
está cada vez mais endividado. A atual politica tem-se saldado,
também neste campo, por um profundo falhanço já que a
divida não tem parado de crescer, o que está a causar que os
encargos com a divida tenham disparado, tornando cada vez mais
insustentável a situação, Mesmo utilizando valores
consolidados as conclusões não se alteram. Por ex., se deduzirmos
na divida das Administrações Públicas a parcela que
é financiada pela própria Administração
Pública, a divida aumenta, entre Dez/2008 e Out/2012, de 125.242
milhões para 207.412 milhões (+65,6%).
EMBORA O PAÍS POSSA SER CONFRONTADO COM A NECESSIDADE DE SAIR DO EURO,
OS DEFENSORES DESSA OPÇÃO NÃO ANALISAM OS PROBLEMAS QUE SE
COLOCARÃO, NEM INDICAM AS SUAS SOLUÇÕES PARA ELES O QUE
FACILITA A MANIPULAÇÃO DA DIREITA
Os dados do Banco de Portugal mostram, com clareza, que Portugal está-se
a afundar cada vez mais na armadilha da divida empurrado pela politica de
austeridade imposta pela "troika" com a colaboração
empenhada do governo PSD/CDS. Este vertiginoso endividamento cria problemas
graves ao país e aos portugueses, agravando dependências e
obstáculos ao desenvolvimento e a uma politica de crescimento
económico de acordo com os interesses nacionais.
Mesmo aqueles que defendem a saída do euro como a solução
para a atual situação não analisam os efeitos que tal
opção terá para o país e para os portugueses, com o
rigor, profundidade e abrangência necessária, se tal
opção tiver de ser tomada, a continuar a atual politica de
austeridade, que está a mergulhar Portugal numa espiral recessiva como o
próprio presidente da República foi obrigado a reconhecer na
mensagem de fim de ano. Tal omissão, por parte daqueles que defendem a
opção da saída do euro, só tem facilitado a
manipulação da opinião pública pelo governo e pela
direita que dizem que a saída será uma catástrofe.
Para se poder ter uma ideia da natureza da armadilha da divida é
importante também ter presente que, segundo o Banco de Portugal, em
Out/2012, 350.256 milhões da divida total de 756.968
milhões foi financiada pelo setor financeiro, e que o passivo da
banca ao exterior atingia, em Set.2012, 114.243 milhões , tendo
diminuído, entre Dez/2010 e Set/2012, em 68.127 milhões , o
que revela as dificuldades crescentes que a banca portuguesa está a
enfrentar para se financiar no exterior.
Se analisarmos agora a estrutura do crédito bancário em Portugal,
os problemas que a armadilha da divida criam ao país e à
saída do euro, apenas nesta área, tornam-se ainda mais claros. O
quadro 2, construído também com dados do Banco de Portugal,
mostra que os problemas resultantes da má gestão dos banqueiros
estão-se a agravar, e vão agravar muito mais no futuro com a
politica de austeridade violenta e recessiva, e com o consequente agravamento
da crise económica e social.
Quadro 2 Estrutura do crédito concedido pela banca às
empresas e aos particulares 2008/2012
DIVIDAS POR TIPO DE DEVEDORES
|
Dez/2008
|
Out/12
|
Dez/208
|
Out/2012
|
DIVIDA DAS EMPRESAS PRIVADAS
|
Milhões
|
Milhões
|
% Total
|
% Total
|
Total
|
144.406
|
129.263
|
100,0%
|
100,0%
|
Indústrias Transformadoras e extrativas
|
19.653
|
17.667
|
13,6%
|
13,7%
|
Construção + Imobiliário
|
48.736
|
40.651
|
33,7%
|
31,4%
|
SGPS (não financeiras)
|
22.061
|
19.924
|
15,3%
|
15,4%
|
DIVIDAS DE PARTICULARES
|
|
|
|
|
Total
|
152.191
|
147.045
|
100,0%
|
100,0%
|
Habitação
|
118.761
|
119.165
|
78,0%
|
81,0%
|
EMPRESAS+PARTICULARES
|
|
|
|
|
TOTAL
|
296.597
|
276.308
|
100,0%
|
100,0%
|
Construção+Imobiliário + Habitação
|
167.497
|
159.816
|
56,5%
|
57,8%
|
Fonte: Boletim Estatístico - Dezembro 2012 - Banco de Portugal
Segundo o Banco de Portugal (quadro 2), o crédito bancário tem
estado em Portugal orientado fundamentalmente para a especulação
imobiliária e para a habitação e muito pouco para a
atividade produtiva. Ainda em Out/2012, 31,4% do crédito da banca
às empresas estava concentrado no setor da construção e
imobiliário, e apenas 13,7% nas empresas transformadoras e extrativas.
Se somarmos o credito concedido às empresas e aos particulares (276.308
milhões em Out/2012), 57,8% era crédito a empresas da
construção e imobiliárias, e à
habitação. O ministro da Economia fala da necessidade de
reindustrializar o país mas o governo nada faz para alterar esta
situação (concentração do crédito em
atividades não produtivas e redução do crédito
às empresas em 15.143 milhões ), o que mostra que
não passa de palavras Esta cadeia de dependências sucessivas
endividamento financiado pela banca, financiamento desta no estrangeiro,
57% do credito bancário concentrado no imobiliário,
construção e habitação contribui para o
agravamento da crise num quadro de uma politica de austeridade violenta e
recessiva, e coloca problemas importantes à saída do euro que
é necessário estudar.
Contrariamente àqueles que, parafraseado Fernando Ulrich (gestor de um
banco BPI em que 97,1% das participações
qualificadas já são controladas por grupos económicos
estrangeiros), afirmam que a banca pode aguentar mais, uma análise da
situação atual da banca portuguesa revela que, como
consequência da má gestão, de que a politica de
crédito já referida é uma prova clara, e da
descapitalização realizada ao longo dos anos pelos banqueiros
perante a passividade do BdP e dos sucessivos governos, associada à
crise, agravou os problemas estruturais da banca que vão aumentar com a
crise e a consequente subida do incumprimento e a retração do
crédito (o negócio dos bancos). Basta recordar que o
incumprimento a nível de empréstimos a empresas disparou (entre
Dez/2010 e Nov/2012, com a politica do governo PSD/CDS e da "troika",
a taxa de incumprimento a nível de empresas aumentou de 4,4% para 10,8%,
ou seja, em 145%); que as imparidades na banca (desvalorização de
ativos), entre Dez/2010 e Set/2012, passaram de 13.545 milhões
para 15.153 milhões ; e, para além disto, a maior parte do
crédito à habitação é de longo prazo a taxas
de juro (inclui
"spread")
inferiores a 2%, quando os bancos estão a pagar, para se financiarem,
em muitos casos taxas de juro superiores. O caso do BANIF, em que o governo
decidiu recapitalizar com 1.100 milhões de fundos públicos
(o que corresponde a 99% do seu capital atual), correndo o risco, como sucedeu
no BPN, de os perder, é a "
ponta do iceberg
" da má gestão que é urgente exigir
responsabilidades, o Estado controlar os maiores bancos, e não apenas a
financiá-los à custa dos contribuintes.
Neste contexto, a saída do euro terá efeitos importantes no
sistema bancário português que tem graves problemas estruturais,
nomeadamente a nível do crédito concedido e, também, aos
seus devedores, entre os quais se encontram centenas de milhares de
famílias que obtiveram crédito à banca, cujas taxas de
juros poderão disparar. Se juntarmos a isto, os problemas que se
colocarão relativamente aos depósitos bancários de
particulares (152.799 milhões em Dez/2011), onde estão
incluídas as pequenas poupanças de centenas de milhares de
portugueses, cujo poder de compra é necessário garantir (os
detentores dos grandes depósitos vão procurar transferir para o
estrangeiro), fica-se com uma ideia, ainda não total, dos problemas que
poderá acarretar a saída do euro, que não se resumem
apenas à desvalorização do escudo e à subida de
preços como alguns referem, que terão de ser estudados com
profundidade e atempadamente, para não se ser confrontado com uma
situação que não se previu. É certo que o Estado
pode ser o garante do poder de compra desses milhares de pequenas
poupanças, assim como de taxas de juro bonificadas às
famílias, para evitar que o sistema financeiro e as famílias
entrem em colapso, mas o certo é que a divida publica e a massa
monetária disparariam, contribuindo para o aumento da
inflação a que se juntaria os efeitos da
desvalorização do escudo necessária para aumentar a
competitividade das exportações, o que faria subir ainda mais os
preços o que teria um efeito corrosivo, por ex., sobre salários e
pensões. Haveria ainda o problema da divida externa que, com o governo
PSD/CDS e com "troika", já aumentou mais de 40.000
milhões , e para a pagar, pelo menos a legitima, o país
teria de ter divisas e a única fonte seriam as exportações
e o endividamento externo. Obter o apoio da UE na divida externa seria uma
condição fundamental para se poder sair do euro de uma forma
controlada. São problemas como estes que terão de ser estudados
com profundidade e de uma forma muito objetiva, não tomando os desejos
pela realidade, para que se possa enfrentar, de uma forma controlada, a
opção de saída do euro que se colocará se a atual
politica de austeridade, que está a atirar o país para uma
espiral recessiva, continuar.
07/Janeiro/2013
[*]
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