O novo empréstimo do FMI à Argentina reencena
a crise de 2001
por Michael Hudson
entrevistado por Sharmini Peries
O recém-eleito governo neoliberal de Mauricio Macri decidiu pedir
uma linha de crédito de US$50 mil milhões ao FMI.
Esta permitirá mais fugas de capitais por parte
da classe mais rica
e maior dívida impagável para o resto da
população,
afirma o economista Michael Hudson.
Sharmini Peries: Durante vários meses até agora, os argentinos
foram às ruas para protestar contra as medidas de austeridade
neoliberais do presidente Mauricio Macri. O mais recente desses protestos
ocorreu em 9 de julho, Dia da Independência da Argentina. Houve
também três greves gerais até agora. Nos dois anos desde
que assumiu o cargo, o presidente Macri despediu 76 mil trabalhadores do sector
público e reduziu drasticamente os subsídios de gás,
água e eletricidade, em alguns casos levando a um aumento de dez vezes
nos preços
O governo argumenta que tudo isso é necessário para conter a
inflação e o declínio do valor da moeda. No mês
passado, Macri recebeu o apoio do Fundo Monetário Internacional. O FMI
concordou em fornecer à Argentina um empréstimo de 50 mil
milhões, um dos maiores de sua história. Em troca, o governo
Macri aprofundará as medidas de austeridade já em vigor.
Juntando-se a mim agora para analisar a situação económica
da Argentina e do seu novo empréstimo do FMI está Michael Hudson.
Michael é um distinto professor e investigador de economia na
Universidade do Missouri em Kansas City. Bem vindo, Michael.
Michael Hudson: É bom estar de volta, Sharmini.
Sharmini Peries: Michael, por que a Argentina precisa de uma linha de
crédito tão grande do FMI?
Michael Hudson: Precisamente pelo motivo que você explicou. A
política neoliberal visa reverter os aumentos salariais e o emprego que
a ex-presidente Kirschner conseguiu. Então, faz parte da guerra de
classes fazer a economia retrair. Para reduzir os salários, é
preciso cortar nos negócios e reduzir o emprego. Como quase todos os
empréstimos do FMI, o objetivo é subsidiar a fuga de capitais da
Argentina antes que a austeridade ocorra, de modo que os argentinos mais ricos
possam pegar no seu dinheiro e colocá-lo fora antes que a moeda entre em
colapso.
O empréstimo vai endividar tanto a Argentina que sua moeda
continuará a cair mais e mais, destruindo a economia. Isso é o
que o FMI faz. Esse é o seu plano de negócios. Faz um
empréstimo para subsidiar a fuga de capitais, esvaziando de dinheiro a
economia, levando a moeda a entrar em colapso. Logo que os 50 mil
milhões tiverem sido gastos, desperdiçados ao deixar os
argentinos ricos pegarem nos seus pesos, convertê-los em dólares e
transferi-los para os Estados Unidos, Inglaterra, Índias Ocidentais
Holandesas, centros bancários offshore, então eles deixam a moeda
entrar em colapso
O pressuposto básico do modelo do FMI, que é anunciado nos
últimos 50 anos, é que, quando se deprecia uma moeda, o que se
está realmente a diminuir é o preço do trabalho.
Matérias-primas e capital têm um preço internacional. Mas
quando uma moeda cai, isso torna as importações muito mais caras,
e isso tem um efeito sobre todos os preços e o custo de vida. Os
trabalhadores têm que pagar um preço mais alto por alimentos,
energia e todo o resto.
O que o Macri fez foi concordar com o FMI para desencadear uma guerra de
classes como se fosse uma vingança. A desvalorização deixa
a Argentina tão desesperadamente endividada que não poderá
pagar o empréstimo do FMI. O que estamos vendo é então uma
repetição do que aconteceu em 2001.
Sharmini Peries: Exatamente. Eu ia perguntar-lhe, tal ocorreu há apenas
17 anos atrás, os argentinos têm memória disso. Eles sabem
o que aconteceu. Eles experimentaram-no também. Isso foi em 2001,
durante a crise económica, quando o desemprego aumentou dramaticamente.
Esse país passou por uma série de presidentes e passou por uma
série de crises. E vimos imagens muito semelhantes às que vimos,
na Grécia há pouco tempo. Conte-nos mais sobre essa
história. O que exatamente aconteceu durante a crise e, finalmente, como
Nestor Kirschner aliviou a economia e saiu dessa crise.
Michael Hudson: Bem, a equipa do FMI disse em 2001: Não fazemos o
empréstimo. Não há forma possível de a Argentina
pagar. Tudo vai ser feito para a fuga de capitais pela oligarquia. O dinheiro
que o FMI está a dar vai para a oligarquia e vocês esperam que
seja o povo argentino a pagar". Portanto, a Argentina ficou rapidamente
sem dinheiro, falida.
Embora isto tenha acontecido há 17 anos atrás, nos últimos
17 anos o FMI tinha um slogan: Não mais Argentinas. Por
outras palavras, eles disseram, que nunca mais fariam um empréstimo que
fosse concedido apenas a oligarcas para a fuga de capitais. Foi o que aconteceu
quando emprestaram à Ucrânia, aos cleptocratas russos e aos bancos
gregos que o levaram para paraísos fiscais. No entanto, aqui estamos a
ter um
replay.
Depois que a Sra. Kirschner entrou, era óbvio para todos, como fora para
a equipe do FMI (muitos dos quais haviam renunciado) que a Argentina não
podia pagar. Assim, cerca de 80% dos credores da Argentina concordaram em
reduzir a dívida para algo que pudesse ser pago. Eles viram que ou era a
bancarrota total, porque a Argentina não podia pagar ou fariam um
desconto muito substancial para o que pudesse ser pago, porque o que o FMI
realmente fez foi um incompetente acordo interno não
incompetente, mas completamente corrupto. Infelizmente, a oligarquia tinha uma
cláusula fatal colocada na emissão original de títulos,
dizendo que a Argentina concordaria com a arbitragem dos EUA, sob a lei dos EUA
se houvesse alguma disputa.
Bem, depois que os antigos títulos argentinos se desvalorizaram
os que não foram renegociados como parte dos 80% houve fundos
abutres para os comprar. Especialmente Paul Singer, o doador de campanha
republicano que tende a comprar políticos, junto com títulos de
governos estrangeiros. Ele abriu um processo, exigindo 100% sobre cada
dólar, não os 40 centavos ou o que quer que tivesse sido
acordado. O caso foi atribuído ao senil e moribundo juiz Griesa em Nova
York. Ele disse que havia algo sobre uma cláusula que dizia que os
investidores precisam ser tratados simetricamente.
A Argentina havia dito: "Tudo bem, pagaremos os outros 20%
[inaudível] da mesma forma que os 80% de todos os outros que
concordaram. A maioria determina os restantes. Mas Griesa disse:
Não, você tem que pagar aos 80% todo o dinheiro que os 20%
demandam. Isso é simetria. E deixou os fundos abutres vencerem.
Isso colocou novamente a Argentina no caminho da falência, arruinou o
governo e trouxe de volta a oligarquia.
Essa decisão causou turbulência. O Departamento de Estado dos
Estados Unidos decidiu apoiar a oligarquia fazendo tudo o que podia para
desestabilizar a Argentina. O povo argentino votou num governo apoiado pelos
Estados Unidos, esperando que fosse bom para eles. Não sei porque nos
países estrangeiros pensam assim, mas achavam que, se votassem no
neoliberalismo, os Estados Unidos concordariam em perdoar parte de sua
dívida.
Bem, não é isso que os neoliberais fazem. Macri fez exatamente o
que disse no começo do programa. Ele anunciou que iria cortar o emprego,
parar a inflação fazendo com que a classe trabalhadora arcasse
com todos os custos e pedir um empréstimo na verdade, foi o maior
empréstimo da história do FMI os 50 mil milhões de
dólares para permitir à classe rica argentina pegar no dinheiro e
colocá-lo offshore. É isto o que faz o FMI.
Sharmini Peries: Imagine que você tinha a oportunidade de resolver esse
problema. Como aconselharia o governo argentino em termos do que poderiam fazer
para estabilizar a economia, dadas as circunstâncias que estão
enfrentando agora?
Michael Hudson: Muito simples. Eu diria que esta é uma dívida
odiosa. Não há como a Argentina pagar. A cláusula que
levou à bancarrota foi colocada em resultado de dezenas de milhares de
professores, líderes sindicalistas e ativistas de reforma agrária
terem sido assassinados. Os Estados Unidos financiaram uma equipe para
assassinatos em toda a América Latina, depois de Pinochet no Chile, para
apoiar o que eram basicamente governos vassalos. O empréstimo argentino
dizia que seguiria as regras dos EUA, não as regras argentinas. Isso
basicamente deve desqualificar essa dívida de ter de ser paga. E deve-se
dizer que a dívida do FMI é uma dívida odiosa, dada sob
propósitos fraudulentos apenas para fins de fuga de capitais.
Sharmini Peries: Agora, Michael, apenas uma última pergunta. Quer
acrescentar algo ao que disse anteriormente?
Michael Hudson: Bem, uma vez que não paga a dívida externa, a sua
balança de pagamentos permanecerá ali. O problema é que os
credores sempre usaram a violência para conseguir o que querem.
Não vejo como a situação na Argentina possa ser resolvida
sem violência, porque os credores estão usando força
policial e assassinatos encobertos. Eles são tão horrorosos
quanto a Guerra Suja que teve esse período de assassinatos em massa no
final dos anos 80 e início dos anos 90. Obviamente, haverá
não apenas as manifestações que você mostrou, mas
uma guerra total, porque a Argentina está quebrada mais drasticamente do
que qualquer outro lugar na América Latina, excepto a Venezuela.
Sharmini Peries: Michael, no momento, o FED está aumentando gradualmente
as taxas de juros e o dólar está-se valorizando. Isso suga o
capital financeiro não só na Argentina, mas em muitos outros
lugares do mundo. Além disso, você sabe, eles também
estarão em breve em crise. O que é, o que as economias em
desenvolvimento podem fazer?
Michael Hudson: Eis o problema: quando os Estados Unidos aumentam as taxas de
juros, isso faz com que o dinheiro estrangeiro flua para o dólar, porque
o resto do mundo, a Europa e outras áreas estão a manter baixas
taxas de juros. Então, como o dinheiro vai para o dólar, o
dólar sobe. Isso faz com que seja necessário que a Argentina ou
qualquer outro país do Terceiro Mundo, pague mais e mais para comprar os
dólares necessários para pagar a dívida externa.
A Argentina e outros países do Terceiro Mundo violaram a principal regra
do crédito: nunca denominar dívida noutra moeda que não
possa imprimir. Agora, as dívidas em dólar vão tornar-se
muito mais caras em termos de pesos. Como resultado, e por todo o mundo agora,
está-se a ter um colapso nos preços dos títulos da
dívida dos países do Terceiro Mundo. Títulos argentinos,
títulos chilenos, títulos africanos, títulos do
Próximo Oriente. Os títulos da dívida do Terceiro Mundo
estão a afundar-se, porque os investidores percebem que os países
não podem pagar. O jogo parece ter chegado ao fim.
O lado bom disso é que a Argentina pode se juntar-se a outros
países do Terceiro Mundo e dizer: Vamos renomear as dívidas
na nossa própria moeda, ou simplesmente não pagaremos, ou faremos
o que o mundo fez em 1931 e anunciar uma moratória sobre as
dívidas intergovernamentais para as reparações
alemãs e as dívidas da Primeira Guerra Mundial entre os Aliados.
Uma conferência internacional é necessária para declarar
uma moratória e dizer, qual é a quantia que realmente pode ser
paga. O objetivo seria estabelecer as dívidas do Terceiro Mundo em
relação ao valor que deveria ser pago.
O princípio que os países devem apoiar é que nenhum
país deve ser obrigado a sacrificar sua própria economia, o seu
emprego e sua própria independência para pagar a credores
estrangeiros. Todo país tem o direito de colocar seus próprios
cidadãos e sua própria economia em primeiro lugar antes dos
credores estrangeiros, especialmente quando os empréstimos são
feitos sob falsos pretextos, já que o FMI fingiu estabilizar a moeda mas
na realidade subsidiou a fuga de capital para desestabilizar a moeda.
Sharmini Peries: Tudo bem, Michael. Agradeço-lhe muito. Continuaremos
esta conversa. Há muito mais a ser discutido e muitos países
nessa situação para prosseguir esta discussão.
Michael Hudson: Obrigado. Acho que tudo isto vai ficar pior, então vamos
ter muito que discutir.