Greenspan, o grande inflacionador de activos

por Michael Hudson [*]

Eis o que eu disse hoje, 17/Setembro/2007, à BBC World Service, numa discussão acerca do legado de Alan Greenspan, no mesmo dia em que era publicada a sua autobiografia [1] .

Algo contra a minha vontade, o entrevistador insistiu em começar o programa com a minha anedota acerca de como fui designado para despedir o sr. Greenspan em 1966. Eu era o economista responsável por balanças de pagamento do Chase Manhattan Bank e estava a escrever um estudo da balança de pagamentos da indústria americana de petróleo. O Chase e a Socony Oil Company haviam pago US$ 10 mil dólares cada um a fim de financiar o estudo, e a Socony insistira em trazer Alan Greenspan. O meu patrão no Departamento de Investigação Económica, John Deaver, preocupava-se com o facto de que Greenspan estava tão ansioso por obter o negócio que o cliente desejava que poucas pessoas tinham muita confiança nas suas estatísticas. Greenspan era suposto fazer estatísticas sobre o investimento de capital de companhias americanas de petróleo. O que ele fazia era tomar uma aproximação grosseira com base no investimento total à escala mundial. Ele disse aos seus dois assistentes estatísticos (Lucille Wu e outro) para assumir a proporcionalidade. "Está tudo implícito", disse ela. Por "implícito", ela queria dizer, assumia-se que as taxas de depreciação europeias e do Oriente Próximo e outras leis fiscais eram idênticas às leis americanas, o que obviamente não era o caso. O Sr. Deaver e eu fomos convidados a subir à sala de jantar de David Rockefeller, o qual nos disse para informar que a menos que o Sr. Greenspan pudesse fornecer números especificamente americanos – e/ou justificar as suas suposições – nós teríamos de excluir os seus números (o representante da Socony era um amigo seu, e penso que eles asseguraram que ele era pago como seu lobbysta de negócios favorito).

O Sr. Greenspan era um lobbysta económico para o ricos, para grandes corporações e para a Wall Street. Este é o trabalho de um presidente do Federal Reserve nestes dias. Tal como um bom advogado criminalista de defesa ou as "testemunhas peritas" que eles contratam, um bom lobbysta torna acreditável uma estória de encobrimento. O sr. Greenspan carpinteirou um mito que muitas pessoas querem acreditar. O mito era que as pessoas podiam ficar ricas agora mesmo entrando em dívidas, para comprar propriedade cujos preços estavam a ser inflacionados pela política do Federal Reserve ou rebaixando taxas de juros e desregulamentando o sector financeiro para abrir uma período de "finanças selvagens".

O Sr. Greenspan patrocionou a confusão de que aumentar preços de activos constituía "formação de riqueza". Não era a espécie de riqueza que Adam Smith considerava em A riqueza das nações. Posando como um inimigo da "inflação", ele tentava fazer com que as pessoas amassem uma espécie particular de inflação: a inflação do preço dos activos.

A característica distintiva da bolha da inflação no preços dos activos é que ela ascende o preço da propriedade relativamente aos salários dos trabalhadores. Isto coloca a guerra de classe outra vez no assunto, desta vez uma guerra de classe do sector financeiro contra a indústria e também contra o trabalho. Isto tomou cada vez mais salários das famílias para comprar uma casa ou um rendimento de pensão.

1. Como o maior apoiante público da Economia da Bolha, o Sr. Greenspan foi mais responsável do que ninguém pelo carregamento da economia americana com dívidas, deixando uma herança de equidade negativa no seu rastro. Quase pela primeira vez na história, as pessoas pensaram que podiam ficar ricas emprestando para comprar activos que estavam a aumentar de preço. Isto foi a essência da Economia da Bolha americana. O Sr. Greenspan fez a inflação na América, pelo menos a inflação do preço dos activos.

O mito que ele criou era de que as pessoas deveriam tratar as suas casas como um porquinho mealheiro. Mas tomar emprestado NÃO é como sacar de uma conta bancária. Isto deixa um legado de dívida que deve ser reembolsado. E enquanto os preços do imobiliário e das acções podem vir abaixo, as dívidas permanecem em vigor.

A redução das taxas de juros permitiu que uma maior dívida fosse assumida, para um dado rendimento.

A redução da entrada inicial, e mesmo as "hipotecas reversas" em que os bancos concordavam em emprestar os juros aos mutuários, é o que Hyman Minksy denominou a "fase Ponzi" do ciclo de crédito.

2. O seu papel principal como lobbysta económico para os seus clientes das finanças era anti-trabalho. Embora afirmasse apoiar cortes de impostos para "estimular mercados", ele desempenhou um grande papel na elevação de impostos para a maior parte dos que viviam de salários. Ele fez isto como chefe da Greenspan Commission em 1982. O truque retórico que sugeriu era pretender que a Segurança Social e os cuidados de saúde deveriam ser tratados como pagos pelo utilizador, não como parte do orçamento global. Isto libertou os escalões de impostos dos mais ricos de terem de financiar a Segurança Social para os 90 por cento da base da população.

O Sr. Greenspan aprovou com alegria os cortes fiscais de Bush em 2002, mas posteriormente manifestou-se chocado por descobrir que havia jogo (gambling) em andamento e que os cortes nos escalões fiscais mais elevados conduziram a um grande défice orçamental, e recomendou que o governo diminuísse as despesas com Segurança Social e cuidados médicos a fim de pagar os cortes fiscais que beneficiaram a sua clientela com escalões elevados.

3. Quanto ao que foi dito acima, o Sr. Greenspan foi o arquitecto da desvalorização do dólar por inundar a economia com baixas taxas de juros. Ele privilegiou a especulação a curto prazo e o empréstimo bancário sobre a estabilidade do dólar a longo prazo. Mas, por outro lado, as finanças sempre viveram no curto prazo.

O homem "pro-Greenspan" na entrevista foi Ron Susskind, de The Wall Street Journal, autor de The 1% Solution. Ele proporcionou um elegante julgamento equilibrado do Sr. Greenspan, e disse que afinal de contas ele havia criado um bocado de riqueza para um bocado de pessoas, e aumentar a propriedade de lares. O que é bastante verdadeiro, mas também um bocado de endividamente e consequentemente de arrestos.

O Sr. Susskind destacou que Greenspan louvou Clinton, virtualmente como um bom Republicano por ouvir o secretário do Tesouro Rubin e o Sr. Sommers. Bastante verdadeiro!

Gostaria de ter mencionado uma outra anedota. Uns poucos anos atrás o Fed de Minneapojlis pediu-me para escrever um artigo sobre o cancelamento de dívidas na Mesopotamia. Eu o escrevei, e eles pagaram-me lindamente pelo mesmo. Eles tinham um artista que desenhou um diagrama realmente bom. Mas no último minuto cancelaram todo o número da revista, não só o meu artigo como todo o número foi jogado no lixo.

Perguntei-lhes porque. Houve um bocado de embaraço e o meu contacto contou-me que o Sr. Greenspan lhes havia pedido para fazer um inquérito perguntando aos seus assinantes quem era o maior economista do século XX. O Sr. Greenspan aparentemente ficou desapontado com o resultado. "Quer você dizer que ele não era o Número Um", perguntei algo ingenuamente. Houve quase um minuto de silêncio. Finalmente eu o rompi: "vejo", disse eu.

17/Setembro/2007

Textos de Michael Hudson publicados anteriormente:
  • Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
  • A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões: a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
  • Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?

    [1] A era da turbulência , Editorial Presença, Lisboa, 2007, 572 pgs., ISBN: 9789722338295

    [*] Economista norte-americano especializado em balança de pagamentos. Autor de Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance .


    Esta declaração encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 19/Set/07