O desempenho dos actores no teatro do FMI
Christine Lagarde sobe ao palco pela última vez?
por Valentin Katasonov
Nos últimos anos o trabalho do Fundo Monetário Internacional
tornou-se um drama infindável, dirigido por Washington, o qual
também é conhecido como "o accionista principal da sociedade
anónima" chamada FMI. A todos aos outros accionistas, assim como
à
equipe do Fundo, está destinado o papel de actores numa peça
escrita pelo Tio Sam.
Um dos papéis mais importantes é dado ao director-gerente do
fundo. Habitualmente é convidado um actor francês para desempenhar
esse papel. O director de cena assegura-se de que o director-gerente cinge-se
ao roteiro e que não se permitirá o improviso. Do
contrário, um novo actor será encontrado para desempenhar o papel
de director-gerente, enquanto o antigo é sumariamente despedido do
teatro.
A última vez que isto aconteceu foi em 2011, quando o director-gerente,
Dominique Strauss-Kahn
, foi demasiado longe e começou a declamar
no palco linhas que não estavam no roteiro. Era a impressão que
se tinha
ao assistir às improvisações do francês, nas quais
afirmava que o sistema global do dólar havia-se tornado ultrapassado e
estava em crise, bem como que era necessário diversificar o conjunto de
divisas que servem como moeda de curso legal no mundo. Ele levantou o nome de
John Maynard Keynes, um inglês que na conferência de Bretton Woods
propôs a criação de um sistema monetário global
baseado no
bancor
uma divisa supranacional. Também estava loucamente fora do
roteiro o apoio de Strauss-Kahn à sugestão do líder da
Líbia, Muammar Gaddafi, de que o gold dinar fosse introduzindo na
circulação. E outro movimento muito imprudente foi aquele
francês recordar ao director principal que podia ser uma boa ideia
acelerar a ratificação pelo Congresso dos EUA da revisão
das quotas assinaladas aos membros do Fundo e duplicar o capital do FMI.
Tudo isso terminou penosamente para aquele francês ele não
só perdeu o seu papel principal como foi chutado para fora do teatro.
Houve mesmo possibilidade de que acabasse sentado na sarjeta. As
acusações foram abandonadas posteriormente, mas ninguém se
lembra disso. Strauss-Kahn agora tem um estigma e já é
quase impossível encontrar um bom emprego para aquele antigo actor
principal. E ele planeava tornar-se o presidente da França.
No dia 5 de Julho de 2011, Christine Lagarde, também ela nativa da
França, assumiu o comando como directora-gerente. Exactamente um
mês depois de ser faustosamente saudada, Christine Lagarde recebeu
notificação de que procedimentos legais haviam sido iniciados
contra ela, embora não num tribunal americano (como fora o caso de
Strauss-Kahn), mas num francês. Nessa altura, muitos peritos e
teóricos da conspiração começaram a especular que o
processo em tribunal fora aberto por iniciativa do mesmo director de cena do
FMI, o qual estava a actuar através dos seus agentes nos tribunais
franceses. O objectivo da operação era inocular o novo
director-gerente contra o risco de quaisquer surpresas que o actor mais
importante pudesse imaginar para o director de cena. Após esta
vacinação, a fase activa dos procedimentos do tribunal chegaram
ao fim, embora as acusações não fossem abandonadas.
Durante os últimos quatro anos os media muito raramente lembraram-se de
se interessar por este pobre, mas ainda activo, caso judicial. A sua vida
não era fácil. Basta lembrar como Christine Lagarde implorou a
Washington a que ratificasse a decisão de reformar o FMI, chegando
até a prometer em troca uma
dança do ventre
.
A corrida da Madame Lagarde para a desgraça começou em Fevereiro
último, quando o Tio Sam começou a arrastar o Fundo para
os jogos que estava a fazer na Ucrânia. O roteiro estava constantemente
a ser reescrito. O FMI começou a ser transformado num teatro do absurdo.
Mas em 17 de Dezembro a investigação judicial às
acções da Madame Lagarde, a qual perdurou ao longo de quatro
anos, subitamente terminaram. O tribunal francês
de la République,
uma corte especial que julga ministros do governo, intimou-a a testemunhar no
que está a ser chamado o caso Tapie. A história daquele caso
remonta ao princípio da década de 1990, quando a Madame Lagarde
ainda trabalhava para a firma de consultores jurídicos Baker & McKenzie,
ainda longe do FMI.
As partes principais nesta estória são o banco francês
Crédit Lyonnais e o homem de negócios francês Bernard
Tapie. Em 1993 aquele banco comprou a Tapie uma grande
participação na companhia Adidas. Após um período
de tempo, o banco revendeu aquela participação pelo dobro do
preço. Bernard Tapie viu sinais de engano e fraude nas
acções do banco e abriu um processo legal contra o Crédit
Lyonnais pedindo compensação por danos. O sr. Tapie é uma
figura muito interessante ele é não só um
empresário como também um político, teve a
função de ministro no governo de esquerda do presidente
Mitterrand, e tem uma condenação anterior por fraude pela qual
passou seis meses na prisão. Ao longo de muitos anos ele persistiu com
as suas demandas legais por compensação do Crédit
Lyonnais. Não posso ter certeza de que na década de 1990Christine
Lagarde houvesse sequer
ouvido falar acerca deste escândalo, pois estava
ocupada com os casos da Baker & McKenzie e a construir sua carreira nos EUA.
Quando Nicolas Sarkoy assumiu, foi convidada a retornar à França,
onde começou a trabalhar para várias entidades governamentais,
incluindo uma permanência como ministro das Finanças.
Em 2007, ela examinou a história da disputa entre Bernard Tapie e o
Crédit Lyonnais e insistiu em resolver o caso num tribunal arbitral. Uma
vez que o Estado mantinha uma participação no capital do banco,
tratava-se realmente de uma disputa entre um empresário privado e o
governo. Em 2008, o tribunal tomou o partido de Tapie, concedendo-lhe um total
de aproximadamente 400 milhões de euros, incluindo 100 milhões em
juros e 45 milhões por sofrimentos físicos e morais. O seu
pagamento saiu dos cofres do Estado naquele tempo o banco já
não
existia. Levantaram-se suspeitas de que a sra. Lagarde havia pressionado o
tribunal, procurando uma decisão em favor de Tapie. As
acções da senhora podiam ser explicadas pelo facto de que
seguia ordens do seu patrão o presidente Nicolas
Sarkozy. E Sarkozy intercedeu em favor de Tapie porque aquele homem de
negócios providenciara substancial assistência financeira ao
presidente da República Francesa durante a sua campanha eleitoral.
Peritos nos pormenores do caso Tapie que entendem as tecnicalidades dos
procedimentos legais na República Francesa notam que o caso podia
arrastar-se indefinidamente, por muito mais tempo do que aquele em que Christine
Lagarde ficará como directora-gerente do FMI. O impulso dramático
na actividade do tribunal quando em 2015 o processo chegou ao fim deveu-se ao
facto de
o comportamento da francesa durante o ano passado apesar de toda a
sua lealdade para com o maior accionista do Fundo começar
claramente a aborrecer o Tio Sam.
Em primeiro lugar, ela irritara Washington profundamente com seu
constantes lembretes da necessidade de ratificar a decisão do FMI, de
cinco anos antes, de reformar aquela organização. Um actor
não tem o direito de dizer ao dono do teatro e ao director principal
como alterar o diálogo que já foi impresso.
Em segundo lugar, o Tim Sam estava desgostoso com o comportamento obstinado da
Madame Lagarde na cimeira G20 na Turquia. Como é de conhecimento
público, ela efectuou uma
reunião
com o presidente Putin durante a qual "intercedeu" pela
Ucrânia, pedindo uma prorrogação
(deferment)
do reembolso dos US$3 mil milhões da dívida de Kiev à
Rússia. Mas Madame Lagarde acabou assim por colocar o Tio Sam numa
posição muito incómoda, porque Washington foi então
forçado a admitir que não podia garantir a capacidade de a
Ucrânia pagar sua dívida à Rússia.
Em terceiro lugar, nem toda a gente em Washington ficou feliz no dia 30 de
Novembro quando o Fundo decidiu incluir o yuan no seu cabaz de divisas de
reserva. E a directora-gerente do FMI foi culpada daquele erro crasso.
Em quarto lugar, o Tio Sam ficou extremamente irritado quando o Fundo
reconheceu oficialmente que a Rússia cumpria o critério de um
credor oficial em relação ao seu empréstimo de US$3 mil
milhões à Ucrânia. O que programa um incumprimento soberano
a verificar-se na Ucrânia.
O Tio Sam está apreensivo, teme que ocorra outro erro crasso. Depois
de 20 de Dezembro, quando Kiev obedeceu à ordem de Washington de ignorar
sua obrigação de reembolsar sua dívida a Moscovo, a
Ucrânia efectivamente entrou num estado de incumprimento soberano.
Washington está insistentemente a exigir que o FMI continue a emprestar
a Kiev mesmo após tal incumprimento. Esta é a razão porque
Washington forçou o Fundo a tomar a decisão de mudar as regras do
jogo que haviam vigorado durante décadas. As novas regras tornam
possível ao Fundo oferecer empréstimos a um país mesmo que
este país esteja em bancarrota quanto às suas
obrigações a credores oficiais. As regras foram reescritas
especificamente para se aplicarem à dívida da Ucrânia para
com a Rússia. Contudo, mesmo a nova versão das regras não
estipula que empréstimos a um país em bancarrota continuem
automaticamente. O Fundo deve "exercer julgamento baseado nas
circunstâncias específicas do caso". E o Tio Sam não
quer mais quaisquer surpresas. Ao intimar
(subpoenaing)
Madame Lagarde também se está a emitir um recordatório
muito claro da decisão que dela se espera. Se ela não quiser
tomar isto como um indício claro, então no princípio do
próximo ano estaremos a assistir a um drama fascinante, uma mistura de
teatro e vida real, intitulado "O despedimento da mais recente
directora-gerente do FMI".
Alguns cépticos afirmam que as minhas teorias sofrem de um sério
viés: Madame Lagarde não foi intimada a aparecer num tribunal
americano, mas sim num francês, a milhares de quilómetros de
Washington. Bem e daí? A residência oficial do presidente
francês está igualmente longe da Casa Branca, mas é
duvidoso que pudéssemos apresentar um [outro] exemplo de um tempo como
este quando o actual presidente francês, François Hollande,
não actuava às ordens da Casa Branca. É improvável
que o Tribunal Francês de
la République
se comporte a este respeito de modo diferente daquele do presidente da
República Francesa. Naturalmente, o êxito de qualquer
produção depende não só da peça, como do
director de cena e dos actores, como também daqueles que garantem que o
prosseguimento do show, enquanto permanecem nos bastidores, por trás das
cortinas. Isto aplica-se plenamente ao desempenho teatral do FMI.
30/Dezembro/2015
Do mesmo autor:
O colapso da ordem financeira global começa dia 21
, 19/Dez/15
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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