Rumo ao fim do euro?
Da Grécia à Itália, passando pela Irlanda, por Portugal e
pela Espanha, a zona do euro a partir de agora está em brasa. Os Estados
não param de contrair empréstimos a juros cada vez mais altos e
os contratos de seguros sobre as dívidas, quer sejam públicas ou
privadas, vêem o montante dos seus prémios a evaporar-se. O euro
está a morrer. Tudo isto estava previsto há vários meses
[1]
, ou mesmo há vários anos
[2]
. Mas nem Cassandra se alegraria por ver realizarem-se as suas
previsões. Compreendemos que a morte do euro, dada a casmurrice imbecil
dos nossos dirigentes e dada a sua incapacidade de prever uma saída
organizada o que, aliás, ainda seria possível actualmente
-, nos condena muito provavelmente a um salto no desconhecido.
A História medirá a responsabilidade dos nossos governos que, por
ideologia, por conformismo e por vezes por cobardia, deixaram a
situação degradar-se até ao irreparável.
Registará também a enorme culpa dos que, nas capitais nacionais
como Bruxelas ou Frankfurt, procuraram impor à socapa uma Europa federal
através da moeda única a povos que não a queriam. Agora
não é apenas o euro, essa construção manca e
deformada, que agoniza. É também um certo conceito da Europa.
A vitória provisória dos "cabritinhos", daqueles que,
para retomar a célebre frase do general de Gaulle, se afastam gritando
"a Europa! a Europa!" saltando por cima das cadeiras, é paga
hoje a um preço muito alto. Se não quisermos regressar a uma
Europa do conflito "de todos contra todos", teremos que reaprender os
princípios da coordenação entre nações
soberanas, que são os berços da democracia, sobre as
ruínas duma cooperação que quiseram construir sobre o
desprezo da opinião dos eleitores. A crise actual salda ao mesmo tempo
os erros duma financiarização até às últimas
consequências, desejada simultaneamente pela direita e pela esquerda
parlamentares
[3]
e o erro político que foi o tratado de Lisboa e a negação
da democracia que se seguiu ao referendo sobre o projecto de tratado
constitucional em 2005.
Com efeito, mal os nossos governantes têm a sensação de ter
arranjado um remédio, mesmo que temporário, para um dos
países, já a crise se precipita sobre outro. Os bancos europeus
estão pois no centro do ciclone e sofreram pesadas perdas quanto
à sua capitalização desde o início do mês de
Agosto de 2011. A incerteza quanto à sua solvabilidade não
pára de subir. Está à medida do erro, e é um
eufemismo, que foi praticado no início da Primavera de 2011, dizer que
os "testes de resistência" (ou
stress tests
) realizados na época omitiram nas suas hipóteses integrar um
possível incumprimento de um país da zona euro. Estamos a pagar
caro esse erro!
[4]
É provável que ele torne inevitável uma
nacionalização temporária, parcial ou total, dos nossos
sistemas bancários.
Depois da Grécia, a partir de agora condenada ao incumprimento e a uma
desvalorização
[5]
, e esvaída em sangue por uma repetição insensata de
planos de austeridade que foi denunciada pelo economista do [banco] Natixis,
[6]
são a Itália e a Espanha que dão sinais de fraqueza.
[7]
Na Itália, apesar da multiplicação de planos de
austeridade, a dívida não pára de aumentar enquanto a
maré do desemprego sobe inexoravelmente em Espanha. Quanto a Portugal,
mergulha numa crise sem saída
[8]
e a própria França está a ser posta em causa.
Até os cépticos mais empedernidos devem reconhecê-lo no
âmago do seu coração. Para além da crise de cada
país, que se explica por razões específicas de cada vez,
para além da crise de governação da zona do euro,
certamente previsível mas exasperante entre a Alemanha e a
França, é mesmo a divisa única, o próprio euro, que
está em crise.
Na verdade esta crise era previsível há muitos anos, porque os
defeitos estruturais da zona do euro eram notórios e bem conhecidos dos
economistas, incluindo os partidários do euro.
[9]
Os desequilíbrios induzidos pela moeda única abriram caminho no
seio das economias dos países da zona do euro. Se a crise de 2007-2008
deu um impulso decisivo à crise do euro, convém dizer que esta
só estava à espera de uma grande desordem da economia mundial
para se revelar.
Esta crise tornou-se uma realidade no Verão de 2009 quando a
acumulação das dívidas atingiu um limiar crítico na
Grécia, na Irlanda e em Portugal. No Verão de 2011, sofreu uma
reviravolta dramática que prova que o processo está a piorar. De
resto, podemos constatar o aumento da
fadiga do euro
, bem perceptível, quer seja nas opiniões públicas, onde a
partir de agora temos uma maioria de pessoas que se pronunciam contra uma ajuda
suplementar à Grécia,
[10]
quer no seio dos governos onde a partir de agora se revela o desânimo.
Esta crise também se combina com as inquietações
suscitadas pela situação nos Estados Unidos. A perda para este
país da sua nota AAA prova que ele não saiu da crise dos chamados
subprimes.
[11]
Além disso, as suas perspectivas de crescimento são muito
fracas. O primeiro país a sofrer a crise de 2007, não reencontrou
uma dinâmica sã de desenvolvimento e afunda-se lentamente numa
crise dupla de endividamento do Estado federal e das famílias. As
reacções dos países emergentes, liderados pela
Rússia e pela China,
[12]
face à política monetária seguida por Washington
são cada vez mais vigorosas.
A concomitância destas crises contribui no entanto para obscurecer o seu
sentido. Mascara em particular o que a crise na zona do euro tem de
específico e os efeitos da moeda única que a agravam. Mas faz-nos
lembrar que, num mundo de finanças globalizadas, há laços
estreitos que unem os diferentes problemas. Se o euro vier a desaparecer,
será o dólar que se encontrará na primeira linha face
à especulação internacional que se desencadeará.
Apostamos que não tardará nada a soçobrar.
São numerosos os que pensam que a crise do euro agrada aos dirigentes
americanos. Enganam-se redondamente. Um euro enfraquecido politicamente mas
presente, concentrando ainda durante vários anos a atenção
dos especuladores internacionais e travando o desenvolvimento das economias
europeias, é uma situação muito melhor para os dirigentes
de Washington. É por isso que estes multiplicam as iniciativas para
forçar a mão dos países europeus e para que seja posto em
acção um novo plano de salvamento da Grécia.
Assim, por razões tão diversas quantos os países
envolvidos, os dirigentes dos dois lados do Atlântico afirmam a sua
vontade de defender o euro.
Mas os factos são casmurros!
E quando os menosprezam, vingam-se.
Os argumentos distorcidos de uns e de outros, os advogados
pro domo
de políticos acossados, as subtilezas num calão
pseudo-técnico em que se deliciam os burocratas de Bruxelas não
alterarão nada. A moeda única europeia, que esteve na origem de
tantas esperanças, não cumpriu nenhuma das suas promessas. Hoje
morre por causa do fracasso do projecto político que lhe deu vida, o
"federalismo furtivo", por causa da divergência das
dinâmicas económicas dos países membros, divergência
essa exacerbada pela política da Alemanha.
O que é infinitamente mais grave que a morte do euro na sua forma actual
é que o próprio princípio de coordenação
monetária corre o risco de morrer com ele. E hoje coloca-se a
questão: será possível salvar este princípio de
coordenação do desastre que aguarda o euro, com o que isso
implica de flexibilidade para cada país e de cooperação
entre países?
O tabu do euro
Mas é possível debater o euro em França?
Pela violência das reacções que qualquer tentativa tem
suscitado até às últimas semanas, pela leitura das
múltiplas acusações que um projecto desses provoca, temos
o direito de duvidar. No entanto, hoje impõe-se um debate. Apesar de
negada durante muito tempo pelos nossos governos, mas também por uma
grande parte da oposição (em especial pelo Partido Socialista
francês), a crise do euro impõe-se, constituindo neste momento um
horizonte inultrapassável. De resto, a sua realidade é
reconhecida no estrangeiro; até o jornal alemão
Spiegel
lhe consagrou um longo dossier.
[13]
Portanto, existe uma particularidade franco-francesa neste debate ou melhor na
sua recusa que só agora cede sob os ataques violentos da realidade.
Existe mesmo um tabu do euro, que no nosso país atravessa o espectro
político e vai desde a direita até à esquerda, ou mesmo a
uma parte da extrema-esquerda. As raízes disso são
múltiplas. A moeda única perdeu a sua dimensão de
instrumento, que deve ser julgado pelos seus efeitos, e tornou-se um verdadeiro
fetiche, no sentido religioso do termo. O euro é a religião deste
novo século, com os seus falsos profetas de profecias desmentidas sem
cessar, com os seus sumos-sacerdotes sempre prontos a fulminar uma
excomunhão na impossibilidade de recorrer às fogueiras, com os
seus sectários histéricos. Em França, se um dirigente da
maioria ou do Partido Socialista fala sobre este assunto, a sua frase
começa invariavelmente por um versículo sobre os
"benefícios" do euro (obviamente sem nunca precisar quais
são) ou sobre a "necessidade" de defender a moeda única.
Mas nunca por nunca ouvimos um balanço honesto sobre o que o euro nos
trouxe. Hoje em dia, o euro tornou-se o símbolo do crepúsculo da
razão política e económica, uma hipótese saturante
que justifica o silêncio sobre o conjunto dos outros problemas.
A violência das reacções e o exagero das amálgamas
que semeiam a imprensa francesa traduzem no entanto o facto de que, apesar de
um efeito de sufocação mediática sem precedentes que
continua a fazer-se sentir até aqui, começa-se mesmo a falar da
crise do euro. De resto, até
Élie Cohen
a reconheceu e está tudo dito!
Esta crise de resto suscitou inúmeras obras de homens políticos e
economistas ou dirigentes de associações.
[14]
Cada um destes textos apresenta diferentes aspectos da questão;
também a abordam a partir de pontos de vista diferentes.
Nessas condições, porquê este livro?
As obras publicadas até hoje denunciaram o euro, e frequentemente com
bons argumentos. Este livro tem um projecto diferente. Quer tentar analisar o
euro e impulsionar, contra o tabu e os argumentadores religiosos, um regresso
à razão. Propõe-se também examinar a crise actual,
pôr em evidência as suas origens e a conjunção de
políticas particulares que a tornaram inevitável. Pretende
mostrar ao leitor como lá chegámos, a partir das
esperanças para uns reais e para outros imaginárias
que inicialmente foram postas no euro.
A crise do euro resulta de três crises com os seus próprios ritmos
que actualmente se combinam. Esta conjunção produz a partir de
agora uma situação insustentável. Deixa entrever a
catástrofe final.
As três crises
A crise do euro não se limita à crise das dívidas
soberanas na Europa, apesar de a englobar. Na verdade, por crise do euro
é preciso perceber as três crises que se conjugam e a partir de
agora estão intimamente ligadas.
Primeiro que tudo há o estrangulamento de certas economias da Europa
pelo montante das dívidas quer públicas quer privadas. A moeda
única é um vector dessa subida da dívida, porque ela
impõe aos países financiarem-se nos mercados financeiros. Com
efeito, as instituições da moeda única, do tratado de
Maastricht ao tratado de Lisboa, proíbem os Estados de recorrer a
avanços dos seus bancos centrais aos erários públicos, e
de impor aos bancos a compra de títulos de dívida na
proporção do seu activo.
[15]
Os mercados financeiros tornam-se assim a única fonte de financiamento
possível. Por conseguinte, penalizam pesadamente o montante das
dívidas e as fracas perspectivas de crescimento. Mas o papel da moeda
única nesta escalada das dívidas em certos países
não se limita a essa dimensão institucional. A moeda única
impõe também uma taxa de câmbio única
vis-à-vis a outras divisas para todos os países pertencentes
à zona do euro. Essa taxa gera uma degradação
inexorável da competitividade para numerosos países, levando-os a
aceitar uma actividade económica reduzida ou a sustentar esta
última. E, bem entendido, para isso esses países devem proceder a
um défice orçamental mais ou menos importante, o que os leva a
agravar o seu endividamento.
Isso afectou a Grécia, mas também Portugal, a Irlanda, a
Itália e a França. A crise da dívida dos Estados
concentrou a atenção desde o final da Primavera de 2010,
especialmente no caso da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Esta crise
pôs em evidência a incapacidade das autoridades políticas em
reagir a tempo e de modo eficaz. É aquilo a que se chama a
crise de governação
da zona do euro. As autoridades, quer se tratasse dos governos quer do Banco
Central Europeu (BCE), mostraram-se incapazes de gerir situações
de crise que, no entanto, eram facilmente previsíveis. Revelaram-se
ultrapassadas tanto pelos acontecimentos como por uma especulação
que não tentaram minimamente desencorajar a não ser por palavras.
Vem de seguida uma segunda crise que, desta vez, é estrutural. Resulta
dos efeitos da moeda única sobre a dinâmica do crescimento. Desde
a introdução do euro, primeiro o euro escritural depois a partir
de 2002 o euro fiduciário, o crescimento dos países da zona do
euro foi regularmente inferior ao dos outros países desenvolvidos. A
zona do euro está mesmo em atraso relativamente aos países da
Europa que não fazem parte dela, como a Suécia, a
Suíça e a Noruega. Isso deve-se às taxas de juros impostas
pelo BCE, mas também à sobrevalorização geral do
euro que conhecemos a partir de 2002. Também aqui, algumas economias
foram mais atingidas do que outras, e é o caso em primeiro lugar da
Itália, mas também da Espanha, de Portugal e, em grau nada
negligenciável, da França. No entanto, mesmo no caso da Alemanha,
que se dá como exemplo de "rigor" e de subida dos excedentes
comerciais, constata-se que o crescimento foi particularmente fraco desde a
introdução do euro. Se o desemprego não explodiu neste
país, deve-se à dinâmica demográfica que ele
experimenta.
Ora, a questão do crescimento e do desemprego ocupa um lugar central num
contexto económico marcado pela crise económica e financeira de
2007-2008, muito em especial para um país que, como a França, tem
uma dinâmica demográfica favorável. Com efeito, pode
mostrar-se que este problema se relaciona com o da heterogeneidade inicial das
economias que as instituições criadas pelo tratado de Maastricht
não permitiam tratar com profundidade. Por isso, longe de produzirem uma
convergência qualquer, a zona do euro organizou uma divergência
maciça das economias e da estrutura dos seus aparelhos produtivos.
É também a recusa a encarar esse problema que estamos hoje a
pagar.
A terceira crise é a das instituições que enquadram a
moeda única. Pretende-se hoje descobrir que foi criada uma divisa sem
regras para unificar de antemão as políticas orçamentais
dos Estados que são membros da zona, as políticas
económicas e, mais genericamente, as regulamentações
bancárias. Numa palavra, que a divisa comum implica um Estado federal.
Segundo o discurso que hoje se ouve, é à falta de
governação
que se deve esta crise. Mas, na realidade, as condições da
constituição desta governação global à
escala europeia não existiam e não existem. Não era
possível realizar essa unificação das políticas sem
instituir mecanismos poderosos de transferência entre elas. Ora isso foi
recusado pelos dirigentes políticos e proibido nos diversos tratados de
que a Europa se dotou. Descobre-se aqui que não se passa impunemente uma
esponja federalista sobre cinco séculos de História! Esta
questão da governação ilustra bem como os dirigentes dos
diferentes países foram vítimas da ideologia europeísta e
do mito dos "Estados Unidos da Europa".
Estas três crises hoje sobrepõem-se e tornam insolúvel a
crise imediata que se manifesta na Grécia, em Portugal, na Irlanda e em
breve em Espanha e na Itália. Na realidade, se estes países se
endividaram, e se lhes permitiram isso, foi por causa das duas outras crises.
Portanto a crise é global e geral, o que torna a sua
situação na melhor das hipóteses extremamente custosa e,
na pior, provavelmente impossível.
A existência destas três crises era conhecida há muito e os
seus efeitos manifestos desde o Verão de 2009. Mas foi preciso que a
crise grega tomasse um caminho realmente dramático, que não
somente os gregos, mas os espanhóis e os portugueses saíssem
à rua em massa, para que se começasse a debater a crise do euro.
Hoje já não há qualquer dúvida de que o euro,
através dos planos de austeridade de que necessita, é um factor
geral de recessão social para todos os países envolvidos. O risco
portanto é que hoje o euro, na sua forma actual, torna a Europa odiosa e
desacredita por muito tempo o princípio de uma coordenação
monetária.
As proibições da crise do euro
O euro, como já foi dito, é o último tabu duma parte da
classe política tanto da direita como da esquerda. A que se pode
atribuir este fenómeno e porquê uma tal cegueira em França?
A moeda única concentra em si projectos económicos, projectos
políticos e também projectos ou, mais exactamente,
representações simbólicas. São estas
inter-relações que tornam o debate necessário e
simultaneamente, se não impossível, pelo menos extremamente
difícil. Isso explica também a violência das
reacções logo que se toca no princípio da moeda
única.
Bem entendido, há outras razões que são menos
confessáveis e menos apresentáveis. São numerosos os que
cantaram em todos os tons os elogios à moeda única, por vezes com
argumentos que eram perfeitamente aceitáveis, mas por vezes
também com argumentos que revelam mais do que se chama a "
littérature
(ou a argumentação)
à l'estomac
". O empenhamento a favor da moeda única era tal que qualquer
debate significava pô-la em causa e qualquer que fosse esse pôr em
causa era uma perda de legitimidade para os nossos dirigentes assim como para
os seus conselheiros e outros economistas por encomenda. Ora, toda essa gente
é muito apegada a essa legitimidade, seja ela política ou
mediática!
Nesta recusa de discutir na praça pública a crise do euro,
também é preciso ver o pânico de perder
posições sociais e privilégios. Com efeito o que
aconteceria a todos esses profissionais do
euro business
se tivessem que reconhecer que se tinham enganado?
A violência das reacções também se explica por
razões muito más.
Foi invocado o facto de a Frente Nacional se ter lançado na
contestação do euro para tentar desacreditar o debate sobre o
euro. Falar contra o euro equivaleria a retomar a totalidade das teses da
Frente nacional. Mas esse é um fraco argumento e
Frédéric Lordon
recentemente desmentiu essas acusações.
[16]
Sendo um dos autores regularmente citados pela Frente Nacional, gostaria por meu
turno de voltar a esta questão. Primeiro, um autor não é
minimamente responsável pelos seus leitores. O facto de publicar um
texto, no papel ou na internet, significa abandonar todo o controlo sobre como
e por quem ele pode ser lido. Só contam as opiniões, as ideias e
os conceitos que estão expressos nesse texto, e não recuso nem
nego nenhum dos que pude tornar públicos desde que me exprimo sobre esta
questão. Confesso ainda que prefiro que os militantes da Frente Nacional
leiam Gréau, Lordon ou Sapir em vez de Drumont ou
Gobineau
.
Depois, o método utilizado pelos nossos adversários levanta um
problema de fundo. Não é aceitável que uma ideia, uma
noção ou um conceito sejam desacreditados só porque certas
pessoas, com quem não partilhamos as ideias políticas,
também os defendam. Quando chove, devemos afirmar, contra tudo e contra
todos, que o sol está a brilhar só porque este ou aquele, com
quem não partilhamos as ideias, diz que está a chover? É
preciso recordar aqui que as ideias, as noções e os conceitos
não registam patente. Pertencem a toda a gente e portanto não
são de ninguém.
O método dos nossos adversários revela aqui a
extraordinária fraqueza das suas posições.
Compreender o euro para apreender melhor os desafios da sua crise
As inter-relações entre o económico, o político e o
simbólico constituem assim o objecto central deste livro. Pretende
desconstruir antecipadamente essas inter-relações, separar o
económico do político, o político do simbólico.
Pretende também tirar as conclusões que decorrem dessa
desconstrução e do que se costuma chamar um "regresso
à razão". As minhas evoluíram com a crise e perante a
incapacidade congénita dos governantes e das instituições
da zona euro em reagir e prever.
A minha posição inicial era defender o princípio de uma
divisa comum e não única. Apelava no meu livro e depois no meu
artigo de 2006
[17]
para a passagem da primeira para a segunda porque previa os problemas que
surgiriam ao primeiro choque importante que a zona do euro sofresse. O debate
foi enterrado antes mesmo de começar.
No entanto a crise acelera o ritmo das decisões. Conhece-se a
fórmula: O tempo nos pressiona
("Le temps nous mord la nuque").
Cada oportunidade agora perdida restringe terrivelmente a escolha dos futuros
que ainda são possíveis. As soluções que podiam ser
contempladas razoavelmente no Verão de 2009, antes de rebentar
abertamente a crise grega, tornaram-se cada vez mais irrealistas, ou mesmo
caducas. A aceleração da dinâmica da crise imporá
roturas radicais. Esta última também é o produto, e
é preciso recordar, da inacção e da pusilanimidade das
mulheres e homens que compõem a classe política na Europa. A
História registará que o euro sem dúvida foi assassinado
pela mão dos mesmos que alegavam defendê-lo.
Então devemos sair do euro?
Devemos aceitar de uma vez por todas que se coloca esta questão.
Pretendo demonstrar neste livro que a resposta para esta pergunta
dependerá das acções mas também das
inacções dos nossos dirigentes. Ainda são possíveis
soluções menos radicais, mas implicam todas elas profundas
evoluções tanto das instituições da zona do euro
como do próprio euro.
No entanto, não devemos recusar por princípio a ideia da
saída do euro. De resto, tudo indica que ela não dará
origem às catástrofes que nos prometem os falsos profetas de
todos os tipos e feitios que só têm o medo na boca e a mentira no
coração para tentar salvar a moeda única.
[18]
Notas
[1] Como lembrança, citamos numerosos artigos publicados no site
Marianne2, entre os quais, em Maio de 2010,
"Grèce: les trois mensonges des médias et des experts"
,
;
"Europe:Jacques Sapir répond au Nouvel Observateur"
, Marianne2, Dezembro 2010,
;
"L'euro peut-il survivre à la crise?"
, Marianne2, Janeiro
2011,
;
"L'euro fort nous a coûté 403 milliards d'euros. Cash!"
, Marianne2, Janeiro 2011,
; e
"Jacques Sapir: pourquoi la France ne doit pas copier l'Allemagne"
, Marianne2, Fevereiro 2011,
.
[2] J. Sapir, "La crise de l'euro: erreurs et impasses de
l'européisme",
Perspectives républicaines
, nº 2, Junho 2006, p. 69.84
[3] O que o
Nouvel Observateur
finge descobrir hoje, citando o relatório do professor Rawi Abdelal,
datando de 2005. Ver P. Fauconnier,
"La gauche française, pionnière de la dérégulation financière?"
,
Le Nouvel Observateur
, 16 Setembro 2011,
.
[4] Ou mais precisamente a cegueira ideológica dos nossos dirigentes
que recusavam nessa primavera de 2011 reconhecer a possibilidade de um
incumprimento.
[5] P. Artus, "Faut-il sortir la Grèce de la zone euro?",
Flash économie. Recherche économique
, nº 696, Natixis, 15Setembro 2011. Com efeito. Não faz sentido que
a Grécia não cumpra a sua dívida e se mantenha na zona
euro. Se quiser reencontrar o caminho do crescimento, deve desvalorizar e para
isso tem que sair da zona do euro.
[6] P. Artus, "Que faire pour aider la Grèce?",
Flash économie. Recherche économique
, nº 531, Natixis,7 Julho 2011.
[7] P. Artus, "L'Italie et l'Espagne subissent-elles une crise de
solvabilité ou une crise de liquidité?",
Flash économie. Recherche économique
, nº 695, Natixis, 15 Setembro 2011.
[8] P. Leao e A. Palacio-Vera, "Can Portugal Escape Stagnation without
Opting Out from the Eirozone?",
Working Paper nº 664
, Annandale-on-Hudson (N.Y.), Levy Economics Institute of Bard College,
Março 2011.
[9] Como testemunha M. Aglietta, "Espoirs et inquietudes de
l'euro",
in
M. Drach (dit.),
L'Argent. Croyance, mesure, spéculation
, Paris, La Découverte, 2004.
[10]
Le Figaro
e
Le Nouvel Observateur
publicaram nos seus sites da internet a 17 de Setembro 2011, os resultados de
uma sondagem que dava 68% dos franceses contra a continuação da
ajuda à Grécia. Na Alemanha, não são menos de 75%
das pessoas inquiridas que manifestaram uma oposição semelhante.
[11] L. Randall Wray, "Lessons We Should Have Learned from the Global
Financial Crisis but Didn't", Working Paper nº 681.
Annandale-on-Hudson (N.Y.), Levy Economics Institute of Bard College, Agosto
2011.
[12] A. Chechel, S. Rose e J. Jordan,
"Putin Denounces American Parasite While Russia Increases Treasuries 1,600%"
, Bloomberg, 19 Agosto
2011,
; Z. Lifei,
"China Joins Russia in Blasting U.S. Borrowing"
,
Bloomberg, 3 Agosto 2011,
.
[13] Consultável em alemão no site da internet da
Spiegel,
http://www.spiegel.de/thema/euro_krise_2010
.
[14] A. Cotta,
Sortir de l'euro ou mourir à petit feu
, Paris, Plon, 2010; N. Dupont-Aignan,
L'Euro, les banquiers et la mondialization. L'anarque du siècle
, Monaco, éditioms du Rocher, 2011; C. Saint-Étienne,
La Fin de l'Euro
, Paris, Bourrin, 2011; J.-J. Rosa,
L'euro: comment s'en débarrasser?
Paris, Grasset, 2011; J. Nikonoff,
Sortons de l'euro
, Paris, Mille et une Nuits, 2011. Podemos acrescentar livros que englobam
desenvolvimentos bastante grandes sobre a divisa única: J,-P.
Chevènement,
La France est-elle finie?
, Paris, Fayard, 2011; M.-F. Garaud,
Impostures politiques
, Paris, Fayard, 2010
[15] Em França, isto foi interdito por uma lei aprovada em 1973.
Mas o que uma lei faz, outra o pode desfazer. É preciso recordar aqui
que os adiantamentos ao erário publico ou os "limiares
obrigatórios da dívida pública" nesses
balanços dos bancos tinham sido amplamente praticados após a
guerra e haviam fornecido ao país o financiamento a baixo custo que lhe
permitiu reconstruir-se e desenvolver-se.
[16] F. Lordon,
"Qui a peur de la démondialisation?"
,
blog "La pompe à phynance", 13 Junho 2011,
.
[17] J. Sapir,
La Fin del'euro-libéralisme
, Paris, Seuil, 2006, cap. 3;
idem
, "La crise de l'euro: erreurs et impasses de l'Européisme",
art. Cit.
[18] Como aquele primeiro-ministro polaco, de que não citaremos o
nome por caridade, que chegou ao ponto de dizer que o fim do euro podia
significar o regresso das guerras na Europa
[*]
Economista, Autor de
Faut-il sortir de l'euro?
, Paris, Seuil, 2012, 200 p., ISBN 978-2-02-106282-3.
O presente texto é a introdução do livro.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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