Uma estratégia que contemple a saída do euro
Resenha de
Crisis en la eurozona
, edição em
castelhano do livro de Costa Lapavitsas
por Salvador López Arnal
Um livro indispensável, assegura Alex Callinicos, para toda pessoa que
tente compreender a implosão da União Europeia. Será que o
professor do European Studies at King's College, de Londres, exagera?
Não parece.
No mesmo sentido se pronuncia Stathis Kouvelakis na introdução do
ensaio: "Isto nos leva ao ponto final mas provavelmente também o
mais crucial do material reunido neste volume: não satisfeitos em
oferecer uma análise pioneira das particularidades da crise capitalista
dentro da eurozona, Lapavitsas e seus colaboradores do RMF foram um passo
além, proporcionando o guião de uma estratégia
alternativa. Este resumo começa com o incumprimento da dívida
soberana... e amplia-se a uma saída unilateral do euro por parte dos
países que não possam evitar o incumprimento, o que lhes
permitiria recuperar o controle de uma parte da sua soberania nacional e
escapar do cataclismo da desvalorização interna imposta pelas
terapias de choque concebidas pela UE". (p. 25).
Crisis en la Eurozona
[*]
é uma versão revista de três relatórios sobre a
crise da eurozona publicados online pelo
Research on Money and Finance
em Março e Setembro de 2010 e em Novembro de 2011 com os títulos
"Empobrecendo-te a ti e ao teu vizinho", "A eurozona entre a
austeridade e o incumprimento" e "Ruptura? Uma drástica
saída da crise da eurozona".
Pode-se ler, se se considerar adequado, como um comentário
crítico documentado a posições como aquelas defendidas por
Yanis Varoufakis em entrevista realizada por Alessandro Bianchi
[1]
, compartilhada por amplos sectores da esquerda europeia, respondendo a
uma pergunta sobre o "actual estado de coisas" na zona euro e se a
melhor solução para os países europeus do Sul seria sair
da moeda única. "Se pudéssemos voltar atrás no tempo,
a melhor opção teria sido que os países meridionais,
além da Irlanda, tivessem ficado fora da eurozona".
Indubitavelmente, admite YV, "o comportamento dos poderes de facto, tanto
no Norte como no Sul da Europa, dissiparam a fantasia, a que assistimos em
torno de 2000, de que a eurozona evoluiria rumo a uma entidade federal,
possivelmente depois de uma crise existencial ameaçar sua
integridade". Dito sem rodeios, prossegue o economista grego, "nossas
elites cometeram um pecado capital metendo nossas nações
periféricas numa versão europeia do padrão ouro que, tal
como o padrão ouro original, primeiro provocou entradas maciças
de capital nas regiões de défice que incharam gigantescas bolhas
e, segundo, provocou uma depressão permanente nos mesmos países
do défice uma vez que arrebentaram as bolhas após o 1929 da nossa
geração (ou seja, 2008)".
Aceite o anterior, admitindo o assinalado, "sair da nossa horrorosa
união monetária não nos devolverá, nem sequer a
longo prazo, aonde teríamos estado sem a princípio
tivéssemos ficado fora". Uma vez dentro, pode ser que a fuga
"empurre nossas cambaleantes economias para um precipício
escarpado. Sobre tudo se se faz descoordenadamente, país por
país". Por que? Porque ao contrário da Argentina em 2002 ou
da Grã-Bretanha em 1931, sair da eurozona não é só
questão de romper o ajuste entre nossa própria moeda e outra
estrangeira. Não temos uma moeda com que desemparelharmos".
Ter-se-ia necessariamente que criar "uma moeda (uma tarefa que leva no
mínimo de 8 a 10 meses para completar) com o objectivo de
desemparelhá-la ou desvalorizá-la". Esse atraso entre o
anúncio de uma desvalorização e seu cumprimento efectivo
"bastaria para devolver nossas economias à Idade da Pedra".
À Idade da Pedra é expressão de YV.
Crisis en la eurozona
pretende corroborar, pois, a consideração de Vicenç
Navarro na sua coluna "Domínio Público" de
31/Outubro/2013
[2]
. Este escrito, aponta o professor da UPF, "assinala a necessidade e
urgência de debater os méritos e deméritos de permanecer no
euro, com a análise dos benefícios e custos que isso implicaria,
comparando-o com os custos e benefícios de nele se manter".
É urgente que se abra um debate na Espanha sobre o mérito ou
demérito de sair do euro. É muito criticável, assinala VN,
"que apenas exista debate sobre este tema. Inclusive em amplos sectores da
esquerda apenas aparecem artigos que questionam a permanência da Espanha
no euro. Daí que tal debate deveria verificar-se com ênfase
especial entre as esquerdas, sem insultos, sarcasmos ou sectarismos".
Entre nós, Pedro Montes ou Alberto Montero Soler (e em algumas
ocasiões Juan Torres López) apoiam esta
consideração.
Do mesmo modo, sustenta o doutor Navarro, "aqueles da esquerda que se
opõem a sair do euro não estão a indicar como o maior
problema económico (além de social) que a Espanha tem, ou seja, o
desemprego, poderá ser resolvido neste país". As propostas
mais avançadas neste sentido, prossegue VN, "são as
propostas da Confederação Europeia de Sindicatos (CES), que
avançam políticas públicas de clara
orientação expansiva" com as quais ele está
totalmente de acordo. Para realizá-las e levá-las a cabo,
conclui, "exigem-se mudanças substanciais no contexto
político do establishment que governo tanto a eurozona como o
euro". A arquitectura institucional da eurozona é, por
concepção e vontade dos seus dirigentes, "liberal, e
é dificílimo que isso mude, condenando a Espanha ao desemprego e
precariedade por muitíssimos anos". Se alguém se opõe
a sair do euro, "deveria explicar como pensa resolver o enorme desemprego
e a grande descida dos salários na Espanha".
Não é o único a pensar assim. Luciano Canforam transita
por um caminho quase idêntico em "Cómo salir vivos de la
trampa", um texto recolhido em
La historia falsa y otros escritos
[3]
. Agora que o processo foi completado, assinala o estudioso italiano, com a
criação do novíssimo Sistema Autoritário Europeu e
o partido orgânico subdividido em fracções devidamente
"coesionadas" não tem motivos para labutar demasiado em
contendas eleitorais, a pergunta essencial é saber "sobre que
ombros recairá a tarefa de propor de novo a defesa da justiça
social (art. 3 da nossa Constituição) contra a lógica do
lucro?" LC recorda o comentário do ex-ministro Tremonti: uma vez
escritas as regras de Maastricht, Jacques Attali, um dos seus autores,
comentou: "escrevemo-las de tal maneira para que ninguém possa
tentar sair da moeda única". Depois de 12 anos de tudo isso, e
visto que a moeda única, com tudo o que implica de carnificina social,
"defende-se com a força pública e com a chantagem, a
pergunta colocada anteriormente parece não só necessária
como premente" na sua mais que razoável opinião.
Em termos simples, o grande classicista italiano assim resume o estado da
questão: "é indispensável que renasça uma
esquerda, ainda que isto corra o risco de acontecer (se acontecer) no pior
contexto possível... Uma vez que o problema mais grave e urgente como
sairmos vivos da armadilha do euro e dos "parâmetros de
Maastricht", é evidente que um eventual ressurgimento da esquerda
deveria ser cimentado sobre este terreno difícil, propor
soluções factíveis, lutar para levá-las a
cabo".
Voltemos pois ao texto de Costas Lapavitsas. Não é
possível aqui fazer um relato pormenorizado dos conteúdos e teses
deste ensaio. Como ilustração resumo o conteúdo do segundo
capítulo: "A crise da eurozona tem muitos aspectos, mas é
também sem dúvida uma crise de dívida". Nesta parte
do livro analisam-se "as fontes, a natureza e as razões da
acumulação de dívida na eurozona, especialmente depois do
começo da crise financeira global". Argumenta-se a seguir que,
perante uma enorme e crescente montanha de dívida, "os governo
têm duas opções: deixar de pagar os serviços
públicos e reduzir a despesa pública (austeridade) ou deixar de
pagar aos possuidores de títulos. A última alternativa significa
o incumprimento, que além disso poderia verificar-se segundo as
condições ditadas pelo credor ou pelo devedor" (p. 115).
Não é preciso indicar a opção tomada ou que
foram obrigados a tomar pela maioria dos governos europeus.
Sobre a situação actual e as apostas das classes dirigentes
europeias assinala-se o final do primeiro capítulo: "Não
há sinais de que os capitalistas dos países periféricos
sejam capazes de tal actuação. Trata-se de uma tarefa
especialmente complicada devido ao facto de que os referidos países
normalmente têm estruturas produtivas de tecnologia intermédia, ao
passo que os salários reais estão acima dos seus competidores na
Ásia e em outros lugares". Em consequência, existe o risco de
que uma saída conservadora da situação somada a uma
(neo)libertação conduza "a um estancamento prolongado
acompanhado de episódios de inflação,
desvalorizações sucessivas e uma lenta erosão dos
rendimentos do trabalho. Daí que, na periferia, as classes dirigentes
tenham em geral preferido a opção de permanecer na eurozona e
transferir os custos para os trabalhadores" (p. 109).
A saída progressista da zona euro "uma saída sujeita
a uma reestruturação drástica da economia e da
sociedade" é vista nos seguintes termos (uma
opção que não se nega que naturalmente implicaria um
importante choque económico): "verificar-se-ia uma
desvalorização, a qual descarregaria parte da pressão do
ajuste ao melhorar a balança comercial, mas também dificultaria
muito enfrentar a dívida externa". Por tudo isso seria
necessário a suspensão de pagamentos e a
reestruturação da dívida. "O acesso aos mercados
internacionais tornar-se-ia extraordinariamente complicado. Os bancos ficariam
sob uma forte pressão e tendo que enfrentar a quebra. A questão,
contudo, é que estes problemas não têm que ser enfrentados
da habitual maneira conservadora" (p. 110).
Não, é claro que não têm de sê-lo. "A
combinação de banca pública e controles sobre a conta de
capital colocaria de imediato a questão da propriedade pública
sobre áreas da economia. Os pontos fracos subjacentes à
produtividade e à competitividade já ameaçam a viabilidade
de sectores completos de actividade económica nos países
periféricos". A propriedade pública, uma velha identidade da
esquerda transformadora não cooptada pelo neoliberalismo, seria
necessária para evitar o colapso. "Os âmbitos
específicos que se colocariam sob propriedade pública e inclusive
a forma que esta tomaria dependeriam das características de cada
país. Mas os serviços públicos, o transporte, a energia e
as telecomunicações seriam os principais candidatos, pelo menos
com o objectivo de apoiar o resto da actividade económica" (p. 111).
OS CUSTOS DE PERMANECER NA EUROZONA
De facto, tal como se assinalou, a maneira correcta de tratar o tema do euro
não passa por perguntar os custos económicos e sociais de sair da
moeda única. Não, não é este o ponto. "Essa
é a colocação das forças conservadoras e em
particular dos poderes económicos. Temos que começar por analisar
os custos de permanecer na eurozona porque depois de aceitar a dura medicina
dos cortes salariais, da redução da despesa pública, da
subida de impostos, das privatizações e da
destruição do Estado de bem-estar continuamos com uma perspectiva
de estagnação económica a longo prazo". Para CL
é imprescindível abandonar o euro para evitar esta
estagnação, "o aumento da pobreza, a perda de direitos
democráticos e de soberania nacional nos países
periféricos". Não há nenhuma dúvida do seu
ponto de vista de que o euro é insustentável a longo prazo.
"A União Económica e Monetária representa um fracasso
histórico gigantesco, que se tentou manter assumindo enormes custos
sociais ao longo dos três últimos anos". Em lugar de
continuar a adoptar medidas baseadas na austeridade (neoliberal) e contra o
interesse dos trabalhadores e trabalhadoras, "há que tomar o
controle da banca e dos fluxos de capital, o que é perfeitamente
possível porque a própria UE o fez no caso de Chipre".
Pode-se, pode-se. Uma medida, acrescenta, que evitaria também os ataques
dos mercados e a fuga de capitais, "uma ameaça real mas com a qual
tão pouco se deve exagerar".
CL insta as organizações de esquerda que pretendam continuar a
ser de esquerda a que corrijam sua visão sobre a Europa, assim como
também sobre o papel dos Estados modernos e a forma mais adequada para
criar "um internacionalismo mais eficaz para enfrentar este ataque, sem
precedentes, do capitalismo". O internacionalismo, outra
noção chave da esquerda. Há mais de trinta anos, Manuel
Sacristán exprimia-se nestes termos:
"O marxismo converteu-se num fenómeno universal, mais como
método de solução de todos os problemas. Neste momento, a
tendência é para uma interiorização, para uma
nacionalização da política... No entanto, marxismo
não entendeu nem as autonomias, nem os nacionalismos e muito menos os
elementos subjectivos, psicológicos das sociedades. Acredita que esta
crise do marxismo é definitiva?", foi-lhe perguntado. A sua
resposta:
"A nacionalização da política é um dos
processos que mais depressa podem levar-nos à hecatombe nuclear. O
internacionalismo é um dos valores mais dignos e bons para a
espécie humana com que conta a tradição marxista. O que
passa é que o internacionalismo não se pode praticar realmente
senão sobre a base de outro velho princípio socialista, que
é o da auto-determinação dos povos... Tudo o mais que diz
o Sr. nesta pergunta é pura moda neo-romântica irracionalista,
efeito da perda de esperanças revolucionárias".
Na página final do livro acolhe-se uma citação de David
Graeber: "Se a História mostra algo é que não
há melhor maneira de justificar as relações baseadas na
violência, de fazê-las que pareçam mortais, do que
redefini-las na linguagem da dívida, sobretudo porque imediatamente faz
com que pareça que é a vítima que está a fazer algo
mau". Não está mal, nada mal, para encerrar este excelente
ensaio nem sequer esta pobre aproximação que aspira, basicamente,
chamar a atenção sobre a importância deste trabalho de
Costas Lapavitsas e dos seus companheiros do RMF.
PS: Permito-me recomendar como leitura complementar, mais essencial e
frutífera que este comentário, o artigo recente de Alberto
Montero Soler:
Salir de la pesadilla del euro
, outro dos nossos economistas essenciais, outro dos
economistas-mais-que-economistas hispânicos que navegam lucidamente
contra a corrente (por enquanto) ainda maioritária.
05/Janeiro/2014
Notas
[1] www.lantidiplomatico.it, 13 de octubre de 2013 (Traducción: Lucas
Antón).
www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=6370
[2]
www.vnavarro.org/?p=9952
[3] Luciano Canfora, La historia falsa y otros escritos. Capitán Swing,
Madrid, 2013 (Traducción de Inés Campillo Poza, Antonio
Antón y Regina López Muñoz), pp. 33-34.
[*]
Costas Lapavitsas,
Crisis en la eurozona
, Capitán Swing, Madrid, 2013, 320 p., ISBN: 978-84-941690-2-1
Lapavitsas em resistir.info:
Crise na Zona Euro
, 02/Jul/12
"A Grécia tem de sair do euro e declarar a moratória da dívida"
, 12/Jun/12,
A saída do euro como solução para a crise da dívida pública
, 07/Jul/10
A crise do euro e a crise sistêmica global
, 15/Jun/13
A crise sistémica do euro
, 17/Jul/13
Para Portugal, o tempo está a esgotar-se
, 11/Abr/12
Ruptura – Uma via para sair da crise da Eurozona
, 11/Nov/11
"O BCE não é a solução mágica para a crise da eurozona"
, 03/Jan/12
Depois da Europa connosco
, 18/Ago/12
O original encontra-se em
http://www.lahaine.org/index.php?p=74246
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/
.
|