Crise na Zona Euro
por Jorge Figueiredo
Crisis in the Euro Zone
[1]
de Costa Lapavitsas e outros, é um livro notável e fundamental
para a compreensão do que está a acontecer e das
opções a tomar (e das opções que estão a
tomar em nosso nome). Trata-se, na boa tradição marxista, de uma
análise abrangente da economia política da zona euro. Isto, por
si mesmo, já é um feito científico notável. Mas os
autores vão mais além pois examinam um a um os desenlaces
possíveis para a crise que abala os fundamentos da UE, da União
Monetária Europeia e da sua moeda mal concebida.
Após as enxurradas de desinformação, ideias confusas e
tentativas de instilar o medo despejadas diariamente por comentaristas da
televisão e dos jornais, este livro surge como oásis de lucidez e
clareza. Ele só poderia ter saído do ambiente intelectual da
School of Oriental e African Studies (SOAS) da Universidade de Londres. Ali, a
vasta experiência dos autores em relação ao que já
acontece há décadas em países do terceiro mundo, a par do
rigor conceptual, serviu de base para evidenciar o que se está a passar
na Europa de hoje.
Até recentemente havia o trabalho de Varoufakis acerca do metabolismo,
ou melhor, da falta dele, no interior da UE. A sua análise, em
O Minotauro Global
[2]
é poderosa. Ali se mostra a inanidade do FEEF e do MEE
(independentemente dos montantes com que forem dotados) e avança
propostas de solução. Mas por muito perfeitos que sejam os
diagnósticos de Varoufakis, as terapias do Plano A que preconiza
são reformistas e a UE não é reformável (talvez
por isso Varoufakis mencione um Plano B, que é a saída da zona
euro). No mesmo pecado não incide Lapavitsas e sua equipe.
Como todos sabem, a presente crise começou no sector imobiliário
dos EUA, transmutou-se numa crise do sistema bancário (estado-unidense e
europeu) e acabou por cristalizar em crises de dívidas soberanas
europeias. Esta crise veio revelar os males inerentes ao grande projecto das
classes dominantes europeias: a criação de uma moeda capaz
competir com o dólar e promover o sub-imperialismo europeu. Já se
pode dizer que este projecto fracassou e a razão para isso está
na própria concepção do mesmo. A crise de 2008-09 apenas
tornou isso evidente.
E agora, quais as saídas? Diante da crise que se abate sobre a UE e
ameaça desagregá-la, o livro disseca as opções
políticas que se apresentam aos países periféricos da UE.
Elas vão desde saídas regressivas que estão agora a
ser impostas aos países da periferia até uma
possível saída progressista. A preferida do capital financeiro
europeu é a que está agora a ser adoptada nos países
submetidos a troikas: é a austeridade com o corte de salários e
pensões, aumentos de impostos, reformas ditas "estruturais"
para flexibilizar o mercado de trabalho, privatizações, etc. Em
suma, transferir o fardo do ajustamento para as costas dos trabalhadores. A
segunda alternativa seria reformar a zona euro. Todos reconhecem que
política monetária unitária e política fiscal
fragmentada constituem uma mistura não funcional e tentar-se-ia
consertar estas mazelas sem desafiar as questões fundamentais contidas
no Tratado de Maastricht, no Pacto de Estabilidade e Crescimento e no Tratado
de Lisboa. Ou seja, tentar-se-iam soluções que mantivessem o
conservadorismo inerente à eurozona. Esta segunda alternativa,
também chamada a estratégia do "bom euro" está
certamente fadada ao insucesso pois falta à UE um estado unitário
ou federal e não há perspectiva de o mesmo concretizar-se no
futuro próximo.
Finalmente, surge a terceira alternativa: a da saída da eurozona. Mesmo
aqui, contudo, há duas variantes alternativas. Uma é a
"saída conservadora", que é muitas vezes discutida na
imprensa anglo-saxónica. O objectivo da mesma é simplesmente
desvalorizar a moeda do país que saiu. Alguns dos custos do ajustamento
seriam transferidos para o exterior e as exportações ganhariam
novo impulso. A desvalorização da nova moeda seria provavelmente
acompanhada de medidas de austeridade para os trabalhadores.
A outra variante é uma "saída progressista" da zona
euro, a qual exige uma mudança do poder económico e social
favorável aos trabalhadores dos países periféricos. Nesta
variante, haveria desvalorização da moeda acompanhada por uma
cessação de pagamentos e uma reestruturação da
dívida pública. Para impedir o colapso do sistema financeiro
seria preciso a nacionalização da banca, com a
criação de um sistema de bancos públicos. Também
teriam de ser impostos controles na conta de capital a fim de impedir a fuga do mesmo. E para
proteger a produção e o emprego, finalmente, seria
necessário expandir a propriedade do sector público sobre
áreas chave da economia como utilities, transporte e energia. Sobre esta
base seria possível desenvolver uma política industrial que
combinasse recursos públicos com crédito público.
"Uma política de saída progressista para países
periféricos teria evidentes custos e riscos. As vastas alianças
políticas necessárias para apoiar uma tal mudança ainda
não existem no presente", reconhecem os autores. E acrescentam:
"Esta ausência, a propósito, não é
necessariamente devida à falta de apoio popular para a mudança
radical. O mais importante é que até agora nenhuma força
crível na Europa teve a coragem de se opor à austeridade".
Até agora os povos europeus têm sido submetidos a campanhas
maciças para inculcar o medo de uma saída do euro. A saída
é assunto tabu e quando os fazedores de opinião chegam a falar
nisso é para apresentá-la como coisa terrífica, verdadeira
fonte de horrores. Durante mais de 20 anos martelaram na cabeça das
pessoas que o euro é o apogeu da unidade europeia e assim uma moeda cujo
objectivo é servir os interesses dos grandes bancos e do capital
monopolista foi apresentada como se se tratasse de um projecto
social-democrata.
Mas e as forças consideradas progressistas e que são supostas
defender os trabalhadores, onde estão elas e o que dizem quanto à
saída da zona euro? Muitas delas estão coniventes com essa
mistificação. É o caso dos integrantes do Partido de
Esquerda Europeu (PEE), que aceitaram de facto não por em causa o
capitalismo nem a Europa dos monopólios. É o caso do seu representate em Portugal,
o BE. O seu líder, Francisco Louçã, faz discursos
grandiloquentes sobre os malefícios do programa imposto pela troika
mas defende a permanência na zona euro a todo custo. Outros
partidos, por timidez ou por cálculo eleitoral, não se atrevem a
preconizar a saída progressista da zona euro. Eles condenam-se assim a
uma actuação ineficaz pois não têm propostas
sérias para combater a austeridade que esmaga os países da
periferia da Europa e ameaça transformar os seus povos em servos do
capital financeiro.
Como diz, e bem, Lapavitsas: "O apoio para a união monetária
da esquerda europeia tem afectado decisivamente o desenvolvimento
político da crise. Muitos tem falado voluvelmente acerca das iniquidades
do capitalismo, a natureza desastrosa do neoliberalismo, o absurdo da
austeridade, o veneno da desigualdade e assim por diante. Mas sempre que a
discussão se vira para o euro, o qual, afinal de contas, tem sido o
ponto focal da crise, grande parte da esquerda tem procurado simplesmente mudar
de assunto. Ou tem apresentado propostas com impecáveis credenciais da
ciência económica corrente, incluindo a emissão de
eurobonds e o empréstimo pelo Banco Central Europeu aos estados
membros". Realmente, é muito estranha essa esquerda respeitosa para
com o capital financeiro. Será ainda esquerda? Não é
casual que em França a sra. Le Pen tenha tido a votação
que teve: foi o único candidato que defendeu a saída da zona euro
indica apoio popular à ideia. A esquerda encolhida não foi capaz disso.
Na verdade, um radicalismo que não está preparado para contemplar o
abandono da divisa comum pouco tem para contribuir para o debate público
ou para a luta política que actualmente se verifica na
Europa. Os dias de hoje vão definir os destinos desta e de futuras
gerações. Se a resposta conservadora prevalecer, o futuro
será sombrio. O capital financeiro e oligopolista imporá uma
solução regressiva que condenará o povo trabalhador a rendimentos
estagnados, alto desemprego e estados previdência enfraquecidos. Direitos
democráticos ficarão em causa e o continente mergulhará no
declínio. Se, em contrapartida, as forças progressistas
prevalecerem o equilíbrio poderia ser mudado contra o capital e a favor
do trabalho e assim as sociedades europeias seriam rejuvenescidas do ponto de
vista económico, ideológico e político.
[1]
Crisis in the Euro Zone
, Costas Lapavitsas et al., Verso, Londres, 2012, 243 p.
[2] Ver capítulo "O Minotauro global" em
Ascensão e queda do euro
, Ed. Chiado, Lisboa, 2012, 351 p.
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/
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