O necessário debate sobre o Euro
por Daniel Vaz de Carvalho
[*]
1 PREPARAR O PAÍS PARA SAIR DO EURO
João Ferreira, cabeça de lista do PCP às
eleições europeias, considerou
"a importância da
adoção de medidas que preparem o país desde já
face a qualquer reconfiguração da Zona Euro. Uma
preparação que deve ser feita não apenas em face de
possíveis desenvolvimentos na crise da União Europeia, mas
também em nome de uma saída de Portugal do Euro por
decisão e interesse próprios, salvaguardando os interesses dos
trabalhadores e do povo"
.
Neste sentido, torna-se urgente o esclarecimento e o debate não apenas
acerca das dramáticas consequências para o país causados
pela adoção do euro, mas também as formas de abandonar um
sistema monetário que coloca a generalidade dos países da UE, e
em particular Portugal, numa situação de decadência:
política, económica, social, numa palavra: civilizacional.
Desde a adesão de Portugal ao Euro a FBCF caiu 42% em termos reais e o
PIB no final de 2013 atingia o nível de 2002. Por aqui se vê que
permanecer na Zona Euro é continuar a seguir uma rota de desastre para o
país, para o seu povo, enquanto um punhado de oligarcas acumula cada vez
mais riqueza.
Não podemos, contudo, deixar de referir que para certos sectores da
esquerda tal debate é considerado "fraturante" e que pode
"chocar" uma opinião pública não preparada,
não havendo portanto condições para alargar e aprofundar o
debate. A direita e o processo neofascista em curso contam com isto
Claro que nunca haverá condições para o esclarecimento
nem nunca as mais largas camadas da população
compreenderão as reais implicações do Euro e ainda menos
as vias alternativas para a superação das dramáticas
consequências de existir uma moeda única em 17 países
tão diferentes
se as forças democráticas e progressistas não insistirem
decididamente nesse esclarecimento, como é seu dever.
Quanto ao PS, ou à sua Direção, pôr o Euro em causa
tem sido tratado como heresia, considerando a ditadura do Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEE) como "regra de ouro".
Quando num país como a França, segunda economia da UE, se
compreende que o Euro arrasta o país para um processo de
decadência, é fundamental tomar-se consciência e agir face
à gravidade da situação para países como Portugal.
Situação que aliás não se resolverá com
reformas parciais (que aliás nem sequer são encaradas) ou o seu
simulacro, mas sim num processo revolucionário, retomando o
espírito do
25 de Abril
, no que representa de conquista da soberania nacional,
libertação do domínio dos monopólios e das
hegemonias imperialistas, protagonizadas na UE pelo atual reacionarismo
alemão.
O texto de Jacques Sapir de que transcrevemos as partes mais relevantes para a
situação do nosso país, parece-nos ser mais um importante
contributo para o debate que urge fazer.
2 - O DEBATE SOBRE O EURO ALARGA-SE EM FRANÇA.
O debate sobre o Euro atingiu em França podemos dizer que um
nível inesperado com declarações do ministro do
Redressement Productif (isto é, da Indústria) Arnaud Monterbourg.
Jaques Sapir dá nota das suas implicações e também
das suas limitações
[1]
Declara o ministro numa entrevista ao jornal
Echos
[2]
:
"Como ministro da Indústria considero que o Euro saiu dos seus
limites por uma sobrevalorização que se tornou
problemática aos olhos das nossas empresas. Entre 2012 e 2013, a sua
apreciação foi de mais de 10% face ao dólar e mais de 40%
face ao yen. Nós temos a zona mais depressiva do mundo e a moeda que
também
mais se aprecia. Esta situação é totalmente absurda"
Para Sapir, esta reapreciação do Euro é no entanto
compreensível, quando se olha para o excedente global da zona Euro, que
resulta dos excedentes comerciais da Alemanha e de alguns outros países.
Diz ainda o ministro:
"O Euro penaliza a indústria em vez de a apoiar na grave crise de
competitividade que atravessamos. Todos os grandes industriais europeus da
aeronáutica, do agro-alimentar, dos transportes e todas as
instituições económicas, do FMI ao Conselho de
Análise Económica junto do primeiro-ministro, passando pela OCDE,
defendem políticas novas e "não convencionais" visando
enfim baixar o nível do Euro. Por que razão deveremos continuar a
meter a cabeça na areia?".
Sapir é bastante claro: "Hoje a taxa de câmbio do Euro,
penaliza a totalidade da indústria francesa (e italiana, terceiro
país da zona Euro). Esta taxa de câmbio acelera os processos de
desindustrialização que conhecemos. Por outro lado mergulha os
países da periferia na deflação".
"As taxas de crescimento indicadas pela DGTP (Direction
Générale du Trésor et de la Prévision), são
de 1,2% de crescimento para uma depreciação de 10% do Euro
[3]
correspondente aliás aos valores "altos" do modelo publicado
em setembro último. Nós apontaríamos para uma
depreciação de 20% da moeda francesa (e não apenas do
Euro) para um ganho direto de 2,5 a 2,8% e um ganho indireto de 4,5 a 6% ao ano
durante os primeiros três anos
[4]
Para Sapir a solução dita de
"depreciação" do Euro choca porém com
vários obstáculos. Por um lado, não se
"deprecia" assim tão simplesmente uma moeda de uma zona
económica com excedente comercial. Uma solução poderia ser
a de fazer baixar as taxas de juro, mas estas são já muito
baixas, e o ganho, em relação às taxas norte-americanas ou
japonesas, demasiado fraco para se alcançar o resultado desejado.
Ainda de acordo com Sapir, poderia também fazer-se um
"quantitative easing"
[5]
à europeia, obrigando o BCE a recomprar importantes montantes de
dívidas públicas para injetar moeda, em que havendo mais oferta
de euros que procura se provocaria uma quebra em relação ao
Dólar e ao Yen. Mas um tal programa depara-se com a
oposição absoluta da Alemanha. Com efeito o artigo 88 da lei
fundamental alemã proíbe ao Banco Central de emprestar aos
Estados, e o Tribunal de Karlsruhe estabeleceu que as práticas do BCE
não devem violar a Constituição alemã.
Ora, prossegue Sapir, além disto, o problema coloca-se atualmente a
propósito do programa
Outright Monetary Operation
planeado por Mário Draghi, presidente do BCE, cuja legalidade face
à lei alemã e ao estatuto do BCE é colocada em causa por
seis juízes em oito.
[6]
Enfim, seria necessário que o BCE adotasse de forma clara uma
política tendo por alvo a taxa de câmbio (e além disto da
taxa de câmbio real) o que sempre se recusou a fazer. Pode deplorar-se,
mas é preciso verificar que não há maioria que permita
obrigar a alterar a política do BCE. Assim, excetuando a hipótese
de expulsar a Alemanha da Zona Euro, nada será possível alterar.
"A sobreavaliação do Euro provém sobretudo da
existência de taxas de inflação estruturais
[7]
muito divergentes entre estes países e a Alemanha.
Contudo, se por milagre se chegasse a depreciar o Euro, isso não
resolveria o problema. Com efeito, a França realiza cerca de 50% das
suas exportações no interior da Zona Euro. Para certos
países como a Itália ou Espanha, as exportações
atingem 65% a 75%. Depreciar o Euro não regula a questão da sobre
avaliação implícita das moedas dos países do Sul da
Zona Euro face à Alemanha.
Refira-se que Portugal realiza 70% das suas exportações na UE e
cerca de 60% na zona Euro.
3 A DISSOLUÇÃO DA ZONA EURO
Para Sapir, a loucura de querer que países profundamente diferentes
coexistam com a mesma moeda e sob a mesma taxa de câmbio está
claramente visível. O Euro apenas se poderia manter com massivas
transferências de recursos orçamentais do Norte da Europa para o
Sul. Mas estas transferências implicariam que a Alemanha participasse com
8% a 12% do seu PIB anual e isto pelo menos durante 10 anos. Ora, a Alemanha
não o pode fazer, mesmo que o quisesse.
O processo de desindustrialização provocado pelo Euro e pelos
tratados da UE em benefício quase que exclusivo da Alemanha torna-se
evidente não só nos países periféricos como
Portugal
[8]
mas até nas principais economias como a França e a Itália.
Como afirma Sapir, a indústria é necessária, não
apenas porque proporciona empregos mais bem pagos enquanto os serviços
não oferecem senão salários muito baixos. Unicamente a
indústria permite aos diplomados que todos os anos são formados
encontrar um emprego e, como é seu desejo, pôr em prática
as inovações concebidas nos centros de pesquisa.
A indústria é também uma componente fundamental da
capacidade de influência internacional de qualquer país muito em
particular os mais pequenos e vulneráveis, como forma de manter a sua
soberania e defesa dos seus interesses na esfera internacional. Algo que em
Portugal este governo se tem revelado totalmente incapaz.
Não resta portanto senão como solução a
dissolução da Zona Euro, quer seja consensual ou que provenha da
decisão de um país de abandonar a Zona Euro (segundo Sapir, a
França ou a Itália), conduzindo então rapidamente à
sua implosão.
Notas
[1]
russeurope.hypotheses.org/1966
[2]
www.lesechos.fr/...
[3]
No que se refere à França a Direção do Tesouro,
uma depreciação de 10% permitiria aumentar a taxa de crescimento
de 1,2%, criar 150 000 empregos, melhorar a balança comercial e reduzir
o défice público de 12 mil milhões de euros.
[4] Sapir J., Murer P. et C. Durand,
Les scénarii de dissolution de la zone Euro,
Fondation Respublica, Paris, 2013,
Os cenários de dissolução do Euro
[5]
Nome dos programas praticados pelo banco federal dos EUA, o FED.
[6]
Ver a decisão do Tribunal:
www.bundesverfassungsgericht.de/pressemitteilungen/bvg14-009
[7]
A taxa de inflação estrutural, define a taxa de
inflação necessária para que uma economia tenha pleno
emprego.
[8] Acerca deste tema ver:
Reindustrializar
dizem eles
e
Acerca do desenvolvimento industrial
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|