Acerca do desenvovimento industrial
por Daniel Vaz de Carvalho
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O que distingue as épocas económicas não é o que
é feito, mas com que meios de trabalho é feito. Os meios de
trabalho não são apenas mediadores do grau de desenvolvimento da
força de trabalho humana, mas também das relações
sociais em que se trabalha.
C. Marx, O Capital
A Economia Política não trata de coisas, mas de
relações entre pessoas e, em última instância, de
relações entre classes, ainda que estas relações
estejam sempre unidas a coisas e apareçam como coisas.
F. Engels, C. Marx. Contribuição para a crítica da
economia política.
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1 QUE FAZER
Não deveria ser necessário referir a importância do
desenvolvimento industrial, mas por muito espantoso que possa parecer em nome
da "modernidade" e outras mistificações, a sociedade
"pós-industrial" foi defendida como um futuro radioso. Serviu
de pretexto para a prática de políticas reacionárias e
retrocessos civilizacionais, pondo em causa tudo o que a classe operária
e outros sectores do proletariado haviam conquistado (é o termo correto)
nas últimas décadas.
Por detrás disto, a velha miragem do capital poder realizar-se sem
classe operária. Esquecia que sem trabalhadores, qualquer que seja a sua
função no processo produtivo, não há
criação de valor nem mais-valia. Há sim,
especulação, capital fictício, crises.
Não há que fazer qualquer opção entre agricultura,
indústria, serviços. O desenvolvimento económico
concretiza-se tanto mais e melhor quanto maior for a ligação
entre os diversos sectores direta ou indiretamente produtivos, é isto
que define a estrutura económica e a sua robustez.
A indústria é o sector produtivo onde mais elevadas
produtividades podem ser obtidas e essencial para o aumento do valor
acrescentado no conjunto da economia. A questão que se coloca é o
que fazer e como e o que não fazer.
Qualquer economia tem de ter em conta o seu posicionamento nas
relações económicas internacionais, isto é, a sua
competitividade. A política de direita, pretende resolvê-la
reduzindo os chamados "custos salariais". A primeira evidência
é a seguinte: a produtividade por pessoa para o total da economia
correspondia em Portugal em 2010 a 76% da média da UE 27
(Eurostat - EU economic data pocketbook - 4-2010 p. 92).
Porém, os "custos laborais", também para o total da
economia também eram nesse ano cerca de 60 % da média da UE 27
(base de dados AMECO 7.4 - Nominal Compensation Per Employee, Total
Economy).
Aliás, segundo estudo de Eugénio Rosa, entre 2008 e 2013 os
"custos salariais" baixaram 8,5% em termos ilíquidos.
As razões da falta de competitividade têm, pois de ser procuradas
não nas leis laborais "rígidas" ou nos salários,
mas em políticas estruturais globalmente erradas dos sucessivos
governos. De facto, "a recessão não resulta da falta de
meios de investimento, resulta da má utilização desses
meios."
[1]
O que se aplica integralmente às atuais políticas não
só nacionais mas da UE. Keynes havia já demonstrado que a
existência de desemprego e estagnação económica
resultavam de um sistema económico desajustado das necessidades,
incluindo os sistemas monetário e de relações externas.
2 CONDIÇÕES DO DESENVOLVIMENTO
Para o desenvolvimento industrial diríamos em primeiro lugar que
é necessário eliminar os fatores de ineficiência, e destes,
estão à cabeça da lista negra a
financiarização e a constituição de
monopólios.
[2]
A crescente financiarização da economia, o processo de
privatizações, a atividade económica determinada apenas e
exclusivamente a partir dos interesses do grande capital, retiram ao Estado,
portanto à hipótese de democracia, os meios e a gestão dos
processos necessários ao desenvolvimento. A finança suportada
pelos bancos centrais, conduziu a um processo de
desindustrialização e empobrecimento que prosseguirá,
independente das miragens que a propaganda difunda.
Em vez do Estado assumir um papel determinante no planeamento e na
gestão económica, a economia atual foi dominada pelos
"Savonarola" neoliberais, como o sr. Fisher Black que apostrofava:
"Não julgo que ao criar este maravilhoso leque de derivados, o
mercado privado esteja a criar qualquer risco sistémico, há no
entanto alguém a criar um risco sistémico: o governo".
[3]
Continua a ser esta a política da UE, pois, como se sabe, a
superstição é imune à experiência
A charlatanice dos Fisher, Hayek, Friedman, está hoje à vista: os governos
assumiram os riscos do lixo especulativo e passaram os
custos para os trabalhadores.
As consequências desta visão distorcida como a realidade
evidenciou e evidencia é a entrega de sectores básicos e
estratégicos ao grande capital transnacional, criando monopólios
privados, subordinados à sua lógica. Uma estratégia
antimonopolista, a eliminação das rendas monopolistas que afetam
os fatores de produção energia,
telecomunicações, etc., é fundamental tendo em vista a
redução custos nas empresas. Tal só é
possível se forem empresas nacionalizadas, pois só o Estado pode
contabilizar os custos e benefícios sociais e ter uma visão
macroeconómica.
O processo de privatizações e concessões (PPP) conduzido
pelo PS e PSD com o CDS na senda, a reclamar e aplaudir, foi recheado de
corrupção, negociatas, promiscuidade entre responsáveis
daqueles partidos e empresas privadas.
"As preocupações e as motivações das grandes
empresas não se limitavam a influenciar os seus próprios
preços; preocupavam-se com a manipulação do mercado para
os seus produtos e com o controlo das suas fontes de matérias-primas e
componentes ou, de qualquer forma, com os respectivos preços."
[4]
"A hegemonização do capital financeiro sobre a esfera
produtiva tem imposto à sociedade um pesado ónus, tendo em vista
que os negócios na área financeira não só
não geram valor como se têm transformado num instrumento
desincentivador do investimento produtivo".
[5]
A troika com o seu "programa de ajustamento" (!) conduziu à
mais grave crise da história moderna do nosso país. A
renegociação da dívida, a alteração das
condições de ligação à UE e a não
permanência na Zona Euro, impõem-se como as mais prementes das
exigências necessárias ao desenvolvimento do país.
O desenvolvimento só é possível numa sociedade com
soberania monetária e autonomia para tomar as decisões
económicas que considere mais vantajosas. Por soberania monetária
entendemos algo como ser o Estado e não entidades privadas ou
pseudo-independentes, não apenas a regular a criação de
dinheiro, isto é, crédito, mas a controlar a sua emissão e
garantir que a sua utilização não seja dissociada dos
objetivos do desenvolvimento económico e social.
Só assim é possível que a política de
crédito e financiamento seja adequada às necessidades da
produção e não às da usura e
especulação.
3 - O PLANEAMENTO ECONÓMICO
Não há economia moderna sem planeamento. A escolha é
clara: ou o planeamento económico é feito pelo Estado
democrático ao serviço dos interesses do país e das
populações ou pelos "mercados", isto é, pela
finança e pelos monopólios.
A política de direita com as suas demagógicas campanhas anti
Estado, apenas defende os interesses do grande capital independentemente das
consequências para a população e para o país. Esta
gritante verdade, evidenciou-se mais uma vez em
parecer do Tribunal de Contas
dos benefícios fiscais ao grande capital das SGPS: 1 045 milhões
de euros em 2012. Eis a face escondida do "gastamos acima das nossas
possibilidades" e "não há dinheiro".
O planeamento económico pelo Estado está previsto na
Constituição e é essencial numa economia caracterizada por
distorções estruturais (atraso, desequilíbrio entre
sectores, etc.). O capital especulativo e o predomínio das
multinacionais apenas têm agravado a situação existente.
O planeamento constitui em si um processo de transição com grande
abertura de variantes e possibilidades, em que o princípio fundamental
das opções deverá ser a máxima
satisfação das necessidades sociais e não a
maximização do lucro. Esta a razão pela qual o
neoliberalismo não reconhece nem a gestão macroeconómica
nem o planeamento económico democrático.
O planeamento económico deverá traduzir-se em objetivos visando,
designadamente, o aumento da produção, a redução
dos desequilíbrios regionais e da dependência externa, e na
elaboração de programas de apoio tecnológico, financeiro e
de gestão, em particular para as MPME e Cooperativas.
Terá obviamente de ser modificada a prática atual em
vários ministérios, que mais parecem secretarias dos
diretórios da UE, manietados pelos dogmas neoliberais. Uma
política de aumento da produção exige que os organismos e
entidades públicas sejam orientados para a dinamização
económica, as atividades ligadas ao planeamento, a
coordenação sectorial e o apoio às empresas.
Em cada ministério, cada secretaria, cada direção-geral,
cada agente económico ou puramente social (fora da esfera mercantil)
deverá estar definida a forma como se efetua a sua atividade de modo a,
no seu âmbito, concretizar os objetivos previstos.
Porém, qualquer plano por mais bem elaborado que esteja, só pode
ter êxito, se contar com os recursos para a sua
concretização e os mais importantes são os recursos
humanos, não apenas com a sua competência técnica, mas
também com a sua motivação.
A motivação desenvolve-se se não houver
contradição entre os interesses dos trabalhadores e os da
organização em que se inserem e quanto maior for a
compreensão do seu contributo para o desenvolvimento e progresso do seu
país. Esta situação está em total
contradição com a maximização do lucro e com a
flexibilidade laboral.
A flexibilidade, o trabalhador sem direitos, sem autonomia, sem garantias no
emprego e no desemprego é uma motivação negativa, pois
ninguém pode ser feliz e sentir-se realizado na insegurança. A
motivação positiva, implica a participação ativa
dos trabalhadores na definição e concretização dos
objetivos assumidos e que as várias dimensões da sua vida sejam
atendidas.
4 PLANOS DE DINAMIZAÇÃO ECONÓMICA
O planeamento não é dirigismo e burocracia. Dirigismo e
burocracia é o que atualmente está a ser imposto pelos
diretórios da UE criando situações intoleráveis
para os povos.
O planeamento constitui a base do processo de transição de uma
economia caracterizada pela estagnação e desequilíbrios
estruturais para uma fase de desenvolvimento económico e social. Esta
transição terá características próprias em
cada país, conforme a sua história, suas
convicções, sua situação económica.
Na atual situação, deverão ser realizados planos de
dinamização económica em sectores chave que pelo seu
efeito multiplicador vão estabelecer polos de recuperação
económica e contribuir para a melhoria da estrutura produtiva.
De acordo com estes critérios destacamos, as indústrias ligadas
à agricultura e às pescas, as indústrias ligadas à
floresta, as indústrias extrativas, outros polos de desenvolvimento.
As indústrias ligadas aos sectores primários têm fortes
ligações quer a montante (químicas, metalomecânica,
material elétrico, etc.) quer a jusante (indústrias alimentares).
No caso das florestas, a jusante podemos mencionar não só a
produção de pasta e papel, mobiliário, cortiça, mas
também indústrias químicas (resinas), cosmética,
farmacêutica (espécies silvestres). São sectores onde
existe um vasto campo aberto à investigação e
inovação, com potencial na criação de postos de
trabalho, desenvolvimento regional, impacto positivo na Balança
Comercial.
Portugal tem grande potencial no que diz respeito às indústrias
extrativas. A política de direita prossegue a sua entrega ao capital
estrangeiro. O minério é exportado apenas numa fase preliminar de
concentração, para facilitar o transporte, sendo refinado no
exterior do país que perde assim a maior parte do valor acrescentado e
capacidade de desenvolvimento. É pois necessário alterar estas
situações iniciando processos que visem a curto prazo o reassumir
de posições nacionais dominantes na pesquisa,
exploração e nas primeiras transformações.
Há ainda indústrias nas quais o país teve competitividade
internacional e ainda possui bases relativamente sólidas para a sua
recuperação. Referimos sectores que têm a nível
mundial ampla procura como, o material de transporte; a produção,
transporte e transformação de energia elétrica; industria
eletrónica nos sectores da teletransmissão e centros de comando,
entre outros.
Outros polos de dinamização e desenvolvimento económico
são as indústrias químicas; a indústria naval; as
indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e
eletromecânicas e as indústrias de alta tecnologia (como a
bioquímica, médica, microeletrónica,
telecomunicações, robótica, etc.).
A realização de infraestruturas será outro polo de
dinamização económica sendo prioritariamente dedicadas a
complementar o desenvolvimento dos sectores produtivos. Assim, destacamos a
construção e requalificação de matadouros,
câmaras de frio, silos e outros equipamentos. Infraestruturas como barras
e portos (mesmo em pequenas comunidades piscatórias) para melhorar as
condições de descarga e armazenagem do pescado.
Requalificação, remodelação e expansão da
rede ferroviária de transportes (comboios, metropolitanos,
elétricos). Apoios ao processo de reabilitação urbana e
poupança energética a nível dos edifícios e
produção de equipamentos para este efeito.
O artesanato e pequena produção regional, as designadas
indústrias criativas (produção cinematográfica e
televisiva, musica, programação informática, design,
arquitetura, etc.) devem ser também objeto de apoio técnico e
financeiro, bem como de coordenação sectorial, conforme as
necessidades de cada sector.
Alguém vê este governo ou viu anteriores com algo que se
pareça com um plano económico? A sua principal
preocupação consiste em garantir o enriquecimento de
usurários e monopolistas de que a ofensiva contra os salários e
os direitos laborais faz parte.
O controlo da economia, as funções económicas e sociais do
Estado, exigem o equilíbrio das finanças públicas,
porém a camada oligárquica opõe-se tenazmente à
tributação da sua riqueza e a limitações às
suas transferências para paraísos fiscais.
Como alertou Keynes, "nada pode preservar a integridade do contrato entre
os indivíduos a não ser a autoridade discricionária do
Estado para rever o que se tornou intolerável
[6]
.
Uma estratégia de desenvolvimento antimonopolista, apoiada num forte e
dinâmico sector empresarial do Estado na indústria, nos
serviços financeiros e no planeamento económico
democrático, é a base fundamental para ultrapassar o
intolerável poder discricionário dos oligarcas, fautores de crise
e de espoliação das riquezas nacionais e criar a alternativa
necessária: a transição para o socialismo.
Notas
1 O Novo estado Industrial, John K. Galbraith, ed. Europa
América, Lisboa, p. 64
2 Ver
Reindustrializar
dizem eles
3 Citado em "Dinheiro, uma biografia não autorizada",
Felix Martin, Lisboa, Ed. Circulo de Leitores, 2013, p.312
4 John Kenneth Galbraith, ob. cit., p19.
5 A Crise Económica Mundial, a Globalização, e o
Brasil, Edmilson Costa, S. Paulo, Ed. ICP, 2013, p. 141 [Este livro pode ser
encomendado a resistir.info]
6 J.M. Keynes, A tract on monetary reform. Citado por Felix Martin, ob.
cit., p. 389.
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