Equilíbrio competitivo ou planeamento económico?
por Daniel Vaz de Carvalho
|
|
A estupidez apresenta-se de diversas formas, em particular a que me parece mais
problemática de todas poderia chamar-se a estupidez institucional.
É uma espécie de estupidez que permanece completamente racional
se se considera no quadro em que opera, porém é o próprio
quadro que evolui entre o grotesco e uma virtual loucura.
Noam Chomsky
[1]
A suposição da teoria do ajuste automático pelas
forças do mercado restabelecerem o equilíbrio não é
suportada pela evidência dos dados empíricos.
Paul Ormerod
[2]
|
1 À procura do equilíbrio perdido
O "equilíbrio competitivo" é talvez a ideia mais
estúpida e perversa alguma vez formulada em economia. Como disse Keynes
(para não ir mais longe) não tem qualquer validade real, "a
sua doutrina é enganadora e desastrosa em termos de aplica-la aos factos
da experiência".
[3]
As crises económicas estão aí para o comprovar.
Este mítico equilíbrio, dogma neoliberal a que os
"europeístas" aderem, constitui o padrão
económico e social da social-democracia e partidos ditos socialistas. O
"socialista" António Vitorino declara que os "problemas
reais" no nosso país são os "desequilíbrios
competitivos". Para este efeito, diz o "socialista" Luís
Amado, é necessário "uma ambiciosa agenda de reformas".
Claro que não dizem quais. Não passam de truques
linguísticos para enganar incautos.
Por que é idiótico dizer que "temos que superar os
desequilíbrios competitivos"? É mais que sabido que as
políticas de comércio livre só podem ter efeitos
favoráveis entre regiões com níveis de desenvolvimento
comparáveis. Assim, a procura do paraíso do
"equilíbrio competitivo" apenas tem levado e leva ao aumento
das distorções e atrasos existentes. Seguindo estas
políticas a UE tornou-se um rotundo falhanço, mantida pelo medo e
pela chantagem através do endividamento, impondo aos povos
políticas de "ajuste" que estabeleceram
estagnação, recessão, desemprego massivo, crescente
pobreza e instabilidade social.
Em dois séculos de capitalismo industrial os pressupostos do chamado
"equilíbrio competitivo" nunca existiram. "O modelo do
equilíbrio competitivo é um travesti da realidade. O mundo
não consiste num número infinitamente grande de pequenas empresas
nenhuma das quais tem qualquer grau de controlo sobre os mercados em que
operam.
[4]
Na realidade, trata-se um conjunto de teses absurdas supondo que agentes
privados orientados primordialmente pelos seus lucros, estabeleceriam um
sistema que se manteria em estado de equilíbrio permanente, sem
desemprego, graças às "antecipações
racionais" desses agentes. O atual sector dominante da economia é
constituído por um número reduzido de empresas mono ou
oligopólios que manipulam os mercados, controlam fornecedores e em
grande medida os preços. As privatizações e
concessões (privatizações disfarçadas em que a
garantia de lucro é diretamente assegurada pelo Estado) agravam esta
situação.
O modelo, isto é, os partidos que o defendem ignoram questões
essenciais. "Os seus defensores são incapazes de demonstrar que a
economia converge para soluções socialmente boas e em tempo
útil."
[5]
Na realidade, nunca é definido a que nível social se daria o tal
equilíbrio, designadamente com que níveis salariais e de
prestações sociais. A ausência de fundamentos
microeconómicos verdadeiros torna a tese do equilíbrio
macroeconómico pura e simplesmente falsa. Além disto não
comporta e mínima dimensão coletiva.
[6]
Toda a política de direita com o Estado, contrariamente à
teoria liberal, interferindo sistematicamente a favor do grande capital
está estruturada na procura de um impossível equilíbrio
competitivo, na realidade destrutivo, como se o desenvolvimento
económico não fosse uma sucessão de desequilíbrios
provocados pela ação humana, que é necessário
gerir. A questão é em que sentido se realiza esse
desequilíbrio: no sentido da maximização do lucro ou da
máxima satisfação das necessidades sociais.
2 Equilíbrio competitivo, eficiência e planeamento
Apenas um partido no seu programa eleitoral se refere ao planeamento
económico democrático, o PCP (
http://www.pcp.pt/programa-eleitoral-do-pcp
), porém não há economia moderna sem planeamento. O
planeamento ou é feito pelo Estado em termos democráticos ou pelo
capital monopolista e financeiro. Não há via intermédia
entre o planeamento democrático e a procura do "equilíbrio
competitivo", máscara para o grande capital manobrar livremente.
Há sim várias formas de planeamento económico
democrático conforme o contexto económico e social a que se
aplica.
A teoria do "equilíbrio competitivo" requer que em cada
mercado exista um conjunto de preços que assegure que a procura iguala a
oferta. Porém se o sistema de preços fornecesse
informações corretas e eficientes quanto ao futuro não
existiriam desemprego e crises, nem endividamento a atingir níveis
críticos nos Estados, nas empresas, nas famílias.
Mas quando se fala em sistema de preços "eficiente", de que
"eficiência se fala? Do que é mais necessário à
sociedade? Não, apenas do que garante maiores taxas de lucro, isto
apenas para o grande capital, que as MPME podem falir á vontade:
é a "destruição criadora"
O conflito entre estes objetivos e as questões sociais é alheio
à teoria, desde logo pelas consequências salariais, o desemprego e
as desigualdades entre nações e em cada país. Em termos
capitalistas a grandeza fixada é a taxa de lucro, os preços
são manipulados pelo capital monopolista e os salários e
prestações sociais são vistos como um custo e
variáveis de ajustamento.
Considera-se então que as questões sociais seriam resolvidas pelo
mercado se os recursos (materiais e humanos) forem aplicados da forma mais
eficiente, de acordo com a fórmula clássica: com o rendimento
marginal a igualar o custo marginal. A utilidade marginal do consumidor
definida pelo nível de satisfação obtida face ao custo
marginal pretendendo assim definir o socialmente ótimo. Porém se
os preços ou o nível de satisfação forem objeto de
manipulação, ninguém pode dizer que é o melhor
socialmente.
Estados e instituições financeiras inventaram o argumento do
"perigo sistémico", mandando às ortigas os dogmas do
mercado, para salvar os "negócios" do descalabro para onde a
sua "eficiência" e as "expectativas racionais" os
conduziram arrastando com isso os interesses dos povos. Uma
"eficiência" que ignora os fenómenos da
especulação e da corrupção que no entanto a teoria
não só proporciona como a sua prática promove e
reforça. A eficiência considerada é apenas a dos
negócios (o business).
É esta a política da UE baseada na absurda intenção
de um "equilíbrio competitivo" pela "concorrência
livre e não falseada". Mas em que as grandes empresas como os
grandes bancos não podem falir. Podem desaparecer sendo absorvidas por
outras (concentração oligopolista) ou parcialmente vendidas no
interesse financeiro dos grandes acionistas, etc.
O capital é reconstituído, reage à ROE (taxa de lucro das
ações) transfere-se para sectores ou atividades de maior lucro.
Chama-se a isto "dinamismo empresarial". Porém, lucros mais
elevados em determinados sectores o financeiro e o monopolista por
exemplo representam menos rendimento noutros sectores económicos,
particularmente das MPME e salários, acentuando a
acumulação de capital fictício.
O "mercado livre" não passa de um biombo para a fraude, a
agiotagem, a corrupção dos "agentes económicos".
A crença na bondade e eficiência do mercado anula a sociologia. Os
princípios do mercado livre são violados para salvar os
monopólios e a finança. Onde está a eficiência que
atira milhares de MPME para a falência e milhões de trabalhadores
para o despedimento, onde está o risco no jogo das maiores taxas de
lucro a curto prazo da alta finança, com a convicção que
se algo correr mal o Estado virá em seu socorro? As manigâncias do
caso BES são um exemplo entre muitos do mundo capitalista de como o
grande capital é salvo e os custos da falência são pagos
pelo Estado na conta dos contribuintes: os trabalhadores.
Se existe em economia mão invisível ela é a dos
oligopólios que à margem do sistema político
democrático manobram e manipulam políticos, clientes,
fornecedores, comunicação social.
3 Planeamento económico e leis económicas
Os países mais avançados economicamente apenas o conseguiram
violando os princípios do mercado livre, foi depois de terem adquirido
vantagens competitivas que impuseram aos povos que dominavam o mercado livre.
É precisamente esta a relação que existe na UE entre os
diversos países.
No século XX, nos países capitalistas que tiveram êxito
económico, foi o governo pelo planeamento económico e não
o mercado livre que decidiu sobre os investimentos principais, as tecnologias,
a qualificação da força de trabalho. A
intervenção do governo resultou na cooperação entre
o sector público e o privado num modelo de economia mista,
proteção do mercado interno, intervenção no mercado
financeiro para apoiar a esfera produtiva.
Contudo, tratava-se de reformismo, a máscara do capital através
da social-democracia quando a relação de forças lhe
é desfavorável sem perder o domínio sobre o poder do
Estado. Assim, os problemas e contradições do capitalismo
subsistiram. O aparelho de Estado não deixava de estar dominado pelos
monopólios.
O marxismo entende as leis da ciência quer se trate das leis das
ciências naturais, quer das leis da economia política como
o reflexo de processos que ocorrem independentemente da vontade das pessoas. As
pessoas podem descobrir, estudar, ter em conta estas leis nos seus atos,
utilizá-las no interesse da sociedade, mas não podem
modificá-las nem aboli-las. Muito menos podem formar ou criar novas
leis, estas impõem-se independentemente da vontade humana.
[7]
As leis da economia política, as leis do desenvolvimento
económico diferentemente das leis das ciências naturais
são efémeras, atuam, na sua maioria pelo menos, no decurso
de um determinado período histórico, após o qual cedem
lugar a novas leis. Porém, estas leis não são eliminadas,
apenas perdem validade por força das novas condições
económicas e saem de cena para dar lugar a novas leis, as quais
não são criadas por vontade humana, mas surgem na base das novas
condições económicas e sociais.
[7]
A questão, em termos marxistas, consiste em determinar a
relação entre as leis económicas objetivas existentes num
dado contexto económico e social e as políticas económicas
que os governos aplicam. O afastamento das segundas em relação
às primeiras tem sempre um custo.
A ignorância, o desprezo ou a má-fé relativamente às
leis económicas objetivas conduzem quer a desvios de direita quer ao
aventureirismo esquerdista. Os desvios de direita, não aceitam a
capacidade de transformação dos contextos económicos e
sociais em que as leis económicas se aplicam, e que podem ser alterados
pela ação do planeamento democrático, com a
participação ativa das massas trabalhadoras. Pelo
contrário, estes desvios privilegiam os automatismos do mercado,
entregando a direção da economia aos "ajustes
automáticos", pelos quais o grande capital domina.
O voluntarismo e aventureirismo esquerdista, de que a direita também se
serve, não reconhece o caracter objetivo das leis, não aceita os
processos de transição para estados económica e
socialmente mais avançados, combate o marxismo e a economia planificada,
alia-se aos divisionistas no combate à disciplina coletiva
necessária ao progresso económico e social.
Exemplos de desprezo pelas leis económicas objetivas são o euro e
os tratados europeus. O objetivo federalista contrariando as leis
económicas objetivas destrói qualquer hipótese de real
colaboração mutuamente vantajosa entre os Estados europeus,
não passa de um projeto imperialista que o caso grego, mais que qualquer
outro, evidencia.
A questão é sempre: quem controla? Está a economia
subordinada ao socialmente útil ou ao dos que a condicionam em
função dos seus interesses? Planeamento económico em
função de custos e benefícios sociais ou
maximização do lucro?
Concluindo, só o planeamento económico democrático, pode
garantir a satisfação máxima das necessidades materiais e
culturais da sociedade, o aperfeiçoamento da produção em
bases tecnológicas mais avançadas, em lugar das crises
acompanhadas da destruição das forças produtivas da
sociedade.
[1]
La stupidité institutionnelle
, Noam Chomsky,
[2] Paul Ormerod, The death of economics, Ed Faber and Faber, 1994, p. 152
[3] Idem, p. 196
[4] Idem p.48
[5] Jacques Sapir, Les trous noirs de la science économique, Ed. Seuil,
2013, p. 293
[6]
La maladie dégénérative de l'économie, le "néoclassicisme"
, Remy Herrera, Ed. Delga, 2015, p. 124
[7] Problemas Económicos do Socialismo na URSS, 1952,
www.hist-socialismo.net
, de I. V. Estaline.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|