Os "incentivos" e os "estímulos" da política
de direita
por Daniel Vaz de Carvalho
[*]
Os ricos nunca são demasiado ricos para investirem mais,
nem os pobres demasiado pobres para trabalhar mais.
John Kenneth Galbraith (sobre as políticas neoliberais)
1 - QUE MODELO DE SOCIEDADE?
O recente discurso do Presidente da Republica falando de "estímulos
ao investimento" e políticas de "crescimento e emprego",
ao mesmo tempo que afirmava que a austeridade era para manter, mostra a
decadência do discurso da direita repetindo fórmulas ocas de
conteúdo concreto, contraditórias, que apenas disfarçam a
arrogância, a chantagem emocional e o niilismo ético ao
serviço de uma oligarquia parasitária.
Um exemplo destes "estímulos" foi dado pelo sr. Medina
Carreira, no programa da TVI 24 onde pontifica: ainda que o IRC fosse zero, o
país ganharia com isso, haveria criação de emprego,
crescimento e mais impostos para o Estado. Acreditamos que o sr. não
faça ideia das inconsequências que diz, tais como considerar que
para equilibrar as contas públicas seria necessário cortar mais
10 mil milhões de euros, além dos 10 mil milhões já
cortados.
[1]
Como classificar então uma sociedade no conceito acima exposto, em que a
camada social que detém os meios de produção não
paga impostos, cede esses meios a trabalhadores que lhe fornecem bens e
trabalho gratuito e pagam impostos? Se se responder feudalismo não
está errado, neoliberalismo (ou monetarismo) também não.
Pode dizer-se que, ao contrário do feudalismo, os trabalhadores recebem
salário, mas o servo da gleba feudal conservava uma parte do que
produzia para a sua subsistência, quando e como possível,
acrescente-se. Ora, os salários no sistema atual estão cada vez
mais afastados dos limites da subsistência, um conceito de índole
social, que não se confunde com "sobrevivência"
individual, mas sim com a capacidade de reprodução da
força de trabalho numa perspectiva de desenvolvimento económico,
portanto com mais e melhor formação e saúde, em suma,
condições de existência.
Pode também dizer-se que o capitalista paga o imposto sobre o
rendimento. Falso. O grande capital e a finança têm à sua
disposição todos os meios legais e ilegais necessários
para a fuga aos impostos, transferência de rendimentos para
paraísos fiscais, transformar rendimentos em ganhos de capital, muito
menos tributados.
Recorde-se aliás, que o senhor feudal tinha de manter a seu cargo um
corpo armado à disposição do poder central e incumbia-lhe
a administração do território, etc. Neste aspeto o grande
capital monopolista e financeiro é de natureza não menos
parasitária que o senhor feudal: recebe todo o suporte
financeiro, legal, repressivo do Estado, mas não está
disposto a paga-lo.
Eis o modelo de sociedade neoliberal/neofascista: uma força de trabalho
traída e a ganância matando a economia, uma sociedade em que o
processo de ascensão social e oportunidades foi liquidado (Paul Craig
Roberts). Ou, segundo o próprio Joseph Stiglitz, uma sociedade em que o
preço da desigualdade representa o fim do mito da oportunidade.
[2]
2 O IRC e as "políticas de incentivos"
Em abril o governo fez uma encenação prometendo
"investimento e emprego", baseado em coisa nenhuma. Curiosamente os
protagonistas destes pré-anunciados êxitos, Vítor Gaspar e
Álvaro Santos Pereira, acabaram por sair do governo! Agora sucede-se
outra manobra de manipulação: a descida do IRC em que o governo
não apresenta qualquer programa concreto e compromete-se com metas para
além do seu mandato. É o seu estilo.
Num contexto em que mensalmente fecham centenas MPME por falta de procura e por
um sistema financeiro dedicado à especulação, o governo
apregoa a descida do IRC: mais uma benesse em que os grandes
beneficiários são o capital monopolista e financeiro.
Como consequência das múltiplas deduções no
rendimento e de variadíssimos benefícios fiscais que gozam as
grandes empresas em Portugal,
em 2008 o IRC efetivamente cobrado representou 19,6% do lucro
contabilístico, em 2009 15%, em 2010 apenas 8,6%.
[3]
Como não recordar as promessas de "incentivos ao crescimento e ao
emprego", para as sucessivas revisões do código laboral, a
cujas "boas intenções" a UGT deu sempre o aval,
fragilizando cada vez mais a situação dos trabalhadores perante o
poder patronal. Desemprego, depressão económica,
desindustrialização, foi o que se obteve.
Com estas políticas entre 2005 e 2013 a redução na FBCF
atingirá mais de 38%, com uma redução de 33,5% até
2012. Em 1999, a FBCF representava 27,3% do PIB, em 2012 tinha descido para
15,9%. Quanto ao investimento público passou no mesmo período de
4,1% para 1,6% do PIB.
Enquanto trabalhadores altamente qualificados emigram, o país
transforma-se numa economia terceiro-mundista, à míngua de
investimento estrangeiro, porque o Estado está como uma qualquer
colónia impedido de conduzir uma política económica e
financeira autónoma, mero fornecedor de mão-de-obra barata, e o
grande capital monopolista e financeiro contabiliza os seus resultados em
paraísos fiscais.
Quanto às maravilhas do investimento estrangeiro, repetidamente
propagandeado como sem alternativa, recordem-se os casos de
aquisições de ativos existentes (que o governo assume como
"investimento") a serem encerrados na primeira oportunidade (como o
escandaloso caso da ex-Sorefame, da ex-Covina, do eventual encerramento da SN
para além de tudo o que já deixou de funcionar) ou investimentos
"beduínos" (por ex. na indústria automóvel e
eletrónica) que facilmente se deslocalizam, apesar de todas as benesses
recebidas do Estado.
Uma outra modalidade é a sobre-exploração por via das
subcontratações, uma forma de troca desigual, com o expediente da
subfacturação do exportado, sobrefacturação dos
componentes importados. De facto, nas subcontratações feitas
pelas transnacionais,
"embora a montagem dos equipamentos seja das mais importantes fases do
processo produtivo, corresponde apenas a cerca de 2% do valor acrescentado do
produto"
[4]
Porém, os dogmas neoliberais não permitem o planeamento por parte
do Estado, (este é realizado pelo sector monopolista e financeiro) as
políticas públicas permitidas são as que se enquadrem nos
esquemas de "incentivos".
Na realidade, a política de "incentivos" é uma
solução mais que fracassada. Consideremos o caso dos EUA. "
Em 2009, (
) o governo gastou 3 milhões de milhões de
dólares para uma pequena recuperação avaliada em 3% do
PIB, cerca de 400 mil milhões de dólares em crescimento
económico. Pois bem, gastar 3 milhões de milhões de
dólares para obter 400 mil milhões é um péssimo
negócio."
[5]
Política que aliás é prosseguida, sem qualquer
eficácia.
Note-se ainda que no recente período de (débil)
recuperação económica dos EUA, 93% dos ganhos beneficiaram
apenas 1% dos mais ricos.
[6]
O próprio FMI contrariando tudo o que tem promovido, reconhece num
estudo que favorecer o crescimento e reduzir as desigualdades são duas
faces da mesma moeda.
3 - AFINAL O "ALMOÇO GRÁTIS" EXISTE
Com as políticas de "incentivos" aos capitalistas, afinal o
"almoço grátis" existe. É o
"free lunch"
à custa da classe trabalhadora: os "incentivos" representam a
mais-valia absorvida pelo Estado que não lhes é devolvida em
prestações sociais, mas reverte para o grande capital. Em resumo,
estes "incentivos" traduzem-se no aumento da taxa de
exploração.
A redução de custos das empresas não está a ser
feita pelo desenvolvimento tecnológico, mas pela redução
dos "custos salariais", redução de impostos, aumento de
deduções e benefícios fiscais. A produtividade (neste caso
dita aparente) é promovida pelo aumento do número de horas de
trabalho, que além disto não é pago.
As privatizações de empresas e serviços públicos
são outra forma de criar "almoços grátis", as
famosas "rendas excessivas" pagas pelos consumidores e utentes, isto
é, direta e indiretamente por toda a economia.
Há banqueiros que cometem ilegalidades? Há. Há
capitalistas que recebem rendas "excessivas" do Estado por via de
entidades reguladoras ao seu serviço, da privatização de
serviços públicos, de contratos de PPP e de SWAP, fruto da
incompetência e possivelmente da corrupção? Há. Que
faz o governo? Dá-lhes "incentivos". Pega no dinheiro dos
trabalhadores e compensa-os, cobre prejuízos, deixa ativos de fora, paga
rendas. Tudo com a falácia dos "incentivos" ao
"crescimento e à criação de emprego". Os
resultados estão á vista.
Perante a gravíssima crise económica e social que o país
atravessa, limitar e tributar a transferência de lucros e rendimentos,
nem sequer é equacionado. Seria "traumatizar os mercados", foi
dito. A simples hipótese do povo poder escolher as políticas a
seguir instalaria "nervosismo nos mercados" (Durão Barroso).
Assim funciona a política neoliberal, "
a da degeneração financeira, parasitária do capitalismo
keynesiano"
(Jorge Beinstein).
Resgates financeiros, incentivos, eliminação de direitos laborais
e das funções sociais do Estado, são, no capitalismo senil
rentista, em crise e decadência, a forma de
"dotar a elite financeira do poder de dominar o século XXI"
(Michael Hudson).
Porém que investimento? Os problemas de estrutura económica
não são reconhecidos, o sistema assume como
"criação de riqueza" a especulação em
bolsa ou imobiliária, não fazendo distinção entre
atividades produtivas e improdutivas.
O necessário equilíbrio entre a produção de bens de
consumo e de investimento, entre o transacionável e não
transacionável, não é possível ser realizado pelos
mecanismos de mercado, apenas pelo planeamento económico
democrático, tendo em conta custos e benefícios sociais e a
criação de uma estrutura produtiva equilibrada reduzindo
vulnerabilidades e dependências nos diversos sectores, com o
máximo aproveitamento dos recursos nacionais.
A chamada "economia pós-industrial" não foi mais que a
economia da servidão pela dívida. O abandono do projeto
constitucional foi também a derrota dos sectores produtivos e das MPME,
a vitória do rentismo monopolista e financeiro. São estes
sectores que obtêm "almoços grátis" devido ao
desvio da riqueza criada pelos trabalhadores e sectores não
monopolistas. A solução está, como acentuaram Marx e
Engels em "expropriar os expropriadores" da riqueza coletiva nacional.
1- Ver "A falácia dos "cortes na despesa", Vaz de
Carvalho, 24/Maio/2013
resistir.info/portugal/falacia_dos_cortes.html
;
Capitalismo: um sistema esgotado e sem soluções, Vaz de
Carvalho, 06/Mai/13
www.odiario.info/?p=2855
2- "A Workforce Betrayed - Watching Greed Murder the Economy",
Paul Craig Roberts July 10, 2008,
www.informationclearinghouse.info/article20259.htm
;
The Price of Inequality and the Myth of Opportunity, Joseph Stiglitz,
www.project-syndicate.org/commentary/the-price-of-inequality
3- O falso dilema de Vitor Gaspar, Eugénio Rosa,
resistir.info/e_rosa/falso_dilema_26jan13.html
4- European Competitiveness Report 2010 European Commission Brussels,
28/10/2010, p. 80, 81
5- Um roubo de US$16 milhões de milhões, Atilio A. Boron,
resistir.info/eua/boron_02ago11.html
6- Back to Recession, Mike Whitney,
www.counterpunch.org/2013/04/26/back-to-recession/
[*]
Engenheiro.
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