Acabar com os almoços gratuitos dos EUA
Como deveria o Médio Oriente investir o seu excedente comercial?
Toda semana os países do Médio Oriente adquirem mais
dólares como pagamento pelo seu petróleo, por outras
exportações e também pela ascensão do investimento
estado-unidense no seus mercados de acções e em outras
propriedades. Isto confronta-os com um problema: O que podem eles fazer com
estes dólares?
Tradicionalmente, os exportadores poupavam os rendimentos das suas
exportações com a acumulação destes activos. Mas
será ainda realista para eles adquirir mais activos dolarizados?
Bancos centrais por todo o mundo actualmente possuem uns US$2,5 mihões
de milhões
(trillion)
de Títulos do Tesouro dos EUA, e mais outro milhão de
milhões de dólares em dívidas em dólar do sector
privado. Quando a taxa de câmbio do dólar cai, estes bancos
sofrem perdas pois os seus haveres são denominados nas suas
próprias divisas. Ainda mais grave: o próprio principal
está agora em causa. Não há um meio previsível
pelo qual os Estados Unidos possam quitar a sua dívida externa. O seu
excedente comercial continua a deteriorar-se, ao passo que os seus gastos
militares no estrangeiro somam-se ao défice total da balança de
pagamentos.
Isto significa que os Estados Unidos estão a despejar cada vez mais
dólares no resto do mundo sem quaisquer meios para repagá-los
ou qualquer intenção de fazer isso. Esta é
razão porque países estrangeiros começam a tratar tais
dólares como "batatas quentes", tentando livrar-se deles o
mais depressa possível.
Mas como podem os EUA fazer isto? A China está a utilizar seus influxos
de novos dólares para tentar comprar activos em matérias-primas
estrangeiras, terras e outros necessários ao seu crescimento a
longo prazo. E alguns países do Médio Oriente estão a
comprar acordos de abastecimento a longo prazo de alimentos e
matérias-primas produzidos no exterior. Mas cada vez menos
países estão ansiosos por aceitar estes dólares. E o
governo dos EUA está a bloquear investimento estrangeiro nos sectores
internos estado-unidenses mais desejáveis e remuneradores pois os seus
políticos tornaram-se mais nacionalistas. Isto ameaça limitar o
investimento estrangeiro nos Estados Unidos ao mercado das hipotecas-lixo, ao
imobiliário que está a cair de preço e a
empréstimos para salvar
(bail out)
bancos e instituições financeiras americanas quando elas
cambaleiam na insolvência e os preços das suas
acções mergulham. A compra de acções do Citibank
pelo Médio Oriente, no ano passado, é o exemplo mais
notório.
Isto significa que os exportadores de petróleo do Médio Oriente
e na verdade exportadores industriais europeus estão com
efeito a dar o seu petróleo e outros produtos aos consumidores
estado-unidenses em troca de papeis IOU
[1]
que correm o perigo de se tornarem inresgatáveis e portanto sem valor.
Felizmente há uma melhor alternativa. Para os governos do Médio
Oriente esta é investir os rendimentos das suas
exportações na construção das suas próprias
economias ao invés da daquela dos Estados Unidos e daquelas de outros
países da área do dólar. Dois mil anos atrás,
mesmo durante a maré alta da Grécia e do Império Romano,
por muito tempo o Médio Oriente foi a região mais empresarial e
próspera do mundo. O que o impede de recuperar esta
posição histórica?
Um grande problema é a aridez, a desertificação. Este
problema pode ser em grande medida ultrapassado por uma
combinação de gastos em infraestrutura interna e negócios
internacionais de permuta
(barter)
a longo prazo. Tais acordos são o caminho indicado para avançar
quando os principais mercados de divisas se tornam instáveis e as
taxas de câmbio vão continuar a comportar-se aos zig-zags ao longo
da próximo década ou mais ainda.
Há um paralelo gritante com o que se passou da última vez que o
Médio Oriente começou a receber rendimentos muito mais elevados
pelas suas exportações, após 1973. Naqueles tempo, o
Médio Oriente efectuou acordos petróleo-por-infraestrutura com
firmas coreanas, japonesas e outras asiáticas a fim de construir
estradas,
hospitais e outras obras necessárias para elevar a produtividade e os
padrões de vida. Hoje, a China entrou no mix. E ainda há um
longo caminho a percorrer para investimento no âmbito de serviços
públicos e privados que são necessários para tornar a
região uma das mais prósperas do mundo.
A emergência da Índia, da China e do Paquistão como
potências económicas e mesmo militares (pelo menos para
finalidades defensivas), bem como da Rússia e da Ásia Central,
já conduziu à criação da Organização
de Cooperação de Shangai, a qual o Irão já aderiu.
O mundo está a tornar-se multi-polar, pelo menos como resposta defensiva
às tentativas do EUA de dar à NATO um papel pós-Guerra
Fria estendendo-a às regiões do Médio Oriente, da
Índia e do Pacífico.
Na medida em que a Ásia e a Índia prometem emergir como grandes
centros industriais do mundo talvez em conjunto com os principais
países da América do Sul este realinhamento
económico tem um carácter inerentemente político. Para
falar em termos brutos, os Estados Unidos opõem-se a isto [por
considerarem] que é uma ameaça ao seu desejo de hegemonia
unilateral. E em termos brutos foi exactamente como o general de brigada
britânico
James Ellery
CBE falou a 22 de Abril na School of Oriental &
African Studies (SOAS) em Londres. Ele descreveu a guerra
americana-britânica no Iraque como tendo sido combatida para travar
"a maré de orientalização" uma
mudança no poder político e económico global em
direcção à China e à Índia, as quais em
conjunto importam uns "dois terços do petróleo do
Médio Oriente".
O general Ellery está em posição de saber. Ele foi o
conselheiro sénior do Foreign Office na Autoridade Provisória da
Coligação, em Bagdad, após 2003. Na sua palestra explicou
que os estrategas globais dos EUA preocupavam-se com a possibilidade de que em
resposta às sanções económicas estado-unidenses
contra o Iraque este tal como o Irão pudesse virar o seu
foco económico para o leste.
Este é o pesadelo dos EUA, porque têm utilizado o Médio
Oriente como um mealheiro para safarem-se do enfraquecimento financeiro da
economia americana. Após o primeiro choque do cereal e do
petróleo em 1972-73 quando os Estados Unidos quadruplicaram os
preços das exportações de cereais, e a OPEP respondeu
quadruplicando os preços do petróleo responsáveis
do Tesouro dos EUA disseram a dirigentes do Médio Oriente que
podiam cobrar quanto quisessem pelo petróleo (proporcionando portanto
às
oil majors
dos EUA um abrigo de preços que enchia os seus cofres), mas que se eles
não reciclassem os rendimentos das suas exportações nos
Estados Unidos isto seria encarado como um acto de guerra.
Isto significa que para o Médio Oriente utilizar os rendimentos das suas
exportações a fim de desenvolver as suas próprias
economias pode exigir a ruptura com a esfera da diplomacia
estado-unidense. Esta medida pelo menos dará à região
interesse em conseguir que os Estados Unidos finalizem a sua
ocupação do Iraque incluindo as bases militares que
estão agora em processo de construção.
UMA MODESTA PROPOSTA
Assim, tenho uma modesta proposta sobre como negociar esta grande
mudança na geopolítica Médio Oriente-EUA: Oferecerem-se
para comprar as bases americanas em construção, incluindo talvez
os edifícios da Zona Verde, a um valor de mercado
razoável (não certamente aos preços exorbitantes que os
doadores da campanha republicana pagaram, com contratos que tanto as
Nações Unidas como o Gabinete do Orçamento do Congresso
consideraram que foram corruptos e manipulados com supervisão
inadequada).
Isto pode ser mais bem efectuado tornando claro para os Estados Unidos que o
almoço gratuito que obtinham desde o abandono do ouro em 1971
está acabado.
Isto pode soar como ceder aos Estados Unidos de uma forma que parece um
pagamento de protecção perante a chantagem. Mas a
protecção pode ser que valha a pena sob as
condições de hoje.
Dois séculos atrás os Estados Unidos anunciaram a Doutrina
Monroe: a Europa deveria deixar o Hemisfério Ocidental aos EUA como
esfera de influência. Não será tempo de o mundo actuar
simetricamente e pedir que os Estados Unidos por sua vez deixem o
Hemisfério Oriental para os países dessa região, para se
desenvolverem em paz como pretendem?
Quanto mais publicamente os países do Médio Oriente puderem fazer
esta espécie de compromisso
(trade-off),
mais possibilidades há de ele vir a ser adoptado como plataforma
política na campanha presidencial dos EUA deste ano.
16/Junho/2008
[1] IOU: Abreviatura de
"I owe you"
(título de dívida).
Textos de Michael Hudson em resistir.info:
Super-capitalismo, super-imperialismo e imperialismo monetário
Greenspan, o grande inflacionador de activos
A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões: a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
Salvar a economia, desmantelar o império
US$ 1012 de resgate para os jogadores da Wall Street
O jogo acabou. Não haverá retomada.
[*]
Antigo economista da Wall Street especializado em balança de pagamentos
e imobiliário no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.),
Arthur Anderson, e posteriormente no Hudson Institute (nenhum parentesco). Em
1990 ajudou a estabelecer o primeiro fundo de dívida soberana do mundo
para a Scudder Stevens & Clark. Foi Conselheiro Económico Chefe de
Dennis Kucinich
na recente campanha primária presidencial dos democratas, e aconselhou
os governos dos americano, canadiano, mexicano e lituano, bem como o United
Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Como Professor
Investigador Emérito da Universidade do Missouri Kansas City
(UMKC), é autor de muitos livros, incluindo
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
. Email:
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
The Gulf,
semanário do Bahrain.
Republicado em
www.michael-hudson.com/articles/financial/080616MiddleEastTradeSurplus.html
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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