Desintegração: indicadores do próximo colapso do
império americano (1)
por Daniel Vaz de Carvalho
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"Quando era cadete, qual era o lema em West Point?
Não mentir, não enganar, não roubar nem tolerar que
outros o fizessem. Fui diretor da CIA, mentimos, enganámos,
roubámos.
Tivemos completos cursos de treino. Isto deve recordar-vos a
glória da experiência americana".
Mike Pompeu, a gabar-se enquanto o público ria e aplaudia a
declaração.
Citado por AM (p.230)
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1 - Para além da propaganda
Disintegration,
o novo livro de Andrei Martyanov (AM)
[1]
constitui uma aprofundada análise ao império a que, quer se
tenha disso consciência ou não, estamos submetidos. Um
império em declínio ao qual AM torna evidente o próximo
colapso e desintegração, se o seu povo não se mobilizar em
defesa de outras políticas. Uma evidência que, para além da
propaganda e subserviência de "comentadores" e jornalistas
formatados pelas mediáticas máquinas de mentir imperialistas,
transparece nos resultados obtidos, sistematicamente deturpados ou
escamoteados. De facto, nos últimos 30 anos, os EUA produziram um
recorde de falhanços em termos de resultados práticos,
porém, diz AM, os falhanços são apontados como
êxitos!
As intervenções dos EUA, deixaram países no caos,
mereceram a apropriada designação de "império do
caos". A retirada do Afeganistão é um exemplo mais
próximo: um país nAMiséria e em que a
produção de ópio para heroína cresceu 40 vezes
desde a intervenção da NATO em nome da defesa dos direitos
humanos (p.2). Na contabilização das mortes associadas a esta
intervenção, no seguimento das ações para derrubar
um governo popular e progressista, há que incluir as mortes pela
heroína e pelas ações terroristas levadas a cabo pelos
grupos do fundamentalismo islâmico, criados para serem mercenários
ao serviço do império e espalhados por múltiplos locais.
Como AM prudentemente adverte, no seu declínio os EUA tudo farão
para preservar o poder, embora dêem sinais de estarem a tornar-se um
país instável, comparável aos do terceiro mundo, mas com
armas nucleares. (p.4)
As suas elites dispõem de um imenso poder mediático, mas a
acentuada quebra da sua qualidade resulta de uma crise que evolui de mal para
pior. Claro que estas elites são um reflexo e um produto de outras
forças: a oligarquia dominante. (p.5)
Os "fazedores de opinião", professores, especialistas em todas
as áreas e nenhuma, continuam a depender dos políticos do sistema
e vice-versa, todos eles dependendo da boa vontade das oligarquias, dizendo
apenas o que estas querem ouvir. É normal advogados, atores, gente do
desporto, pronunciarem-se sobre assuntos militares e geopolíticos sem
que tenham nenhuma competência nestas matérias e um muito baixo
nível de conhecimento em relação ao resto do mundo.
Porém a ideia de os EUA deixarem de ser o líder mundial
não entra na imaginação destas ditas elites para as quais
as ilusões da sua propaganda podem alterar a realidade.
O imperialismo age a coberto de "direitos de proteção"
e moralismo. Um pretenso moralismo que tem conduzido a catástrofes
humanitárias é à morte de milhões de pessoas. Ousam
mesmo falar em "bombardeamentos humanitários" como em 1999
sobre a República Federal da Jugoslávia. (p.138)
Para AM, o modelo liberal, a dita "democracia liberal", é um
termo completamente contraditório com a realidade social: uma ideologia
totalitária e fascizante que procura destruir tudo o que de positivo foi
conseguido desde o iluminismo. Uma ideologia moribunda saída da
arrogância de elites Americanas cuja ignorância foi tornada modelo
virtuoso e verdade absoluta.
Os EUA falham miseravelmente na capacidade de lidar com os factos, exibindo uma
rigidez ideológica que se tornou uma fanática crença
religiosa. (p.42) O resultado final só poderá ser a
desintegração, independentemente de quem seja o próximo
presidente ou o partido que vá prosseguir as desastrosas
políticas económicas e culturais atuais.
Os EUA estão organizados numa ditadura de partido único, na
tentativa de dominar o mundo, baseado em "valores" económicos
e culturais por eles definidos, mas que são antitéticos para a
maioria dos povos. Uma tentativa que contamina os media e os sistemas
educativos, conduzindo a sociedade à distopia e não pode
sobreviver perante a realidade de uma América economicamente em
declínio, intelectualmente estéril e em que a decadência
moral se torna evidente nas taxas de criminalidade e de presos. (p.212)
Imaginam que a propaganda obvia os problemas que enfrentam e um
inevitável colapso. Assim, eliminar o pensamento livre tornou-se o
objetivo número um dos donos do discurso, produzindo
gerações sujeitas a lavagem ao cérebro.
A violência interétnica, o abrandamento da produtividade, a
vulgaridade universitária são realidades da
desintegração dos EUA. Porém, tudo o que AM nos apresenta
relativamente aos EUA tem que ver com a UE e outros aliados colocados na
condição de vassalos relativamente ao suserano. Como não
é visível qualquer intenção de, designadamente na
UE, mudar de política é inevitável serem arrastados no
declínio e colapso do império.
O esclarecimento quanto à real situação em que estamos
envolvidos é, ou devia ser, tarefa prioritária de todos os
sectores realmente progressistas.
2 O Consumo
AM aborda a questão do consumo. Uma das principais bandeiras da suposta
superioridade do capitalismo, com que seduziu e seduz multidões em
particular de jovens, mas não só, para os quais consumir
representaria liberdade. O que finalmente encontram, tanto nos EUA como em
qualquer outro país sujeito ao sistema, é insegurança nas
suas vidas, instabilidade pessoal e social, marginalidade,
prostituição, mesmo escravatura sexual. Estima-se que
2,5 milhões de estudantes universitários
recorram à prostituição para pagar as suas
dívidas. Em 2019, haveria
100 a 150 mil crianças
como "trabalhadoras e trabalhadores sexuais".
A "liberdade de escolha" para consumir não passa de uma
falácia, que raros ousam denunciar. Nos EUA, segundo uma sondagem, a
insegurança alimentar atinge 40,9% das mães com filhos de 12 anos
ou menos, valor que tem aumentado dramaticamente. (p.9) Não se trata
aqui de padrões de consumo, mas de não ter o suficiente para
comer. O que põe em causa o sistema de distribuição de
bens em termos capitalistas. Num Estado dos mais pobres como o Colorado, 30% da
população tem dificuldade em satisfazer as necessidades
alimentares. (p.11)
Dezenas de milhões de trabalhadores dos EUA viram os seus
salários reduzirem-se ou mesmo desaparecerem, incluindo os que
entretanto perderam direito a subsídio de desemprego. Mesmo entre a
classe média branca a esperança média de vida vai-se
reduzindo devido à falta de apoios médicos, suicídios,
toxicodependência. Situações que apontam para problemas
mais profundos como salariais, insegurança de existência,
dessocialização, entre outros, mostrando muitas pessoas a
perderem a vontade de viver. (p.17)
O consumo nos países capitalistas ricos levando parte da
população a consumir não por precisar, mas para evitar uma
marca de inferioridade e pouco mérito, era uma montra contra o
socialismo. (p.17) Um desejo de consumir que transforma as pessoas de
cidadãos em "consumidores", um objetivo do fascizante
"fim das ideologias". Um consumo que tinha e tem como contrapartida
exploração, fome e opressão nos países dominados
noutras partes do mundo. Eis que agora situação semelhante
enfrentam os cidadãos do designado Ocidente para além do
que a propaganda exiba.
Em 1985 o salário médio pagava em 32 semanas as despesas
básicas de um casal como habitação, saúde, carro,
educação. Em 2020 são 52 semanas para os mesmos itens. Os
EUA tornaram-se um país pobre e de pessoas endividadas - e nada
mais fazem senão imprimir dólares, o que torna o problema ainda
pior. (p.35)
3 Prosperidade
A riqueza é medida em dólares, porém o dólar em
relação ao ouro vale apenas 19 cêntimos do que valia em
1971, quando se desligou daquela referência. O sistema permite aos EUA
gerir os seus défices simplesmente pela venda de dólares aos
bancos centrais de outros países. Esta é a base da riqueza dos
EUA permitindo-lhes manter a ilusão de ter "canhões e
manteiga". (p.24) Uma riqueza fictícia que Michael Hudson designa
como o sistema FIRE (Finanças, Seguros e Imobiliário).
De acordo com o Bank of America os intangíveis das empresas, isto
é, ativos que não têm natureza física, passaram de
17% dos ativos das S&P500 em 1975, para 84%, 20 milhões de
milhões de dólares no início de 2020. A
valorização da economia dos EUA, afirma AM, é geralmente
uma fraude, uma maneira de dar cobertura aos jogos de especulação
dos "estrategistas" da Wall Street e à
eliminação de indústrias produtivas. A ideia de os EUA
serem o país mais rico vem da forma como o PIB é contabilizado,
em que a financeirização, a especulação financeira
e as dívidas, isto é, o sector não produtivo da economia
aparece como valor e poder económico. (p.91)
O PIB cresce ao mesmo tempo que se produzem cada vez menos bens materiais.
Outra razão pelo qual está grandemente inflacionado é o
estatuto do dólar como moeda de reserva, permitindo aos EUA pela sua
proliferação e constante emissão pela Reserva Federal,
viver acima dos seus meios. Contudo o dólar enfrenta uma
dramática desvalorização e a desdolarização
da economia mundial que a Rússia e a China lideram. (p.92)
A riqueza dos EUA é, pois, em grande parte fictícia, um eufemismo
para o seu afogamento em dívidas. A dívida federal atinge 28,5
milhões de milhões de dólares, 128,26% do PIB. Se
incluirmos as dívidas dos Estados e locais atinge 143,4%, mas a
dívida total incluindo empresas e cidadãos vai aos 85,5
milhões de milhões dos quais 1,75 milhões de
milhões dívida estudantil, e quase 989 mil milhões em
cartões de crédito. O desemprego real anda pelos 16,35
milhões de trabalhadores, além de 25,6 milhões que
sobrevivem em part-time. (
U.S. National Debt Clock: Real Time
(usdebtclock.org)
Há de facto no país 18,6 milhões de milionários,
mas no final de 2019, mais de
50 milhões de pessoas
recorriam a assistência alimentar. Entre os quais 25% de todas as
crianças nos EUA. Cerca de 25% da população americana
não pode comprar comida suficiente para se manter saudável.
Os sem abrigo eram em 2019, 3,5 milhões ou 7,5 milhões se
considerarmos os que não têm casa própria vivendo com
outros devido aos altos custos de habitação. (p.32) Cidades antes
apresentadas como centros de prosperidade tornaram-se autenticas lixeiras. A
polícia é impotente para conter protestos e a violência
desencadeia-se em áreas que parecem zonas de guerra. Numerosas
comunidades assemelham-se a favelas do terceiro mundo, incrivelmente pobres e
sujas, sem lei, onde proliferam drogas e gente sem abrigo. (p.34) O
próprio governo reconhece o estado deplorável das infraestruturas
do país.
O mercado de ações continua em alta, mas também as filas
para ajuda alimentar. Na realidade, nos EUA a prosperidade só tem
significado para 10% da população ou ainda mais para o 1% cujo
extravagante consumo como modo de vida prossegue.
4 Produção
Os EUA deixaram de produzir riqueza real. Em 1960 a indústria
representava 25% do PIB, em 2020 uns escassos 11%. A fanática
crença na finança, na dívida e no seu excecionalismo
conduzem os EUA a um suicídio económico. (p.45) Foram perdidos 5
milhões de postos de trabalho na indústria, em que 1 posto de
trabalho na indústria origina 3 ou 4 noutros sectores. A escala deste
desastre revela-se no défice da BC de 1 milhão de milhões
de dólares, um terço do qual com a China. (
usdebtclock.org/
)
Na realidade os EUA são cada vez menos competitivos internacionalmente.
Podem impor sanções à China e à Rússia, mas
não impedem o desenvolvimento das suas industrias e da sua tecnologia. A
perda de capacidade inovadora e competitiva dos EUA no sector automóvel,
na aeronáutica (casos Boeing) atrás de indústria
aeronáutica da UE ou da Rússia, na construção
naval, nas máquinas ferramentas, é analisada por A M. (p.50-51)
Relatórios apontam para que a "segurança nacional exige uma
base industrial segura, resiliente e preparada" "o decréscimo
na capacidade de produções chave e a redução do
emprego industrial representa uma fraqueza primordial que ameaça a
nação." (p.48) Os EUA são em 90% dependentes da China
para a produção de telemóveis, computadores
portáteis, videojogos, etc. O facto de reivindicarem ser a mais
importante economia mundial apresenta-se como um mistério... (p.93)
As contradições entre as suas ambições
hegemónicas e a necessária base industrial são evidentes.
Algo que nem nos EUA nem na UE é discutido. Os "comentadores",
os "fazedores de opinião" e académicos adotaram como
ciência provada as teses da oligarquia americana. Estão tão
longe das questões objetivas que afetam os seus países, como na
Bizâncio cercada pelos otomanos os que se ocupavam a discutir "o
sexo dos anjos", neste caso as "reformas estruturais" para que o
parasitismo neoliberal financeiro e monopolista seja mantido a todo o custo.
Em janeiro de 2020 o "valor" em dólares dos sectores de
serviços nos EUA era seis vezes superior ao da indústria
transformadora. O constante declínio do capitalismo industrial, pode
já ter passado o ponto de não retorno, não se vendo
esforços de reindustrialização que possam ser bem
sucedidos. Assim é-se levado a crer num desenvolvimento industrial
acelerado na Eurásia, conduzido em especial pela China e pela
Rússia. (p.103)
Os EUA formam tantos quadros científicos e técnicos como a
Rússia (metade da população) mas um terço daqueles
são estrangeiros. A diminuição da capacidade produtiva
conduz também a um declínio cultural e político. O
desaparecimento e a atomização do proletariado industrial
corresponde à desintegração dos sectores socialmente mais
avançados de um país.
Fazer coisas requer mais que tecnologia, requer mão-de-obra qualificada,
requer uma visão lúcida das realidades, uma verdadeira
preocupação com o bem estar das pessoas, temas que são
blasfémias para as elites globalistas, há muito alojadas na bolha
ilusória da financeirização, completamente desligadas das
realidades. (p.104)
Os evangelistas "verdes" parece também não entenderem
que os telemóveis não crescem nas árvores, que o mundo
opera baseado em energia, máquinas, produção real,
física básica e engenharia. Necessita de gigantescos recursos de
extração mineira, enormes navios metálicos, redes
elétricas, milhares de engenheiros e professores. A América
esqueceu como tudo isto funciona e a UE vai atrás. Uma cultura assim
está destinada a colapsar, incapaz de uma atribuição
correta ao valor trabalho enquanto se foca em discursos sobre igualdade de
raças e géneros. (p.231)
Na UE, o pensamento dominante, totalmente alinhado com os EUA, não
entende que o mundo da Conferência de Berlim para desenhar fronteiras
entre povos coloniais ou o da guerra do ópio para submeter povos aos
seus interesses comerciais já não existe.
23/Julho/2021
(continua)
[1]
Disintegration, Indicators of the Coming American Collapse
, Clarity Press, 2021.
A trilogia de Martyanov pode ser descarregada na secção
livros
.
O capítulo 4 de
Disintegration,
sobre energia, está traduzido e publicado em
resistir.info/energia/martyanov_energia.html
.
Esta resenha encontra-se em
https://resistir.info/
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