Petróleo: O dia de depois de amanhã
por A.M. Samsam Bakhtiari
Introdução
O petróleo bruto é uma mercadoria diferente de qualquer outra:
é simultaneamente uma matéria-prima estratégica, um input
industrial único e o mais essencial dos combustíveis. É
também
"a forma de energia mais convenientemente
e amplamente comerciada
e portanto
o elemento de ajustamento
(swing element)
no mix da energia mundial"
[1]
Actualmente, o consumo mundial de todos os hidrocarbonetos líquidos
está em torno dos 81 milhões de b/d (com mais ou menos um
milhão b/d). Assim, o movimento de vendas fixa-se grosso modo em torno
dos US$ 6 mil milhões a cada dia com o dobro do que está a ser
comerciado (os assim chamados "barris de papel" na bolsas do NYMEX
(New York) e do IPE (Londres).
Outra característica distinta do petróleo bruto é que, ao
contrário de outras
commodities
que têm mercados livres,
"não há mercado livre no petróleo"
[2]
Mas o petróleo bruto é muito mais do que a soma das suas partes:
é o principal pilar sobre o qual assenta o telhado da nossa actual
economia global. Não é de admirar que o seu preço seja o
número mais importante citado diariamente pelos media.
Durante a melhor parte do século XX, entretanto, o petróleo bruto
foi considerado como tão natural quanto qualquer outra
commodity.
Seu preço era sempre relativamente barato e estava disponível
em qualquer localização dada. Geração após
geração simplesmente habituou-se a utilizar os seus derivados sem
cerimónias. Aparentemente, nada havia de especial acerca do
petróleo bruto
HOJE
A produção mundial de petróleo agora atingiu o pico. Para
confirmar este facto basta somar o esgotamento total de todos os campos de
petróleo existentes (riscando o seu impacto negativo sobre a oferta
global) e a seguir somar todo o petróleo entrante proveniente dos novos
campos em produção (com seu influxo positivo) a fim de obter o
impacto final da oferta global de petróleo somando ambos. Sob as
simulações e cenários mais plausíveis, a soma final
é sempre negativa, o que portanto aponta para um declínio da
oferta.
Assim, um século e meio após o início da moderna
indústria petrolífera, em 1859, o mundo está a entrar numa
nova era aquela do declínio irreversível da
produção mundial de petróleo bruto.
De acordo com o meu modelo 'World Oil Production Capacity' [WOCAP], a actual
produção global de 81 milhões b/d deveria declinar
firmemente até alcançar uns 55 milhões b/d em 2020
[3]
. De forma bastante curiosa, um grupo de académicos italianos a
trabalhar sob a direcção do Prof. Renato Guseo chegou à
mesma conclusão dos 55 milhões b/d através do uso de um
modelo totalmente diferente, o qual era baseado no método dos
'Mínimos quadrados não lineares'
[4]
.
Portanto, ocorrerão declínios sucessivos ao longo de um certo
número de 'transições' a primeira das quais
é a 'Transição Um' [T1], seguida pela 'T2', 'T3' e 'T4'
[5]
. O período de tempo de cada estrutura será de três a
cinco anos com uma média de quatro anos por
transição.
Hoje posicionamo-nos no próprio princípio da 'T1', mesmo neste
ponto inicial de arranque, tendo tudo sido alterado pois as nossas antigas
regras 'Pré-Pico' já não se aplicam mais, e estamos ainda
confusos acerca das novas regras 'Pós-Pico'. Basta lembrar que o
'Business As Usual' não é mais um cenário viável
quanto nada mais é 'usual'
AMANHÃ
Com a preponderância gradual da Oferta sobre a Procura atingida durante a
'T1', tanto os preços do petróleo como a sua volatilidade
estão destinados a aumentar. Os pobres serão os primeiros a
serem atingidos por este disparar de preços tanto entre
países como entre indivíduos. Os mais duramente atingidos
serão aqueles na base da pirâmide. Como resultante da pequena
redução da procura, a folga será prontamente capturada
pelos consumidores mais ricos.
No intervalo entre pobres e ricos, as camadas média
começarão a ter de adaptar-se às circunstâncias e
às novas regras do jogo da energia. Isto não se
verificará sem tensões sociais, a extravasarem para a esfera
política e a conduzirem a fagulhas internas que podem criar problemas
sérios na arena nacional.
Internacionalmente, países a competirem por recursos petrolíferos
a diminuírem cada vez mais entrarão em rivalidades violentas.
Isto não será algo semelhante a qualquer 'Novo Grande Jogo', mas
antes a duelos mortais entre génios planeadores
(masterminds)
a tentarem o seu melhor a fim de proporcionar às suas próprias
nações-estado o menos mau possível.
Aqueles países que utilizaram a era 'Pré-Pico' (e também a
'T1') a fim de se prepararem para os choques 'Pós-Pico' vindouros
naturalmente desempenhar-se-ão muito melhor do que aqueles que
desperdiçaram o seu tempo e deixaram passar as suas oportunidades de
ouro.
Naturalmente, aquela região muito especial conhecida como Médio
Oriente ficará em foco tanto pela questão das
ambições geopolíticas como da questão
energética global. Isto pode conduzir a uma situação
ainda mais caótica do que nos dias actuais. Mas, para aqueles actores
que quer queiram quer não mantêm um ferro no fogo, os
prémios futuros podem demonstrar-se valiosos depois de os pontos
incandescentes e leitos quentes terem finalmente arrefecido
O DIA DE DEPOIS DE AMANHÃ
Deveria sempre ser mantido em mente que as quatro Transições
esboçadas acima são apenas um uma estrutura teórica geral
para fases distintas do declínio da produção
petrolífera global. Nem é preciso dizer que, na prática,
as coisas não se desenvolverão tão suavemente como
delineámos teoricamente porque as próprias
transições provocarão impactos sobre políticas,
estratégias e acontecimentos.
Mesmo a relativamente benigna 'T1' pode vir a testemunhar desenvolvimentos
inesperados quando os génios planeadores lerem correctamente as
suas 'folhas de chá' esforçar-se-ão por prevenir
movimentos planeados pelos seus rivais. E, se não forem indevidamente
influenciados pela 'T1', os eventos inevitavelmente serão precipitados
pela muito menos benigna 'T2'. É portanto difícil imaginar que o
crítico Médio Oriente não seja perturbado durante o tempo
destas primeiras duas Transições.
Depois de terem tentado optimizar a procura de petróleo através
do preço por tanto tempo quanto possível, as grandes
potências terão de encarar o facto inescapável de que
simplesmente não haverá bastante petróleo para todos
aqueles que ainda estejam dispostos a pagar preços
estratosféricos. Nessa altura, elas terão de voltar-se para
quotas nacionais e regionais a fim de impedir o caos.
As lutas pelo poder e os conflitos mortais que inevitavelmente se
seguirão poderão muito bem decidir não só o que
será o século XXI como também o próprio destino da
Humanidade
[6]
. Nesta era 'Pós-Petróleo', mesmo os vencedores podem
também vir a ser perdedores.
Num mundo que ainda tem a possibilidade de destruir-se a si próprio,
terá de ser mostrada a mais extrema contenção para
não precipitar o planeta no abismo. Haja esperança de que as
grandes Potências executarão os seus jogos de dissuasão tal
como o fizeram ao longo dos últimos cinquenta anos ou mais
[7]
, e que não haja recém-chegados menores para entornarem o caldo.
CONCLUSÃO
Após um século e meio de dependência do petróleo e
da sua miríade de derivados, o mundo está subitamente a enfrentar
a situação inteiramente nova de ter de arcar com uma oferta
declinante do mesmo.
Em teoria, o declínio inicial ocorreria ao longo de quatro grandes
períodos de transição, cada um com aproximadamente quatro
anos. Na prática, os eventos disparados pela tensa era
'Pós-Pico' podem vir a perturbar estas transições
ordenadas, conduzindo às erupções explosivas que parecem
ter sido a regra ao invés da excepção durante a longa
História do Petróleo.
Em qualquer caso, os preços do petróleo e a sua volatilidade
estão obrigados a estabelecerem novos récordes a cada ano que
passa. Em algum ponto, mesmo a optimização através do
preço demonstrar-se-á fútil e a disponibilidade
terá de tornar-se o novo padrão.
Rivalidades, lutas e conflitos tornar-se-ão a ordem do dia entre
sociedades e nações-estado pressionadas a providenciar todo o
petróleo que possam obter para tentar atender à sede
insaciável dos seus cidadãos por este mágico
líquido negro.
Haja esperança de que o planeta sobreviva às graves ondas de
choque desencadeadas pela era 'Pós-Pico' e as suas
Transições inelutáveis. Mas, como se perguntou Lord
Tennyson no seu sublime poema 'Locksley Hall Sixty Years After':
"Quem pode dizer como acabará tudo?"
Out/2006
REFERÊNCIAS
1- 'The Politics of Middle East Oil', edited by Paul Tempest, 'Royaumont Group'
(London: Graham & Trotman, 1993) p.249.
2- Silvan Robinson, 'Real cost base of oil isn't what you think', in 'Petroleum
Intelligence Weekly' (April 3, 1989) pp.6-7.
3- A.M.Samsam Bakhtiari, 'The World Oil Capacity Production [WOCAP] model'
(December 2003) ver website www.samsambakhtiari.com
4- R.Guseo et al., 'World Oil Depletion Models: Price Effects Compared with
Strategic or Technological Intervention', comunicação apresentada
na conferência da 'Italian
Society of Statistics' (Bari, Itália - Junho/2004).
5- Sobre 'Transitions' ver o excelente documento de Byron W. King em
www.EnergyBulletin.net datado de 27/Agosto/2006.
6- Para uma visão particularmente sombria do 'Pós-Pico', ver
Richard C. Duncan: 'The Olduvai Theory: sliding towards the post-industrial
stone age' (Seattle: The Institute of Energy and Man, 1996).
7- Embora nos dias de hoje 'dissuasão' não seja o que foi, tal
como delineado por Gabriel Kolko em 'The Death of Deterrence', on
AsiaTimesOnline, August 30, 2006.
Do mesmo autor:
Pico petrolífero: as quatro etapas da transição
O homem que previu o disparo dos preços do petróleo
Sustentabilidade no século XXI
Um modelo da capacidade mundial de produção de petróleo
Do 'Pico do Petróleo' para a 'Transição Um'
Acerca das reservas petrolíferas do Médio Oriente
A última fronteira
O original encontra-se em
http://www.sfu.ca/~asamsamb/sb.htm
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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