Para Portugal, o tempo está a esgotar-se
por Costas Lapavitsas
[*]
e Nuno Teles
[**]
No mês passado, o ministro das Finanças português declarou
em Washington que "o ajustamento será mais rápido e bem
sucedido do que o previsto no programa [da troika]".
Animado pela redução do défice externo no último
trimestre do ano passado, Vítor Gaspar reafirmava assim a sua fé
nas actuais políticas do seu governo pouco importando que esta
redução do défice se tenha devido a uma queda das
importações causada pelo colapso do consumo e investimento
internos e a um crescimento das exportações para o espaço
não europeu que beneficiou da desvalorização do euro
durante o mesmo período.
No entanto, a euforia governamental foi de curta duração.
Através dos dados da execução orçamental,
ficámos a saber que embora a carga fiscal tenha sido brutalmente
aumentada, o aprofundamento da recessão conduziu a uma queda das
receitas fiscais em 5,3% durante os dois primeiros meses de 2011 face ao
período homólogo. Os números do desemprego, que atinge
actualmente 15% segundo o Eurostat, ultrapassam o que foi estimado para este
ano pelo Governo. As metas definidas para o défice orçamental
parecem difíceis de atingir, ao mesmo tempo que a dívida atingiu
já os 110% do PIB e que os juros no mercado secundário de
dívida pública a dez anos registam valores em torno dos 12%,
acima dos 8% verificados aquando do pedido de "resgate" externo.
É, pois, cada vez mais consensual a necessidade de um segundo programa
de financiamento e a provável renegociação da
dívida pública com o sector privado.
Enganam-se, contudo, aqueles que vêem a nova "ajuda" europeia e
o cancelamento de parte da dívida (promovida pelos credores, como
sucedeu no caso grego) como um balão de oxigénio para a economia
portuguesa. A Grécia funciona, mais uma vez, como uma "bola de
cristal" onde é discernível a evolução futura
da economia portuguesa. Quando a crise se iniciou, em 2010, a dívida
soberana grega ascendia a 300 mil milhões de euros e era detida
sobretudo por credores privados, encontrando-se enquadrada pelo ordenamento
jurídico grego. Depois de dois anos de resgate, a Grécia viu a
sua dívida pública total aumentar para 370 mil milhões de
euros, dos quais os privados detêm apenas 200 mil milhões. Com a
actual reestruturação, os credores privados foram forçados
a aceitar perdas nominais de 53,5% nos seus títulos. As suas perdas
serão compensadas através de um conjunto de pagamentos imediatos,
entendidos como indemnizações necessárias ao acordo
voluntário. Por outro lado, uma vez que uma parte substancial da
dívida privada é detida pela banca grega, o Estado será
obrigado a um processo de recapitalização num montante total de
cerca de 50 mil milhões de euros os quais acrescem à
dívida pública. Conclusão: tendo em conta o novo
endividamento junto da troika, a redução real da dívida
grega é de menos do que 10% do PIB - com a diferença que os novos
títulos de dívida detidos por privados passam a ser protegidos
pela lei britânica. Tudo isto, claro, a par de novas doses de
austeridade, permitindo concluir que o futuro que a Grécia tem pela
frente não é mais do que o aprofundamento da depressão e o
intolerável agravamento dos seus custos sociais.
Face à previsível evolução da
situação na Grécia, ao impacte negativo sobre o nosso PIB
da já notória recessão europeia e aos sinais claros de que
o programa que tem vindo a ser imposto pelo actual Governo está a falhar
os objectivos, Portugal não pode perder mais tempo. Este mês
será publicado um livro, intitulado
Crisis in the Eurozone
(Verso Books), que reúne o trabalho que temos vindo a desenvolver
há mais de dois anos sobre a crise europeia no quadro do grupo de
investigação Research on Money and Finance. Nesse livro,
procede-se a uma reflexão em torno de quais as saídas
possíveis, e quais as mais favoráveis, para a periferia europeia
começando desde logo pela Grécia, cujo caso antecipa e
serve de modelo para Portugal. Defende-se uma reestruturação da
dívida liderada pelos estados devedores, assente na
participação democrática (tal como tem vindo a ser
efectuado através dos processos de auditoria cidadã), por forma a
reduzir a dívida para níveis sustentáveis do ponto de
vista financeiro, económico e social. Sabemos que este caminho
implicará, provavelmente, a saída do euro e sabemos
também que esse processo não está isento de custos e
riscos. Tal saída forneceria, contudo, novos instrumentos para a
recuperação económica, incluindo a possibilidade de
desvalorização da moeda (promovendo o equilíbrio externo)
e de adopção de uma política monetária
autónoma financiadora de uma política orçamental de
combate à crise.
Face à certeza de uma política europeia desastrosa para a
periferia, agora reforçada à luz dos novos acordos, esta via
é a única susceptível de colocar os países da
periferia europeia numa trajectória de recuperação
económica, se adequadamente planeada e implementada de modo a minimizar
os riscos e custos da transição monetária. Isso implica um
controlo público efectivo sobre a banca, a introdução de
controlos de capitais, uma reforma fiscal profunda e a
prossecução de uma política industrial activa ou
seja, uma profunda alteração da actual correlação
de forças sociais. A alternativa contra a qual este cenário deve
ser avaliado é o actual empobrecimento sem fim, a perda de soberania
nacional e a regressiva redistribuição do rendimento. Um caminho
no qual, aliás, o risco de uma saída caótica do euro, com
uma economia arrasada e em total ruptura, não cessará de
aumentar. Primeiro para a Grécia, depois para Portugal.
09/Abril/2012
Do mesmo autor:
Ruptura – Uma via para sair da crise da Eurozona
"O BCE não é a solução mágica para a crise da eurozona"
[*]
Professor de Economia da School of Oriental and African Studies (SOAS), membro
do RMF (
Research on Money and Finance
)
[**] Doutorando em Economia na SOAS, membro do RMF.
A versão em português encontra-se em
economia.publico.pt/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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