O destino de Portugal pode ser outro
por Daniel Vaz de Carvalho
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Não há dever para um soberano que não tem o poder de
proteger o seu povo.
Thomas Hobbes (1588-1679)
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1 - A Ação dos partidos da troika nacional
Diziam os antigos que o diabo tinha sucesso ao convencer as pessoas que
não existia. Passa-se o mesmo com a política de direita: tem
sucesso (apenas eleitoral, note-se) quando convence as pessoas que não
há alternativa.
A política de direita da troika interna conduziu o país na via de
uma crescente pobreza e desigualdades, estagnação
económica, grande dependência externa, aumento das
exportações de baixo valor acrescentado e baixo nível
tecnológico, agravando a troca desigual apenas minimizada devido
à radical quebra do investimento.
Não vamos descrever o processo de destruição do aparelho
produtivo a que esses partidos procederam. O objetivo foi tanto a
recuperação da oligarquia monopolista e financeira, com os
desastrosos resultados que suportamos hoje, como o saneamento político
dos sectores mais combativos do proletariado agrícola e industrial,
expresso na destruição da Reforma Agrária, um objetivo
unitário dos tempos do fascismo, e no desiderato de "quebrar a
espinha à Intersindical", que levou à formação
da UGT num "consenso" entre o PS, PSD e CDS para apoiar as
políticas de direita.
Estas políticas, representaram a destruição da
agricultura, das pescas, de indústrias como a siderurgia, metalurgia,
metalomecânicas, naval, etc. fundamentais para o desenvolvimento do
país. A destruição do aparelho produtivo foi mascarada com
uma falsa prosperidade baseada no endividamento com que se iludia a
generalidade da população. A "modernidade" da
"terciarização" representou, evidentemente, o
bloqueamento das forças produtivas.
O povo português como o grego, o espanhol ou o italiano, particularmente
a sua juventude, vivem a história de Pinóquio levado para o
"reino dos brinquedos" em que depois as crianças eram
transformadas em animais de trabalho
As privatizações, agiram como uma droga de
satisfação transitória ou nem isso em que os
problemas financeiros do país se agravaram e o Estado perdeu receita a
favor de agentes privados que colocam o rendimento obtido no estrangeiro. Por
fim, a política de direita do PS, PSD e CDS, passou a ter um nome:
austeridade. A austeridade que destrói as sociedades em benefício
de uma minoria, os "1%".
O alibi foi ir dizendo que se defendia o "Estado Social", enquanto
era sistematicamente destruído, pois as suas implicações
tornariam o país não atrativo para o capitalismo. Porém,
ao reduzir a despesa social reduz-se a matéria coletável e a
capacidade de poupança interna, como consequência com o governo de
direita/extrema-direita do PSD e CDS, reduzem-se as prestações
sociais, aumentam-se impostos, aumenta a dívida.
Para justificar o descalabro o governo propala que em 2011 não havia
dinheiro para pagar salários e pensões.
"O dinheiro que não havia era para amortização da
dívida no imediato. O dinheiro da troika permitiu, a bancos europeus,
libertarem-se dessa dívida. Foi resgatada a banca portuguesa, que tinha
perdido o acesso aos mercados internacionais e tinha entrado numa
situação de falta de liquidez. Quem não foi resgatado foi
o conjunto dos cidadãos contribuintes portugueses e o conjunto de
cidadãos contribuintes europeus."
[1]
Se não há dinheiro para o investimento nem para as
prestações sociais do Estado, como é que, em 2013, 870
multimilionários deste país aumentaram as suas fortunas em 11,1%,
atingindo 100 mil milhões de euros? De
2010 para 2013, as 25 maiores fortunas aumentaram 17,8 por cento; a parte do
capital no rendimento cresceu de 50,8%, em 2009, para 53,4%, em 2013.
Isto, enquanto a pobreza e o desemprego efetivo aumentaram, a recessão
continuou e o investimento regrediu. A pobreza atingiu em 2012, 24,7% da
população em relação ao nível de 2009; em
2013, 661 694 pessoas tinham prestações em atraso; 15% das
famílias corria o risco de ficar sem nada por dívidas.
2 Austeridade, mentiras e UE
O "bom caminho" elogiado pelas cliques neoliberais e seus fantoches
traduziu-se em austeridade, mentiras e UE ("mais
integração").
Insistiam no "bom caminho" que o país estava a seguir,
falavam em "sucesso", em "milagre" e de "estar a ser
feito o que
tinha de ser feito". O governo, como mentiroso compulsivo, vive da
propaganda, porém
"um governo que vive da propaganda, não é credível em
coisa alguma" (Paul Craig Roberts).
Ao nível da ilusão psicótica, o sr. Luís Montenegro
líder parlamentar do PSD questionava: "o que seria da
vida dos portugueses se renegociássemos a dívida? O que seria dos
sinais de recuperação?" Tudo está pior, tudo falhou
nas políticas de direita. Conclusão: prosseguir, agravar.
Com estas políticas Portugal não terá nem saúde,
nem educação, nem proteção social, nem emprego, nem
desenvolvimento económico, apenas um futuro de austeridade permanente,
estagnação, endividamento, défice demográfico
(atualmente 1 400 000 crianças e jovens) estrutura produtiva
desequilibrada num modelo de capitalismo dependente (país
neocolonizado), agravando sintomas evidentes há mais de uma
década.
A busca das "finanças públicas saudáveis pela
austeridade" constitui a "impostura da finança" (Joan
Robinson). A dívida é a tirania dos mega-ricos, é a
moderna escravidão, destrói os países a menos que sejam
tomadas ações para a parar e passar tê-la sob controlo,
sendo o financiamento público feito a partir da emissão de moeda
pelo Estado.
O B de P podia proporcionar dinheiro ao Estado sem juros e gerando lucro. O
absurdo do banco central não poder fornecer moeda diretamente ao Estado
representa um ódio ao coletivo, ao social, para entregar dinheiro
praticamente sem juros, à banca privada para esta aplicar na usura e na
especulação, impondo o garrote da austeridade. É o
"vírus capitalista" (Robert Hunziker)
"A Europa e o euro caminham para o suicídio", afirmou J.
Stiglitz: O problema fundamental é que a conceção geral da
UE foi errada. Em função dos acontecimentos recentes, a UE teria
de se ter dado conta que essas regras não eram suficientes. A
união monetária é um problema em si mesma.
[2]
A UE tem 25 milhões de desempregados em termos oficiais, no final de
2012 atingia, em crescendo, 125 milhões de pobres, quase 25% da
população; desde a crise a produção industrial caiu
20% e perdeu 4 milhões de empregos industriais. Países como a
França, ou a Itália têm a economia estagnada, a
produção industrial e o emprego regridem, a dívida cresce.
Porém, submetidos aos ditames da Alemanha, adotam a via da austeridade.
A Europa está no limiar da catástrofe. As linhas de fratura da
zona euro são visíveis no imediato e a interação
entre mercados, instituições inadequadas e
condições políticas insustentáveis estão a
conduzir a economia europeia rumo à depressão e a zona euro
à desintegração.
[3]
O euro tem um problema insolúvel. Os países gravemente
endividados, são vítimas de uma falha fundamental na sua moeda.
Já antes do arranque do euro se havia advertido que uma moeda
única apenas pode funcionar se os países participantes são
economicamente homogéneos. Perante o falhanço do euro e das
políticas associadas, reclama-se a "austeridade total" e a
"integração absoluta". A insistência do poderoso
ministro das Finanças alemão, Schauble, faz-nos lembrar Goebells
vociferando no início de 1944, pela
"totaller kriege",
a guerra total
que levaria a Alemanha à vitória.
3 - A UE isola Portugal do Mundo
Ao contrário do propalado a UE não constituiu uma "abertura
de Portugal ao mundo", mas sim o encerramento num espaço decadente,
ávido de expressão militar. O comércio internacional com a
UE representa 70% do total, se retirarmos os combustíveis chega a cerca
de 90%, com um défice que em 2010 atingia 15 370 M (o dobro de
antes do euro). Com a retração do investimento, e do consumo, a
austeridade reduziu este défice para 8 730 M em 2013, porém
a dívida aumentou 59 000 M.
Portugal, independentemente de canhestras tentativas no domínio da
exportação, está de costas voltadas para o resto do mundo.
Politicamente, está refém das políticas imperialistas da
UE e NATO, que nada têm que ver com os nossos interesses. O silenciado
Tratado de Comércio Livre entre a UE e os EUA será, se não
arrepiarmos caminho, uma machadada final na nossa soberania e um maior
isolamento do resto do mundo. E ainda há gente que diz que sair do euro
e renegociar os tratados da UE seria um desastre. E ficar?
Sim, o destino de Portugal pode ser outro. Em vez de destruirmos as nossas
empresas metalomecânicas, metalúrgicas, construção
naval, elétricas, etc, podíamos ter uma cooperação
mutuamente vantajosa, sem compromissos degradantes, com países com
necessidades tecnológicas e de desenvolvimento muito mais
próximas das nossas.
"Existem três alternativas estratégicas para os países
periféricos. A 1ª traduz-se em programas de austeridade. A 2ª
consiste na reforma radical da zona euro. A 3ª alternativa para os
países periféricos é o abandono da zona euro."
[4]
A primeira está a destruir o país; a segunda é uma
miragem da alienação europeísta, para além de
vãs tentativas do sr. Draghi do BCE de mudar alguma coisa ficando tudo
na mesma. Resta a terceira, para a sobrevivência de Portugal como
Nação independente.
O desenvolvimento do país só é possível com o
alargamento do mercado interno, proteção à
indústria nacional com prioridades definidas de acordo com um plano
económico, controlo de capitais e soberania monetária e decidida
abertura de Portugal ao resto do mundo. Porém, a UE retira-nos a
necessária autonomia, a capacidade de decidir o nosso destino como povo
soberano.
Hoje a comunicação social controlada (os
"presstitutos", no dizer de Paul C. Roberts) esconde da
opinião pública que existem mais mundos além dos EUA e da
NATO. Apresentam a agressividade e os desejos de domínio imperialista
como expressões da "comunidade internacional", porém
estão cada vez mais isolados. Fazem lembrar a BBC dos anos 30 do
século passado quando transmitia no seu boletim meteorológico:
"há nevoeiro no canal, o continente está isolado"!
Em junho deste ano, na Bolívia, o G77 + China reuniu 133 países
tendo 119 adotado uma declaração comum intitulada
"Declaração de Santa Cruz. Por uma nova ordem mundial"
Com 242 pontos a declaração fixa como objetivo a
erradicação da pobreza até 2030, a
instauração de uma nova ordem financeira internacional reduzindo
o poder do FMI, etc. Foi também proposta a criação de uma
aliança científica, tecnológica e cultural. O documento
reafirma igualmente a primazia da soberania nacional sobre os recursos
naturais. A Rússia, então observadora, foi oficialmente convidada
a juntar-se ao grupo.
[5]
Em julho os BRICS
[6]
criaram um banco com um capital de 100 mil milhões de dólares e
idêntico valor de um pacote de outras divisas destinado a apoiar o
"desenvolvimento durável das economias emergentes e em vias de
desenvolvimento". Este banco representa uma nova arquitetura financeira
desafiando a hegemonia do dólar e o FMI. A cimeira adotou uma
declaração que censura o BM e o FMI e põe em
questão os esquemas ideológicos instaurados pelo "Consenso
de Washington".
A censura fascizante que vigora na UE e nos EUA ignora estas iniciativas.
Compreende-se: um outro mundo constrói-se, mas colocam-se à
margem na sua decadência económica e social, no militarismo, na
provocação neofascista, semeando guerras e confrontos entre as
nações. É um mundo que morre, mas "um outro mundo
é possível".
"Se mais mundos houvera, lá chegara", cantou Camões.
Portugal tem outros mundos para redescobrir, tem a colaboração
com os países de língua portuguesa, tem o seu mar imenso de que,
lembremos, a UE se quer apossar por uma nova Diretiva. Portugal tem de voltar a
ter uma marinha nacional de guerra, mercante e piscatória. Voltar a
recuperar a energia dos seus cidadãos, que a política de direita
leva para a emigração, o desemprego e o desencanto no
abstencionismo.
Portugal precisa de um grande esforço nacional de
participação cidadã, trabalho, progresso; uma luta pela
soberania, pela libertação nacional dos ditames imperialistas da
UE, de pôr fim a governos servis a interesses espúrios e
estrangeiros. Uma luta pela dignidade nacional, que só uma
política patriótica e de esquerda poderão proporcionar
pois aquilo de que a direita é capaz está à vista,
Notas
[1] Prof. Castro Caldas em entrevista à Rádio Renascença
(visto em
Ladrões de Bicicletas
, 05/07/2014.
[2]
"A Europa e o euro caminham para o suicídio"
[3]
"Rumo à desintegração do euro"
[4] A. Lapavitsas,
O espectro do incumprimento na Europa
[5]
www.legrandsoir.info/...
[6] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul,
representam atualmente 40% da população e 25 % do PIB mundial.
21 juillet 2014,
www.legrandsoir.info/...
1ª parte deste artigo:
UE, um modelo de capitalismo dependente
Ver também:
DIVIDA PÚBLICA - A Maior Fraude da História da Humanidade ...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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