O falso dilema de Vitor Gaspar
"Menos saúde, educação e segurança
social ou mais impostos"?
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![]() O dilema de Vítor Gaspar, repetido por ele e por todo o governo, e papagueado nos media pelos seus defensores, de " Menos saúde, educação, e segurança social, ou mais impostos ", tem a mesmo credibilidade que as previsões do governo e da "troika" que sempre falham, ou seja, não tem fundamento real nem credibilidade técnica. É mais uma mentira ideológica que tem como objetivo a manipulação da opinião pública para o governo e o FMI poderem mais facilmente destruir os sistemas públicos de educação, saúde e segurança sociais fundamentais para os portugueses, pois a sustentabilidade financeira das funções sociais do Estado não depende apenas da sua dimensão como pretendem fazer crer, mas fundamentalmente de outros fatores como vamos mostrar. A "espiral recessiva", de que falou Cavaco Silva, causada pela politica de austeridade tem determinado uma diminuição enorme das receitas fiscais do Estado e das contribuições para a Segurança Social agravando as suas dificuldades financeiras, e pondo em causa a sustentabilidade financeira das funções sociais do Estado. Entre 2011 e 2012, segundo o Ministério das Finanças, as receitas fiscais do Estado e as contribuições para a Segurança Social diminuíram em 3.001 milhões . Em relação ao OE-2012 inicial do governo a quebra é de 3.833,6 milhões , um valor praticamente igual àquele que o FMI e governo pretendem agora cortar o que mostra, por um lado, que se existisse crescimento económico tais cortes não se colocavam e, por outro lado, a ignorância deste governo em relação à forma como funciona a economia e a sociedade portuguesa. Este enorme erro de previsão está associado a outros com consequências dramáticas para os portugueses. A divida pública não para de aumentar tendo atingido, em Dez/2012, 124% do PIB, e os juros dela 6.843 milhões em 2012. Como consequência da política de destruição da economia, a despesa com o subsidio de desemprego aumentou para 2.593 milhões em 2012. É esta situação, provocada por uma politica irresponsável e destruidora, que põe verdadeiramente em causa a sustentabilidade financeira das funções sociais do Estado. No entanto, a criação de uma situação financeira insustentável para as funções sociais do Estado não é feita apenas desta forma. Ela também resulta de perda de enormes receitas fiscais pelo Estado. Como consequências das múltiplas deduções no rendimento e de variadíssimos benefícios fiscais de que gozam nomeadamente as grandes empresas em Portugal, o lucro dado pela contabilidade (lucro contabilístico) declarado à Administração Tributária pelas empresas foi, em 2008, de 30.213 milhões , mas o lucro sujeito a IRC foi apenas 17.594 milhões (58,2% do total); em 2009, o lucro contabilístico atingiu 30.232 milhões , mas o lucro sujeito a IRC foi apenas de 16.893 milhões (55,7% do total); e finalmente em 2010, último ano em que foram divulgados dados, o lucro total dado pela contabilidade atingiu 49.855 milhões , mas o lucro sujeito a imposto foi apenas 15.150 milhões (30,4% do total). Se calcularmos a percentagem que o IRC cobrado em cada um daqueles anos representa do lucro obtido pela contabilidade obtém-se as seguintes taxas efetivas de IRC: 2008: 19,6%; 2009: 15%; 2010: 8,6%. O Estado arrecadou nos três anos (2008/2010) 14.764 milhões de IRC, mas se tivesse aplicado a taxa legal de IRC (25%) sobre o lucro contabilístico teria obtido 27.598 milhões de receita, ou seja, mais 86,9%. A agravar esta situação de perda de receita, há ainda a acrescentar os rendimentos transferidos para o estrangeiro que não pagam impostos em Portugal, causando elevados défices na balança de rendimentos de Portugal que não têm diminuído desde a tomada de posse deste governo e a intervenção da "troika". No período 2000-Nov/2012, o saldo negativo acumulado da balança de rendimentos atingiu 71.178 milhões (o governo gaba-se da redução do défice da balança comercial, mas ignora e esconde este que é mais grave). Este gigantesco défice resulta de transferências maciças de rendimentos (riqueza criada em Portugal) para o estrangeiro. Só neste período (2000-Nov/2012) foram transferidos para o exterior 175.398 milhões de rendimentos que tiveram como origem investimentos diretos em empresas, aplicações em ações e outras de natureza financeira (lucros, juros, mais-valias, etc.) que não pagaram qualquer imposto em Portugal, o que agravou a situação financeira do Estado e das suas funções sociais. E isto acontece porque a lei fiscal portuguesa continua a isentar esses rendimentos do pagamento de impostos no nosso país, apesar de serem gerados no nosso país, como se prova através de normas do Código do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais que se analisam à frente. Qualquer português paga 28% de imposto em tais rendimentos mas aqueles "senhores" não pagam nada. E o governo e o FMI pretendem baixar o IRC. A eliminação destas injustiças, aumentaria a justiça fiscal, e contribuiria para garantir as funções sociais. Um dado para reflexão. Segundo o Eurostat, a divida pública portuguesa atingiu, em Set/2012, o gigantesco valor de 201.003 milhões . Se Portugal tivesse de pagar por ela uma taxa de juro de 4,891%, os encargos só com juros atingiriam 9.831 milhões por ano, o que seria insustentável para o país (seria muito superior ao que o Estado gasta com o SNS ou com a educação). Mas o governo e os seus defensores nos media, procurando manipular a opinião pública, dizem que foi um êxito a emissão de mais 2.500 milhões de divida com tal taxa. Para os grupos financeiros uma taxa de 5% é um negócio altamente lucrativo (daí a procura exceder a oferta) quando a taxa paga pela Alemanha é entre 0% e 1% . |
Mas analisemos as questões anteriores com mais pormenor utilizando para
as fundamentar dados oficiais e as normas da lei fiscal portuguesa.
AS DIFICULDADES NO FINANCIAMENTO DAS FUNÇÕES SOCIAIS CAUSADAS
PELA POLITICA RECESSIVA QUE ESTÁ A DESTRUIR A ECONOMIA E OS ENORMES
ERROS DE PREVISÃO DE VITOR GASPAR
A capacidade do Estado para financiar as suas funções sociais
depende do crescimento económico. Uma politica, como aquela que
está a ser imposta ao país pela "troika" e pelo
governo, que provoca a recessão económica e a
destruição da economia, põe inevitavelmente em causa o
financiamento do próprio Estado, e das funções que este
tem de desempenhar. Alguns dados oficiais tornarão mais clara esta
relação entre a economia e capacidade de financiamento do Estado.
O quadro 1 mostra o que tem acontecido com as receitas fiscais do Estado e com
as contribuições da Segurança Social como
consequência da recessão económica causada pela politica de
austeridade violenta.
Quadro 1- Receitas fiscais do Estado e contribuições recebidas
pela Segurança Social e aumento das despesas com juros e desemprego no
período de Janeiro a Dezembro de 2011 e 2012 (Milhões euros)
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ESTADO | |||
Receitas fiscais | 34.359 | 32.025 | -2.334 |
Impostos diretos | 15.047 | 13.625 | -1.422 |
Impostos indiretos | 19.312 | 18.401 | -912 |
Despesas com pessoal | 10.294 | 8.432 | -1.862 |
Juros e outros encargos | 6.039 | 6.874 | 835 |
SEGURANÇA SOCIAL | |||
Contribuições e quotizações | 13.746,3 | 13.074,3 | -672,0 |
Pensões (*) | 14.448,7 | 14.428,6 | -20,1 |
Subsídio desemprego e apoio ao emprego | 2.103,8 | 2.593,0 | 489,2 |
Segundo o INE, a
"Procura Interna",
em termos reais, diminuiu, entre 2010 e 2012, em 11,5% (menos 15.246,3
milhões ) só considerando os três primeiros
trimestres de cada ano, o que teve como consequência uma
redução importante da atividade económica traduzida,
nomeadamente, na falência de milhares de empresas e no disparar do
desemprego. Tal facto causou uma quebra enorme nas receitas fiscais do Estado e
nas contribuições para a segurança social. Como mostra o
quadro 1, entre 2011 e 2012, segundo a "Execução
orçamental de Jan.2013" da DGO do Ministério das
Finanças, as receitas fiscais do Estado e as contribuições
para a Segurança Social diminuíram em 3.001 milhões
. Em relação ao OE-2012 inicial do governo a quebra
é de 3.833,6 milhões , ou seja, um valor quase igual
àquele que o governo e o FMI pretendem cortar. No entanto, são
estas previsões erradas que têm servido para justificar a politica
de austeridade violenta que está a destruir a economia e a sociedade
portuguesa. Este enorme erro está associado a outros com
consequências dramáticas para os portugueses. A divida
pública aumentou significativamente tendo atingido 124% do PIB (207.703
milhões ) em Dez/2012, e os juros e outros encargos com ela
atingiram 6.843 milhões em 2012. Como consequência da
politica de destruição da economia, a despesa com o subsidio de
desemprego aumentou para 2.593 milhões em 2012, ou seja, mais 489
milhões do que 2011).
Esta situação financeira grave do Estado e da Segurança
Social, causada pela politica recessiva, tem também sido utilizada pelo
governo para fazer cortes significativos nos rendimentos dos trabalhadores da
Função Pública e dos pensionistas como os dados do quadro
1 mostram. Portanto, a "troika" e o governo utilizam a
situação, criada por eles próprios, para vir agora dizer
que é necessário "menos saúde,
educação, e segurança social" pública.
É este o falso dilema de Vítor Gaspar. Mas a
criação de uma situação financeira
insustentável para as funções sociais do Estado não
é feita apenas desta forma. Ela também resulta dos elevados
benefícios e deduções nos lucros concedidos a grandes
empresas que fazem o Estado perder enormes valores de receita, que o governo e
FMI, como consta do relatório da 6ª avaliação da
"troika", querem aumentar com a intenção de transformar
Portugal num paraíso fiscal para as grandes empresas, reduzindo ainda
mais os impostos que incidem sobre elas, e compensando a perda das receitas com
um aumento dos impostos que incidem sobre as famílias (IVA e outros).
PORTUGAL É JÁ UM PARAISO FISCAL PARA AS GRANDES EMPRESAS, MAS O
GOVERNO PRETENDE REDUZIR AINDA MAIS O IRC, SUBSTITUINDO POR IMPOSTOS SOBRE OS
PORTUGUESES
Portugal é um país onde as grandes empresas, contrariamente ao
que acontece com a esmagadora maioria dos portugueses, cujos benefícios
que tinham estão a sofrer grandes cortes, como sucedeu com as despesas
de saúde e com as despesas do crédito à
habitação, e com as PMEs; repetindo, em Portugal as grandes
empresas gozam de múltiplos e generosos benefícios fiscais e
deduções nos lucros que reduzem o valor que é sujeito a
imposto, o que determina que as taxas legais de IRC e de derrama estadual se
reduzam para menos de metade, determinando que o Estado perca elevado volume
receitas como mostra o quadro 2, construído com os dados mais recentes
divulgados pela Autoridade Tributária e Aduaneira do Ministério
das Finanças
Quadro 2 Lucro contabilístico e lucro sujeito a IRC
(matéria colectável) 2008/2010
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1- Resultado liquido positivo do exercício (Lucro contabilístico) | 30.213 | 30.323 | 49.855 |
2- Matéria colectável não isenta sujeita a IRC (Lucro sujeito a imposto) | 17.594 | 16.893 | 15.150 |
3- Lucro não considerado para efeitos de pagamento de IRC (1-2) | 12.619 | 13.430 | 34.705 |
4- IRC cobrado | 5.927 | 4.540 | 4.297 |
5- % que IRC cobrado representa do lucro contabilístico (4:1) | 19,6% | 15,0% | 8,6% |
6- RECEITAS QUE O ESTADO OBTERIA SE COBRASSE A TAXA LEGAL DE 25% SOBRE O LUCRO CONTABILISTICO | 7.553 | 7.581 | 12.464 |
Como consequência das múltiplas deduções no
rendimento e de variadíssimos benefícios fiscais que gozam
nomeadamente as grandes empresas em Portugal, o lucro dado pela contabilidade
(lucro contabilístico) declarado à Administração
Tributária pelas empresas foi, em 2008, de 30.213 milhões ,
mas o lucro sujeito a IRC foi apenas 17.594 milhões (58,2% do
total); em 2009, o lucro contabilístico atingiu 30.232 milhões
, mas o lucro sujeito a IRC foi apenas de 16.893 milhões
(55,7% do total); e finalmente, em 2010 último ano em que foram
divulgados dados, o lucro total dado pelo contabilidade atingiu 49.855
milhões , mas o lucro sujeito a imposto foi somente de 15.150
milhões (30,4% do total): Se calcularmos a percentagem que o IRC
cobrado em cada um daqueles anos representa do lucro obtido pela contabilidade
obtém-se as seguintes taxas efetivas de IRC: 2008: 19,6%; 2009: 15%;
2010: 8,6%. O Estado arrecadou nos três anos (2008/2010) 14.764
milhões de IRC, mas se tivesse aplicado a taxa legal de IRC (25%)
sobre o lucro contabilístico teria obtido 27.598 milhões
de receita, ou seja, mais 86,9%. E isto sem contar com a derrama estadual que
varia entre 3% (lucro tributável até 7,5 milhões , e
5% para superior).
Apesar destas taxas efetivas serem extremamente baixas o governo e o FMI
pretendem reduzi-las ainda mais. É evidente que a concretizar-se
determinaria que o Estado perdesse maior volume de receitas, o que agravaria
ainda mais a sua situação financeira, tornando mais
insustentável a situação das funções sociais
do Estado. E a justificação falsa que apresentam é que
assim atrair-se-ia investimento estrangeiro o que levaria à
recuperação económica. Mas continuemos a análise.
PORTUGAL CONTINUA A TER UMA BALANÇA DE RENDIMENTOS ALTAMENTE
DEFICITÁRIA, PORQUE AS SAÍDAS DE RENDIMENTOS, QUE NÃO
PAGAM IMPOSTOS, SÃO MUITO SUPERIORES ÀS ENTRADAS
O Estado perde um volume enorme de receitas não só devido
às elevadas deduções e aos generosos benefícios
fiscais que concede principalmente às grandes empresas, que reduz
significativamente o lucro sujeito a imposto (no período 2008/2010, em
média apenas 48,9% do lucro contabilístico pagou IRC), mas
também porque muitos rendimentos gerados em Portugal que são
transferidos para o estrangeiro, continuam a não pagar imposto no nosso
país. O quadro 2, com dados do Banco de Portugal, mostra a
dimensão dessa realidade
Quadro 2 Rendimentos que são transferidos para o estrangeiro e
não pagam impostos em Portugal
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Milhões |
Milhões |
Milhões |
Milhões |
2000 | -2.570 | 1.857 | 2.286 | 3.437 |
2001 | -3.875 | 2.156 | 2.593 | 5.178 |
2002 | -3.166 | 1.126 | 2.908 | 4.078 |
2003 | -2.307 | 1.882 | 2.629 | 3.445 |
2004 | -2.977 | 2.336 | 3.038 | 3.786 |
2005 | -3.880 | 3.488 | 3.337 | 4.201 |
2006 | -6.316 | 4.942 | 5.559 | 6.279 |
2007 | -7.035 | 4.608 | 6.391 | 8.291 |
2008 | -7.817 | 4.017 | 7.586 | 8.402 |
2009 | -8.728 | 5.778 | 7.680 | 3.186 |
2010 | -7.939 | 8.476 | 7.936 | 2.768 |
2011 | -8.496 | 5.908 | 7.742 | 4.058 |
2012 (até Nov) | -6.072 | 3.336 | 5.209 | 3.484 |
SOMA | -71.178 | 49.909 | 64.895 | 60.594 |
No período 2000/Nov.2012, o saldo negativo acumulado da Balança
de Rendimentos atingiu 71.178 milhões (o governo gaba-se da
redução do défice da balança comercial, mas ignora
e esconde este que não é menos grave).
Este gigantesco saldo negativo resulta da transferência maciça de
rendimentos (riqueza criada em Portugal) para o estrangeiro. Só no
período 2000-Nov/2012 foram transferidos para o estrangeiro 175.398
milhões de rendimentos que tiveram como origem investimentos
diretos em empresas, aplicações em ações e outras
de natureza financeira (lucros, juros, mais-valias, etc). Tudo isto, que
é omitido pelo governo e seus defensores nos media, contribui para o
agravamento da situação financeira do Estado e das suas
funções sociais pois a maior parte desta riqueza criada em
Portugal que foi para o exterior não pagou impostos no nosso
país. E isto porque a lei fiscal portuguesa continua a isentar esses
rendimentos do pagamento de impostos em Portugal, apesar de serem gerados no
nosso país, como seguidamente provamos transcrevendo normas do
Código do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais que se
aplicam.
Segundo o nº 3 do artº 14º do Código do IRC
"Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha diretamente uma participação no capital da primeira não inferior a 10 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante um ano".
Portanto, basta uma empresa de outro país da UE deter mais de 10% de uma empresa a operar em Portugal para que seja considerada sociedade-mãe, e para que os lucros desta correspondente à participação no seu capital daquela, estejam isentos de pagamento de IRC. E o nº1 do artº 27º do Estatuto dos Benefícios Fiscais dispõe que
"Ficam isentas de IRS e de IRC as mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, outros valores mobiliários, warrants autónomos emitidos por entidades residentes em território português e negociados em mercados regulamentados de bolsa e instrumentos financeiros derivados celebrados em mercados regulamentados de bolsa, por entidades ou pessoas singulares que não tenham domicílio em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual as mesmas sejam imputáveis".
Portanto todas as mais-valias obtidas por não-residentes (e isto inclui
sociedades constituídas por portugueses no estrangeiro, como todos os
grupos económicos a operar em Portugal possuem, que são exs.
Jerónimo Martins, Sonae, o grupo Amorim, etc) resultantes da
especulação bolsista estão isentas de pagamento de IRS e
de IRC. O artº 30º do mesmo Estatuto estabelece também que
"(1) Ficam isentos de IRC os juros decorrentes de empréstimos concedidos por instituições financeiras não residentes a instituições de crédito residentes, bem como os ganhos obtidos por aquelas instituições, decorrentes de operações de swap, efectuadas com instituições de crédito residentes, desde que esses juros ou ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado em território português; ( 2) Ficam igualmente isentos de IRC os ganhos obtidos por instituições financeiras não residentes, decorrentes de operações de swap, efectuadas com o Estado, actuando através do Instituto de Gestão do Crédito Público, desde que esses ganhos não sejam imputáveis a estabelecimento estável daquelas instituições situado no território português".
Portanto, os juros pagos pelo Estado português de empréstimos obtidos também não pagam impostos. Finalmente, de acordo com o nº2 do artº 32º do Estatuto de Benefícios Fiscais,
"As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".
Em resumo, a legislação fiscal portuguesa é um
autêntico maná para os grupos económicos e financeiros
nacionais e estrangeiros, pois a maior parte dos lucros que obtêm em
Portugal estão isentos do pagamento de impostos no nosso país, o
que não acontece com a maior parte dos portugueses e das PMEs. É
por esta razão que os grupos económicos "portugueses"
criam empresas em países que funcionam como autênticos
paraísos fiscais, como é caso da Irlanda e da Holanda, para onde
transferem os lucros obtidos da sua atividade em Portugal, para reduzirem ou
mesmo não pagarem impostos, criando assim uma situação de
insustentabilidade financeira ao Estado português, e pondo também
em causa a sustentabilidade financeira dos sistemas públicos de
saúde, educação e segurança Social em Portugal.
Tudo isto é necessário que seja alterado.
A eliminação de todas estas situações injustas, que
agravam ainda mais as enormes desigualdades existentes no país,
aumentaria a justiça fiscal, permitiria baixar a carga fiscal brutal que
incide nomeadamente sobre os trabalhadores e pensionistas, e contribuiria
certamente para a garantir a sustentabilidade financeira do Estado e,
consequentemente, das suas funções sociais.
A IRLANDA FOI TRANSFORMADA EM PARAISO FISCAL PARA AS EMPRESAS, E O SEU
DESENVOLVIMENTO É MAIS FICTÍCIO DO QUE REAL, POIS UMA PARTE
IMPORTANTE DA RIQUEZA CRIADA É TRANSFERIDA PARA O ESTRANGEIRO NÃO
BENEFICIANDO OS SEUS CIDADÃOS
Um dos argumentos mais utilizados pelo governo, pelo FMI e pelos defensores dos
grupos económicos é a necessidade, para poder haver crescimento
económico, dw o país ser competitivo fiscalmente. E dão
como exemplo o caso da Irlanda que tem uma taxa de IRC de 12,5%, e com base
nisso defendem que as taxas de impostos que incidem sobre as empresas em
Portugal devem ser reduzidas para aquele valor, pois o crescimento
económico apareceria como por milagre já que o investimento
estrangeiro multiplicar-se-ia. É mais uma ilusão perigosa de
natureza ideológica que visa a manipulação da
opinião pública porque, por um lado, não resolveria os
problemas estruturais da economia portuguesa aumentando ainda mais a sua
dependência externa e, por outro lado, agravaria ainda mais a
situação financeira do Estado. A prová-lo está a
situação de crise grave que enfrenta atualmente a Irlanda onde os
salários e pensões sofreram uma redução brutal, em
que a taxa de desemprego disparou (entre 2007 e Nov/2012, passou de 4,7% para
14,6%, ou seja, mais que triplicou), onde as condições de vida da
população se agravaram imenso, levando milhares de irlandeses a
emigrarem na busca de um emprego, tal como acontece em Portugal. Mas, para
além de tudo isto, o modelo de crescimento económico
irlandês tem determinado que uma parte crescente da riqueza criada
anualmente na Irlanda seja transferida para o estrangeiro, não
beneficiando os seus cidadãos como mostra o quadro 3 construído
com dados divulgados pelo Eurostat.
Quadro 3- % que o RNL (riqueza que fica no país) representa do PIB
(riqueza que é criada no país)
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Em % PIB |
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EU-27 | 86 | 85,9 | 85,8 | 86 | 86,4 | 86,5 | 86,3 | 85,8 | 85 | 85,3 | 85,3 | -14,7 | -0,7 | 100,0% |
Bélgica | 87,1 | 86,3 | 86,2 | 86,1 | 85,6 | 85 | 84,9 | 84,9 | 82,1 | 84,8 | 83,7 | -16,3 | -3,4 | 98,1% |
Dinamarca | 82,1 | 82,5 | 82,6 | 82,9 | 84,1 | 85,5 | 85 | 84,5 | 83,7 | 85,4 | 85,8 | -14,2 | 3,7 | 100,6% |
Alemanha | 84,2 | 84,1 | 83,8 | 84,4 | 86,1 | 86,4 | 87,2 | 86,4 | 86,7 | 86,8 | 86,8 | -13,2 | 2,6 | 101,8% |
Irlanda | 76,3 | 74,5 | 73,2 | 75,7 | 75,7 | 76 | 76,4 | 76,4 | 72,8 | 73,7 | 70,8 | -29,2 | -5,5 | 83,0% |
Espanha | 86,5 | 85,6 | 85,4 | 85,4 | 84,9 | 84,5 | 83,3 | 82,5 | 82,6 | 82,6 | 81,6 | -18,4 | -4,9 | 95,7% |
França | 89,6 | 89,3 | 88,5 | 88,8 | 89 | 89 | 88,9 | 88,3 | 87,9 | 88 | 87,9 | -12,1 | -1,7 | 103,0% |
Itália | 84,7 | 84,7 | 84,4 | 84,3 | 84,5 | 84,5 | 84,3 | 82,7 | 82,5 | 82,5 | 81,8 | -18,2 | -2,9 | 95,9% |
Holanda | 87,5 | 86 | 86 | 86,2 | 87,7 | 85,7 | 87,3 | 83,5 | 82,2 | 83,2 | 86,1 | -13,9 | -1,4 | 100,9% |
Áustria | 83,2 | 82,5 | 83,3 | 83,3 | 83,6 | 83,5 | 83,7 | 84,4 | 82,9 | 83,8 | 83,8 | -16,2 | 0,6 | 98,2% |
Portugal | 82,1 | 81,3 | 82 | 82,3 | 82,2 | 81,5 | 80,1 | 79,1 | 78,2 | 79 | 78,1 | -21,9 | -4,0 | 91,6% |
Finlândia | 83,8 | 84,4 | 84,9 | 83,9 | 85,4 | 84,8 | 84,7 | 84,5 | 84,6 | 85,3 | 84,7 | -15,3 | 0,9 | 99,3% |
Suécia | 86,5 | 86,1 | 86,4 | 88,5 | 87,6 | 88,3 | 90 | 90,5 | 87,8 | 88,9 | 89,6 | -10,4 | 3,1 | 105,0% |
Inglaterra | 88,2 | 88,9 | 89,8 | 90,2 | 90,2 | 90,7 | 90,3 | 91,6 | 89,8 | 89,7 | 90,3 | -9,7 | 2,1 | 105,9% |
Noruega | 85,1 | 86,2 | 86,1 | 86,7 | 87 | 88,2 | 87 | 86,8 | 85,9 | 86,9 | 86,2 | -13,8 | 1,1 | 101,1% |
Suíça | 88,7 | 85,4 | 83,9 | 88 | 88,1 | 90,7 | 83,1 | 75,6 | 83,7 | 87,9 | 84,7 | -15,3 | -4,0 | 99,3% |
Como revelam os dados do Eurostat do quadro 3, na UE a Irlanda é o
país que tem a mais elevada parcela da riqueza criada internamente
transferida para o estrangeiro. Em 2011, o RNL (Rendimento Nacional Liquido),
ou seja a riqueza que em cada ano fica no país, correspondeu apenas a
70% do PIB (riqueza criada anualmente no país), sendo muito inferior
à média comunitária que, no mesmo ano, era de 85,3%.
Depois da Irlanda, Portugal era já o país logo a seguir onde esse
valor era mais baixo pois, 2011, o RNL representava 78,1% do valor do PIB. Por
outro lado, se analisarmos um período mais longo (2000/2011),
concluímos que essa percentagem diminuiu a nível de todos os
países da EU-27 apenas em 0,7 pontos percentuais (p.p.), mas em Portugal
desceu 4 p.p., e na Irlanda 5,5 p.p.. Portanto, o modelo irlandês de
crescimento económico favorece fundamentalmente os grupos
económicos estrangeiros que se instalam no país, os quais se
apropriam de uma parte crescente da riqueza criada nele e depois transferem-na
para o estrangeiro não beneficiando os irlandeses.
Por outro lado o sistema fiscal irlandês, em conjugação com
o holandês, tem sido utilizado pelos grupos económicos
multinacionais para não pagarem impostos funcionado, por um lado, como
autênticos paraísos fiscais "legais" e, por outro lado,
como plataformas de isenção dos lucros, servindo para
descapitalizar os estados dos outros países. O exemplo da Google, que se
gaba de não pagar impostos, é paradigmático. E o esquema
utilizado é conhecido pelos "especialistas" do planeamento
fiscal para fugir ao pagamento de impostos como a "
sanduíche holandesa"
ou "
duplo irlandês
". Tal esquema permitiu à Google, segundo a
agência Bloomberg, não pagar em três anos (2008/2010)
impostos no valor de 2400 milhões , através de um
planeamento fiscal utilizando subsidiárias na Holanda, na Irlanda e nas
Bermudas. Para isso,
a Google, concentrou numa filial irlandesa a faturação da
publicidade vendida em países da UE, como Inglaterra e França.
Depois, esta mesma filial irlandesa paga royalties a outra filial irlandesa,
cuja sede para questões fiscais se localiza nas Bermudas, reduzindo a
matéria coletável na Irlanda onde já pagava uma taxa de
reduzida. Depois, os lucros assim reduzidos obtidos na Irlanda são
transferidos para uma empresa criada pela Google na Holanda, país este
que assinou inúmeros acordos de não tributação
até com paraísos fiscais, o que determina que os grupos
económicos acabem por não pagar quaisquer impostos quer na
Holanda quer depois no paraíso fiscal. São exemplos desta
natureza, que estão a facilitar o não pagamento de impostos pelas
grandes empresas multinacionais que o governo e o FMI pretendem que Portugal
copie o que, a concretizar-se, só poderá agravar as dificuldades
financeiras do Estado, e pôr em causa a sustentabilidade financeira das
funções sociais deste, e o agravamento das
condições de vida dos portugueses que serão obrigados
depois a pagar impostos para compensar o não pagamento pelos grandes
grupos económicos e financeiros.