Porque devemos sair do Euro,
um livro indispensável
Tive a sorte, ainda na minha adolescência, de conhecer, pela mão
do Jorge de Sena, o poema
Cena do ódio
, do Almada Negreiros.
Entre outras passagens do poema, nunca esqueci a seguinte:
Ó Horror! Os burgueses de Portugal
têm de pior que os outros
o serem portugueses!
[1]
Está claro que a passagem pouco esclarece para além de si mesma,
mas o certo é que ela se aviva na minha memória sempre que tento
perceber os motivos profundos pelos quais Portugal não atingiu, ou
atingiu mal e tardiamente, muitos desenvolvimentos
sócio-económicos logrados pela generalidade dos países da
Europa Ocidental na sequência da Revolução Industrial.
Isto, apesar da histórica abertura de Portugal ao Mundo, em força
desde o século XV, da implantação da Maçonaria
entre nós desde o fim do século XVIII, da chegada das ideias
socialistas (geração de 70) pouco depois da
publicação do
Manifesto Comunista
no século XIX.
Um exemplo, que me é pessoalmente caro: a indústria
siderúrgica, entendida modernamente, chegou com atraso da ordem de um
século a Portugal; pois bem, passadas quatro décadas após
o arranque (em 1961) do único alto-forno que explorámos, Portugal
viu reduzir a sua siderurgia ao tipo da dos chamados países
subdesenvolvidos, que iniciam logicamente a actividade industrial pela
adopção das produções industriais menos complexas.
Digamos que Portugal chegou tarde, e saiu cedo da siderurgia.
O exemplo da siderurgia é o que se vê, apesar de Ferreira Dias, o
então ministro da Economia de Salazar, ter afirmado décadas
atrás:
"País sem siderurgia, não é um país, é
uma horta".
Temos assim, por ora, uma siderurgia menor e, ao que vemos, sequer
tivemos a sorte de constituir uma horta (entenda-se, agricultura) que nos
pudesse alimentar capazmente.
João Ferreira do Amaral (JFA), em livro assaz resumido mas de leitura
instrutiva que acaba de lançar
[2]
, analisa muitos dos sérios
problemas económicos em que nos vêm mergulhando, em particular
desde a adesão ao Euro. Não é que JFA mitifique a economia
que tínhamos antes, o problema que coloca, e, a meu ver, muito bem,
é que o enquadramento criado pela integração de Portugal
na zona do Euro mesmo que não tivesse aparecido a chamada crise
financeira em 2007/2008 ter-nos-ia igualmente conduzido a uma crise
deste tipo (desmantelamento do aparelho produtivo, elevado desemprego).
O FEDERALISMO DOS ENDIVIDADOS...
JFA rejeita tanto a deriva neoliberal em curso como a suposta alternativa do
federalismo europeu. Desta via é cáustico ao ponto de comentar:
os
"nossos federalistas que se lembraram que o eram quando
começou a
ser preciso que alguém nos pagasse as dívidas"
(p.116).
Daí que proponha a saída do Euro como medida indispensável
à saída da crise em que estamos mergulhados.
Um aspecto importa realçar: JFA não resiste a criticar os
responsáveis pela condução da política e da
economia que nos levaram à integração na moeda
única, justamente porque invoca, e nisso não foi o único,
os alertas que emitiu atempadamente contra os elevados perigos para a economia
portuguesa que resultariam daquela opção. Mas, no fundo, e apesar
de agora apontar responsáveis dirigentes da política e economia,
é manifesto que a JFA terá custado a entender o motivo pelo qual,
não obstante se viver em regime dito democrático, as coisas
evoluíram como se sabe.
JFA denuncia e exprime o seu desencanto:
"Chamei frequentemente a atenção para o conceito de bens
transaccionáveis (
) e para o risco que estávamos a correr
com a redução do peso da produção desses bens no
total da economia. Repeti a mensagem vezes sem conta em
intervenções orais e escritas. Sem qualquer resultado.
Lamento dizer que fiquei desde essa altura com uma péssima
impressão das nossas elites, impressão que infelizmente tarda a
desvanecer-se. O espesso manto de iliteracia económica que as afecta
(mesmo de muitos supostos economistas), a suficiência bacoca e a total
ausência de sentido crítico que as caracteriza fazem certamente de
Portugal um dos países da Europa com piores elites".
(p.106).
Assim, uma vez mais, e da parte de pessoas que sequer se reivindicam do ideal
comunista, quando se atira para o aprofundamento das raízes dos nossos
problemas, aí temos a mesma ideia central: a burguesia portuguesa nem do
patriotismo de outras é capaz. Eis por que, sobre a tarefa de tratarmos
da saída do Euro, importa também avançar na
substituição da burguesia pelas classes trabalhadoras. Ponto
é que estas se compenetrem de que chegou a hora da sua
intervenção e que se libertem dos atávicos receios de
conquistar e exercer o poder ao mais alto nível. Portugal precisa delas.
Maio/2013/Lisboa
[1] Líricas Portuguesas (Antologia), Selecção,
Prefácio e Notas de Jorge de Sena, Portugália Editora, (1958),
Lisboa, p.111.
[2] Lisboa,
Editora Lua de Papel
, Abril de 2013, 128 p., ISBN 978-989-23-2314-5
Ver também:
Capítulo 5 de Porque devemos sair do euro
, João Ferreira do Amaral
Rumo ao fim do euro?
, Jacques Sapir
[*]
Engenheiro.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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