Alternativas à dívida e sua renegociação
A renegociação da dívida, por si própria,
não resolverá nenhum problema de fundo de Portugal. Apresentá-la
como tal é mascarar o problema fundamental a indispensável
recuperação da soberania monetária do país
. Discutir o problema lateral e ignorar o principal pode ser um modo de
fugir à questão fundamental.
Embora tenha importância, a renegociação não pode
ser vista como estando desligada da questão geral da saída
necessária da zona Euro. Apresentar a renegociação como
panaceia é uma mistificação de quem não quer
enfrentar uma ruptura e prefere adiar o momento inevitável da mesma. Isto, no entanto,
não invalida que a renegociação seja estudada em si mesma.
O presente texto traz um importante esclarecimento sobre o assunto. Baseia-se
numa apresentação Power Point feita em 2 de Julho por Eric
Toussaint numa conferência em Madrid no âmbito do
Instituto Sindical Europeu
(ETUI na sigla em inglês) organizada pela
Confederação Europeia de Sindicatos (CES). A temática foi:
"Estratégias sindicais face às políticas de
austeridade e de redução dos direitos dos trabalhadores na
Europa". Dela participaram responsáveis
sindicais da Grécia, Chipre, Irlanda, Espanha,
Itália, Islândia, Bélgica e Portugal.
[1]
resistir.info
1 Um pouco de história
Nos anos 30 e com o final da II Guerra Mundial, verificou-se a suspensão
do pagamento das dívidas da Alemanha, Reino Unido, França,
Bélgica, Itália, 14 países latino-americanos. Da II Guerra
Mundial até à atualidade houve 170 suspensões de pagamento
de dívidas públicas.
A anulação de uma grande parte da dívida da Alemanha,
verificou-se com o acordo de Londres de 1953: decidiu-se ali que não
haveria dívidas de guerra a reembolsar e a dívida restante foi
reduzida de 62%. O acordo tinha por objetivo reforçar a economia da
Alemanha Ocidental no contexto da guerra-fria.
A Alemanha reembolsaria a dívida principalmente na sua moeda. Em caso de
litígio com os credores, a justiça alemã decidiria. A
Alemanha poderia suspender o pagamento da sua dívida se julgasse que a
paz social estava em perigo.
2 Para um Estado não há uma obrigação
absoluta de reembolsar a dívida
As obrigações de um Estado em matéria de direitos humanos
são superiores às suas obrigações para com os
credores. Consideram-se quatro categorias de dívidas públicas que
podem ser postas em causa a fim de não as pagar: dívida
pública ilegítima; dívida ilegal; dívida publica
odiosa; dívida pública insustentável.
-
Dívida pública Ilegítima:
é uma dívida contraída pelos serviços
públicos sem respeitar o interesse geral ou que é prejudicial ao
interesse geral.
Exemplo: uma dívida contraída para salvar bancos
responsáveis pela crise
-
Dívida pública odiosa:
créditos concedidos a países com regimes autoritários ou
concedidos impondo condições que violam os direitos sociais,
económicos, culturais, civis ou políticos das
populações no que respeita ao seu reembolso.
Exemplo: créditos concedidos pela troika
-
Divida Ilegal:
dívida contraída violando a ordem jurídica ou
constitucional aplicável.
Exemplos:
No caso grego, a dívida relativamente à troika foi contratada sem
respeitar a Constituição.
Segundo Andreas Fischer Lescano, várias medidas dos memorandos
são ilegais.
Enriquecimento abusivo: taxas praticadas pela troika
Os tratados de Maastrich e de Lisboa proíbem os Estados de emprestarem
uns aos outros, ora o primeiro memorando grego implica empréstimos
bilaterais.
Na Bélgica as garantias concedidas ao banco Dexia em 2011.
-
Dívida pública insustentável:
dívida cujo reembolso condena a população de um
país à degradação da educação
pública, ao empobrecimento, ao aumento do desemprego, inclusive à
subalimentação. Em resumo, uma dívida cujo reembolso
implica o não respeito pelos direitos humanos fundamentais. Posto de
outra forma: uma dívida cujo reembolso impede os poderes públicos
de garantir os direitos humanos fundamentais.
Exemplo: as dívidas para com a troika.
3 Diferença entre uma anulação de dívida
decidida pelo país devedor e uma anulação conduzida pelos
credores
Em certos casos, os credores, por razões geoestratégicas decidem
eles próprios reduzir a dívida de um determinado país.
São exemplos:
-
Alemanha após a 2ª Guerra Mundial
-
Polónia para sustentar a sua saída do Pacto de Varsóvia
-
Egito para sustentar a guerra contra o Iraque em 1991
-
Iraque em 2004
Estas são situações excecionais.
Reduções de dívidas conduzidas pelos credores:
-
Redução da dívida grega em março de 2012
-
Redução da dívida para com os bancos privados
substituída por dívidas à troika.
-
A dívida grega baixou em 2012, mas ultrapassa 175% do PIB em 2014 e mais
de 2/3 são devidos à troika.
-
Prosseguimento e agravamento dos "memorandos de entendimento".
Reduções/Anulações de dívida conduzidas
pelos países devedores
-
Caso do Equador em 2007-2008-2009: foi feita auditoria à dívida,
decidida a suspensão unilateral do pagamento e imposição
duma redução de mais de 65%.
-
Caso da Islândia após 2008: recusa de reembolsar a dívida
reclamada pelo Reino Unido e pala Holanda; julgamento da EFTA no tribunal da
Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) em janeiro de
2013
4 Propostas
-
Defender a necessidade de uma solução internacional, a
começar ao nível da UE, a favor da anulação das
dívidas ilegítimas, odiosas, insustentáveis de maneira a
reduzir radicalmente o peso das dívidas ilegais (exemplo a
conferência de Londres em 1953)
-
Defender o direito de um país auditar a sua dívida e tomar
medidas de forma soberana para reduzir radicalmente o peso da dívida.
-
Necessidade de defender iniciativas de auditoria cidadã em Espanha,
Grécia, Portugal, França, Bélgica.
5 É possível um país tomar sozinho uma
decisão sobre a dívida enquanto for membro da zona euro?
-
Uma lição: em Chipre em 2013 foi decidido o controlo dos
movimentos de capitais.
-
Um esforço imposto aos detentores de depósitos superiores a 100
000
Concretamente como anular a dívida ilegítima:
-
Um governo pode decretar suspender o pagamento da dívida considerada
como ilegítima protegendo a 100% os pequenos detentores de
títulos.
-
Protegendo poupanças até 100 000
-
Protegendo a poupança para reformas e pensões com medidas ad-hoc
(a Polónia e a Hungria renacionalizaram os fundos de pensões e
reformas privatizados, tal como a Argentina)
Concretamente como reduzir o resto da dívida?
-
Um imposto progressivo sobre os 10% mais ricos tanto sobre o património
como sobre os rendimentos, a fim de utilizar uma parte do que for assim obtido
para o reembolso antecipado de uma parte da dívida.
A anulação da dívida ilegítima é uma
condição necessária mas é insuficiente, impondo-se
medidas complementares:
-
Controlo sobre os movimentos de capitais
-
Reforma fiscal redistributiva (redução de impostos para a maioria
da população e aumento dos impostos para os mais ricos)
-
Combate à grande fraude fiscal
-
Empréstimos legítimos para a criação de empregos,
melhoria das condições de vida e a transição
ecológica. Os Estados devem financiar-se junto dos bancos
públicos.
-
Empréstimos voluntários para o público, empréstimo
forçado para os mais ricos.
-
Redução do tempo de trabalho com emprego compensatório e
manutenção dos salários.
-
Disciplinar fortemente os bancos e se a correlação de
forças o permitir realizar a socialização da banca.
-
Necessidade de refundar a União Europeia
[1]
cadtm.org/Alternatives-a-la-dette
ou
www.onveutsavoir.be/
[*]
Doutorado em ciências políticas, presidente do CADTM belga e
membro do conselho científico da ATTAC em França. Autor de
numerosos livros e textos, em particular sobre a problemática das
dívidas que oprimem os povos.
Este documento encontra-se em
http://resistir.info/
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