Crise: algumas perguntas e respostas
por Jorge Figueiredo
Pode haver um capitalismo sem crises?
Não, as crises periódicas, ou crises de conjuntura, são
inerentes ao modo de produção capitalista. Trata-se de um assunto
já bem estudado pelos mais diversos autores, inclusive Marx.
A presente crise económica é conjuntural?
Não, a presente crise é estrutural. Ela tem um carácter
sistémico.
Já houve outras crises estruturais na história do capitalismo?
Sim, no passado verificaram-se crises de natureza estrutural, como as de
1880-1890, 1913 e 1929-1939.
O que desencadeia uma crise capitalista de natureza estrutural?
Em síntese, a crise é desencadeada por uma
acumulação excessiva de Capital Fictício, a qual tem
origem na queda da taxa de lucro obtida nas actividades produtivas da economia
real. A queda da taxa de lucro é provocada basicamente pelo aumento da
composição orgânica do capital (rácio capital
constante/capital variável).
O que é Capital Fictício?
Trata-se do capital investido em títulos de crédito, tanto os
clássicos (acções, obrigações, debentures,
etc) como os modernos inventados recentemente (derivativos de toda
espécie, como as CDOs, CDSs, MBSs, etc). O montante do capital
fictício ultrapassa em muito o do capital real. Ver
Capital Fictício
Uma crise estrutural pode ser resolvida rapidamente?
Não, a saída de uma crise estrutural exige que o capital
fictício acumulado seja
destruído.
A referida destruição não pode ocorrer rapidamente.
Enquanto não for realizada haverá um período de
estagnação, ou depressão, que pode perdurar por muitos
anos.
A estagnação é uma anomalia no modo de
produção capitalista?
Como demonstrou Paul Sweezy, na sua fase monopolista a estagnação
é uma característica inerente ao capitalismo. Assim, o que
precisa ser explicado é a razão porque há crescimento e
não porque há estagnação. Ver
Capitalismo monopolista,
de Paul Baran e Paul Sweezy.
Como se manifesta o Capital Fictício?
Manifesta-se na acumulação de dívidas por toda a sociedade
(bancos, empresas, famílias e governos). A maior parte destas
dívidas é impagável.
A destruição de capital fictício já verificada
desde 2008 não foi suficiente?
Ainda não. Após a falência do Lehman Brothers os demais
bancos sistémicos foram salvos pelos Estados respectivos através
de medidas como as facilidades quantitativas, bail-outs e bail-in (no caso de
Chipre).
Actualmente há outros bancos "sistémicos" na fila de
espera (Deutsche Bank, Commerzbank, Monte Paschi, etc).
Como foi a saída de crises estruturais anteriores do capitalismo?
A crise iniciada em 1929 só acabou com o início da II Guerra
Mundial. Nesse caso verificou-se não só destruição
de capital fictício como também de uma quantidade enorme de activos fixos, o que
proporcionou um novo ciclo de acumulação. A crise do fim do
século XIX acabou sem guerra, após a destruição
(que levou dez anos) do capital fictício que fora acumulado.
Quais os desenlaces possíveis de uma crise estrutural?
Assumindo que não haja guerra nuclear, as principais saídas de
uma crise estrutural ao longo do tempo podem ser em V, em L, em W, em raiz
quadrada, em raiz ondulante, conforme os gráficos respectivos. Para mais
pormenores ver
Crises, os desenlaces possíveis.
Pode um país sair individualmente de uma crise estrutural?
Sim, se tiver forças, lucidez, um governo digno e unidade popular. Para isso
será preciso romper com o capital monopolista e financeiro. Isso implica
o repúdio da sua dívida externa (pelo menos da parte odiosa), a
recuperação da sua soberania monetária, o abandono de
organizações imperialistas (UE, FMI, OMC, ...), a emissão
de moeda pelo próprio governo (de modo a que este não tenha de
se endividar permanentemente junto a banqueiros privados) e a
construção de uma economia que sirva o povo e não o
capital financeiro.
Algum país já repudiou a sua dívida externa?
Sim, há muitos exemplos históricos. Eis alguns:
Em 1776 os Estados Unidos repudiaram a sua dívida para com a Inglaterra.
O México repudiou alguns pagamentos de dívida em 1867, 1914 e
1946.
Em 1870, após a guerra civil, o governo federal dos EUA repudiou
dívidas a bancos sulistas.
Em 1898 Cuba repudiou dívidas a bancos espanhóis, consideradas
odiosas.
Em 1912 a Turquia ganhou num Tribunal Arbitral o processo referente ao seu
repúdio à dívida para com a Rússia czarista.
Em 1918 a Rússia repudiou a dívida czarista, particularmente
aquela acumulada com a I Guerra Mundial.
Em 1919 um novo governo da Costa Rica considerou ilegítima a
dívida de governos anteriores e consequentemente pediu a sua
anulação, o que foi devidamente assegurado num tribunal dos EUA.
Em 1919 o Tratado de Versalhes isentou a Polónia da dívida
acumulada para com a Alemanha durante a I Guerra Mundial.
Em 1931 o Brasil anulou grande parte da sua dívida externa após
uma auditoria conduzida pelo ministro Osvaldo Aranha.
Na década de 1930 treze outros países latino-americanos
repudiaram dívidas que consideraram ilegítimas.
Em 1953 o
Acordo de Londres
cancelou 51% da dívida da Alemanha acumulada
durante a II Guerra Mundial. Foi acordado ali que o serviço da
dívida que ultrapassasse 3,5% das receitas de exportação
não teria de ser pago. Este cancelamento foi a chave para o crescimento
da economia alemã.
Em 1959, a seguir à Revolução, Cuba repudiou a
dívida da ditadura de Batista.
O governo pós-apartheid da África do Sul cancelou dívidas
da Namíbia e de Moçambique para com o antigo regime racista.
Em 2002, em meio à recessão provocada pelos empréstimos e
políticas do FMI, o governo da Argentina anunciou a maior
suspensão de pagamentos de dívida da história, no montante
de US$80 mil milhões. Durante os anos seguintes a economia argentina
cresceu a taxas de 8 a 9% ao ano.
Sob a ocupação dos EUA, a dívida nacional do Iraque
(US$125 mil milhões) foi renegociada tendo sido reduzida em mais de 80%.
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