Porque devemos sair do euro
Do absurdo às razões de esperança: novas
alianças, novas estratégias
por João Ferreira do Amaral
[*]
5.1. O absurdo dos programas de ajustamento
A posição da Comissão Europeia, novo capataz da Alemanha
5.2. As alternativas
A pseudo-solução federal
A opção pelo distanciamento
A saída do euro
Reforço de novas alianças não europeias
5.1. O absurdo dos programas de ajustamento
Portugal está hoje sujeito a um programa de ajustamento imposto como
condição pela chamada Troika para poder obter financiamento, quer
para o sector público quer para a banca.
Este nosso programa, tal como o da Grécia, é um verdadeiro
absurdo. Estou mesmo convicto de que ambos os programas irão constituir
uma machadada fatal na credibilidade do FMI e da Comissão Europeia.
Visando objectivos inconsistentes e apoiando-se numa análise muito
defeituosa da real situação da economia portuguesa, estes
programas revelam uma triste incompetência das entidades que o impuseram.
Mas vamos primeiro aos objectivos.
A finalidade prioritária do programa é a de reduzir o
endividamento do País. Como esse endividamento tem uma dupla faceta
a do endividamento da economia como um todo e a do endividamento do
Estado , o programa tem dois objectivos: reduzir o endividamento externo
da economia e o endividamento do Estado.
O que foi dito nos capítulos anteriores é suficiente para se
compreender como é que surgiram estes dois grandes
desequilíbrios. Uma moeda demasiado forte gerou elevados défices
com o exterior, que, acumulando-se ao longo do tempo, geraram uma dívida
externa insustentável e que cortou praticamente o crédito externo
privado a Portugal desde que a crise teve início. A
acumulação de défices da dívida pública e a
impossibilidade de recorrer ao financiamento dos défices do Estado
através da emissão monetária quase levaram o Estado
à bancarrota no primeiro semestre de 2011.
Percebe-se que numa situação destas não houvesse grande
margem senão para executar um programa de ajustamento com auxílio
externo. Mas o que não se percebe é que estes programas sejam
concebidos de tal forma que, ao invés de resolverem os problemas, os
agravam.
Começam logo por propor como objectivo reduções
drásticas dos dois défices, o externo e o público. Mas
como estes objectivos são conflituantes, não os atingem. Porque
é que são conflituantes? Significa que para atingir um tenho de
prejudicar o outro?
Tomemos como exemplo a redução do défice da balança
com o exterior. Na ausência da desvalorização cambial, tal
redução para ser muito profunda só pode ser
feita provocando uma forte redução da procura interna, de modo a
reduzir-se o consumo das famílias e o investimento, e com isso diminuir
significativamente as importações.
Mas ao reduzir-se a procura interna está-se a provocar uma
recessão e um crescimento do desemprego, o que faz baixar as receitas
fiscais e as contribuições sociais e aumentar as despesas de
apoio aos desempregados. Resultado: um agravamento do défice
público. Foi o que sucedeu em 2012 em Portugal. Reduziu-se muito o
défice externo, mas o défice público ficou acima do
pretendido.
A forma inteligente de lidar com esta conflitualidade entre objectivos é
estabelecer como metas reduções graduais e de menor
dimensão nos défices, de forma a não instabilizar a
economia e a provocar por essa via um incumprimento do programa, condenando a
economia como aconteceu na Grécia e talvez Portugal lhe siga os
passos a anos e anos de descalabro.
A forma pouco inteligente é aquela que tem sido seguida na Grécia
e a que moldou o orçamento de Estado 2013: consiste em forçar
ainda mais a austeridade, o que irá agravar o descalabro
económico e social, sem resolver o problema do financiamento.
Para se conseguir reduzir significativamente o problema do financiamento
é preciso dispor de moeda e da desvalorização cambial, o
que permite reduzir o défice da balança com o exterior sem
forçar uma recessão e aumentar o desemprego. Por outro lado, o
facto de dispor de emissão monetária torna o objectivo do
défice público secundário, pois o Estado não fica
dependente da redução do défice para cumprir os seus
compromissos internos.
A posição da Comissão Europeia, novo capataz da Alemanha
Não podemos ignorar a responsabilidade da Comissão Europeia
nestes programas, que correspondem a uma profunda mudança no papel da
Comissão face aos estados-membros mais débeis.
Até ao desencadear da actual crise, melhor ou pior e mais ou menos
permeável aos interesses de
lobbies
poderosos, a Comissão tomava em geral uma atitude benevolente face aos
estados economicamente mais débeis. Compreendia-se. Um processo de
integração económica e monetária gera naturalmente
(é dos livros) efeitos polarizadores sobre a actividade
económica: as regiões mais ricas tendem a tornar-se relativamente
mais ricas e as mais pobres relativamente mais pobres.
A forma de contrariar este processo é a de adoptar políticas
destinadas especificamente a reduzir as desigualdades entre as regiões
que se vão integrando. E por mim que nunca fui entusiasta em
relação a aumentos de poder por parte da Comissão
reconheço sem qualquer dificuldade que durante vinte anos, a partir da
nossa adesão, a Comissão foi, em geral, uma advogada coerente das
necessidades das regiões menos prósperas da Comunidade.
Tudo mudou a partir de 2008. Deficientemente dirigida por Durão Barroso
e sofrendo da manifesta incompetência do vice-presidente e
comissário para os assuntos económicos e monetários, Olli
Rehn, a Comissão foi perdendo gradualmente autonomia até se
transformar num mero capataz executor das decisões do Conselho, por sua
vez completamente dependente dos interesses alemães.
E nesse novo papel, a Comissão não se coibiu de conceber e
patrocinar em conjunto com o FMI e o BCE programas ditos de
ajustamento, absurdos e tecnicamente mal elaborados, que destroem gradualmente,
mas a bom ritmo, as bases económicas da Grécia e de Portugal.
Pior: ao pressionar os estados que os sofrem a tomar medidas que vão
contra o espírito e até a letra dos tratados (como, por exemplo,
no domínio da legislação do trabalho), a Comissão,
de guardiã dos tratados que devia ser transformou-se no
pior dos seus violadores. A própria dependência da Comissão
face ao Conselho e o papel de capataz que assumiu vão contra os
tratados, pois é aí claramente dito que a Comissão deve
exercer as suas funções com independência.
Não colhe aqui a desculpa de que a margem de manobra para a
Comissão seguir outro caminho não existe face ao poderio real da
Alemanha. Um político tem sempre uma arma que pode usar: a
demissão por iniciativa própria. Por isso, seja o presidente seja
um qualquer comissário, não podem queixar-se de que não
concordam com o que se passa. Se estão lá é porque
concordam, embora tenham cada vez mais dificuldades em reconhecer esse facto
perante os péssimos resultados a que os programas têm conduzido.
Esta mudança na União, nas suas duas vertentes o poderio
da Alemanha e a subordinação da Comissão a esse poderio
tornam hoje a União um espaço pouco amigável para
Portugal: explora as suas debilidades cobrando-lhe juros excessivos e
mantém-no num colete-de-forças que o faz definhar de uma forma
que há uns anos ninguém poderia prever.
Portugal está hoje, por isso, numa encruzilhada: ou se sujeita a uma
União que lhe coarcta as possibilidades de crescimento, ou tenta ganhar
novas razões de esperança mudando as suas prioridades
estratégicas.
5.2. As alternativas
Próximo do descalabro económico e social, Portugal enfrenta a
possibilidade de entrar numa profunda depressão económica e, em
consequência, sofrer um empobrecimento significativo por muitos e muitos
anos. As políticas actuais agravam o problema e são, portanto, de
rejeitar.
Restam duas alternativas: ou uma mudança na Europa que permita a
instituição de um federalismo capaz de apoiar as regiões
deprimidas, ou a tomada de uma atitude de algum distanciamento face a uma
Europa alemã, que não nos interessa nem nunca interessou no
passado atitude de distanciamento essa que deve passar, em primeiro
lugar, pela saída da zona euro. Vamos ver sucessivamente estas duas
possibilidades.
A pseudo-solução federal
Já acima falámos do federalismo europeu. Alguns propõem um
reforço do federalismo para resolver os nossos problemas financeiros.
Sou frontalmente contra esta posição. Por razões
políticas e por razões económicas.
O federalismo europeu a criação de um superestado europeu
irá não só destruir Portugal enquanto unidade
política como até enquanto unidade cultural. De facto, a
posição de Portugal na comunidade internacional, com uma
larguíssima história de contactos pioneiros com os quatro cantos
do mundo, é um activo essencial para a nossa sobrevivência
enquanto unidade política autónoma.
No dia em que, fazendo parte de um superestado europeu, sem moeda
própria, deixar de ser um estado reconhecido na comunidade
internacional, Portugal deixará de existir enquanto unidade
política relevante. É por isso que não sou federalista. A
finalidade da União não deve ser a de substituir os
estados-membros, como querem os federalistas. No meu modo de ver, a
justificação da existência da União é a de
ajudar os estados-membros a realizarem as suas funções num
contexto cada vez mais difícil e globalizado e não
substituí- los. Por isso, a União deve ser uma
confederação, uma rede não exclusiva de estados, e
não uma federação.
Não exclusiva
quer dizer que não deve impedir os seus estados-membros de pertencerem a
outras redes de estados.
A diferença é muito visível nas questões
monetárias. Os federalistas querem que a União substitua os
estados nas suas respectivas funções de emissão
monetária. A minha visão é diferente: defendo que a
União garanta as condições para um reforço da
cooperação monetária, mantendo um novo Sistema
Monetário Europeu (SME) à semelhança do anterior, mas com
banda de flutuação mais apertada do que a de 15%
instituída em 1993 e criando uma instituição
monetária com a responsabilidade de garantir a estabilidade do sistema,
dotada para isso de poder suficiente de intervenção nos mercados.
Assim se corrigiria o principal defeito do SME antigo. Cada estado continuaria,
dessa forma, a emitir o seu dinheiro e a ter política monetária.
Mas também do ponto de vista económico, com a opção
dos federalistas assistir-se-ia a um definhamento total de Portugal. Sem dispor
de instrumentos próprios de política económica, sem ter
inclusivamente poder de decisão sobre as opções
orçamentais, sem ter diplomacia económica porque deixava
de ser um estado com representação internacional , a
situação periférica de Portugal acentuar-se-ia e o nosso
país definharia de uma forma comparável ao que sucedeu ao nosso
próprio interior relativamente ao litoral.
E mesmo que houvesse subsídios do Centro da Europa para aguentar a
situação que é a principal razão invocada
pelos federalistas para forçar um futuro federalista tal
só perpetuaria o subdesenvolvimento económico do nosso
País, como se verificou com o Leste alemão depois da
reunificação, que recebeu muitos milhões de euros de
subsídios vindos do governo federal e de fundos europeus e continua, ao
fim de mais de vinte anos, pobre em relação ao Ocidente da
Alemanha.
Não quero ver o meu País dependente da caridade alheia.
À perda de estatuto de estado e, portanto, de autonomia política
seguir- se-ia o definhamento económico, o despovoamento e talvez o fim
de uma cultura que tem sido sedimentada por um estado com quase nove
séculos de História. Seria este o resultado do caminho proposto
pelos nossos federalistas que se lembraram que o eram quando
começou a ser preciso que alguém nos pagasse as dívidas.
Longe vá o agouro. E, felizmente, deve de facto ir longe. Não
acredito que os estados do Norte da Europa alinhem num federalismo, que
implicará para eles gastar muito e muito dinheiro a sustentar
regiões definhadas e anémicas do Sul.
Rejeito, pois, totalmente o caminho federalista. Espero mesmo que os
Portugueses nunca o aceitem. Mas precisam de estar alerta. Como sempre tem
acontecido, as elites europeístas portuguesas que em grande parte
se têm apropriado de rendas vindas da Europa, pelo menos enquanto duraram
tentarão atirar-nos para o federalismo sem nos consultar.
Se a União Europeia não mudar, limitando o poderio alemão
e se não retomar o seu tradicional equilíbrio da igualdade entre
os estados (mudança, que devo dizê-lo estou muito
pouco crente que ocorra), então se Portugal quiser sobreviver deve
distanciar-se da União e abandonar a trágica estratégia de
se manter, custe o que custar, no centro da integração europeia.
Estratégia essa que deu um péssimo resultado até hoje,
porque forçou Portugal a assumir um papel que pela sua debilidade
económica e atraso de qualificação da
população não estava em condições de
exercer.
Tal estratégia resumiu-se sempre ao facto de o País perder poder
sem ganhar nenhuma capacidade de influenciar os destinos europeus.
Estratégia que teve o seu coroamento trágico quando a
União se alargou e acabou praticamente com as decisões por
unanimidade, condenando assim os países pequenos à
irrelevância.
A opção pelo distanciamento
Quando falo de distanciamento, não falo de saída. Portugal tem
ainda vantagem em pertencer à União. Embora, por mim, não
esteja seguro, considerando o que aconteceu nos últimos tempos, se essa
vantagem ainda existirá dentro de cinco ou dez anos.
A estratégia de distanciamento tem duas vertentes: a saída do
euro e o reforço de novas alianças não europeias.
A saída do euro
Felizmente a questão de uma eventual saída do euro deixou de ser
um tema tabu. Há já hoje, em Portugal e no exterior, muita
reflexão sobre essa matéria
[18]
.
Para quem, como eu, não tem a religião do euro ficou
provado que a participação no euro foi um desastre de grandes
proporções, que põe em causa a própria
sobrevivência do nosso País , é prioritário
para Portugal sair do euro, uma vez que não temos qualquer possibilidade
de crescer rapidamente dentro de uma zona monetária com uma moeda
tão forte como é a moeda europeia.
Acho espantoso que os defensores da nossa participação no euro,
depois de terem sido completamente desmentidos nas suas
afirmações que aconselhavam a nossa participação na
moeda única, façam agora o seguinte raciocínio: Como
a participação no euro foi um desastre, a partir de agora
é que vai ser um êxito.
O argumento é obviamente pouco inteligente e revela uma incapacidade de
análise crítica confrangedora, própria como
já tive oportunidade de dizer das nossas elites. E a
afirmação é tanto mais descabida quanto é certo que
a nossa estrutura produtiva está hoje ainda muito mais débil do
que estava em 1992. Logo, mais alguns anos de moeda forte terão um
efeito muito mais devastador ainda do que tiveram nos quinze que decorreram
entre o início da caminhada para a moeda única e a crise actual.
Quem considera que temos possibilidade de estar no euro com a economia no
estado de debilidade em que actualmente se encontra, a meu ver, não sabe
o que diz.
Mas quando as questões monetárias entram no domínio
religioso, é impossível debater as coisas de forma minimamente
racional. Por isso, é confrangedora a incapacidade desses
dogmáticos do euro para reflectirem sobre o desastre: não o da
nossa saída, como costumam ameaçar, mas daquele que
resultará da nossa permanência na moeda única.
A prioridade das prioridades deve ser repor o equilíbrio na nossa
estrutura produtiva entre produção de bens
transaccionáveis e não transaccionáveis. Um país
como o nosso, quando tem apenas como na actualidade 13% do PIB
originado na indústria e 2% gerado no sector primário, não
vai longe. Precisa de uma re-industrialização urgente (incluindo
neste termo o sector primário).
Para tal é necessário um grande golpe de rins, um intenso choque
competitivo que, para ser susceptível de ser suportado pela
população, tem de provir necessariamente da
desvalorização cambial. De outra forma, o choque competitivo
será de tal forma doloroso do ponto de vista social que a
população não o suportará.
O País precisa também da emissão monetária
própria para permitir ao Estado evitar a bancarrota interna. E
não só: a emissão monetária própria é
também necessária para amenizar os efeitos negativos da
desvalorização cambial, em particular sobre os mais endividados e
os de menores rendimentos.
Mas a saída da zona euro não deve ser feita de qualquer maneira.
Deve ser controlada. Existiria aí, sim, um desastre se fôssemos
empurrados para fora do euro situação que considero
inevitável, se persistirmos em manter-nos lá a todo o custo.
Também não me parece viável nem desejável, do ponto
de vista político, a solução que alguns autores
propõem de uma saída de um dia para outro, que apanhe os
cidadãos desprevenidos, após uma preparação
secreta. Tal seria politicamente inaceitável, exigiria certamente a
declaração de um estado de excepção e é mais
do que duvidoso que se pudesse manter o sigilo na preparação da
saída. Por isso, a saída deve ser anunciada simultaneamente pelas
autoridades nacionais e comunitárias.
Para sairmos de forma controlada, para além de só se dever
encarar a questão quando a zona euro estiver minimamente estabilizada,
há pelo menos cinco condições que deverão ser
asseguradas:
a) Anunciar-se-ia amplamente (e cumprir-se-ia, claro) que as
aplicações financeiras em instituições portuguesas
manteriam o seu valor em euros, de modo a não se gerar um pânico
na transição para a nova moeda; quanto ao Estado, continuaria a
honrar a sua dívida em euros. Esta garantia deveria ser prestada pelas
autoridades nacionais e comunitárias em conjunto.
b)
O balanço dos bancos não seria prejudicado, pelo que os
créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda
em função da desvalorização desta.
c)
Para evitar um incumprimento generalizado por parte dos devedores à
Banca, o Estado substituir-se-ia a estes no montante do aumento da
dívida em moeda nacional que resultasse da desvalorização.
O Estado financiaria este acréscimo de dívida (que é
interno) através de empréstimos contraídos junto do Banco
de Portugal expressos na nova moeda.
d)
Entraríamos no Mecanismo de Taxas de Câmbio II, que regula as
relações dos países do euro com as dos estados membros que
não adoptaram a moeda europeia. Tal significa que, ajudados
pelo BCE, teríamos de manter a nova moeda numa banda de
flutuação de 15% em relação a uma taxa de
referência da nova moeda relativamente ao euro; esta taxa de
referência seria desvalorizada todos os meses em regime
crawling peg
(desvalorização deslizante), de modo a que a
desvalorização da nova moeda se fizesse de forma progressiva.
e)
Seria obtida a cooperação das autoridades europeias em dois
pilares: governos e BCE. Os governos autorizariam um novo empréstimo
(empréstimo que, em qualquer dos casos, vai ser necessário) que
será fundamental para honrar a dívida do Estado e sustentar a
balança de pagamentos durante o período de um ano, um ano e meio
que a desvalorização da moeda demorará até ter
efeitos positivos no reequilíbrio das contas externas; o BCE
comprometer-se-ia a renovar durante algum tempo a dívida dos bancos
portugueses e também como, aliás, é seu dever
a ajudar a nova moeda a manter-se na banda de flutuação.
Abriria ainda uma facilidade especial, temporária, de crédito aos
bancos portugueses durante a fase de transição para a nova moeda,
a utilizar, se necessário, de modo a reagir imediatamente a qualquer
sintoma de pânico.
Não me parece inviável obter o apoio das
instituições comunitárias e dos estados-membros para uma
saída controlada do euro, pois a saída da zona euro será
benéfica para Portugal e sê-lo-á também para os
outros parceiros da moeda única.
Queiramos ou não, a verdade é que a débil
situação estrutural da nossa economia será sempre e cada
vez mais um factor potencial de instabilização da zona euro e,
por isso, os nossos parceiros receberão certamente, com alívio,
essa saída (se for controlada) e tomarão uma atitude cooperante.
Há, pois, condições para um divórcio de
mútuo consentimento. Mais: arrisco-me a afirmar que os mercados
também a encararão com optimismo, se forem prestadas as garantias
suficientes que acima referi.
Com efeito, a confiança que nos atribuíam por pertencermos ao
euro, perdeu-se há muito tempo. Estava assente no pressuposto de que, em
caso de dificuldades de um país, os outros ou as
instituições europeias o apoiariam incondicionalmente. Esse
pressuposto no qual nunca acreditei esfumou-se completamente.
Então, só há uma possibilidade de cumprirmos os nossos
compromissos: é recomeçarmos a crescer rapidamente com base na
produção de bens transaccionáveis, gerando saldos
positivos na balança de pagamentos. Objectivos que os mercados sabem
muito bem que não conseguiremos alcançar continuando a fazer
parte do euro.
A saída é uma condição essencial para evitar a
estagnação durante décadas e para manter um mínimo
de autonomia em termos políticos, mas não nego que tem riscos. A
verdade é que também o tem qualquer operação
cirúrgica que infelizmente precisemos de fazer. Sofrer uma
intervenção cirúrgica é arriscado e doloroso. Mas,
muitas vezes, é a única forma de salvar o doente.
Para Portugal poder ganhar de novo esperança no futuro, a primeira
ruptura a fazer é volto a repetir a saída do euro.
Mas não será a única. É importante também
fazer um corte relativamente ao que tem sido o essencial da política
externa.
Reforço de novas alianças não europeias
Desde que aderiu à então CEE, em 1986, Portugal optou pelo
completo seguidismo em relação à Europa. Tudo em nome do
princípio absurdo de que o que é bom para a Europa é bom
para Portugal.
Nenhuma autonomia de pensamento, nenhuma visão sólida dos
interesses nacionais permanentes presidiu a esta antipolítica que foi o
seguidismo europeu. Este comportamento é bem característico da
qualidade das nossas elites, a que já me referi. Elites que, neste
domínio, devem ter personificado um caso único em toda a
História.
Com efeito, tem sido relativamente frequente ao longo dos tempos que um estado
emergente estabeleça como objectivo nacional dotar-se de moeda
própria. Compreende-se porque é um instrumento importante para a
sua autonomia. Mas que uma elite, como a portuguesa, estabeleça, como
único projecto nacional consistentemente prosseguido, perder a autonomia
monetária deve ser caso único da História e revela bem a
qualidade dessa elite.
Este seguidismo europeu só recentemente tem vindo a ser corrigido (mas
não no que se refere ao programa de ajustamento económico e
financeiro) de forma ténue, devido, em primeiro lugar, à crise. A
mudança começou ainda no tempo dos Governos Sócrates e tem
continuado no actual governo, o que, em minha opinião, constitui um
aspecto positivo. Positivo mas insuficiente.
É preciso ir muito mais além e ter a noção do que
os nossos aliados de futuro não se podem encontrar numa Europa dominada
pela Alemanha, que já provou ser implacável para com os mais
débeis.
Seria um desastre embarcarmos numa estratégia de orgulhosamente
sós
[19]
. Pelo contrário, existem felizmente muitas alternativas: toda a
América (do Norte e do Sul), Angola, China e outras nações
do Extremo Oriente são parceiros que podem e devem ter muito mais
entrada no nosso futuro.
Vou dar um exemplo. Temos já hoje uma enorme riqueza ainda por explorar,
que é a nossa plataforma continental e espera-se que venha
até a alargar os seus limites. A Europa já olha gulosa para essa
oportunidade (ver a recente Declaração de Limassol sobre o
assunto, de Outubro de 2012, em que se acena com fundos para uma
política marítima europeia
[20]
). Já inventou uma política marítima europeia e, sabendo o
que a casa gasta, já promete fundos às nossas elites para que
estas abram mão dos recursos.
Não devemos deixar a Europa, enquanto tal, imiscuir-se no aproveitamento
da nossa plataforma continental (o que não quer dizer que não
acolhamos países europeus individualmente considerados). Mas as grandes
parcerias que devemos estabelecer para aproveitarmos essa riqueza devem estar
na América, em particular, nos Estados Unidos e Brasil.
Notas
18. Ver, por exemplo, o recente
O Fim do Euro em Portugal,
de Pedro Brás Teixeira (2012).
19. Expressão célebre de Oliveira Salazar na tentativa de
transformar em virtude o isolamento que Portugal sofria devido ao
prosseguimento da Guerra Colonial. E a nossa experiência actual mostra
que também pode existir isolamento dentro da própria União
Europeia.
20.
http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/policy/documents/limassol_en.pdf
Ouvir também:
Intervenção do autor no debate "O euro e a dívida"
[*]
Professor emérito do ISEG.
O presente texto é o capítulo 5 de "Porque Devemos Sair do
Euro", Lisboa,
Editora Lua de Papel
, Abril de 2013, 128 p., ISBN 978-989-23-2314-5
Este texto encontra-se em
http://resistir.info/
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