A falácia dos "cortes na despesa"
1 GUERRA TOTAL CONTRA OS POVOS
Num recente debate parlamentar quinzenal, a intervenção final do
primeiro-ministro recebeu um entusiástico aplauso levantando as bancadas
governamentais. Terá sido uma das mais patéticas cenas do
Parlamento: um governo que leva o país ao descalabro económico e
social, que soma derrotas em todos os objetivos e "desafios" que se
propõe, refugia-se num discurso desconectado da realidade, pautado por
meras ilusões e os seus deputados aplaudem freneticamente a continuidade
e o agravamento das mesmas políticas.
É uma cena que traz à memória um divulgado discurso do
nazi Goebels no palácio dos congressos em Berlim. Perante a derrocada
eminente, Goebels interpelava a assistência se apoiava a guerra total,
"der totaller Krieg", que o Reich iria desencadear. Os
frenéticos aplausos, e toda a massiva propaganda, não evitaram a
clamorosa derrota.
A Europa, isto é a UE, mergulha numa guerra total contra os povos e seus
direitos, comandada pela Alemanha, de novo a "gross Deutchland",
graças ao euro e aos mitos de uma bondade federalista trazida por
iníquos e antidemocráticos tratados europeus, anexando
economicamente os países do Leste, colonizando os do Sul, com a
França esquecida de si própria a afundar-se nesta vertigem.
O sistema oligárquico que domina a UE, está a destruir as
nações, a estagnação económica passou a
recessão, a pobreza, a exclusão social, o desemprego não
cessam de aumentar, como as estatísticas do Eurostat indicam. Portugal
é arrastado para um processo de decadência, em que a
manutenção do sistema é oposta às necessidades
humanas e sociais do país.
Os sucessivos e clamorosos erros do ministro das finanças, antes
propagandeado como especialista de superior gabarito dentro da sua área
ideológica, ou resultam de incompetência ou resvalam para o campo
da mentira calculada. Talvez as duas coisas. De certeza a incapacidade de
compreender a realidade, obnubilada pelos preconceitos do fundamentalismo
neoliberal.
O país entra na depressão sem vislumbre de sair dela com estas
políticas. O desemprego acelera, a juventude emigra. Tal como no tempo
da ditadura fascista fugia da pobreza e da guerra colonial, hoje foge da
pobreza e da guerra social a que o governo PSD CDS conduziu o
país.
Perante esta situação os acólitos da teologia neoliberal
ao serviço da oligarquia vêm de novo, a propósito do
"pós-troika", com o discurso das "inevitabilidades":
a austeridade é para prosseguir. Porém o significado de
prosseguir a austeridade não é outro senão o do seu
agravamento.
Não entendem que a única riqueza real é a criada pela
força de trabalho e note-se pela forma como esta é
remunerada.
2 O "ESTADO SOCIAL" DEVE SER DESTRUÍDO
"Carthaginem esse delendam"
(Cartago deve ser destruída), clamava Catão, o Censor, na Roma
da antiguidade.
[1]
Para Catão a prosperidade e o poder de Roma dependiam da
aniquilação de Cartago. Agora a prosperidade e o poder do sistema
oligárquico dependem do aniquilamento das funções sociais
e económicas do Estado: cortar despesas, reduzir funções
sociais e económicas, privatizar.
Comentadores insistem em mais cortes. Diz o sr. Medina Carreira apoiado
pelos companheiros de programa que cortar 4 000 milhões de euros
não chega, é preciso cortar mais 10 000 milhões,
além dos outros 10 000 que já se cortou.
[2]
No mesmo espaço, o sr. Nogueira Leite considerava que basta saber fazer
as contas que qualquer dona de casa ou criança do 4º ano conhecem,
para se concluir no mesmo sentido.
É de facto ideia recorrente da
ecolalia
do sistema oligárquico e neoliberal, que um país deve ser
governado como uma dona de casa o faria. Se assim fosse em vez de
Finanças Públicas, bastava ensinar "economia
doméstica". Tal não tem pés nem cabeça, mas
faz parte do arsenal propagandístico e alienatório do sistema
vigente.
Mas tudo isto, é uma maneira de fugir à questão dos
critérios da fiscalidade, da repartição de rendimentos e
desigualdades (Portugal o país mais desigual da UE), das
diferenças entre o PIB e o RNB, das proporções entre
investimento e consumo, e enfim, do planeamento económico, dever
indeclinável do Estado, que o neoliberalismo recusa, para o entregar aos
oligopólios e transnacionais, com a consequente tragédia que se
vive.
O neoliberalismo retomou de forma fundamentalista as teses liberais
clássicas e neoclássicas, baseando-se num postulado fundamental:
para a sociedade atingir a máxima eficiência na
utilização dos recursos, o Estado deverá interferir o
menos possível na gestão económica.
A dogmática neoliberal inscreveu as despesas do Estado no seu
índex. Há no entanto a "boa" despesa neste catecismo: o
que se destina a salvar bancos mal geridos ou fraudulentos; o que se destina a
criar rendas monopolistas pela privatização dos serviços
públicos e lucrativas indústrias básicas e
estratégicas.
Neste contexto, de especulação e monopólios, roubo do
Estado isto é, dos cidadãos que os paraísos
fiscais proporcionam, as funções sociais do Estado passaram a
pecado capital e responsáveis pelos desastres que o sistema
oligárquico e especulador originou.
É não entender o que representam as despesas do Estado.
Recordemos então umas contas, (ao nível do 4º ano
)
acerca do PIB:
PIB = Consumo + Investimento + Despesas do Estado + Exportações
Importações
A falácia neoliberal diz então: quanto maiores as despesas do
Estado, menor o investimento e o consumo. Evidente? Não, falso.
As Despesa do Estado (D), são: D = despesas públicas +
prestações sociais
Em última análise D = Consumo público+ Investimento
público + Prestações sociais
As prestações sociais representam consumo e investimento, ou
seja, D reduz-se evidentemente às outras grandezas. Contudo:
D = impostos + rendimento de capital + financiamento do défice
serviço de dívida
Por aqui também se percebe, como a "livre" transferência
de capitais e rendimentos para paraísos fiscais, juros usurários
à medida da especulação fomentada pelo BCE, uma
fiscalidade laxista para a finança e o grande capital,
privatizações de sectores lucrativos, levariam os países
ao desastre.
As consequências dos "cortes na despesa" os
"ajustamentos estruturais" vendidos à opinião
pública como fatores necessários ao "crescimento e ao
emprego" (!) são totalmente desmentidos até por contas para
que as crianças do 4º podem entender.
O défice é calculado pela seguinte relação: d = D
R / PIB (R Receitas do Estado)
Então se D diminuir não diminui d? Falso. Ao cortar em D estou a
reduzir PIB e R.
Eis porque a austeridade não funcionou em parte alguma do globo, teve e
tem apenas um objetivo: emagrecer o Estado para engordar a oligarquia
financeira e monopolista, como provam os sempre crescentes rendimentos dos mais
ricos, documentados pela Forbes, e por exemplo na Visão, no que respeita
aos executivos de topo nacionais.
[3]
Posto isto há que distinguir entre "cortes na despesa" e
"redução de custos". A redução de custos
é um fator decisivo para a melhoria dos processos e desempenho,
permitindo concretizar plenamente as funções do Estado previstas
na Constituição, de forma mais eficaz e mais eficiente. Baseia-se
em processos de avaliação rigorosos de todos os fatores do
desempenho, com metodologias próprias como a Análise de Valor, a
Análise de Funções e vários outros métodos
da Gestão da Qualidade, implicando a participação dos
trabalhadores. o seu interesse moral e material
Os cortes na despesa não são nada disto. Não resultam de
estudos prévios ligados ao funcionamento dos organismos, são
decisões arbitrárias impostas do exterior, por gente com
cérebros formatados na ideologia neoliberal.
3 OUTRA FALÁCIA: CORTES NA DESPESA VERSUS AUMENTO DE IMPOSTOS
Só é possível qualificar como hipocrisia política -
ou ignorância - contrapor cortes na despesa a aumento de impostos. Os
"cortes na despesa" são o eufemismo para impostos indiretos (a
redução das prestações sociais), desemprego,
eliminar direitos laborais, redução de salários e
pensões, sobre as camadas trabalhadoras. Por isso, apenas há
diferenças entre "aumento de impostos" e "cortes na
despesa" para a camada oligárquica e os que vivem na sua
órbita.
A austeridade é já um procedimento desacreditado em que a UE
insiste acabando por se tornar risível aos olhos do mundo.
Mesmo um jornal de direita como o
Washington Post
escrevia num recente editorial: "Não há basicamente
evidência que os rápidos programas de austeridade ou os que
são tomados durante quebras económicas sejam úteis para a
redução do peso da dívida. É muito claro que
são prejudiciais para o crescimento. (
) Atualmente a austeridade
é a prescrição errada para as economias
avançadas"
[4]
Para justificar os "cortes na despesa" são exibidos
gráficos comparando o aumento da despesa e do PIB, ao longo dos anos,
para se concluir pelo agravamento da austeridade e pelo corte de 10 000
milhões.
[2]
Claro que quando se retiram dados dos seus contextos as conclusões
são as que se quiserem. O que é estranho é perante os tais
gráficos não se questionar o modelo económico
responsável pela estagnação económica de mais de
uma década.
"Ter as despesas do Estado de há 15 anos com que
população? Com que competências? Há 15 anos
não estávamos metidos nesse "cancro que corrói a
Europa" que é o euro, no dizer de Jacques Sapir, havia menos 500
mil pensionistas e menos 800 mil desempregados, na base dos números
oficiais."
[5]
Note-se que o nível de despesa pública social em Portugal mesmo
em 2011 era inferior à média da UE.
Gastos em proteção social e saúde em percentagem do PIB
(2011) UE 26,9 %; Zona Euro 27,6%; Portugal 24,9%. Sendo o
PIB nacional muito inferior ao destes países as prestações
sociais em valor tornam-se ainda mais reduzidas. Assim os gastos em
saúde e proteção social por habitante eram em média
na UE 6 766 , na zona euro 7 888 , em Portugal 4 007.
[6]
Imagine-se agora o nível de descalabro social a que se chegará
com os cortes que sob a batuta da troika (e da Alemanha) o governo prepara
forem concretizados.
A Comunicação social controlada retirou do espaço
público a simples discussão de propostas para o equilíbrio
das contas nacionais várias vezes apresentadas na AR pela esquerda
consequente ou as alternativas propostas pela CGTP
[7]
.
Sem reduzir o rendimento dos trabalhadores, pensionistas, MPME, apenas atuando
sobre grande capital e finança até agora poupados, seria
possível um aumento da receita de 10 198 milhões de euros, e uma
redução da despesa de 10 373 milhões de euros.
O que nos leva ao início: a falácia dos "cortes na
despesa" da austeridade são a expressão de uma guerra total
contra os povos e os seus direitos.
Notas
1- Ceterum censeo Carthaginem esse delendam. "Por outro lado, opino que
Cartago deve ser destruída". Finalmente: "Delenda est Carthago
2- TVI, programa "Olhos nos Olhos".
3-
Forbes:
http://www.forbes.com/billionaires/
.
Visão:
11/abril e 09/maio/2013
4 - From Spring Swoon to the Big Crash. Back to Recession, Mike Whitney,
http://www.counterpunch.org/2013/04/26/back-to-recession/
5- Capitalismo: Um sistema esgotado e sem soluções, Vaz de
Carvalho, 06/Mai/13,
http://www.odiario.info/?p=2855
6 - Eurostat Statistics in Focus 9/2013)
7-
www.cgtp.pt/...
[*]
Engenheiro.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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