"Fomenta-se a luta armada no Egipto"
Repercussões em toda a África do Norte e Médio
Oriente
por James Petras
entrevistado por Diego Martínez
[*]
DM: Bem, obviamente o tema inescapável é a situação
no Egipto. Queremos conhecer a sua análise sobre o desenrolar da
situação e o papel dos Estados estrangeiros neste conflito.
JP: Primeiro devemos dizer que há um antecedente muito importante, um
ponto de referência do que se está a passar no Egipto. É o
massacre dos muçulmanos que ganharam as eleições na
Argélia nos anos 90, quando a França e os militares [argelinos]
intervieram para esmagarem os islâmicos que ganharam ou estavam a ponto
de ganhar as eleições, lançando uma guerra de 10 anos,
desestabilizando o país, desarticulando a economia e deixando como
resultado 90 mil pessoas mortas, islâmicos na grande maioria. O modelo da
Argélia é o que está nos olhos dos militares que fizeram o
golpe de Estado no Egipto.
Agora, neste golpe, enfrentam milhões de egípcios que
estão a lutar, em primeira instância, pelos direitos
democráticos, o restabelecimento de um governo eleito. E este processo
enfrenta agora um golpe de Estado que quer decapitar toda a
direcção e matar a grande maioria dos activistas militantes.
Até agora temos pelo menos 5.000 mortos e feridos entre os
muçulmanos e menos de 50 entre os polícias. Os países
ocidentais tomaram posições hipócritas. O governo de Obama
denuncia a violência e a repressão do Estado mas o ministro da
Defesa Charles Hagel diz que não vão eliminar a ajuda militar,
que é de 1.500 milhões de dólares.
Ou seja, vão continuar a canalizar armas aos repressores e assassinos.
O resultado da política norte-americana é um fracasso.
Primeiro procuram apoiar Mohamed Morsi, o islâmico, como mal menor frente
ao levantamento popular. Depois tentam criar uma aliança militar
islâmica durante algum tempo, mas os militares queriam controlar o
Estado, a parte militar-policial, manter todo o aparelho de Hosni Mubarak, da
ditadura, inclusive a parte judicial.
E a esquerda tonta, como sempre, pôs os sindicatos socialistas a
participar nas manifestações contra o governo, dirigidas desde
cima pelos militares que utilizam como tontos úteis os manifestantes,
inclusive de esquerda, que tinham o apoio dos trotsquistas em França, na
Inglaterra e outros lugares como outros idiotas. E este processo que se chama
uma luta anti-ditatorial, anti-islâmica, terminou criando as
condições auspiciosas para o golpe. E uma vez tomado o poder
pelos militares, estes descartaram os sindicalistas, lançaram uma
campanha militar repressiva que ainda continua e vão aumentar os
números talvez até muitos milhares de mortos e feridos nos
próximos dias.
Há que tirar várias conclusões. Washington neste caso
está numa situação de perplexidade. Por um lado não
tem nenhum interesse na democracia mas tão pouco quer ver uma guerra
civil, um levantamento generalizado que deslegitima os militares que são
os seus principais aliados. Tem medo de uma luta armada. Agora, uma vez que os
muçulmanos verificam que a via eleitoral não serve, grupos
islâmicos mais radicais já disseram que de nada serve aos
muçulmanos participar de processos eleitorais pois vão
negar-lhes os resultados.
Está-se então a fomentar uma luta armada no Egipto que vai ter
repercussões em toda a África do Norte e no Médio Oriente,
apoiando a ideia de que o mundo ocidental, apesar da retórica, realmente
apoia ditaduras.
E Washington nestas circunstâncias tem medo de que o exemplo de uma luta
armada com apoio de massas no Egipto possa ter um impacto múltiplo em
todo o Médio Oriente. Esse é o grande medo, não têm
nenhuma preocupação com as mortes, só têm medo de
que as
consequências dos massacres ponham sobre a mesa outra forma de luta e
isso radicalize o processo.
Mursi estava de acordo com a política ocidental, as
restrições sobre os palestinos, inclusive apoiando a
invasão da Síria, mas agora a nova onda de muçulmanos vai
tomar posições mais anti-ocidentais, mais
anti-colaboração e talvez abrir caminho para uma extensão
do apoio aos palestinos.
DM: Que saída pensa que se possa encontrar para esta
situação? Que possibilidades reais de que as
eleições sejam uma verdadeira saída?
JP: Bem, não há qualquer saída eleitoral neste momento. Os
militares declararam estado de sítio, estão a encarcerar e matar
qualquer opositor, qualquer voz crítica, forçaram a saída
dos liberais, os grupos colaboradores dos militares como el Baradei e os
sectores neoliberais laicos que não estão de acordo com a
política de massacres. E isso indica que não há nenhum
interlocutor que possa chegar a um acordo neste momento para buscar uma
saída eleitoral. Os militares monopolizam a política, não
têm nenhuma intenção de abrir um processo eleitoral
enquanto estiverem comprometidos na eliminação dos grupos
islâmicos.
Ao mesmo tempo os islâmicos estão hegemonizar a luta contra a
ditadura, todas as forças laicas, republicanas, socialistas agora
têm que escolher entre apoiar a luta anti-militar encabeçada pelos
grupos islâmicos ou ficar à margem da história. Não
creio que muitos venham a apoiar o governo militar. Não são
tão estúpidos como antes, quando se auto-enganaram apoiando as
marchas contra Mursi em vez de defender a democracia e atacar os militares.
Agora ficam sem nenhuma alternativa.
Agora, a polarização é a massa anti-ditatorial
islâmica contra os militares, as outras opções já
ficam à margem da história.
E os Estados Unidos criticam os militares mas afinal de contas estão do
lado dos massacradores.
DM: Que papel desempenha a situação geográfica do Egipto?
Sua fronteira comum com Israel, com a Faixa de Gaza, com a Arábia
Saudita.
JP: Obviamente os militares são a favor de Israel. No pouco tempo que
estão no poder já fizeram trabalho fechando as saídas para
Gaza. Fizeram massacres no Sinai para eliminar qualquer apoiante ali que
apoiasse a Palestina.
Por outro lado, a luta dos muçulmanos vai abrir caminho para fortalecer
suas contra-partidas na Líbia, onde os pró ocidentais já
não controlam mais do que pequenos enclaves.
Então, é muito provável que o conflito no Egipto tenha
enormes repercussões favoráveis aos palestinos em Gaza, o apoio
dos grupos islâmicos na Líbia contra o governo e vai ter
repercussões também em outras regiões, particularmente na
Turquia, onde o governo de Erdogan queria estender a islamização
e agora sente perigo com o golpe e está a apelar ao Conselho Nacional de
Segurança para condenar o massacre. Mas obviamente a Turquia vai ser
afectada. Erdogan era muito próximo de Mursi, foi visitá-lo,
apoiá-lo. E agora fica a enfrentar o facto de que Mursi caiu e a luta
contra a ditadura no Egipto vai ter enormes consequências.
Em outros lados, no Irão por exemplo, o governo islâmico condena o
golpe mas não está a tomar partido. Não creio que sejam
muito afectados directamente. Só que os grupos de poder de Mubarak, que
eram muito hostis ao Irão, voltam a ter considerável
influência no
governo militar. Os militares recompuseram o governo de Mubarak, todos os
seguidores de Mubarak voltam a controlar a inteligência e são
ministros no governo.
Portanto, é uma volta ao governo policial que dominava antes da
rebelião popular. É uma volta para trás mas num contexto
em que o povo está muito mobilizado e sem medo. É o factor
importante.
Hoje em dia há milhares de muçulmanos que estão a marchar
pela democracia e contra o golpe. Outro massacre hoje é muito
possível que pudesse modificar o panorama. A luta no Egipto vai agudizar
e mudar a forma, desde as marchas pacíficas para as lutas de massas mais
violentas e talvez o desenvolvimento de uma insurgência, uma guerra de
guerrilhas urbanas e clandestinas. E isso também vai ter um impacto
sobre todo o Médio Oriente.
DM: Pode-se verificar um cenário tipo líbio, de invasão
por parte da NATO?
JP: Não, não creio que a NATO vá mandar tropas intervirem
no Egipto. Não há condições actualmente, os
militares querem dominar a situação e os islâmicos
não confiam em nada da NATO. Não tem nenhum respaldo
político na intervenção. Se as forças da NATO
não podem intervir com um governo violento e isolado, como puderam
faze-lo no Mali onde há uma divisão no país entre um
sector e outro, [só] como França a NATO pôde intervir.
Não creio que haja base para apoiar o governo militar neste momento.
Agora, se a luta armada continuar a avançar, se os militares estiverem a
ponto de cair, se existir algum apoio político, pode-se imaginar alguma
intervenção para além de uma das Nações
Unidas com o que chamam de forças da paz. Mas isso não
está sobre a mesa neste momento. O que vamos ver realmente é a
continuação de apoio militar por parte dos Estados Unidos, dando
armas e apoio aos militares enquanto com a outra mão vão criticar
os excessos. Mas isso não engana ninguém.
DM: Sustenta então que a comunidade internacional vai permanecer numa
posição declarativa e não vai intervir.
JP: Sim, obviamente declarativa, denúncias e alguns actos
simbólicos. Os Estados Unidos suspenderam exercícios militares
com o exército egípcio, mas isso não tem qualquer
importância, é algo simbólico. Washington não quer
perder toda a legitimidade no mundo muçulmano pois tinha um projecto de
colaborar com os islâmicos da direita. Tiveram relações no
Golfo com a Arábia Saudita e outros países, procuravam algo mais
neste lado com a Tunísia, Líbia, Marrocos e Egipto, mas
não puderam consolidar esta política. Agora que os
muçulmanos estão a enfrentar a ditadura militar, Washington
perdeu a possibilidade de consolidar uma nova aliança com os chamados
muçulmanos moderados. Agora enfrenta o facto de que está a apoiar
uma
minoria militar contra as grandes massas muçulmanas.
Fracassaram em toda esta abertura em direcção ao mundo
muçulmano.
DM: O que se passa com a Faixa de Gaza em toda esta situação, o
que se passa com Israel e com a Palestina nestes diálogos de paz em meio
a esta situação de crise no Egipto? Pode haver alguma
influência também?
JP: Poderíamos dizer numa palavra que Israel apoia os golpistas
militares porque tem relações estreitas com eles há muito
tempo.
Eles estão sempre à procura de qualquer forma de apoiar governos
de ultra-direita que estejam dispostos a ter relações com o
estado colonial de Israel. Estão enfiados de uma forma perversa na
Síria, a apoiar os islâmicos da extrema-direita simplesmente para
fomentar um conflito que está a destruir o país. É uma
política maquiavélica, apoiam qualquer força que possa
destruir o país a fim de fortalecer a influência de Israel.
No caso concreto do Egipto, estão 100% com os golpistas. Os golpistas
fizeram coisas para Israel, no pouco tempo em que estão no poder, muito,
muito favoráveis. Apoiam todos os processos de expansão de
colonatos, apoiam o bloqueio de Gaza e finalmente estão a controlar as
fronteiras para evitar qualquer apoio dos muçulmanos do grupo Hamas em
Gaza. Estão então a fazer o trabalho para Israel entre os
palestinos.
De que forma pode Israel actuar? Bem, depende muito dos grupos de
influência sionistas. Se Israel determinar que os grupos sionistas se
oponham a qualquer ruptura de relações entre os Estados Unidos e
o Egipto, os grupos sionistas vão ficar contra a ruptura.
Mas até agora não há qualquer indicação de
ruptura.
Os sionistas estão muito contentes com a política de Obama, que
retoricamente critica mas materialmente continua a apoiar a ditadura.
20/Agosto/2013
Ver também:
A Junta do Egipto não tem nada a perder
O triunfo da revolução do grande povo egípcio
E agora, a mensagem de nossos patrocinadores (sauditas)
Egypt : A Nation Bleeds
[*]
Jornalista da Rádio Centenário, Uruguai.
O original encontra-se em
www.argenpress.info/2013/08/james-petras-se-esta-fomentando-una.html
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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