Finança internacional: A herança de 2015
por Valentin Katasonov
Apesar da sua natureza variada, quando encarados como um todo os mecanismos que
actuaram nas finanças internacionais em 2015 foram tão
significativos que poderiam alterar toda a arquitectura do sistema financeiro
global em 2016. E é improvável que haja um longo período
de transição pela frente. As probabilidades são de que a
transformação financeira global acontecerá rapidamente e
dramaticamente.
Estes dias recordam muito as décadas de 1930-1940. Naquele tempo, a
crise económica global disparou vários eventos, tais como a
desintegração económica e financeira do mundo, a
fragmentação do sistema financeiro global em zonas e blocos de
divisas e a erosão do comércio global e de outros laços
económicos internacionais. A desintegração
monetária e financeira só foi travada no Verão de 1944 na
conferência internacional de Bretton Woods, onde
foi tomada a decisão
de estabelecer um sistema monetário global baseado no ouro e no US
dólar. A comutação do sistema monetário e
financeiro global para este novo modo exigiu um ciclo de 15 anos de trabalhos,
a partir do início da crise em Outubro de 1929. E mesmo após a
conferência de Bretton Woods, passaram-se pelo menos outros cinco anos
antes de o novo sistema estar operacional. Na generalidade, o ciclo de
transição para mudar o sistema do seu antigo estado para o novo
leva cerca de duas décadas.
Agora retornemos rapidamente à nossa era. O ponto de partida da
transição do sistema financeiro global para o seu novo papel pode
ser datado de 2007, quando começou a crise financeira global. Quase nove
anos se passaram desde então. O começo da "nova era" da
finança global pode ser visto como o ponto no qual o processo de
globalização financeira chegou ao fim e já não era
mais possível estender a Torre de Babel da dívida global ainda
mais além. Começou um retrocesso, o qual assumiu a forma de uma
crise e multidões de dívidas "excessivas" arderam nas
suas chamas.
A primeira onda da crise financeira (2007-2009) já levou a significativa
desintegração financeira à escala mundial. Mas a julgar
pelas estatísticas do Fundo Monetário Internacional, do Banco de
Pagamentos Internacionais (BIS) e de outras instituições
internacionais, assistiram-se níveis mais altos de trading nos mercados
financeiros global em 2015 do que em 2007. De acordo com as
avaliações
da famosa firma de consultoria McKinsey & Co., a dívida no
princípio de 2015 também ultrapassava seus níveis
anteriores à crise à escala mundial bem como em
países individuais e grupos de países. A McKinsey & Co.
identificou três epicentros potenciais da segunda onda da crise
financeira global os EUA, a União Europeia e a China. O mundo
está angustiadamente à espera de um tsunami financeiro iminente.
Sinais preocupantes emergiram em Agosto na China, onde os índices do
mercado de acções começaram a cair drasticamente.
Responsáveis chineses tiveram êxito em travar os desenvolvimentos
destrutivos (primariamente através de acções
administrativas directas), mas a bolha no mercado de acções
chinês não desapareceu.
Bolhas nos mercados financeiros continuaram a expandir-se em 2015 nos EUA bem
como na UE. Esta é a primeira vez em que o mundo da finança
global é confrontado com bolhas que crescem durante tanto tempo e isto
pode ser explicado pelo facto de as tipografias dos bancos centrais terem
estado a trabalhar mais energicamente do que nunca. Mais ainda: o Federal
Reserve, o BCE e outros bancos centrais do mundo industrializado têm
mantido suas taxas de juro próximas de zero. Esta espécie de
dinheiro gratuito não estava disponível mesmo no auge da crise
económica da década de 1930.
Muitos peritos também previram outras agitações para o ano
passado, incluindo o colapso do sistema baseado no dólar, a
destruição plena ou parcial da eurozona (a saída de um
certo número de países da área do Euro), um incumprimento
total na Ucrânia, a paralisia do Fundo Monetário Internacional, a
dissolução do G20, etc. A maior parte destas previsões
não se verificou em 2015, mas nenhuma delas foi abandonada elas
simplesmente foram estendidas para 2016.
Permitam-me caracterizar resumidamente o que sinto serem os eventos mais
importantes da vida financeira internacional em 2015.
1. O fim do London Gold Fix em 20 de Março, o qual existira
intermitentemente desde 1919, e a transição para um
novo sistema
de determinação de preços do ouro. Este evento ainda
não teve um impacto muito significativo sobre os preços do ouro,
mas os seus efeitos serão sentidos no futuro.
2. O anúncio pela Grécia de que estava a
incumprir
suas obrigações para com o Fundo Monetário Internacional
(não efectuou seu pagamento programado de aproximadamente 300
milhões de euros). Em Julho a Grécia incumpriu mais uma vez e o
Fundo não recebeu cerca de 1,5 mil milhões de euros que haviam
sido notificados para reembolso de dívida. Em Agosto, após
negociações entre o governo grego e os Três Grandes
credores (BCE, Comissão Europeia e FMI), foi alcançado um acordo
para providenciar à Grécia um terceiro pacote de salvamento
externo
(bailout)
no valor de 85,5 mil milhões de euros. Aquele pacote será
distribuído ao longo de três anos, assumindo que a Grécia
não se desviará de qualquer forma do seu programa de austeridade,
reformas e privatização de activos do estado (totalizando 6,2 mil
milhões de euros).
3. A criação do Asian Infrastructure Investment Bank (
AIIB
). A China encabeçou o projecto e é o seu maior accionista. A
primeira fase da sua criação terminou na Primavera de 2015. Um
total de aproximadamente 60 Estados aderiu ao banco. Vale a pena notar que 20
destes Estados estão fora da Ásia (incluindo [Portugal, NR] o
Reino Unido e alguns outros grandes países europeus). Na realidade, o
AIIB não é uma organização regional mas sim global.
O banco deverá começar suas operações em 2016.
4. O yuan da China adquiriu o
status
de uma divisa oficial de reserva. Aquela decisão foi tomada pelo Fundo
Monetário Internacional em 30 de Novembro. O yuan tornou-se a quinta
divisa oficial de reserva, juntando-se ao US dólar, euro, yen
japonês e libra britânica. É notável que com base no
peso para ele estabelecido o yuan tenha sido imediatamente classificado em
terceiro lugar no cabaz de divisas de reserva do FMI, à frente do yen e
da libra esterlina.
5. A
mudança
de alguns dos princípios básicos do Fundo Monetário
Internacional. A decisão de 8 de Dezembro permitiu ao Fundo financiar
países que não cumprem suas obrigações para com
credores (oficiais) soberanos. A decisão do Fundo foi programada no
tempo de modo a coincidir com o iminente reembolso em 20/Dez/2015 da
dívida da Ucrânia à Rússia. Por um lado, a
decisão do Fundo encorajou a Ucrânia a não cumprir suas
obrigações para com a Rússia; mas por outro lado ela
também estilhaçou preceitos com décadas de antiguidade que
orientavam o trabalho das finanças globais.
6. O anúncio em 18 de Dezembro por responsáveis em Kiev de uma
moratória
sobre o reembolso do empréstimo de US$3 mil milhões à
Rússia. Para todas as finalidades e propósitos, isto significa um
incumprimento completo por parte da Ucrânia. Após os feriados do
Novo Ano, a notícia do incumprimento da Ucrânia provavelmente
explodirá nos media globais.
7. A aprovação pelo Congresso dos EUA do orçamento para o
próximo ano fiscal. Washington aprovou um pacote de gastos que inclui
uma cláusula importante
concordando
com reformas do Fundo
Monetário Internacional (a revisão das quotas de capital e
acções com direito a voto assinaladas aos seus membros, bem como
a duplicação do capital do fundo). Isto foi um evento
significativo, uma vez que a decisão aprovada de reformar o Fundo
remontava a 2010, mas fora bloqueada pelos Estados Unidos durante cinco anos.
8. Em 17 de Dezembro, a administrador do FMI, Christine Lagarde foi
intimada
a comparecer perante um tribunal francês. Ela é suspeita de
abusar da sua posição oficial quando actuava como ministra das
Finanças no governo do presidente Nicolas Sarkozy. Esta diligência
contra Christine Lagarde parece como uma pressão psicológica
contra a mais alta responsável do Fundo a fim de fazer do FMI uma
ferramenta mais obediente nas mãos de Washington.
Minha lista de eventos é bastante variada. Muitos deles actualmente
podem parecer não muito significativos. Por exemplo: a
eliminação do famoso London Gold Fix. Exteriormente, isto parece
mesmo como um enfraquecimento do papel do ouro na finança internacional.
Entretanto, trata-se simplesmente da reorganização do sistema de
administração do mercado global do metal amarelo, sob os
auspícios da mesma família Rothschild.
A grande luta por influência no mundo da finança internacional
desenvolver-se-á entre Washington, a qual está a tentar salvar o
sistema dólar, e Pequim, a qual está a tentar afastar bancos e
corporações americanas para fora dos mercados financeiros
globais. Alguns peritos vêem esta confrontação como um
conflito entre os dois maiores clãs dos mestres da moeda os
Rockfellers, os quais utilizam o poder estatal dos EUA, e o Rothschilds, os
quais procuram estabelecer controle sobre a China.
Retornando às mudanças potenciais no sistema monetário e
financeiro global, não posso descartar a fragmentação de
um sistema unificado em zonas e blocos separados, o que foi exactamente o que
aconteceu no fim da década de 1930, na véspera da II Guerra
Mundial. Naquele tempo os laços comerciais e económicos dentro
das zonas e blocos eram mantidos com a ajuda das divisas dos estados suseranos
(a libra esterlina britânica, o franco francês, o US dólar,
etc). O comércio entre os blocos caiu numa proporção
enorme e os laços inter-blocos eram baseados no escambo
(barter),
contas de compensação
(clearing accounts)
e ouro.
A segunda onda da crise financeira global infligirá apenas um dano
mínimo aos países que forem capazes de navegar no caos financeiro
global e proteger suas economias utilizando tarifas aduaneiras e
restrições a movimentos transfronteiriços de capitais,
abrigando-se por trás das muralhas dos seus blocos económicos,
financeiros e monetários.
05/Janeiro/2016
Do mesmo autor:
Christine Lagarde sobe ao palco pela última vez?
O colapso da ordem financeira global começa dia 21
, 17/Dez15
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/news/2016/01/05/international-finance-legacy-2015.html
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Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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