por Daniel Deusdado
Ah, sim, o discurso de Cavaco. Talvez, talvez, depende, "eu avisei".
Sempre tarde. Adiante. Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da
ANA
, uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a ANA
geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que,
entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de
apelido
Vinci
, especialista em autoestradas e mais recentemente em aeroportos,
pediu a nossa ANA em casamento. E o Estado
entregou-a pela melhor maquia
(três mil milhões de euros), tornando lícita a
exploração deste monopólio a partir de uma base fabulosa:
47% de margem de exploração (
EBITDA
).
O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor. O
grupo francês Vinci tem 37% da Lusoponte, uma PPP (parceria
público-privada) constituída com a Mota-Engil e assente numa
especialidade nacional: o monopólio (mais um) das travessias sobre o
Tejo. Ora é por aqui que percebo por que consegue a Vinci pagar muito
mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas indicam que a
mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar um
tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre
Lisboa e a nova cidade aeroportuária. É fazer as contas, como
diria o outro...
Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos
que a construção de Alcochete depende da saturação
da Portela. Para o fazer, a Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para
começar pode, por exemplo, abrir as portas à Ryanair. No dia em
que isso acontecer, a
low-cost
irlandesa deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um
desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital.
A Ryanair não vai manter 37 destinos em direção ao Porto
se puder aterrar também em Lisboa.
Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar as taxas
para as
low-cost
e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo, gerarão a
necessidade de um novo aeroporto através do aumento de passageiros.
Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos da Mota-Engil)
monta um apetecível sindicato de construção (a sua
especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século
em Portugal. Bingo! O Estado português será certamente chamado a
dar avais e a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a
nova cidade aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará
livre para os interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que
sempre existiram para o local. Bingo!
Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um aeroporto
para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o comboio
até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte
ferroviária para ligar Alcochete ao centro de Lisboa. E já agora,
com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma ponte
apenas, rodoferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista ponte
Chelas-Barreiro (por onde, já agora, pode passar também o futuro
TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o
monopólio e know-how das travessias do Tejo? Exatamente, a Lusoponte
(Mota-Engil e Vinci). Que concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que
não ganhe, diz o contrato com o Estado, terá de ser indemnizada
pela perda de receitas na Vasco da Gama e 25 de Abril por força da
existência de uma nova ponte. Bingo!
Um destes dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo
da construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a
indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a
concentração de fundos europeus e financiamento neste colossal
investimento na capital. O resto do país nada tem a ver com isto porque
a decisão não é política, é privada,
é o mercado... E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o
contrato agora assinado já o previa e todos gostamos muito de receber
três mil milhões pela ANA, certo? O casamento resultará
nisto: se correr bem, os franceses e grupos envolvidos ganham. Correndo mal,
pagamos nós. Se ainda estivermos em Portugal, claro.
03/Janeiro/2013