Civilização moderna e energia são as duas faces da mesma
moeda. Não existe civilização sem produção
de energia porque não existe civilização sem consumo de
energia. Como acontece com qualquer ser humano, o processo de consumo e
reposição de energia é constante, mesmo quando nós,
humanos, dormimos. Isto aplica-se ainda mais às sociedades modernas cuja
existência sem energia seja gasolina para os carros, querosene
para os motores a jato, eletricidade para iluminar e alimentar as
máquinas industriais é inconcebível. No final, a
história do progresso da humanidade é uma história de
extração e utilização de energia, desde as
fogueiras nas cavernas primitivas até à Estação
Espacial Internacional e centrais de energia nuclear e, não nos
esqueçamos, das armas de destruição maciça que
podem condenar toda a civilização humana à
aniquilação total.
Hoje, a geopolítica e a geoeconomia contemporâneas podem ser
definidas adequadamente dentro de uma estrutura que leva em conta a energia. A
energia não é o único maior factor económico
consequente; é também um grande problema geopolítico. Para
mim, pessoalmente, sendo natural da cidade de Baku, agora capital de um
Azerbaijão independente, desde que nasci que a produção de
energia tinha um odor muito específico que absorvi em criança.
Baku e a Península de Apsheron, onde se situa, cheirava a
petróleo bruto. Esse cheiro tornou-se uma sensação
constante devido ao facto de o óleo ser extraído da terra
ininterruptamente em Apsheron desde 1846, quando o primeiro poço foi
lá perfurado, muito antes do desenvolvimento dos campos de
petróleo americanos. O resto é história, com Dmitry
Mendeleev e os irmãos Nobel a desempenharem um papel fundamental no
desenvolvimento dos campos de petróleo e da indústria
petroquímica em Apsheron. No início do século XX, o
Azerbaijão, então parte do Império Russo, produzia mais da
metade do petróleo mundial. O Azerbaijão em geral, e Baku em
particular, tornou-se o cadinho da indústria petrolífera da
Rússia.
Na época soviética, Apsheron era um enorme campo de
petróleo e o crude era bombeado perto de Baku, nos subúrbios de
Baku e dentro da própria Baku. O primeiro Instituto Politécnico
da Eurásia totalmente dedicado à educação de
engenheiros de petróleo foi aí fundado no início do
século XX. O petróleo de Apsheron foi também literalmente
o combustível que permitiu a vitória da União
Soviética na Segunda Guerra Mundial. A exploração offshore
estava também a desenvolver-se a uma velocidade surpreendente e, na
década 1950, Baku havia-se tornado na verdadeira capital do
petróleo e da indústria petroquímica da União
Soviética. Estava também a tornar-se cada vez mais numa cidade
muito bonita e pitoresca. Embora o cheiro a petróleo persistisse no ar,
muitas vezes misturado com o cheiro dos oleandros e dos rododendros, até
nem incomodava assim tanto a maior parte dos nativos de Baku.
Qualquer pessoa nascida em Baku no século XX nascia automaticamente no
mundo da extração e processamento da substância mais
importante na história da humanidade moderna o petróleo. O
crude e tudo o que está a ele associado, desde a tecnologia às
pessoas, foi e ainda é o principal motor que impulsiona a economia
não só do Baku, mas de toda a região do Cáucaso.
Evidentemente, desde o colapso da União Soviética, o papel do
Azerbaijão na produção de petróleo caiu
vertiginosamente no espaço da ex-União Soviética, com a
Rússia a produzir em Maio de 2020 quase 14 vezes mais petróleo do
que o Azerbaijão. Isto levou a um declínio dramático na
importância relativa do Azerbaijão numa Era onde os grandes grupos
económicos, militares e da energia estão de volta ao que muitos
no Ocidente chamaram de a Grande Competição pelo poder, a maior
parte desta construída à volta da Energia. O petróleo
bruto e outros hidrocarbonetos como o gás natural
permanecem no centro da geopolítica e da geoeconomia modernas, caso
alguém esteja inclinado a utilizar o termo Grande
Competição ou, usando a definição de Luttwak
guerra por outros meios.
A produção global de energia no mundo é expressa
frequentemente na métrica MTEP, que significa Milhões de
Toneladas Equivalentes de Petróleo que define a
produção total de energia que varia entre o petróleo real
e o gás e é expresso em Joules (uma medida padrão para
energia) obtido pela queima de uma tonelada de petróleo. Em 2019, o
balanço da produção de energia expresso em MTEP era
revelador. A China liderava o mundo com 2684 MTEP com os EUA e a Rússia
a seguir na liderança com 2303 e 1506 MTEP, respectivamente. Outro
índice crucial de desenvolvimento económico, a
produção de eletricidade a partir de todas as fontes
petróleo, hidroelétricas, carvão e nuclear viu a
China a liderar o mundo dramaticamente com a produção de 7482
Terawatts-hora (TWh), com os Estados Unidos a ficarem num segundo lugar distante
com 4385 TWh, com a Índia em 1614 TWh e a Rússia em 1122 TWh.
Estes números são cruciais para a compreensão da
formação de, não apenas uma nova realidade
económica, mas de uma nova realidade geopolítica, na qual os
Estados Unidos encontram-se cada vez mais não só desafiados, como
também superados economicamente uma realidade que as elites
americanas tentam negar em termos globais do poder nacional. A Energia
nesta realidade geopolítica e geoeconómica desempenha um papel
crucial e assim continuará a desempenhar e a expandir-se no futuro.
Qualquer pessoa que tenha lido as manchetes económicas dos jornais em
Março de 2020 acerca da reunião da OPEP+ em Viena poderia muito
bem ter lido os relatórios sobre um colapso nas
negociações diplomáticas, o que precede a maioria das
guerras. A OPEP+ foi uma modificação da OPEP original
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo)
fundada em 1960, pela adição em 2016 da Rússia,
México, Azerbaijão e alguns outros países produtores. A
agência Bloomberg descreveu o colapso em Viena nestes termos:
O colapso é a maior crise desde que a Arábia Saudita, a
Rússia e mais de 20 outras nações criaram a aliança
OPEP+ em 2016. O grupo, que controla mais da metade da produção
mundial de petróleo, susteve os preços e reformulou a
geopolítica do Oriente Médio, aumentando assim a influência
do presidente Vladimir Putin na região. Mas está sob crescente
pressão no último ano.
O colapso das negociações de Viena entre dois dos maiores
players,
a Arábia Saudita e a Rússia, referidos pelos media
ocidentais como "aliados", deveu-se à recusa da Rússia
em continuar com seus cortes na produção de petróleo para
manter os preços do petróleo em níveis confortáveis
para os produtores. A Rússia, na sua essência, rejeitou todas as
limitações da OPEP+ à produção de
petróleo. O ministro russo da Energia, Alexander Novak, afirmou
explicitamente que as empresas de petróleo da Rússia eram livres
para aumentar a produção a partir de 1 de abril. Os media
ocidentais e os especialistas enquadraram imediatamente o falhanço dos
limites de produção da OPEP+ como uma guerra do petróleo
entre a Rússia e a Arábia Saudita. Não poderiam estar mais
errados, mesmo considerando os muito baixos padrões dos sabichões
ocidentais quando discutem qualquer coisa relacionada com a Rússia. No
fim iriam acabar por aprender uma lição cruel e humilhante. A
Rússia, recusando qualquer corte na produção de
petróleo, não estava contra a Arábia Saudita, mas sim
contra os Estados Unidos. Nomeadamente, a indústria americana do
petróleo de xisto
(shale oil)
e da fracturação hidráulica
(fracking).
E, efetivamente, a Arábia Saudita deu meia-volta e aumentou a sua
produção contra aquilo que tinha exigido inicialmente
e a fazer o mesmo que a Rússia.
O aparecimento da América no mercado internacional do petróleo
é uma história da tecnologia que ganhou ao bom senso
económico e também uma história de absoluta fraude. A
produção de petróleo dos EUA entre 2000 e 2011 oscilou
entre os 5-6 milhões de barris de petróleo por dia. Mas em 2012
as coisas mudaram a produção começou a aumentar a
uma taxa crescente e em 2019 atingiu mais de 12 milhões de barris por
dia. Em janeiro de 2020, os Estados Unidos estavam a produzir quase 13
milhões de barris de petróleo por dia. Esse crescimento
maciço na produção de petróleo deveu-se
principalmente ao que então era descrito como um
boom
de xisto. É óbvio que a tecnologia de extração de
petróleo de xisto, que existe desde meados do século XX,
continuou a aperfeiçoar-se com o passar dos anos. Mas a
produção de petróleo de xisto sempre foi cara e ao longo
do século XX o petróleo de xisto não podia competir com o
petróleo barato extraído pela perfuração vertical
clássica, e que muitas vezes definia os horizontes de lugares ricos em
petróleo como a Península de Apsheron em geral e Baku em
particular, dominados pelas torres de petróleo e, posteriormente, o mar,
salpicado de plataformas de petróleo facilmente visíveis.
Uma mudança dramática para o petróleo de xisto veio com a
melhoria da tecnologia de
fracking
e a disponibilidade de crédito barato nos Estados Unidos isto
é, dívida
para muitas empresas de petróleo independentes, que em meados dos
anos 2000 correram mesmo para campos não comprovados de petróleo
de xisto e acabaram por conduzir quase todo o crescimento da indústria
do petróleo. Em 2019 elas respondiam por quase dois terços da
produção de petróleo dos EUA.
Todo esse crescimento foi alcançado, do modo como descreveu o analista
financeiro David Deckelbaum:
"Esta é uma indústria em que para cada dólar que
trouxerem, terão de gastar dois".
Em linguagem simples, a indústria não é
economicamente viável, não importa a forma como se olha para esta
indústria, mesmo quando se consideram preços do petróleo
razoavelmente altos. No entanto, com os preços do petróleo a
cair, como quando começaram a cair em 2019, enquanto a indústria
exigia preços entre US$55-65/barril em 2020 para chegar ao
break even
(ponto de equilíbrio), as perspectivas para o petróleo de xisto
dos EUA estavam a tornar-se cada vez mais terríveis. Mas dois factores,
de geoeconomia como dizem os puristas, actuaram contra o petróleo dos
EUA e a sua prematura declaração de independência
energética, bem como contra a noção de que a
América estava a tornar-se num exportador líquido de
petróleo:
1. O petróleo de xisto dos EUA era financeiramente inviável;
2. As exportações de petróleo dos EUA foram
possíveis primariamente devido aos EUA terem "apanhado" quotas
libertadas principalmente como resultado dos cortes anteriores da Rússia
e da Arábia Saudita dentro da OPEP+ numa tentativa de equilibrar o
mercado mundial de petróleo, o qual enfrentava queda nos preços
devido a um excesso de produção.
Claro que havia um terceiro factor em jogo aqui e que era crucial para o
petróleo de xisto dos EUA eram os custos da Rússia. O
custo do petróleo saudita oficialmente declarado tão baixo quanto
US$2,80 por barril não foi um factor. Era considerado simplesmente como
um dado adquirido que os sauditas permaneceriam extremamente competitivos com
praticamente qualquer custo de petróleo. O problema da Arábia
Saudita reside no seu sistema político retrógrado, na sua
mono-economia e no peso tremendo da vasta rede de membros da realeza saudita e
sua população em geral com as obrigações sociais e
de bem-estar que lhes são dispensadas, questão esta que
não poderia ser revista sem criar uma grave instabilidade
política em Riade.
Sem nunca ter revelado oficialmente os seus custos, registou-se várias
vezes que a Rússia está confortável com o preço do
petróleo à volta de US$40/barril. O orçamento da
Rússia, no qual o petróleo era um dos principais contribuintes da
receita, embora de longe não o único, tinha esse número
como preço base para um orçamento equilibrado. O cansaço
da Rússia com o petróleo de xisto dos EUA que estava a conquistar
mercado à pala dos cortes de produção na Rússia foi
a principal razão para o colapso das negociações na OPEP+
de Viena a Fevereiro de 2020 visando cortes de produção, e teve
muito pouco a ver com qualquer "aliança" de petróleo
russo-saudita. Por outro lado, e a propósito, quaisquer
contradições irreconciliáveis durante as
negociações na OPEP+ terão tido muito mais a ver com o
petróleo de xisto dos Estados Unidos que não tem qualquer direito
económico de usurpar os já bem-estabelecidos produtores de
petróleo que estavam prontos para negociar e para se comprometerem, como
já haviam feito em muitas outras ocasiões, para evitar problemas.
Economicamente e financeiramente, o petróleo de xisto dos EUA era uma
anomalia, ou como um repórter questionou:
"Os perfuradores de xisto dos EUA merecem existir em mercados
livres?".
Era uma pergunta difícil para uma nação que, por
dois séculos, anda globalmente a fazer proselitismo das virtudes de um
"mercado livre" e "livre comércio", espalhando o
evangelho da austeridade financeira e dos resultados financeiros. Os grandes
media
dos EUA, sempre atentos ao lidar com a Rússia, embora incompetentemente
como sempre, anunciaram o colapso da OPEP+ em Viena como o início da
guerra do petróleo entre a Rússia e a Arábia Saudita. A
revista
Time
chegou a chamar a essa guerra de "Battle Royal" e colocou a
intenção saudita de "inundar o mercado" e "dar uma
lição à Rússia" no centro da suposta disputa.
Para esses comentadores, a falar em nome de uma nação cujo
preço de referência do petróleo andava à volta de
US$80/barril, este foi um acto um tanto imprudente. Como sempre acontece com os
grandes media
dos EUA, perceberam tudo errado. A maioria deles, pelo menos. Apenas a
relativamente marginal
Newsmax
foi capaz de ver a dura realidade para os Estados Unidos da
alegada disputa russo-saudita e fez o que qualquer jornalista profissional
normal faria nestas circunstâncias: perguntar aos russos como é
que viam toda a situação. Os russos não viram a
situação como foi vista nos EUA. Como Alexander Dynkin, um dos
peritos mais influentes da Rússia, o presidente do Instituto de Economia
Mundial e Relações Internacionais em Moscovo, um
think tank
estatal, afirmou:
"O Kremlin decidiu sacrificar a OPEP+ para travar os produtores de xisto
dos EUA
e para punir os EUA por se intrometerem no Nord Stream 2.
Claro que incomodar a Arábia Saudita pode ser arriscado, mas esta
é a estratégia da Rússia neste momento geometria
flexível de interesses".
Os eventos que se seguiram validaram completamente esta hipótese inicial
e se alguém deveria aprender uma lição, eram os Estados
Unidos. A lição não foi apenas na teoria, mas na
aplicação prática e bem-sucedida da geoeconomia e de uma
análise geopolítica sólida. O movimento dos sauditas de
inundar o mercado com petróleo barato não foi contra a
Rússia, por si só. Nem os russos pretendiam necessariamente
destruir completamente o petróleo de xisto dos EUA, tendo inicialmente
como objetivo principal levar os Estados Unidos à mesa de
negociações e transformar a OPEP+ em OPEP++. No final, os
próprios sauditas tinham contas a ajustar com o petróleo de xisto
dos EUA. A Rússia poderia resistir a qualquer calamidade no mercado
global de petróleo, o petróleo de xisto dos EUA não,
especialmente no contexto da pandemia COVID-19 e no fecho das economias das
nações ocidentais. Os perfuradores de petróleo de xisto
dos EUA poderiam endividar-se para sobreviver mais tempo à queda dos
preços do petróleo, a Rússia poderia aproveitar o
colchão de US$500 mil milhões que havia preparado com
antecedência. De facto, já se sabia que os
russos tinham capacidade para sobreviver a preços do petróleo
muito baixos muito antes dos atritos entre a Rússia e a Arábia
Saudita em Viena. Em declarações à CNCBC em Outubro de
2019, o ministro das Finanças da Rússia, um reformista liberal
bastante pró-ocidental, estava bastante confiante de que mesmo que o
preço do petróleo caísse para "US$30 ou US$20 por
barril, a Rússia não sofreria um choque económico e seria
capaz de cumprir as suas obrigações orçamentais durante
três anos, graças às suas vastas reservas de ouro".
Num caso clássico de arrogância, obstinação e
incompetência, os media
dos EUA deram início a uma orgia de especulações (e
adulterações) sobre as reservas de ouro e moeda da Rússia
e até começaram a praticar o seu passatempo favorito de prever a
perda de poder de Vladimir Putin na Rússia. Alguns repórteres
ocidentais, como é habitual, a projectarem a sua própria
incompetência e imaturidade, uma característica definidora do
corpo de jornalistas nos EUA, até começaram a explicar em Abril
de 2020 quando os preços do petróleo caíram abaixo
dos US$30/barril e o massacre da indústria de petróleo de xisto
dos EUA começou a sério que a aparente inflexibilidade de
Putin (e da Rússia) em face da alta dos preços do petróleo
devia-se ao orgulho de Putin. Obviamente não houve "desafio"
ao "poder" de Putin, como os artigos sugeriam, e os russos foram
muito claros ao afirmar que poderiam viver com o preço de US$25/barril
por um período de 10 anos. Os russos mantiveram-se também
absolutamente calmos quando o volume de petróleo produzido nos EUA caiu,
num movimento historicamente sem precedentes, em território negativo no
final de Abril de 2020. Em algum momento o WTI
(West Texas Intermediate),
petróleo americano de referência,
estava a negociar a -US$40/barril. Estando a negociar a -US$40
preços
negativos uma situação tão fora do comum,
tornava-se
claro que tão cedo não haveria retorno a preços do
petróleo na faixa dos US$80/barril ou mesmo dos US$60/barril, se
é que alguma vez haveria.
É uma verdade bem conhecida a que, em retrospectiva, tudo bate certo e
faz sentido. Mas qualquer pessoa que lesse este artigo no Outono de 2020, sobre
os
resultados de uma alegada "guerra de preços" entre a
Rússia e a Arábia Saudita, não poderia ignorar o principal
resultado desta situação que, neste caso, foi a
devastação que trouxe à indústria do
petróleo de xisto dos Estados Unidos. Já em Junho de 2020, depois
de os preços do petróleo terem estabilizado um pouco à
volta dos US$39 para o WTI americano, e terem começado a flutuar
consistentemente acima dos US$40 para a principal referência russa, os
Urais a CNBC citando um relatório da
Deloitte
emitido a 22 Junho saia-se com uma manchete assustadora: "A
indústria de xisto vai ser abalada por US$300 mil milhões em
perdas e uma onda de falências. Se os sinais da insolvência
do petróleo de xisto dos EUA já eram visíveis em meados da
década de 2010, como um observador da indústria do
petróleo sublinhou, 2020 foi o ano do "Grande Massacre Americano do
Petróleo de Xisto e do Gás". Era uma descrição
adequada da implosão catastrófica do petróleo
norte-americano, cujo resultado final ainda viu os Estados Unidos aderirem
à OPEP+ quando se discutiam os cortes necessários para a
estabilização do mercado em torno de exatamente dos US$40, o que
deixou a Rússia feliz, a Arábia Saudita insatisfeita e a
indústria de petróleo de xisto dos EUA efectivamente defunta. A
Rússia inicialmente queria os Estados Unidos na mesa de
negociações da OPEP+. E a Rússia conseguiu isso e ainda
conseguiu incluir a Arábia Saudita como terceira bola no bilhar russo,
com duas das bolas a cair nas bolsas da mesa do bilhar.
A lição para os Estados Unidos foi humilhante. Sucedeu-se, uma
vez mais, o chorrilho de conspirações e cabalas dos supostos
sabichões e "peritos" dos EUA contra a Rússia
uma coleção de ideólogos ignorantes que, longe de saberem
qualquer coisa sobre a Rússia ou a indústria do petróleo,
também sabiam muito pouco sobre os Estados Unidos e o seu principal
"aliado" no Médio Oriente, a Arábia Saudita. Como um
autoproclamado "especialista" em Rússia, George Friedman
da famosa STRATFOR, escreveu numa peça incoerente, emocionalmente
carregada e delirante, cheia de chavões e propaganda dos EUA sobre a
Rússia desde o orgulho de Putin até à
dependência da Rússia do petróleo, aos oligarcas russos e
ao colapso iminente da Rússia que a Rússia era "o
maior perdedor do mundo
(biggest loser)
com a queda do petróleo". O facto de ainda darem palco e
espaço público a estes "especialistas" nos Estados
Unidos e de serem tratados como especialistas é um poderoso testemunho
do declínio da experiência profissional nos Estados Unidos,
não apenas em campos inerentemente susceptíveis à fraude,
como ciência política e comentários políticos, mas
em campos que realmente requerem uma boa compreensão tanto da realidade
"no terreno" quanto habilidades suficientes para ter pelo menos
alguma compreensão do assunto.
A crise do petróleo de 2020, de facto, ensinou lições a
quem estivesse disposto a aprender. Mesmo com uma das chamadas grandes
petrolíferas, a British Petroleum, tendo divulgado um relatório
que previa o fim do crescimento da
procura por petróleo, a lição principal nem foi sequer a
trajetória da indústria do petróleo. Ficou claro que o
encerramento das economias ocidentais devido a uma reação
exagerada à pandemia COVID-19 mudaria a estrutura da procura. A
principal lição foi que a Rússia era absolutamente
impermeável às pressões dos EUA e era a única
nação verdadeiramente independente em energia na Terra. A
independência energética da Rússia apoiava-se numa
combinação de poder militar e económico, o que permitiu
à Rússia prosseguir com seus principais objetivos
económicos, incrementando-os no processo. A Rússia fê-lo
sem qualquer consideração às opiniões e
ameaças do que, parecia na época, uma coleção dos
mais poderosos actores
(players)
no mercado do petróleo: Estados Unidos, Arábia Saudita, entre
outros. Alguns observadores nos Estados Unidos finalmente aprenderam algumas
lições e, como concluiu um deles:
"Era evidente para qualquer pessoa até com apenas a metade do
cérebro que a última guerra de preços do petróleo
instigada pelos sauditas terminaria em fracasso abjeto para os mesmos, assim
como o esforço nos anos anteriores 2014-2016 o fez e pelas mesmas
razões".
Simon Watkins, que assim concluiu, pelo menos tinha o direito de
gabar-se de tal conclusão; havia previsto o fracasso saudita já
em Março de 2020, logo no início da crise do petróleo.
No entanto, realisticamente, Watkins foi um dos poucos que falou com sensatez,
mas mesmo os raros discursos como os dele falharam largamente a identificar a
guerra do preço do petróleo como um assunto essencialmente
russo-americano, com a Arábia Saudita a ser apenas um
proxy
da Rússia ou, de acordo com a tradição americana da
conspiração o Judas traidor do mercado global do
petróleo. É evidente que a Arábia Saudita, num
cenário de queda de preços, não tinha outra
opção senão duas aceitar o seu destino e
começar a viver com as suas reservas enquanto administrava um
déficit orçamental sempre crescente, ou fazer algo em
relação a esse cenário. A Rússia, ao recusar cortes
de produção em Fevereiro, obrigou os sauditas, liderados por
Mohammad Bin Salman, a liberar uma armada de petroleiros cheia de
petróleo, o que baixou o preço do petróleo e deu
início ao colapso total da indústria de
fracking
dos EUA. Se alguma vez houve um acto com sentido de Estado nos assuntos
económicos globais mais importante do que o do Kremlin, deve ter sido um
evento na escala da formação da OPEP em 1960 ou do embargo do
petróleo de 1973-74 por uma iteração árabe da OPEP,
OAPEP, que abalou os alicerces da economia da América e redefiniu
dramaticamente a paisagem geopolítica.
Para os excepcionalistas americanos, toda a noção de que a
Rússia poderia forçar os Estados Unidos a fazer qualquer coisa
que beneficiasse a Rússia, como participar dos cortes na
produção de petróleo e ter um preço do
petróleo que satisfizesse a Rússia, era insuportável. Para
piorar a situação, havia o facto de que, enquanto o
petróleo de xisto nos EUA continuava a provocar grandes falências
e cortes radicais, a Rússia aumentava as suas reservas de ouro e moeda
estrangeira para o correspondente a US$600 mil milhões. Além
disso, acrescenta-se a humilhação vinda da China a superlotar as
suas reservas de petróleo com petróleo barato, enquanto
simultaneamente assina um maciço acordo de parceria estratégica
com o Irão, supostamente no valor de US$400 mil milhões,
incluindo a possibilidade de um pacto militar, que teve enormes
ramificações geopolíticas para os Estados Unidos que,
assumidamente, vê ambos Irão e China como inimigos.
A escala da derrota geoeconómica da América, que não
conseguiria ser ofuscada através de campanhas incessantes pelos lobbies,
trouxe à tona uma verdade muito importante e fundamental: a
indústria do petróleo, juntamente com os recursos de
hidrocarbonetos de uma nação, era mais eficaz nas lutas
geoeconómicas e geopolíticas apenas se estivesse sob o controle
directo de um governo nacional, como o que foi organizado na economia cada vez
mais mista da Rússia. O outro lado dessa derrota foi a tradicional
ignorância americana, se não tiver sido mesmo a ilusão
totalmente debilitante no que diz respeito aos assuntos económicos da
Rússia e do papel que os hidrocarbonetos desempenhavam na economia
russa. Embora os especialistas ocidentais continuassem a explorar o mito da
Rússia depender apenas das receitas das vendas de petróleo e
gás natural, a realidade era dramaticamente diferente.
Conforme observado no Relatório Operativo da Câmara de
Contabilidade Russa em Agosto de 2020, as receitas orçamentais da
Rússia no primeiro semestre de 2020 com as vendas de hidrocarbonetos
representaram menos de um terço (29,3%) do total das receitas
orçamentais e caíram 13% em comparação com o mesmo
período do ano de 2019. Evidentemente, a Rússia tinha, de alguma
forma para observadores incultos, 70,7% das receitas, além das receitas
de hidrocarbonetos para manter sua economia a funcionar. A Rússia
superou, uma vez mais, as expectativas dos especialistas e
"analistas" ocidentais e, em vez de entrar em colapso devido à
deterioração da sua situação política e
económica interna, prosseguiu com um desenvolvimento industrial
acelerado. Foi a versão de Obama de uma economia russa "deixada em
farrapos" outra vez.
Nesta primeira fase somos forçados a questionar a competência das
elites americanas cujo registo de fracassos absolutos em prever qualquer coisa,
mesmo dentro do seu campo de jogo, continua a crescer exponencialmente,
não apenas em questões de previsão e compreensão de
nações estrangeiras, das quais as elites dos Estados Unidos
sempre souberam muito pouco, ou nada. A questão que se coloca cada vez
mais é se essas elites e esses decisores políticos têm a
mínima noção do que é o seu país. Só
se poderia explicar a falta de reação interna da Rússia ao
alegado agravamento da sua própria situação pela
"propaganda de Putin" apenas por tanto tempo quanto essa
"explicação" se tornasse obsoleta e cansativa e,
portanto, totalmente ineficaz.
A questão é como é que a economia realmente funciona na
Rússia, ou no Irão, ou na China ou em qualquer outro lugar
uma lição que os excepcionalistas americanos e evangélicos
de um "mercado livre" decididamente não queriam aprender por
razões ideológicas e políticas ou, como a terrível
conclusão em si inevitavelmente garante, foram e são simplesmente
incapazes de aprender. A crise do petróleo deu a resposta foi a
mais recente e não a primeira vez, e tem implicações
geopolíticas massivas.
A pandemia do COVID-19 e a resposta grosseira, possivelmente deliberada e
desproporcional, que lhe foi dada nos EUA e na Europa foram o gatilho para o
colapso económico e, com ele, para a mais grave crise do petróleo
da história. Mas tanto a economia global como, consequentemente, a
procura por petróleo estavam já a diminuir muito antes do
início da pandemia. O problema era sistémico e o colapso era
inevitável, com ou sem pandemia. Ainda não se sabe quanta
intenção maliciosa esteve por detrás das decisões
tomadas, mas no esquema geral das coisas, a crise provou que os hidrocarbonetos
em geral e o petróleo em particular não vão, tão
cedo, a lugar nenhum como principal motor da economia global. O
relatório de setembro de 2020 da Administração de
Informação de Energia dos EUA foi lido como um veredicto para os
adeptos da utopia da energia "verde":
Os combustíveis fósseis, ou fontes de energia formadas na crosta
terrestre a partir de matéria orgânica em
decomposição, incluindo petróleo, gás natural e
carvão, continuam a ser responsáveis pela maior parte da
produção e do consumo de energia nos Estados Unidos. Em 2019, 80%
da produção interna de energia proveio de combustíveis
fósseis e 80% do consumo interno de energia teve origem em
combustíveis fósseis.
Desnecessário será dizer que dos restantes 20% relativos à
produção e consumo de energia não fóssil, as
renováveis, constituíram uma parcela pouco maior do que a
nuclear. Entre essas energias renováveis, a energia hidroelétrica
tradicional e a biomassa ultrapassaram, em mais de duas vezes, a
produção de energia de referência para os ambientalistas, a
solar e eólica, reduzindo a participação de fontes
politicamente importantes, mas economicamente e tecnologicamente
questionáveis, para pouco menos de 4% do total da produção
de energia da América.
As tendências de energia foram impiedosamente alheias à agenda
política da energia "verde" e, realisticamente, deixaram muito
poucas opções para o crescimento do movimento "verde"
dos Estados Unidos um movimento ideológico apoiado principalmente
pelo Partido Democrata , se este alguma vez tivesse a pretensão de
ter um programa económico realista baseado em tecnologias reais,
exequíveis e economicamente viáveis sem destruir os alicerces da
civilização moderna, totalmente dependente de energia. Para os
Estados Unidos, cujo "romance" com o petróleo de xisto e o
status de exportador líquido de energia foi bastante breve em termos
históricos, a maior prova da completa loucura económica induzida
pela ideologia do combate às alterações climática
poderia facilmente ser encontrada na Europa.
A questão das alterações climáticas deixou
há muito de ser científica para transformar-se numa cruzada moral
erradamente atribuída, nos Estados Unidos, à "esquerda"
ou, de forma mais geral, aos "liberais". O clima, é certo,
altera-se, mas o cerne do problema é porque é que ele se altera.
Uma geração inteira de pessoas no Ocidente cresceu acreditando
que as alterações climáticas são
antropogénicas, isto é, causadas pelos humanos. Esta visão
domina o campo das alterações climática ocidental e
está a servir de nova cobertura de distração de um
movimento de décadas contra a poluição, muito real e, de
facto, antropogénica, do meio ambiente. Um dos exemplos mais reveladores
é a própria indústria do petróleo de xisto, em que
os EUA mergulharam a todo vapor, extraído pela fraturação
hidráulica, que leva ao envenenamento das fontes de água
potável e cria grandes cavidades subterrâneas que ameaçam
as infraestruturas e propriedades à superfície com terramotos. No
fim, existem outros perigos para a saúde relacionados com este
método de extração, ou mesmo com métodos de
extração tradicionais. No entanto, não há a mais
pequena evidência, exceto em modelos inconfiáveis, de que seja a
atividade humana a provocar alterações climáticas.
Vladimir Putin, enquanto presidente da Rússia, não é,
certamente, um cientista do clima, mas é seguramente aconselhado por um
dos melhores cientistas do clima e do meio ambiente do mundo, e a sua
posição é conhecida: as alterações
climáticas não são provocadas pelos humanos. Mas para o
Ocidente em geral, e os Estados Unidos em particular, onde as opiniões
de celebridades sem instrução, de uma estudante semianalfabeta da
Suécia ou de pessoas com formação em jornalismo, um
eufemismo para um diploma em línguas, constituem uma fonte
credível de informação, qualquer contra-argumento
verdadeiramente científico não é motivo para
contemplação. Mas o destino da Alemanha e o seu suicídio
energético ao sacrificar a sua outrora poderosa economia industrial no
altar da ignorância e da incompetência em busca de uma
quimérica energia "verde" deveriam servir como um aviso para
todos.
Uma das estatísticas mais surpreendentes para a Alemanha é o
facto de a economia alemã se encontrar em estado de paralisia ou
declínio desde há anos. Já em agosto de 2019, a economia
alemã estava, segundo um observador, a soluçar durante
vários meses consecutivos, enquanto os seus níveis de manufatura
caíam para o valor mais baixo em seis anos.
Em agosto de 2020, um ano depois, a economia da Alemanha estava numa queda
livre. A relação entre energia e declínio económico
da Alemanha pode não ser imediatamente evidente para muitos, mas
é uma conexão é direta, pois os produtos da Alemanha
são extremamente dependentes de energia, e a energia, ou melhor, o seu
preço, é o principal fator de custos, tornando os produtos da
Alemanha, desde carros a produtos de consumo, menos competitivos do que, por
exemplo, os produtos chineses, que têm menores custos laborais e, mais
importante, custos de energia mais baixos. Como a
Forbes
noticiou em setembro de 2019:
Um novo relatório da gigante da consultoria McKinsey concluiu que a
Energiewende
alemã, ou transição energética para energias
renováveis, representa uma ameaça significativa para a economia e
para o abastecimento de energia do país. Um dos maiores jornais da
Alemanha,
Die Welt,
resumiu as descobertas do relatório da McKinsey numa única
palavra: "desastroso". ... A McKinsey lança o seu aviso mais
forte relativamente ao cada vez mais inseguro fornecimento de energia na
Alemanha, devido à sua forte dependência em relação
à energia intermitente de origem solar ou eólica. Durante
três dias, em junho de 2019, a rede elétrica esteve muito perto de
sofrer "apagões".
Para qualquer pessoa que já fez escalas nos aeroportos da Alemanha, como
Frankfurt, durante ondas de calor que não são incomuns na
Alemanha ou na Europa nos meses de verão, a sensação
predominante é o desconforto total com o calor. Os ares condicionados
simplesmente não são permitidos. O contraste da
transição entre um avião fresco e confortável e o
próprio aeroporto num clima assim pode ser chocante. O conforto humano
e, às vezes, até a saúde para quem tem problemas
cardíacos e outras doenças, ocupa um distante segundo lugar na
Alemanha em relação às "preocupações
ambientais", dado que os aparelhos de ar condicionado supostamente
prejudicam o meio ambiente. Isto dá uma melhor imagem do que admitir o
factor dos custos. Em Dezembro de 2019, o custo de US$0,38 por kiloWatt-hora
(kWh)
de eletricidade para um orçamento médio de uma família
alemã era o segundo mais alto do mundo, depois das Bermudas. Em termos
comparativos, o mesmo kWh nos Estados Unidos custa US$0,14 e na Rússia
US$0,06. Para empresas, o preço do kWh na Alemanha era de US$0,23
o mais alto entre os países desenvolvidos, com os Estados Unidos em
US$0,11. A Rússia estava em US$0,08; A China estava em US$0,10. A
conclusão, portanto, é inevitável. Dado que a Alemanha tem
os custos de energia mais altos do mundo para uma economia industrial
desenvolvida, as perspectivas de sobrevivência da Alemanha como uma
economia totalmente independente, avançada e competitiva parecem cada
vez mais escassas, uma vez que se considera não apenas a política
energética da Alemanha, mas a da União Europeia como um todo, o
que entre os profissionais competentes da indústria e da energia cria
uma sensação de perplexidade.
Mas perplexos não devem ficar. A abordagem, ou melhor, a loucura da
Alemanha no seu compromisso com uma falsa premissa de "salvar um
planeta" é bastante simples:
Pergunte a praticamente qualquer economista e ele vai-lhe dizer a mesma coisa:
se quiser salvar o planeta de alterações climáticas
descontroladas, terá que tornar a energia cara. "A teoria
económica contém uma verdade fundamental sobre a política
das alterações climáticas", escreveu em 2008 o
economista da
Universidade de Yale William Nordhaus, que ganhou o Prémio Nobel
de 2018 pelo seu trabalho. "Para qualquer política ser eficaz na
solução do aquecimento global, deverá aumentar o
preço de mercado do carbono, o que aumentará os preços de
mercado dos combustíveis fósseis e derivados". Várias
políticas podem ser usadas para tornar a eletricidade mais cara. Por
exemplo, pode tributar as emissões de carbono ou estabelecer regulamentos
de poluição do ar. No entanto, a forma mais popular de tornar a
energia cara é fazer o que a Alemanha fez, ou seja, subsidiar as
energias solar e eólica por meio de uma sobretaxa (ou imposto) sobre a
eletricidade. Mas tais esforços levantam a questão: por que
é necessário aumentar o preço da electricidade para
reduzir as emissões? A França gera menos de um décimo das
emissões de carbono da Alemanha por quase metade do custo.
A resposta a esta pergunta é bastante simples. A França produz
mais de 72% da sua eletricidade em centrais nucleares um absoluto tabu
na Alemanha que, por vontade própria, abandonou a sua indústria
de energia nuclear avançada em 2000 como resultado de políticas
promovidas pelos "Verdes" alemães, vocais e influentes, e
depois de a pressão pública ter aumentado após a
catástrofe da central nuclear de Fukushima. Hoje estas políticas
começam a virar-se contra os próprios e, mesmo a França,
que
lidera o mundo na parcela da eletricidade produzida em centrais nucleares,
não pode abalar as metas utópicas da UE de se tornar "neutra
em carbono" até 2050. Essas metas tornaram-se lei tanto na Alemanha
como em França em 2019. No papel, as metas parecem boas e, além
disso, a energia nuclear é uma grande promessa, como um trampolim para
novas fontes de energia de não hidrocarbonetos, mas apenas sob uma
condição que essas novas fontes de energia sejam capazes
de sustentar a pedra basilar da civilização moderna
avançada a rede elétrica. Nem a energia solar nem a
energia eólica idolatradas por gerações de
adoradores da Greta Thunberg, a maioria dos quais nunca trabalhou um dia na
economia produtiva real são capazes de manter as tensões e
frequências necessárias para a sobrevivência e estabilidade
da rede elétrica. A questão do armazenamento da energia,
indispensável para a manutenção de uma rede, também
não está resolvida.
Ainda assim, isto não impede que os ambientalistas europeus e
americanos, cada vez mais radicalizados, promovam uma agenda que mina os
próprios alicerces da civilização moderna, como os eventos
dos últimos anos o demonstraram claramente. Notavelmente, na Europa as
pessoas que estão por trás das ideias ambientalistas mais
radicais são aquelas não têm absolutamente nenhuns
antecedentes na indústria da energia ou de qualquer indústria
real. Em 2017 ministério francês da Ecologia ou, utilizando o seu
título completo, ministro para Transição Ecológica,
ou como também era conhecido então, ministro da
Transição Ecológica e de Solidariedade, era
encabeçado por Nicolas Hulot. Hulot é uma figura notável
no movimento ambiental europeu uma vez que toda espécie de atraentes
registos políticos e ideológicos constam no seu curriculum, tais
como o de ser jornalista e activista ecológico, mas não há
registo com antecedentes de ciências naturais ou de engenharia, os quais
podem ser encarados como exigíveis para dirigir aquele ministério
num país como a França. Não surpreendentemente, Hulot era
a favor da eliminação progressiva da energia nuclear.
A personalidade de Hulot e a falta de quaisquer qualificações
sérias para administrar as questões tecnológicas
extremamente complexas da economia e da tecnologia em relação
à ecologia e ao seu relacionamento com as necessidades técnicas
de infraestrutura é instrutiva, mas de modo algum única na
Europa. No seu Discursos sobre o Estado da União Europeia, Ursula von
der Leyen, avançou com a ecologia, colocando-a em primeiro lugar no seu
discurso e propondo restrições ainda mais severas na
utilização de hidrocarbonetos. Leyen, que é ginecologista
e especialista em cuidados infantis por educação e burocrata
política por vocação, é conhecida basicamente pela
sua gestão desastrosa do Ministério da Defesa da Alemanha. No
mundo ocidental, onde as qualidades profissionais e humanas têm sido
sacrificadas no altar da correcção política, aparecimentos
nos media e corrupção de facto nos escalões
políticos de topo, a sobrevivência e mesmo a expansão de
leis económicas pseudo-científicas e de ideologias que desafiam o
senso comum, tais como ambientalismo radical, são não só
previsíveis como inevitáveis. As coisas ficarão muito pior
na Europa e eles poderão nunca se recuperar.
Contudo, os Estados Unidos não estão em posição de
se regozijar. A meritocracia nos EUA está morta e mais provavelmente
nunca retornará, como os acontecimentos dos últimos anos
têm demonstrado tão manifestamente. No entanto, os Estados Unidos,
pelo menos por agora, têm uma vantagem crucial sobre a Europa, que
será comida tanto a partir de dentro quanto de fora pelos Estados Unidos
se os EUA sobreviverem como uma nação unificada. Na
eventualidade de a América ter êxito na sabotagem do gasoduto
Nord Stream 2,
que vai da Rússia à Alemanha, os Estados Unidos poderão
ainda forçar a Europa a abandonar o que representa o último
reduto da luta perdida da Europa contra a insuficiência energética
e a insolvência económica, grosseiramente agravada pelo seu
fundamentalismo ambiental. Isto poderá tornar-se o maior triunfo
geoeconómico dos Estados Unidos, mesmo que de curta
duração, já que permitirá aos EUA matarem dois
coelhos de uma só cajadada: forçar a Europa a comprar os seus
hidrocarbonetos muito mais caros, incluindo Gás Natural Liquefeito
(GNL), portanto afundando em simultâneo a competitividade dos produtos
europeus, os quais já mal se mantêm à tona, e dando um
impulso a quaisquer outros produtos de fabricação americana que
possam estar disponíveis para exportação para a Europa,
além de energia e armas.
Este é o jogo de hoje e o destino da Europa é
preocupação secundária, senão terciária,
para os Estados Unidos os quais, muito naturalmente, farão tudo o que
puderem para sobreviver. Se for às custas dos europeus, que seja. Todos
os meios de sabotar as tentativas europeias de obter energia acessível
já estão a ser empregados, desde operações de
bandeira falsa (exemplo, o "envenenamento" do líder da
"oposição" da Rússia, Alexey Navalny, com um
possível envolvimento dos serviços especiais britânicos),
campanhas crescentes de chantagem e subversão daquelas poucas pessoas
remanescentes na política europeia que não sucumbiram a uma
lavagem cerebral ideológica e ao vício, a sessões de
"dois minutos de ódio" quanto ao senso tecnológico e
económico, que grassa na Europa a uma velocidade espantosa. Os russos
previram esses desenvolvimentos. Após as declarações
transparentemente falsas da Alemanha sobre o "envenenamento" de
Navalny, o ministro das Relações Exteriores da Rússia,
Sergei Lavrov, dirigindo-se à UE em geral e à Alemanha em
particular, no que para a diplomacia russa eram termos inusitadamente severos,
esclareceu as intenções da Rússia como se segue:
(
) Por outras palavras, preparar-nos-emos para todas e quaisquer
eventualidades, se a UE mantiver as suas posições negativas e
destrutivas, para sermos independentes dos seus caprichos e para que possamos
assegurar o nosso próprio desenvolvimento autónomo, bem como em
parceria com aqueles que estão dispostos a cooperar em igualdade de
condições e respeito mútuo. (
)
A declaração de Lavrov significou um ultimato do Kremlin à
Alemanha para decidir o que a Alemanha realmente queria, um
abastecimento de energia confiável que daria à sua economia uma
possibilidade de lutar, ou finalmente sucumbir completamente às
exigências americanas e formalizar irrevogavelmente a sua vassalagem, a
qual, no final, tornaria a Alemanha uma nação do terceiro mundo
com indústrias obsoletas e insolventes que cairão vítimas
da concorrência chinesa, americana e até russa. Afinal, não
é responsabilidade da Rússia sacrificar os seus interesses pela
Alemanha. Não obstante, um breve olhar sobre a elite do poder
político da UE e a sua incompetência e covardia deixa poucas
dúvidas de que os dias da UE estão contados. Algumas pessoas nos
Estados Unidos entendem o que se passa e trabalham incansavelmente para esse
fim, apesar do facto de que a incompetência e a má-fé das
elites americanas às vezes superam todas as expectativas
razoáveis.
A mensagem da Rússia, no entanto, continha um ponto muito sério e
quase explicitamente declarado. Enquanto os Estados Unidos se esforçavam
para sabotar o Nord Stream 2 , a realidade geoeconómica e
geopolítica mantém-se
inalterável. Como um dos mais respeitados e perspicazes analistas
geopolíticos da Rússia, Rostislav Ishenko, observou: "Para a
Rússia, o encerramento do projeto Nord Stream 2
é meramente desagradável, mas para a Alemanha é
uma catástrofe". Mesmo a conhecida paciência russa tem seus
limites, mas ao contrário da UE e também dos Estados Unidos, a
Rússia tem o luxo da energia e do tempo, os seus graus de liberdade
são muito maiores.
Ironicamente, na base de tudo isto estão os enormes recursos naturais da
Rússia, especialmente energia, que têm sido usados para tirar o
país do sulco da economia neoliberal e de ideologias radicais suicidas.
[*]
Engenheiro, analista militar e geopolítico.
Este ensaio é o capítulo 4 de
Disintegration Indicators of the Coming American Collapse
, o seu livro mais recente (foram omitidas as 44 notas de
rodapé deste capítulo). Os dois livros anteriores desta
trilogia foram
The (Real) Revolution in Military Affairs
e
Losing Military Supremacy: The Myopia of American Strategic Planning
Este ensaio encontra-se em
https://resistir.info/
.