O euro e as escolhas
por Daniel Vaz de Carvalho
[*]
I - A QUESTÃO DAS ESCOLHAS EM ECONOMIA
Dizem-nos os feiticeiros da tribo neoliberal que a Economia é feita de
escolhas. Como se a gestão económica de um país, de uma
empresa, de uma família, fosse o mesmo que escolher maçãs
ou cores de camisas, porque mesmo para escolher detergentes ou comprar na
peixaria tal já não depende das escolhas próprias mas sim
do que outros decidiram quanto a repartição do rendimento
A superstição neoliberal contestará isto. Os seus
missionários vêm de além Atlântico desenvolver
perante o gentio teses como: "com pensamento positivo terás tudo o
que desejas", "pensa como os ricos e serás como eles".
É pena que a sua magia não resolva os problemas das dezenas de
milhões de desempregados e pobres nos EUA, nem para salvar o país
da sua astronómica dívida.
Porém que no respeita ao euro e à ditadura do BCE, parece que
não há escolhas.
Dizer que há endividamento porque as pessoas fizeram más
escolhas, é mais que evidente. E a primeira má escolha foi as
pessoas acreditarem nas promessas feitas dos partidos do neoliberalismo (PS,
PSD, CDS os partidos Efemistas).
Quando se propagandeou a adesão ao euro, choveram promessas. O euro
seria o maná da terra prometida, a prosperidade e os milhares de
milhões de euros de economias que os Estados iriam poder realizar.
Porém, a agenda imediata era a extensão sem limites da
precariedade, a privatização dos serviços públicos,
a desregulamentação financeira e
partir a espinha ao
movimento sindical.
Foi como escolher um detergente, devido às promessas de uma intensa
publicidade, e no final aquilo não passar de uma mistura com areia que
danificou totalmente a máquina. Culpar as pessoas pela
estagnação económica e endividamento agravados pela
ao adesão ao euro é como culpar o utilizador de produtos
falsificados e não o responsável pelo seu fabrico, é como
punir o consumidor de droga e deixar à solta os traficantes. Sabemos que
é isto que se passa nas fraudes empresárias e bancárias
que o cidadão comum é chamado a pagar. O caso mais espantoso
e sem vergonha da agenda neoliberal, é o facto de o novo
presidente do BCE, o sr. Mario Draghi, ter sido alto dirigente do famigerado,
pelas piores razões, banco Goldman Sachs. Que espécie de escolha
será então esta?
Afinal, parece que isso das escolhas não é bem para levar a
sério. Já o tínhamos visto com a aprovação
dos tratados europeus designadamente no incrível processo do Tratado de
Lisboa, tivemos agora mais uma prova: quando na Grécia foi anunciado um
referendo sobre o seu futuro: os "mercados" tremeram. As
"decisões" da magna reunião europeia no final de
Outubro que resolveria finalmente os problemas da União, tratada pela
subserviente e acrítica comunicação social como se um
"suave milagre" viesse enfim dos limbos para salvação
do euro, debatida durante dias e noites, além de parir um rato (sempre o
mesmo aliás) desfez-se em dois dias perante o anúncio grego. A
reunião do G20 preparada durante meses por centenas de
"especialistas", mudou de agenda no mesmo dia em que começou.
Mas esta gente nada prevê?
Repare-se que o PIB da Grécia é apenas 1,8% do da UE, 2,4% da
zona euro! Que a sua dívida pública é 2,26% da UE, 3,4% da
zona euro, não mais que 1,6% das dividas públicas da UE e EUA
reunidas! E basta isto para o mundo capitalista ficar em pânico. Bem
podemos dizer, parafraseando Marx, que o neoliberalismo representa a
"miséria da economia economia da miséria".
Na pressurosa comunicação social chegou a ser afirmado que 80%
dos gregos eram a favor do euro. Se assim fosse qual o problema? A realidade
era bem diferente: numa sondagem realizada após 27 de Outubro apenas 12%
dos gregos aprovavam o pacote de "ajuda" que o primeiro-ministro
grego tinha aceitado
[1]
.
Um famoso humorista brasileiro, Milor Fernandes, contava as histórias do
"amigo da onça", pena que não se façam agora as
dos "amigos do euro".
Diz D. Merkel, coadjuvada pelo seu gigolô político o sr. Sarkozy,
que a austeridade vai durar 10 anos. É como ser condenados às
galés durante dez anos, pelo menos, depois logo se vê sim,
"medidas de segurança" podem ser aplicadas nestas democracias.
Por cá os mentalmente colonizados fizeram o responso, no
relatório do OE a previsão é que na próxima
década o crescimento médio da economia não atinja 1%,
quando é necessário pelo menos 2% de crescimento para reduzir o
desemprego.
Isto é o mesmo que dizer que o euro já perdeu a guerra, pois a
China e os outros BRIC voltam-lhe as costas, sabendo-se que o euro a
encostar-se ao dólar é como juntar-se a fome com a vontade de
comer empréstimos dos "mercados". São afinal de
uma forma muito "free market", concorrentes.
O euro já perdeu a guerra, mesmo que o fuhrer de serviço à
banca alemã queira que os povos periféricos do euro façam
"sepuku" (hara-kiri) em seu nome. Após a derrota em
Estalinegrado, em janeiro de1943, o
Volkisher Beobachter,
jornal oficioso do partido nazi, titulava: "Sie starben damit Deutchland
leben"
(Eles morrem para que a Alemanha viva).
Entenda-se que "eles" foram alemães, italianos, romenos,
búlgaros e outros povos dominados pelo "Reich".
Há algo de similar na forma drástica e cruel como se está
a impor a pobreza e a precariedade social aos povos da zona euro, para que em
primeiro lugar a banca alemã sobreviva.
II- NÃO ESCOLHER O EURO, E DEPOIS?
Se a economia é feita de escolhas, a questão quanto ao euro
ficar no euro ou sair do euro é apenas esta: austeridade e
pobreza durante uma década, ou seja, nada está garantido quanto
ao futuro, ou austeridade e esforços durante 6 meses. Com o euro
estão anunciados 10 anos de sacrifícios, isto é, "ad
aeterno ceteris paribus" (até à eternidade em iguais
circunstâncias
). Sair do euro: 6 meses de sacrifícios e
esforços, recompensados.
Os que fazem regressar os trabalhadores à condição de
"servos da gleba" com trabalho gratuito 20 dias por ano, para
além do aumento da taxa de exploração para níveis
equivalentes à das décadas da ditadura fascista, proclamam com
teatral emoção que saindo do euro a dívida subiria para
níveis elevadíssimos e não haveria dinheiro para pagar
salários e pensões, fazendo, também de forma semelhante
à do fascismo, uma espécie de apelos patrióticos ao
conformismo na pobreza.
Iludem-se as pessoas. Na realidade ficando no euro a dívida em 2013
será superior à de 2010 e em 2012 os juros atingem 8 800 M.
Daqui a tal promessa (ou antes, ameaça) de que dentro de 10 anos
Dizer que a dívida aumentava com moeda nacional é falso. A
dívida só pode ser paga com a riqueza criada: isto é, com
a produção nacional de bens e serviços. Portanto a
dívida terá o mesmo "valor"; fora do euro teremos
possibilidade de criar esse valor, no euro, o serviço de dívida
é escamoteado com novos empréstimos.
O caso da Grécia mostra como perante a hipótese de incumprimento
e abandono do euro, as altas instâncias da EU e o próprio G20
tremeram. É que o incumprimento de um país faz voltar a
especulação dos inefáveis "mercados" para os
demais países e sabemos como todos eles, incluindo Alemanha, Reino Unido
e EUA estão fragilizados a Grécia como Portugal, ou a
Irlanda a braços com novo plano de "ajuda" fazem
o papel de "bodes expiatórios" na ara ritual da
especulação, a que já se juntam a Itália, a
França, a Espanha. As finanças estão de tal forma à
beira do precipício que pequeníssimas economias como as de
Portugal ou Grécia podem provocar uma derrocada.
Diga-se que renegociações foram efectuadas com êxito pela
Argentina, pelo Equador, pela Islândia, no passado recente. Claro que
isto é escondido e falseado para a opinião pública
não perceber que na finança especuladora "o rei vai nu".
Renegociar a dívida implicaria estabelecer um valor máximo em
percentagem do PIB para o seu pagamento, por ex. 2,5%, em vez dos cerca de 5,5%
em 2012. Isto é, os devedores seriam parte da solução,
não do problema.
Há ainda outro aspecto. A determinação da parte da
dívida que pode ser considerada ilegítima. Uma divida torna-se
ilegítima ou "odiosa" termo consagrado
internacionalmente quando
[1]
- foi contraída por dirigentes sem o acordo ou aprovação
popular
- os fundos do empréstimo não foram usados em benefício
dos cidadãos
- o credor estava perfeitamente informado destes factos mas ignorou-os
Divida ilegítima será por exemplo a relacionada com os encargos
do BPN e BPP, a relacionada com contratos e renegociações
contrárias à lei (caso das PPP), contratos fraudulentos ou
incumpridos (caso das compensações na compra dos submarinos), a
relacionada com a fuga de rendimentos e activos de empresas em manifesto
incumprimento dos apoios que receberam do Estado, etc, etc.
Uma moeda própria (um novo escudo) é evidente que seria objeto de
forte desvalorização, porém passado um primeiro momento
(digamos os tais 6 meses) tenderia a equilibrar-se em função da
competitividade relativa da nossa economia. Este equilíbrio será
obtido tanto mais rapidamente quanto mais aumentar a produção
nacional, reduzido importações, aumentando
exportações. Compreendemos que a Alemanha trema de conceber no
seu "lebens raum"
[2]
do euro, economias cuja competitividade se alterasse drasticamente em
função de moeda própria reduzindo o saldo da sua
Balança de Transações, artificialmente mantido devido ao
euro.
Portugal veria rapidamente a sua Balança de Bens e Serviços
(salientamos o turismo) reduzir os défices e portanto a necessidade de
endividamento, podendo até tender para o equilíbrio caso o
problema dos combustíveis fosse resolvido satisfatoriamente. Nas
condições actuais de subaproveitamento das capacidades produtivas
instaladas e desemprego o aumento da produção na agricultura, nas
pescas, na indústria, é possível através de medidas
bem conhecidas
[3]
.
A importação de combustíveis poderá constituir um
problema delicado (durante uns 6 meses) mas cuja solução se
encontra mais uma vez e ainda na produção nacional e no
estabelecimento de contratos bilaterais com créditos e pagamento em bens
e serviços junto de países produtores. Há
soluções.
Sem sentido é a alegação de que Portugal não teria
dinheiro para pagar salários e pensões. Não há
dinheiro de facto com o empobrecimento progressivo que constitui a
permanência no euro. Mas haveria fora do euro dado que estes seriam pagos
na moeda nacional. Obviamente o seu poder de compra estaria relacionado com a
capacidade produtiva nacional.
Dir-se-á ainda: "Ah! Mas os nossos principais parceiros comerciais
deixariam de nos comprar produtos". Não é bem assim: sair do
euro não viola nenhum tratado internacional
[4]
nem norma da OMC (apesar de não concordarmos com elas) ou da OCDE. A
retaliação sobre o nosso país requereria então a
aprovação de sanções no Conselho de
Segurança da ONU. Quem estaria a violar tratados internacionais seriam
os países que exercessem retaliação. Teriam de perguntar
isso ao Reino Unido, Dinamarca, Noruega (fora da UE), Suécia,
além de mais países da UE fora da zona euro.
Há um conjunto de medidas que poderiam ser adoptadas para a
consolidação da economia nacional. Destacamos
"separação entre bancos de depósito e bancos
comerciais; interdição de um certo número de actividades
especulativas, taxa sobre transacções financeiras,
limitação dos rendimentos das administrações de
sociedades e enquadramento estrito dos bónus, represálias contra
transferências para paraísos fiscais, aumento das despesas
públicas para relançamento da economia e do emprego,
protecção do poder de compra dos salários e das
prestações sociais"
[1]
Perante isto, os comentadores avençados dirão (como o sr.
"comentador sorridente" de serviço)
Vade Retro Estado
, porém aquelas medidas têm a particularidade de terem sido
propostas em reuniões do G20, embora nunca passem do papel e das
conferências de imprensa! Os países do G20 não poderiam
deixar de estar de acordo connosco
Claro que a transferência de rendimentos para o estrangeiro que
atingiu 10% do PIB em 2010 teria uma perspectiva totalmente diferente
com moeda própria.
Muitas outras medidas têm sido propostas na AR por partidos
consequentemente de esquerda retomando o programa constitucional e o
espírito anti-monopolista e de dignidade nacional do 25 de Abril.
Para concluir este breve esboço das escolhas sobre o euro, diga-se que
na Argentina, em situação sob certos aspectos pior que a
portuguesa, após uns três meses de austeridade que
já vinha de trás, claro passou a crescer 8% ao ano. Por
que? Porque renegociou a sua dívida e desindexou a sua moeda do
dólar dos EUA. Quanto ao Equador e a Islândia progridem sem
problemas de maior neste aspeto. Seis meses não nos parece irrealista
para Portugal renegociar a sua dívida e reorganizar a economia
através da coordenação e apoio às actividades
produtivas na agricultura, na pesca, na indústria, na
construção. Claro que a tribo neoliberal tocará os seus
tambores de guerra e tudo fará para, como no passado, "quebrar a
espinha" à unidade popular.
Se "a economia se faz de escolhas", escolher o euro é escolher
"uma situação alucinante. Os Estados não podem ser
financiados pelo BCE, mas este pelo contrário refinancia os bancos
privados a muito baixas taxas de juro. Estes últimos emprestam em
seguida aos Estados a taxas nitidamente superiores, radicalmente
usurárias. A UE coloca-se voluntariamente sob o império dos
mercados financeiros. Os planos de austeridade, para além do seu
carácter socialmente inaceitável, são inúteis. Este
o paradoxo da situação. A única solução
é sair do seu domínio".
[4]
"As agências de notação não desempenham o papel
de um termómetro, mas de um vírus que faz subir a febre da avidez
(
) O problema não são as agências de
notação, mas os mercados financeiros. É portanto criminoso
ter posto as dívidas públicas nas suas mãos"
[4]
Acrescente-se que é impossível encontrar um ponto de
equilíbrio económico em mercado totalmente aberto entre
países com a mesma moeda e produtividades totalmente diferentes. Eis a
razão da degradação económica e social nas
economias mais frágeis.
O euro é uma moeda precária, pelos seus fundamentos e pela
ideologia sem futuro que lhe está subjacente. Tudo o que está,
desesperadamente, a ser feito para o manter conduzirá mais cedo ou mais
tarde à sua mudança radical ou mesmo ao seu fim. Na zona euro,
poucos países têm estruturas económicas compatíveis
com a mesma moeda que a Alemanha. Mesmo a França, por muito que o sr.
Sarkozy se ponha em bicos dos pés, não está nestas
condições.
A saída do euro não é na realidade uma
opção: é uma imposição dos factos que
ocorrem em Portugal e em outros países. Para os portugueses a
questão é: seis meses de esforço e austeridade ou a
servidão toda a vida. Sair do euro é restaurar a
independência nacional.
Consta que D. Luísa de Gusmão, terá dito ao marido, o
futuro D. João IV, nas vésperas da restauração de
1640: "antes ser rainha por uma hora que duquesa toda a vida".
Arriscava a vida do marido e filhos, e para si no mínimo a prisão
para toda a vida, mas escolheu não se sujeitar nem ao país
à servidão filipina. Não foi rainha por uma hora, mas por
toda a vida, e não faltavam então problemas a Portugal.
A direita portuguesa escolheu a servidão. É altura de o povo
português escolher a dignidade da sua história e prosseguir um dos
seus momentos mais altos: o 25 de Abril de 1974.
[1]
www.cadtm.org/
, novembre, G20, symbole de la faillite d'un système,
Eric Toussaint
[2]
"lebens raum",
o "espaço vital" nazi de trágica memória.
[3] Como por exemplo as expressas no livro
Portugal a Produzir,
Ed. Avante, 2011
[4] Quanto aos da UE é discutível
[5]
www.cadtm.org/
, 4 novembre, Sortir les États de la servitude volontaire, Thomas
Coutrot, Pierre Khalfa
Ver também:
Sair do euro e depois?
, Rudo de Ruijter
MEE, o novo ditador europeu
, Rudo de Ruijter
MEE, um golpe de estado em 17 países
, Rudo de Ruijter
Sobre o Acordo de Bruxelas: Alquimia invertida na Europa a todo vapor
, Yanis Varoufakis
"Deixem os bancos pagarem as suas próprias contas"
, Mike Whitney
A crise na eurozona
, James K. Galbraith
[*]
Engenheiro.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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