Do Estado oligárquico ao Estado democrático
por Daniel Vaz de Carvalho
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Na república democrática a riqueza exerce o seu poder
indiretamente, no entanto de um modo ainda mais seguro. Em primeiro lugar, pela
corrupção direta dos funcionários e em segundo lugar
através da aliança entre o governo e a finança. Engels
O liberalismo é a anarquia mais o agente de polícia. Thomas
Carlyle (1795-1881)
O liberalismo é o nome falseado da arma dos ricos contra os pobres.
Oliveira Martins
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1 OLIGARQUIA E OLIGARCAS
Oligarquia significa "governo de poucos", contudo o termo é
aplicado à circunstância do poder político ser dominado por
grupos que detêm o poder económico, controlando as
políticas económicas, sociais e culturais nas chamadas
"economias de mercado", em benefício dos seus exclusivos
interesses, em detrimento das necessidades e interesses coletivos.
Oligarquia corresponde ao que no marxismo se designa por "burguesia",
isto é, "a classe dos capitalistas modernos que transformou a
pequena oficina do mestre na grande fábrica do capitalista industrial
(
) tornando os operários escravos da classe burguesa"
("Manifesto").
Sociedades mercantis da antiguidade foram oligarquias onde se desenrolaram
intensas lutas de classe.
Platão nos seus "Diálogos", caracteriza o governo
oligárquico: "Subjugam-se os cidadãos, os homens livres
são tratados como servidores e perdem seus direitos". É
"um governo cheio de vícios inumeráveis, onde o rico manda e
o pobre não participa no poder (
) Quanto mais a riqueza e os ricos
são honrados menos estima se tem pela virtude e pelos virtuosos, por
consequência o governo não é entregue aos mais capazes e
virtuosos, mas aos ricos ou aos que melhor defendam os seus interesses.
(
) "Resta ainda uma liberdade: a de uns serem excessivamente ricos e
outros serem excessivamente pobres e indigentes." É um exemplar
retrato das sociedades neoliberais.
Para proteger os seus interesses, os oligarcas não hesitam em buscar
apoio externo. Sob o seu controlo são feitas sucessivas
concessões ao estrangeiro. Os países caiem na completa
dependência, não podem seguir políticas autónomas,
pouco lhes resta de soberania, com governantes e outros representantes do
Estado como o governador do Banco de Portugal, às ordens do BCE -
pouco mais que fantoches, em que a sua principal função é
proteger os interesses da oligarquia e garantir a manipulação
ideológica, a exploração e a repressão sobre as
camadas trabalhadoras.
2 O ESTADO OLIGÁRQUICO
Não deveria ser necessário descrever o Estado oligárquico,
como membros da UE é nele que vivemos. A questão é que
entre a realidade e a percepção da mesma existe a
consciência e é neste nível que a oligarquia age
condicionando-a pelas mais diversas formas de alienação.
A UE fornece todos os pretextos para serem negados compromissos eleitorais.
Governos que pretendam honrar os seus compromissos com os cidadãos,
são atacados, como atualmente se torna patente nas pressões sobre
o governo do PS apoiado por partidos à sua esquerda.
Permanece um certo formalismo democrático, inoperacional no que é
essencial, devido aos tratados e ao poder de instituições
à margem do controlo democrático como o BCE e mesmo à
margem dos tratados como o Eurogrupo.
A economia foi reduzida aos interesses privados com o álibi de uma
concorrência "livre e não falseada", na realidade
distorcida por oligopólios cartelizados, com entidades reguladoras e
empresas de auditoria ao seu serviço. Uma pseudoconcorrência
económica e socialmente destrutiva, em que os "mercados"
passam a ser mais importantes que os interesses nacionais, a democracia, as
próprias pessoas e seus direitos.
Enredado num acumular de contradições o poder é mantido
por uma intensa lavagem ao cérebro dos cidadãos, perversão
das liberdades sindicais,
[1]
repressão e pelo que se designa a "porta giratória"
entre funções públicas e altas funções em
grandes empresas privadas
3 DESIGUALDADES
As desigualdades não são uma questão de ética nem
se resolvem com apelos à boa vontade como parece pretender Thomas
Picketty. As crescentes desigualdades são uma condição do
poder da oligarquia e da concorrência entre oligarcas.
Cerca de 27% da população mundial vive em brutal pobreza. As
desigualdades repercutem-se pelo mundo da globalização
capitalista: as 62 famílias mais ricas possuem tanto como metade da
população mundial, 3,6 mil milhões de pessoas. Entre 2010
e 2014 a "riqueza" da metade mais pobre da população
global caiu 41% enquanto para as 62 famílias mais ricas aumentou 500 mil
milhões de dólares. Este alarmante aumento da miséria
social é provocado pelas políticas oligárquicas.
[2]
As crises têm servido para a oligarquia eliminar direitos de cidadania
(como os laborais) e aumentar o seu enriquecimento. Entre 2008 e 2013 nos EUA
os 7% mais ricos aumentaram a sua riqueza em 28%, os 93% restantes perderam 4%.
[3]
Desde os anos 80 que os aumentos de produtividade são absorvidos na
quase totalidade pelo capital, enquanto repetem que cortar impostos aos mais
ricos e direitos aos mais pobres estimula a criação de emprego.
Propagandeava-se que "tentar manter o emprego é fatal para o
crescimento, e o bem-estar social", mas apenas os seus lucros e o
desemprego aumentaram.
Administradores e executivos das grandes empresas acumulam fortunas em
remunerações e prémios, praticamente sem pagar impostos,
enquanto impõem acrescidas condições de
exploração aos trabalhadores. Veja-se a pressão da direita
e das instituições da "solidária" UE (com
quem?!) contra o aumento do salário mínimo em Portugal.
Em Portugal foram detetados em 2009, 240 contribuintes com rendimento anual de
mais de 5 milhões de euros (e um património superior a 25
M). Tributando à taxa aplicável deveriam ter pago algo como
636 M
mas pagaram 50 M. Eis a justiça fiscal da
política de direita! Um estudo internacional identificava em Portugal
930 (pelo menos) contribuintes deste tipo. Ou seja, para um rendimento
médio de 7M haveria uma receita fiscal de cerca de 3 500 M.
Valor equivalente ao saque fiscal do governo PSD-CDS (revelado em
comissão parlamentar).
No país da "liberdade e igualdade" esta esvai-se: 10% das
famílias francesas detêm metade da riqueza do país; 80 mil
milhões de euros de fraudes escapam aos impostos, os benefícios
fiscais aos oligarcas atingem dezenas de milhares de milhões alimentando
a especulação. Quarenta cidadãos dos EUA possuem tanto
como metade da população do país. A sua riqueza foi obtida
do que era público, tomado aos trabalhadores e por
deduções de impostos.
4 O ESTADO POLICIAL
As desigualdades não são apenas económicas. O Estado
oligárquico necessita de um sistema repressivo e uma justiça
desigual conforme o poder financeiro dos cidadãos. "A burguesia
põe o mercado a funcionar pela via policial" (Marx).
No Estado policial ao serviço das oligarquias os cidadãos
críticos são perseguidos por exercerem seus direitos
constitucionais ao passo que elites criminosas operam com impunidade e
são cortejados pela direita e propagandistas da
comunicação social.
Nos EUA o Department of Homeland Security tem mais de 400 mil
funcionários, porém fraudes bancárias, evasão
fiscal, lavagem de dinheiro, pagam pequenas multas e executivos são
afastados com chorudas indemnizações.
Em resultado do agravamento das contradições do sistema
são instituídos meios de criminalizar os cidadãos,
torna-los inseguros, obedientes, perseguindo os mais pobres como anti-sociais e
responsáveis pela sua condição Foi revelado que o FBI deu
instruções às escolas para informarem sobre estudantes que
critiquem as políticas do governo como sendo potenciais terroristas,
informando que tais "extremistas" estão na mesma categoria que
militantes do ISIS.
[4]
Na UE o mesmo caminho está a ser seguido. A legislação
antiterrorista terrorismo de organizações criadas e
mantidas pelos poderes oligárquicos progressivamente suprime
liberdades, direitos e garantias dos cidadãos
[NR]
, boa parte dos quais apresentados como "privilégios".
Um relatório do "National Law Center on Homelessness &
Poverty" de 2014 mostrava que um número crescente de cidades dos
EUA tinham disposições legais que criminalizavam
situações de pobreza, a mendicidade, os sem-abrigo, os que
dormiam em viaturas, etc.
Afirma David Lindorff: "já não podemos falar como se os EUA
fossem um país a caminhar para se tornar um estado policial. Já
estamos a viver num estado policial"
[5]
Mulheres são condenadas a prisão perpétua por crimes
menores de droga; enquanto gigantes da banca são imunes à
justiça por maciça lavagem de dinheiro da droga.
Relatórios apresentados ao Senado confirmam a prática de tortura
de responsabilidade da CIA.
Nos primeiros seis meses de 2015 o número de pessoas mortas pela
polícia chegou a 500 como uma epidemia de continuada violência que
atinge toda a sociedade.
[6]
Menores são condenados a prisão perpétua, pessoas
reconhecidamente inocentes ou com desobediências menores barbaramente
agredidas ou mesmo mortas,
A Human Rights Watch estima que nos EUA existirão aproximadamente 20 mil
detidos em prisões de máxima segurança, cujas
condições de detenção são a reclusão
solitária ou muito semelhante; 80 mil homens, mulheres, mesmo
crianças estão ou já estiveram detidos em
solitária. Muitos desconhecidos passaram anos, em alguns casos
décadas em solitária. Existem nos EUA 6,6 milhões de
cidadãos presos ou em liberdade condicional.
5 - A DEMOCRACIA REFÉM DA OLIGARQUIA
Ao serviço das transnacionais foi instituído e está a ser
aprofundado um poder totalitário, antidemocrático, sob o
álibi da globalização e suas mirificas vantagens que a
realidade desmente totalmente. O domínio das transnacionais é
exercido por instituições internacionais que se sobrepõem
ao poder democrático (FMI, BCE, CE, CE, etc.). Os ditos tratados de
comércio livre como o TTIP ou o TTP pretendem ser a derradeira etapa
desta imposição.
Refém dos oligarcas a democracia deixou de ser o governo do povo e pelo
povo. Não passa de uma ficção baseada na hipocrisia de
alguns e na ignorância e medo da generalidade. Para a oligarquia direitos
humanos, tal como definidos na Carta das Nações Unidas têm
apenas um significado instrumental servindo para atacarem quem lhes pretenda
impor condições. Os direitos do grande capital estão
colocados acima dos direitos humanos.
A "competitividade fiscal" é um crime, tornado legal a favor
dos oligarcas, enquanto os impostos são aumentados sobre as MPME e
trabalhadores. Eliminar este crime, inconcebível num espaço
pretensamente comum como a UE, foi contestado por J.C. Junker, por ir contra
"as leis da concorrência"!
Entregue ao lucro monopolista e a uma desbragada especulação
financeira, em que consiste o Estado oligárquico? Paul Craig Roberts,
responde referindo-se ao seu país: "a conclusão é
inevitável: uma vergonhosa tirania de exploração".
[7]
6 DO ESTADO OLIGÁRQUICO AO ESTADO DEMOCRÁTICO
As ilusões da social-democracia estão mortas, sepultadas sob os
ditames do neoliberalismo. O Estado oligárquico destrói os
direitos humanos: políticos, económicos, sociais e culturais.
A História contemporânea mostra-nos, que uma democracia plena
é impossível enquanto subsistirem ambições
imperialistas e enquanto permanecer o poder económico, financeiro e
social da oligarquia. Os recentes acontecimentos na Venezuela e no Brasil
comprovam-no, isto sem recuar ao Chile de Allende e malogradamente
a outros casos.
Nestes processos verificamos "a impotência das bases populares que
derrubaram governos, desgastaram regimes, mas que inclusive nos processos mais
radicalizados não puderam impor revoluções,
transformações que fossem mais além da
reprodução das estruturas de dominação
existentes" "sem se afastarem de práticas reformistas
praguejadas de contradições".
[8]
A Revolução do 25 de Abril pretendia a construção
de um Estado democrático, na medida em que foi desenvolvido o poder
popular e uma estratégia anti-monopolista. A ingerência
imperialista fez avançar a contra-revolução que,
após o 25 de novembro, permitiu a reconstituição do Estado
oligárquico através das privatizações, da
adesão à UE (então CEE) e ao euro, culminando no anterior
governo PSD-CDS.
Não há política progressista sem desmantelamento do Estado
oligárquico. Bancos e grandes grupos económicos, sectores
estratégicos da economia, devem ser colocados sob controlo
público e democrático para serem utilizados como instrumentos de
planeamento econômico orientado para as necessidades sociais. A
própria comunicação social deve ser incluída neste
controlo público e democrático, não permitindo que se
transforme numa alfurja de calúnias, censura ao que não
convém à oligarquia e esteio da conspiração.
É sem dúvida uma tarefa complexa, dura e incerta, mas "os
que têm coração e alma e amam a justiça deviam lutar
e combater pelo povo. E ainda que não sejam escutados têm na
amizade dele uma consolação suprema". Eça de Queiroz,
Prosas Esquecidas.
05/Maio/2016
[1]
O novo Admirável mundo novo
[2]
www.oxfam.org/...
[3]
3 Shocking Ways Inequality Keeps Getting Worse in America
, Paul Buchheit
[4]
FBI Has New Plan to Spy on High School Students
, Peter van Buren
[5]
www.informationclearinghouse.info/article40279.htm
, David Lindorff
[6]
Justice is Dead in America
,
US Police Killed Over 500 People This Year
, por
Tom Hall e Andre Damon
[7]
Gangster State America, Where Is America's Democracy?
, Paul Craig Roberts,
[8]
América Latina na hora do lumpen-capitalismo
, Jorge Beinstein. Importante texto para a compreensão dos atuais
contextospolíticos e sociológicos.
[NR] Um caso exemplar da paranoia policialesca na UE é o do diplomata português
espancado pela polícia belga por ter tirado uma foto do edifício da Comissão Europeia
.
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