A intoxicação linguística
Traços do discurso capitalista
1. A Economia dos Sinais
2. A Simplificação
3. Traços do discurso jornalístico actual
4. O pensamento mágico
5. O modo indicativo e imperativo
6. A perda do diálogo e do discurso
7. Aspectos epistemológicos
8. Perspectivas
1. A Economia dos Sinais
A expansão da indústria da comunicação tem por
objectivo alcançar da forma mais rápida possível,
através dos mais amplos espaços possível, o maior
número de pessoas possível. Os gastos técnicos da mensagem
individual reduzem-se na proporção em que o maior número
de receptores possível se encontre conectado à rede. O
telespectador crê que escolhe, quando prime um botão do televisor
ou quando compra um jornal. Mas o que está, de facto, a escolher
é a sua ligação a um sistema heterodeterminado.
Este é o princípio da economia de sinais, princípio
presente em todo o percurso de desenvolvimento dos meios de
comunicação desde os primórdios da cultura até
hoje. Deve ter-se isto em conta no momento de analisar o desenvolvimento
tecnológico. A técnica dos meios de comunicação
segue este princípio sem instrumentação artificial, i.e.,
na comunicação primária ou de contacto humano elementar,
como o segue com instrumentação no iniciador da
comunicação, os denominados meios secundários, como
continua a segui-lo com equipamentos de emissão e
recepção, ou seja, na comunicação de meios
terciários. Assim, os satélites de TV só têm sentido
se houver gente suficiente que compre os aparelhos necessários à
recepção da mensagem difundida por satélite. Daí
que se torne necessário fazer propaganda para que milhares de
milhões de potenciais receptores comprem os aparelhos que
permitirão realizar os ganhos de investimento dos promotores e
exploradores dos satélites. Este é o fundo de toda a
argumentação encomiástica que se faz hoje em dia ao futuro
dos meios de comunicação: criar um público que lhes traga
tempo e dinheiro e pô-lo à disposição dos
proprietários das novas tecnologias. As contas da economia de sinais
só saem bem se um grande número de consumidores reduz o custo de
exploração do meio por mensagem individual.
A economia dos sinais aplica-se quando uma só mensagem se distribui para
muitos. Quando alguém quer dirigir-se a outras pessoas, costuma
reuni-las à sua volta. Quer dizer, faz com que outras pessoas entreguem
o seu preciso e irrecuperável biotempo subjectivo de forma a que quem as
reúne não tenha de andar atrás de cada uma delas, o que
custaria muito biotempo ao comunicador. Ao fazer com que outros venham
até ele, poupa gastos de transmissão da mensagem.
A redução dos gastos de sinais é a origem de todas as
reuniões, desde os almoços de família e pequenos grupos,
até à Assembleia Popular ou às Cortes. Mas esta
poupança só se realiza quando os outros acorrem. Toda a gente
sabe que quando se dissolve a mesa familiar, quando os filhos faltam, ou o pai
ou a mãe, é a instituição familiar que se desfaz. O
mesmo acontece quando a secção local de um partido já
não consegue organizar nenhuma reunião, porque os seus membros
ficam em casa. Quem perdeu o poder de convocatória carece de poder, pois
o começo do poder de um homem sobre outro reside em que um disponha do
biotempo do outro. Quem comparece reconhece um motivo, esteja ou não de
acordo com o que se comunica, simplesmente em virtude do tempo que entrega.
Ao reflectir sobre os meios de comunicação do presente e do
futuro, cada um deve ter claro quanto do seu precioso biotempo quer dedicar a
tais meios ou, melhor dito, aos seus proprietários e até que
ponto está disposto a hipotecar-se-lhes, a pagar-lhes, uma vez que eles
exercem sobre ele o seu poder.
A economia de sinais é uma questão de poder. O poder de uns seres
humanos sobre outros começa com a apreensão do biotempo
subjectivo de outros para as mensagens do comunicador. Assim, o lactente tem
poder sobre a sua mãe, os professores sobre os seus alunos, o
conferencista sobre o auditório, o escritor e editor sobre os seus
leitores, o chorrilho permanente da tele e radiodifusão sobre a vida
sentimental do país, o Estado sobre os seus cidadãos ao
obrigá-los a preencher impressos, a economia sobre os consumidores
através dos reclames publicitários e assim sucessivamente.
Não é suficiente uma busca da doutrinação mediante
textos concretos. Ela subjaz, desde logo, na distracção, na
exclusão de outras comunicações que não podem ser
recebidas ao mesmo tempo em que ela se faz receber. A percepção
selecciona, mas não pode seleccionar entre aquilo que não lhe
chega. Esta condição converte a distracção numa
importante táctica de informação no conjunto da capacidade
repressora dos grandes poderes sociais.
A economia de sinais e a coacção dos prazos regulam a
programação da imprensa e da teledifusão e
radiodifusão com o controlo das tiragens e das quotas de audiência.
2. A Simplificação
Hoje em dia, a maior parte da comunicação é realizada
através dos chamados meios de massas que, tal como o termo
'comunicação de massas', não deixa de ser um eufemismo.
Como é sabido, nem as massas comunicam entre si através destes
meios, nem eles são das massas, mas sim de uns poucos que produzem
massivamente para as massas.
Em suma, estes poucos detêm o poder de definir a realidade para os
demais, de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau,
o que há a fazer e a não fazer, como fazê-lo, etc. Este
poder de fixar o programa social de qualquer comunidade é a chave de
controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos maiores consórcios
jornalísticos de princípios do século XX explicava-o
assim, sem papas na língua: "Deus ensinou os homens a ler para que
eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem
pensar".
E o que nos contam é quase sempre a história dos outros,
não a nossa. Ora, se estamos ocupados a viver a história dos
outros, não temos tempo para nos preocuparmos com a nossa
própria. Pois que se dela nos ocupássemos e descobríssemos
como são outros que a determinam, não ficaríamos de
braços cruzados, tentaríamos mudá-la para melhor.
Produção massiva significa produção em
série, indiferenciada, simplificação e estereotipada. Como
na produção comunicativa o que está em causa são
produtos do pensamento, conteúdos de consciência, essa
serialização e indiferenciação têm
necessariamente a ver com produção de pensamento indiferenciado,
acrítico, mágico.
Na comunicação, o engano não se dá apenas no quadro
dos meios primários, senão que, pelo contrário, ele ocorre
sobretudo no âmbito dos meios terciários, quando os participantes
necessitam, tanto um quanto outro, de aparelhos para comunicar. A
técnica da comunicação, acelerada através das
grandes distâncias para grandes quantidades de receptores dispersos,
conduz à simplificação dos signos em imagens e
abreviaturas linguísticas. Deste modo, reduzem as possibilidades da sua
própria decifração, ao mesmo tempo que sobrecarregam a
percepção com novas abreviaturas e excedem a capacidade da
memória.
A maioria das pessoas adquire a sua consciência através do
trabalho. Todo o socialismo se baseia na hipótese de que há que
consciencializar os seres humanos. Após esta ilustração,
serão eles a tomar o seu destino nas mãos, a emancipar-se do
poder dominante da economia e dos proprietários dos meios de
produção. Uma tal consciencialização não
pode dar-se na Era da expansão global dos grandes meios técnicos
de comunicação, uma vez que estes não fomentam o trabalho
consciente mas, antes, o reduzem. Fazem-no de muitas maneiras. Primeiro,
criando tensão. Trata-se de um processo de distracção.
Segundo, simplificando a realidade através da oferta dos mesmos
padrões de comportamento que são sempre binários: bom e
mau, acima e abaixo, falso e verdadeiro, etc. Estas pautas de comportamento
realizam-se na figura estética do televisor.
Neste processo é também a imaginação que se
simplifica. Às pessoas é servido sempre o mesmo, sob formas cada
vez mais elementares, primitivas, uma vez que, de acordo com a economia de
sinais, os proprietários têm de fazer investimentos cada vez
maiores e, por consequência, têm de chegar a números cada
vez maiores de receptores, para rentabilizar esses investimentos. Só se
pode chegar a audiências cada vez maiores excluindo a
diferenciação e reconduzindo permanentemente ao que todos
entendem: coito, violência, saída entrada, subida
descida, isto é, modelos muito rudimentares. Com estes pares
binários atinge-se um forte efeito dramatológico, ainda que
à custa de grandes perdas em sentido de realidade e possibilidade de
conhecimento, pois quem selecciona abstrai e, claro, tem de deixar mais e mais
coisas de fora. Em consequência, é de esperar uma longa
época de idiotização mediante uma Humanidade
mediaticamente enquadrada.
Na imprensa, o que conta é a apresentação visual dos
conteúdos, que são estruturados de forma a predeterminarem as
modalidades perceptivas, bem como aquilo que pode conhecer-se e interpretar-se.
E é de esperar que assim continue, enquanto persista a
relação directa entre a apresentação como
captação visual e as bases comerciais do meio impresso. Quanto
maior a tiragem, tanto mais atractiva a apresentação e tanto mais
curtos os enunciados. A redução deve-se, em todos os meios,
à economia de sinais.
Na radiodifusão como na imprensa, portanto, a linguagem é
submetida à lei da economia de sinais, isto é, ganhar tempo e
poupar espaço para chegar ao maior número de consumidores com o
menor gasto possível para o produtor. Assim, o ganho de tempo é a
suprema máxima da sua práxis.
No respeitante à imprensa e à tele e radiodifusão deve,
porém, distinguir-se entre ganho de tempo para o produtor da
comunicação e ganho de tempo para o seu consumidor. Pelo prisma
da autode-terminação, o ganho de tempo do primeiro não
corresponde, necessariamente, a um ganho de tempo do segundo, pois este entrega
algum do seu biotempo na suposição de que tal entrega valha a
pena para si. Ora essa entrega pode muito bem traduzir-se em 'tempo perdido',
isto é, em tempo que não compensou os seus défices
cognitivos e emocionais. Simplesmente, o tempo gasto não volta.
E o produtor tem a obrigação de reunir todos os consumidores
possíveis para a sua comunicação, a fim de poder amortizar
com a máxima recepção o gasto técnico que investiu.
Os receptores, por seu lado, querem entreter-se, participar, estar em
comunicação, uma vez que são seres humanos e não
podem, nem querem, viver isolados. Mas quando primem o botão da
rádio ou da televisão, ou pegam num jornal, têm de aceitar
a apresentação linguística e icónica de
redução de cada um desses meios e abandonar o seu dispositivo
cognitivo nas mãos de comunicações heterodeterminadas, sem
poder contradizê-las, ao contrário do que sucede na
comunicação primária.
3. Traços do discurso jornalístico actual
O jornalismo, a comunicação pública, traduz os sucessos e
acontecimentos em sistemas de signos específicos dos meios de
comunicação. O conceito de "media" é um bom
exemplo de troca linguística. Hoje em dia, utiliza-se como abreviatura
de meios de comunicação e, nos últimos anos, converteu-se
em termo comum na designação da imprensa e tele e
radiodifusão, em expressões como "educação
para os media", "crítica dos media",
"política dos media", etc. No auge, porém, dos
interesses parapsicológicos das décadas de 1920 e 30,
"médium" era uma designação habitual para a
pessoa que intermediava e transmitia fenómenos ocultos. E é
até possível que este lastro de sentido ainda se estenda à
discussão contemporânea dos "media" quando, por exemplo,
os políticos repreendem os "media" pela transmissão de
fenómenos das suas restritas esferas de poder que eles próprios
não quereriam ver ou, pelo menos, não quereriam vê-los
difundidos.
Aquilo a que costuma chamar-se linguagem mediática corresponde ao uso
que fazem da linguagem aqueles que, normalmente anónimos, operam a
manobra dos meios de comunicação.
Observa-se, na actualidade, como os meios 'públicos' adaptam a sua
linguagem à dos 'privados', imediatizando os prazos das suas
emissões cognitivas em benefício das compensações
emocionais. A divisa reza: 'small talk', isto é, 'conversa fiada', falar
de trivialidades.
A imprensa, a rádio e a televisão baseiam-se na
repetição. A melhor ilustração desta
circunstância é o ritual da televisão, uma vez que requer a
visão e a audição, forçando os espectadores
à postura sentada, enquanto a rádio e a imprensa lhe permitem
liberdade de movimentos. Esta porque pode suspender-se e retomar-se noutro
momento, a rádio porque a recepção da sua mensagem depende
apenas do ouvido. Do ponto de vista da transmissão, a rádio
é o meio mais rápido. As suas mensagens podem difundir-se
praticamente a qualquer momento e, com a ajuda da telefonia, em praticamente
todos os lugares.
Também aqui, porém, o império dos prazos e da
imediaticidade existe, elaborado a partir do ritual horário e de
calendário que o interpreta, à semelhança do que sucede
com os outros meios. E, onde há interpretação há
clero, quer seja religioso quer profano. É ele quem decide o que pode
ouvir-se, ler-se ou ver-se a que dias e a que horas. Actualmente, pode
observar-se como a televisão estatal se molda e inclusivamente antecipa
a concorrência comercial da televisão privada, desbragando a
linguagem e reduzindo os programas de conteúdo cognitivo em favor das
compensações emocionais ou, pelo menos, atirando-os para horas de
escassa audiência.
A minuciosa coacção dos prazos educa para a fugacidade da
percepção. A brecha entre o electronicamente perceptível e
o que fica registado em papel aumenta dia a dia. É preciso questionar se
aquilo que os olhos vêem é fiável, pois desde
Aristóteles que se acredita que ver é saber. A
redução sucessiva da linguagem transformada num mero
código de sinais ominosos, aumenta, claro está, a velocidade da
transmissão. Mas a comunicação à velocidade de
relâmpago de insinuações binárias, de
símbolos positivos e negativos, não passa de um código que
nada tem já a ver com a pugna pela expressão humana
através da linguagem.
Os meios visuais regem-se, na cultura actual, pelas condições
básicas demarcadas pelo rectângulo. O que se coloca dentro e fora,
acima e abaixo, à direita e à esquerda decide o juízo de
valor dos jornalistas. Entender a linguagem da imprensa e da televisão
significa compreender os prazos rituais da programação e da sua
colocação enquanto expressão intencional, desejada.
A economia de sinais e a coacção dos prazos regulam a
programação da imprensa e da tele e radiodifusão.
Não se deve esperar dos meios de comunicação
jornalística a expressão perfeita. Mas isso não significa
que tenha de aceitar-se todo o tipo de sucedâneos de conceitos depurados
como pasto espiritual do povo. Se a crítica consciente de muitos
pequenos grupos de acção não toma a palavra face às
grandes burocracias comunicacionais e lhes contradiz a linguagem, o regresso a
uma simbologia colectiva dirigida por poderes anónimos e sem mandato,
bem como a idiotização colectiva tornar-se-ão
inevitáveis.
A pressão dos prazos conduz à redução, ao
estereótipo, à economia de sinais, à
produção de «miniaturas simbólicas temporalmente
consumíveis» (Pross). As novas técnicas, ou pelo menos o uso
que delas se faz, reforçam e aumentam os estereótipos.
Engana-se quem supõe que percebe melhor o mundo mediante este
jornalismo de grandes títulos. Nenhum meio de comunicação
pode anular a reflexão, mas pode, sim, deslocá-la e confundi-la
através da emocionalização.
No actual estádio dos novos meios de comunicação, a tele e
radiodifusão encarregar-se-á de que ninguém consiga
atingir já os níveis de concentração requeridos
para compreender uma sucessão de frases. Os receptores, como se disse,
são educados na fugacidade da percepção. Com a maior
diversidade das ofertas audiovisuais, aquilo que se incrementa é a
comunicação reducionista à custa do discurso
linguístico.
Os efeitos psicofísicos de longo prazo continuam por investigar. Mas, o
que parece saber-se, no actual estado do conhecimento, é que, por
exemplo, os políticos terão de adaptar-se cada vez mais, nas suas
disputas eleitorais, às imagens validadas pelos estereótipos da
publicidade comercial e da indústria do entretenimento. A
formação da consciência e da vontade política, cada
vez mais complexa em virtude do aumento global das informações,
reduz-se, paradoxalmente e em simultâneo, com a comunicação
estereotipada que apresenta os dados da realidade, a consciência e essa
vontade política de formar cada vez mais simplista e menos diferenciada.
Desse modo, tem necessariamente que aumentar a discrepância entre o povo
e os seus delegados, em vez de se reduzir por via da comunicação
recíproca, dialógica, mutuamente enriquecedora. Temos numerosos
exemplos desta redução mágica em política e na
comunicação social: quando a análise da realidade
política é substituída pelo grito ou pelo slogan, quando
os sinais identitários de um partido são remetidos para os seus
símbolos em vez de se demarcarem pela sua prática transformadora,
quando se toma por opinião pública aquilo que é a
opinião publicada de uns poucos, ou quando se toma por realidade aquilo
que não passa da versão interessada que dela dão esses
poucos.
No âmbito da imprensa, a hiper-abundância de
publicações de entretenimento e distracção (a
chamada imprensa do coração, por exemplo), face à escassez
de diários políticos (imprensa de compromisso político e
partidário) não conduziu à ampliação do
espectro de opiniões, mas antes ao incremento dos estereótipos
sociais criados por um punhado de donos do mercado. A televisão, por seu
lado, não é uma visão à distância, no sentido
de uns binóculos ou de um telescópio, capaz de reforçar a
percepção da realidade. Os meios audiovisuais e as novas
tecnologias facilitaram enormemente o controlo e o acesso de uns poucos a
milhões e milhões de pessoas. A democracia supostamente trazida
por esta técnica resume-se ao consumo milionário de
técnica. Pois são estes milhões que, mediante o gasto
financeiro na aquisição de equipamentos e o gasto em biotempo
investido no consumo de emissões socialmente ritualizadas permitem a
redução dos custos na economia de sinais para a minoria de
produtores de comunicação.
Na linguagem, a metáfora, enquanto imagem linguística,
também reduz o discurso. A imagem linguística pode facilitar a
compreensão, mas não contribui em nada para a
explicação uma vez que a representação
imagética, gráfica, introduz outro modo de
representação. "Vê-se" o que "o navio do
Estado" quer dizer, mas a imagem nada diz acerca do Estado, apenas
transporta o receptor para uma representação (gráfica) do
Estado.
Outro tanto se passa com a "aldeia global" ou "o meio é a
mensagem" e demais metáforas mais ou menos correntes, de Marshall
McLuhan. A redução diminui crescentemente o gasto de sinais.
Expressar-se com brevidade significa deixar coisas de fora, descontextualizar a
informação. Ora isso não significa que essas coisas,
relações, contradições, etc., deixem de existir,
mas apenas que são suprimidas da comunicação. Ao mesmo
tempo, quando se comunica alguma coisa, essa coisa adquire um significado e uma
relevância que não coincidem com os que tem por si mesma, mas
são, antes, aqueles significado e relevância que se lhe atribui.
Como se sabe, toda a informação é selectiva e interessada.
Acossada pela necessidade de encontrar a expressão mais adequada, a
linguagem recorre à imagem. Ao apresentar linguisticamente uma imagem, a
metáfora reduz momentaneamente o simbolismo discursivo da linguagem
à "apresentação integral simultânea"
(Langer, 1982) que caracteriza a imagem. Diminui o gasto com a procura da
expressão. A metáfora poupa energia ao reduzir as
explicações a uma imagem linguística. Deste modo, poupa
também tempo de emissão e papel, suportes materiais da
expressão. A metáfora é uma expressão da economia
de sinais. Isto explica a sua omnipresença na imprensa e na tele e
radiodifusão.
Pode, então, dizer-se que quanto mais curta e estereotipada for a
comunicação, tanto maiores serão a violência
simbólica e o poder mágico dos seus meios, e tanto menor
será o significado que pode construir para si próprio o sujeito
receptor.
4. O pensamento mágico
A produção industrial de comunicação está
relacionada com as normas da técnica, outro dos traços
distintivos da magia. Como o resto das indústrias, produz-se em
série, de forma estandardizada. A linguagem jornalística, os
livros de estilo, os formatos e géneros, os jornais radiofónicos
e televisivos, as séries, etc. confirmam esta produção
estereotipada e uniforme.
A comunicação estandardizada elimina a distância
crítica entre o seu consumidor e o respectivo meio envolvente, obstrui a
reflexão necessária para o seu conhecimento e domínio.
Daí que reforce o poder da minoria produtora, ao ocultar
contradições e conflitos, ao suprimir a diferença entre
imaginação e percepção, desejo e
satisfação, imagem e coisa. A sociedade produtora e consumidora
de comunicações simplificadas e estandardizadas é uma
sociedade de necessidades insatisfeitas. Tal sociedade revela-se presa
fácil dos interesses de pequenos grupos produtores.
O argumento racional da simplificação técnica baseia-se na
superioridade distribuidora de uma pequena minoria, expressa pelo facto de que
é a gigantesca maioria que vinha ao seu encontro.
A mediação realizada pelos "meios de
comunicação de massas" é, portanto, unificadora e
indiferenciada.
Para viver e agir, o Homem precisa de ordenar os seus conhecimentos num quadro
geral de referência que lhes dê sentido. Tanto na sociedade
primitiva como na sociedade industrializada, o Homem deve prefigurar o seu
mundo e construir o seu modelo de universo. Caso o modelo seja racional, o
conhecido será obtido através da diferenciação e da
sistematização. Mas se carece de um modelo racional, como ocorre
no pensamento mágico, aquilo que se reafirma é a imagem
homogeneizada do universo onde homens e estados de coisas interagem sem saber
porquê e sem conhecer as suas relações. As
diferenciações estabelecidas pelo pensamento racional
sobrepõem-se, assim, à indiferenciação primitiva,
ao conhecimento infantil.
Na era da técnica e da especialização o pensamento
indiferenciado, mágico, é uma forma de integração
dos "vazios" e das carências afectivas da vida quotidiana,
criados pela fragmentação do conhecimento e das
relações sociais. Baseando-se no princípio de que a
técnica e a ciência são omnipotentes, surge a crença
de que se pode ficar a saber através dos meios de
comunicação, de que se pode conhecer o mundo por
intermédio do consumo assíduo de comunicações
mediadas e mediatizadas.
Ora, quanto mais numerosas as informações recebidas pelo sujeito
individual, quanto mais complexas as redes da mediação social,
tanto mais provável se torna que esse sujeito venha a encontrar-se
sobrecarregado enquanto "recipiente" e colocado perante a
impossibilidade de processar essas informações no quadro da sua
experiência pessoal. Ou, até, de singularizar o seu pensamento
para si mesmo, distanciamento que estabeleceria a premissa da
diferenciação. Onde a reflexão se torna impossível,
o mundo recebido deve considerar-se como "a realidade". A
autenticidade da percepção difusa e diluída no meio
técnico faz com que a imagem televisiva ou o texto de imprensa sejam a
coisa mesma. O "essencial" é tê-lo ouvido, visto ou lido
na rádio, na televisão ou no jornal.
Prometem-se, assim, informações e conhecimentos. Mas, salvo a
previsão meteorológica, útil para o passeio de domingo, o
que se transmite só muito raramente é convertível à
prática directa da vida. A fé na informação
dilui-se em muitas notícias que se esquecem um par de horas depois e com
as quais o receptor não sabe o que fazer, porque não está
em condições de compreender a sua origem, o seu alcance ou
significado. Quanto maior é a fé na informação,
mais profundamente dogmático é o retorno ao mito. Os
défices racionais compensam-se emocionalmente. O culto da
informação pode traduzir-se facilmente pelo culto do poder e da
força.
Por último, a fé na informação produziu a inexacta
impressão de que a imprensa, a rádio, a televisão ou o
cinema são meios de informação e de
comunicação. Contudo, se medidos pelo seu volume de
produção, os meios de comunicação servem sobretudo
a publicidade comercial e o entretenimento. A imprensa cor-de-rosa é
muito mais numerosa do que a informativa, a rádio é acima de tudo
um instrumento musical e a televisão uma longa-metragem transmitida em
casa. Como se sabe, compra-se o vídeo para ver ainda mais filmes e mais
televisão. A sua utilidade não consiste em reduzir a
ignorância, mas em preencher temporal e ficticiamente os défices
emocionais pela distracção, para matar o tempo.
A consciência indiferenciada corresponde à vida sentimental
estereotipada. O pensamento indiferenciado cria uma consciência
conformista. Isto significa depositar em mãos alheias a
solução dos problemas próprios, com o que isso representa
de possibilidade de manipulação. Aí reside o perigo de
entregar as rédeas dos assuntos pessoais às mãos dos
especialistas ou do novo clero académico. Autodeterminação
significa, acima de tudo, libertação da angústia.
A reprodução da vida em dados e informações
não é suficiente. O homenzinho perdido na massa talvez possa
interessar-se pelos dados em que pode decompor o mundo. Mas nunca
deixará de procurar uma imagem através da qual possa
recompô-lo e que lhe sirva para se identificar com o seu meio envolvente
e suprir as suas carências afectivas. Por isso a imagem substitui a
informação, o pensamento indiviso a reflexão, e a
mitologia do poder, o pensamento crítico.
Onde o mito impera, o culto ocupa o centro das atenções, do culto
da personalidade ao culto sentado da televisão. O pensamento
mágico é o antídoto da inteligência, cuja
acção corrosiva poderia até destruir a coesão
social por via do seu espírito crítico. A concepção
da realidade como o pior inimigo do Homem e, por conseguinte, a
exploração da "ilusão redentora" converteu-se,
desde há muito, na máxima da indústria do entretenimento.
Os sentimentos foram transformados em mercadoria rentável.
Assim, como a consciência é o resultado da acção e
da experiência, há que criar outras condições
sociais de vida e de trabalho que permitam ao Homem enriquecer-se com as suas
experiências pessoais e não permitir nenhuma
"exploração da alma" por poderes alheios.
5. O modo indicativo e imperativo
O modo directo do discurso é o indicativo e o imperativo. É a
palavra que, como dizia Marcuse, "induz a agir, comprar e aceitar".
Tudo isso se transmite com um estilo conciso, com uma sintaxe comprimida e
condensada, que impede o desenvolvimento do verdadeiro significado. Não
admite contradições, nem matizes. A definição
fechada dos conceitos perverte de tal modo o discurso que pode chegar ao
resultado de que, em nome da liberdade de expressão, se bombardeiem
jornais e emissoras de rádio e televisão, ou que à guerra
se chame paz e às suas vítimas "danos colaterais". As
guerras criminosas contra a Jugoslávia, o Afeganistão, o Iraque,
o Líbano podem servir de exemplo desta perversão da linguagem.
Dentro desta lógica da razão pervertida, os negócios da
guerra, a sua destruição para todos, os interesses particulares
daqueles que enriquecem com a devastação e a morte, são
assimiladas às vantagens da paz e aos interesses gerais do bem comum.
As proposições desta linguagem indiferenciada, mágica,
são simultaneamente intimidatórias e glorificadoras. São
as formas de ordens sugestivas, mais evocativas do que demonstrativas. Trata-se
do discurso hipnótico do reclame publicitário, ou da brutalidade
imperativa do "quero, posso e mando", se o caso assim o exigir.
É a linguagem unidimensional que visa criar o homem unidimensional.
O uso tão frequente de abreviaturas (NATO, ONU, UE, etc.) evita
perguntas indesejadas. Assim, NATO não sugere o mesmo que
Organização do Tratado do Atlântico Norte. Porque, neste
caso, haveria que perguntar o que fazem aí países como a Turquia,
a Grécia ou a Itália que nada têm a ver com o
Atlântico Norte, ou haveria ainda que saber por que se encontram estas
tropas a defender os interesses dos consórcios petrolíferos
norte-americanos na Ásia Central.
O discurso fechado apresenta a realidade em termos dicotómicos, de bons
e maus. Não demonstra, nem explica, visa apenas o controlo, reduzindo a
imagens simplificadoras as formas e os símbolos da reflexão, a
abstracção, a contradição e a dialéctica da
realidade social complexa. E mesmo que as pessoas não acreditem nessa
linguagem, ou não se importem com ela, acabam no entanto, por agir em
conformidade com ela, segundo as suas prescrições.
Enquanto os meios de comunicação empregam cada vez mais o
indicativo na vida pública, na vida privada as pessoas questionam-se
diariamente sobre como seria se
Isto tem a ver com o imperativo da
expressão curta e com a brevidade da transmissão técnica.
A informação televisiva reforça esta tendência. Uma
imagem mostra aquilo que exibe. A linguagem deve explicar o significado plural
das coisas, a relatividade dos conceitos. Mas, por razões de tempo e
espaço, não permite nenhum conjuntivo ou condicional, nenhuma
subordinação. A olhadela fugaz aos pequenos símbolos
compensa-se com as ilusões que podem ser obtidas pela Internet no
interior do próprio covil. Mas isto não proporciona nenhuma
certeza. Caso se pretenda obtê-la, há que verificar por meios
próprios, na interacção com a realidade e com os outros
seres humanos, no diálogo enriquecedor.
6. A perda do diálogo e do discurso
A "sociedade dos media" como por vezes se chama ao estádio
actual da evolução medial, isto é, à era da
comunicação electrónica, não faz outra coisa
senão pôr em evidência a necessidade de
comunicação primária, dessa comunicação de
contacto humano elementar. São frequentes as queixas pelas perdas na
relação com os outros, da conversa distendida e calma, do debate
e da troca argumentativa em diálogo. Se na televisão os problemas
se resolvem em meia hora ao soco e aos tiros, na realidade as coisas não
são assim. Aqui, todas as respostas suscitam novas perguntas. É
também assim que acontece na ciência. Esta não existe
apenas para fornecer respostas, mas também para construir novas
perguntas. À semelhança do que caracteriza, igualmente, a
relação humana elementar, na comunicação directa,
cara a cara.
A relação unidireccional, sem retorno, não tem verdadeiro
interlocutor. A chamada comunicação de massas é uma perda
de presença. No diálogo, na relação inter-humana, a
presença é o elemento decisivo. Na ausência, esse
diálogo não existe. Qualquer pessoa conhece a diferença
que existe entre a presença virtual e a presença real de uma
outra.
É na conversação com o outro que o diálogo criador
e a solidariedade podem emergir. Ora isto não interessa especialmente ao
poder dos governantes que querem reger a sua confrontação com
unidades o mais fechadas e isoladas possível.
Em comunicação, a tensão surge da possibilidade de
contraposição a um tema comunicado um contratema, à
dicção uma contradição, à imagem a
contra-imagem. Porém, se os meios de comunicação difundem
em uníssono o mesmo tema, aquilo que sucede é que o contratema, a
contradição e a contra-imagem devem encontrar outro lugar onde
articular-se. Em vez de diálogo, é monólogo aquilo que se
tem.
Na era da televisão, cujo final se aproxima, a privacidade e
autodeterminação aparentes da recepção
excluíram em larga medida as componentes dialógicas de
comunicação e resposta. Até aqui, a técnica
não tem permitido o diálogo porque o suporte comunicativo anula o
princípio da assembleia, ao condenar os seus intervenientes à
condição muda de mirones. Contemplam o aparelho como um
móvel que possuem, enquanto os comunicadores, os produtores, se
encarregam de conceber os seus consumidores enquanto meras grandezas
estatísticas.
Para que nos aproximemos de uma sociedade de homens e mulheres livres,
sociedade que jamais existiu na História, é preciso incrementar a
participação da maioria no produto do seu trabalho e reduzir a
parte da minoria. Mas aquilo que se verifica é precisamente o
contrário. Bem-estar significa dispor de coisas, dominação
significa dispor de pessoas e, no caso dos meios de comunicação,
dispor do seu biotempo. Com o biotempo dos consumidores, os meios de
comunicação apropriam-se da força de trabalho gratuita da
percepção. Este é um elemento da economia de sinais. A
força de trabalho dos espectadores é sugada por via do
entretenimento, sendo trocadas as audiências, por euros e dólares
nas cotações da manhã seguinte.
A comunicação é cada vez mais mediatizada e menos
dialógica (Paulo Freire), o que equivale a uma perda do humano. As novas
tecnologias permitem o diálogo virtual através da Internet. E
é aí que o vazio dialógico desta chamada "sociedade
da comunicação" tem a sua contrapartida ilusória, no
êxito das seitas e dos grupos da Internet.
No diálogo directo, lê-se, na expressão do outro, aquilo
que não se ouve. Ora o verdadeiro diálogo é hoje, para
muitos, uma coisa demasiado exigente. Numa sociedade em que se dialoga cada vez
menos, o diálogo genuíno torna-se cada vez mais difícil. A
fasquia dialógica eleva-se, enquanto a fasquia da
excitação baixa. Uma vez que a possibilidade de entendimento
dialógico é menor, as emoções emergem com maior
nitidez. A sociedade da imagem fica sem discurso.
7. Aspectos epistemológicos
A busca do conceito prosseguirá e far-se-á bem ao considerar a
linguagem, inclusive na revolução electrónica como
«processo interrompido de criação da expressão
espiritual» (G. Humboldt).
A procura da verdade resulta do uso linguístico condicional, da
reflexão e cognoscibilidade do sujeito e do predicado. Disso se nutrem o
discurso crítico e a clareza entre pergunta e resposta. A clareza da
linguagem abre o pensamento à avaliação relativizadora.
Isto não é nada bom para os poderosos. Assim, há que
eliminar as frases no condicional, suprimir o conjuntivo, a
predicação verte-se em substantivização e emerge no
lugar do sujeito: não se deve examinar quem é o actor. Os
sujeitos responsáveis vêem diluir-se as suas responsabilidades nas
instituições que representam. Mas a sua
manifestação é um uso linguístico absoluto: a
partir de certo nível, já não se opina, afirma-se,
declara-se, à semelhança da oferta convertida em lei da
"economia" na linguagem publicada e ainda por cima recoberta pela
aparência de objectividade.
Por outro lado, a precisão informativa encontra-se intimamente
relacionada com a sua fiabilidade e com o reflexo objectivamente verdadeiro dos
factos e dos seus contextos. Daqui decorrem, sobretudo na
comunicação escrita, problemas de equilíbrio entre
concisão de linguagem, lógica expositiva e densidade informativa.
Quer dizer, pede-se que as informações não sejam
contraditórias e que o texto ou espaço dedicado ao tratamento de
uma informação seja proporcional à sua importância.
Numa perspectiva de "brevidade lacónica" que relaciona a ordem
com a economia de sinais, a expulsão do pensamento para fora da
linguagem deu sempre jeito aos governantes. Todos os impérios chegam
até onde o façam os seus meios de comunicação. Numa
Era em que as redes electrónicas cobrem toda a superfície da
Terra, o poder dos exploradores dos meios de comunicação aumenta
de modo correspondente.
8. Perspectivas
Sabe-se que as comunicações breves e fugazes devem apreender-se
rapidamente, mas que só se podem entender de modo paulatino, pedindo
mais informação e fazendo novas perguntas. O público a
quem é permitido ver e ouvir, mas a quem se impede que leia, vê
dificultada a sua emancipação. Aquilo que se pode ter a preto e
branco para levar tranquilamente para casa é apenas o princípio
da comunicação. Proclamar o que se leu, publicá-lo
é um segundo passo, sem o qual o primeiro carece de sentido. É a
palavra que dá vida à letra morta. A emancipação
não se realiza premindo um botão de rádio ou de
televisão, nem mudando de canal a cada dois segundos, mas unicamente
tomando a palavra e pronunciando o mundo como ele é (Paulo Freire).
O reducionismo actual do discurso jornalístico conduz à
despolitização da sociedade, efectuada através do reclame
consumista o que equivale a um enfraquecimento do Estado. Este reduz-se, por
seu turno, a acções simbólicas.
Este mecanismo visa uma ordem económica e não pretende satisfazer
necessidades, mas, pelo contrário, criá-las. As mensagens dos
meios de comunicação de massas acopladas à
indústria da sugestão do reclame comercial suscitam nos seus
receptores falsas expectativas. Devem ir à procura da
salvação precisamente onde ela não está: no consumo
dos miraculosos mundos dos meios de comunicação. Talvez, como
afirma Harry Pross, a exploração dos recursos da Terra, dos
tesouros da Natureza tenha chegado tão longe que a indústria
tenha agora de recorrer à exploração das almas dos homens
e mulheres. Os esforços dirigem-se, agora, não tanto à
exploração da força de trabalho, como à
indução fisiológica e psicológica de necessidades
que devem fazer rolar a roda da denominada "sociedade de mercado
livre", ou seja, do capitalismo.
É certo que apenas pelos meios de comunicação se pode
chegar ao público. A "sociedade global" não tem uma
atitude, como tampouco os "meios de comunicação" ou a
"imprensa" parecem estar em condições de assumir uma
postura. Na actualidade, como o público deve aceitar os novos meios
electrónicos de comunicação a fim de sufragar os gastos
enormes dos seus inventores e proprietários, apelar à
consciência dos legisladores é tão fútil como apelar
à responsabilidade de jornalistas e editores. Haveria antes que partir
de baixo. Poder-se-ia tentar:
Congregar público com meios alternativos de
comunicação capazes de funcionar sem critérios comerciais
na denúncia da indústria mediática.
Realizar um trabalho de formação nas escolas, estabelecer
o estudo dos meios de comunicação como disciplina curricular.
Fomentar a capacidade comunicativa. Não basta ser um receptor
"crítico". Cada um deve ganhar consciência do seu lugar
e papel no processo de comunicação de massas e das possibilidade
de que dispõe para articular, expressar e satisfazer as suas
necessidades.
A reflexão sobre o futuro do jornalismo não deve esquecer a sua
origem nem as suas características profissionais: os jornalistas
investigam, produzem e publicam sob as condições materiais
existentes. As novas tecnologias aumentam o fascínio pelo lúdico
quando se dominam as velhas artes da investigação, da
formulação e da publicação. Ninguém pode
manejá-las sem alfabeto, sem o domínio da
configuração artesanal e sem a sua própria fantasia e
imaginação.
Descobrir as contradições, analisá-las e
comentá-las continua a ser uma tarefa de grande exigência. A
solução consiste em guardar a devida distância
relativamente aos assuntos e o compromisso com o público, isto é,
com o povo.
Se a capacidade diferenciadora dos grandes meios e da comunicação
institucional, académica, não pode ou não quer colocar as
questões no sentido ilustrador aqui exposto, a inteligência humana
tem de utilizar outros meios para o fazer. O factor decisivo é sempre a
sociedade polifacetada das populações, o mundo múltiplo
dos movimentos populares, dos leitores e não leitores, negros e
vermelhos, homens e mulheres, etc.
Se a comunicação organizada dos grandes meios
jornalísticos e das instituições não indagam os
conflitos nem os questionam, estes acabarão por deflagrar de uma maneira
ou de outra. A utilidade dos meios de comunicação é
relevante enquanto exprimam os conflitos latentes, antes que as pedras comecem
a voar e a força bruta tome o lugar da pergunta e da resposta.
Colocar hoje as perguntas incómodas, provocadoras, significa encontrar
as respostas de amanhã. Omiti-las equivale a não cumprir como
devido a profissão de comunicador ou de formador de comunicadores.
[*]
Catedrático de Comunicação Audiovisual (jubilado em
2005) da Universidade de Sevilha, doutorado pela Universidade Complutense de
Madrid e doutorado cum laude pela Universidade de Münster, autor de
"A formação da mentalidade submissa"
.
O presente texto, aqui reproduzido por gentileza da editora, constitui o
capítulo 1 de "A intoxicação
linguística", tradução de Rui Pereira,
Deriva Editores
, Porto, 2008, 206 pgs., ISBN 978-972-9250-45-3.
Este excerto encontra-se em
http://resistir.info/
.
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