A dissolução do euro revisitada
Há duas declarações de intenção que governam
a política da eurozona. A primeira é a exigência da
Alemanha de limitação de passivo. A segunda é o empenho de
líderes da UE em fazer o que for preciso para salvar o euro. As duas
declarações são, é claro, logicamente
contraditórios.
Há dois e apenas dois meios para que esta
contradição não importe. A primeira, que o tecto de
limitação do passivo da Alemanha nunca possa ser testado. A
segunda é testá-lo, mas a UE descobrir um meio de
externalizá-lo. Isso deixa-nos com quatro opções
apenas quatro a considerar:
1. A Alemanha aceita uma extensão do seu passivo;
2. A crise de dívida da eurozona é essencialmente auto-correctora
através de austeridade e de compromissos existentes;
3. Um incumprimento / reestruturação / reescalonamento com
êxito da dívida;
4. Líderes da UE renegarem a "promessa de fazer o que for
preciso" o cenário de ruptura.
Eu descartaria a número um. Assumiria a limitação de
passivo da Alemanha como um dado, tanto por razões de política
interna como de direito constitucional. É inconcebível que o
Tribunal Constitucional da Alemanha aceite partilhar um fardo ilimitado. E
mesmo uma mudança de governo em 2013 não mudaria fundamentalmente
a posição da Alemanha. Assim, atribuiria uma probabilidade zero a
este evento. Se qualquer político tentasse aumentar o fardo da Alemanha,
o país revoltar-se-ia.
A proposição dois é a posição dos
optimistas. Eles dizem que a austeridade funciona. Ela funcionou no caso da
Letónia e funcionará na Grécia, Irlanda, Portugal e
Espanha. A austeridade não é isenta de custo, é claro. Na
Letónia, o preço foi uma queda na produção em cerca
de um terço, semelhante à Grande Depressão nas economias
ocidentais. O principal argumento dos optimistas da austeridade é que os
custos tão altos quanto possam ser são inferiores
àqueles de um incumprimento.
Eu atribuiria uma probabilidade baixa, mas não zero, a esse
cenário. Ele podia apresentar uma probabilidade externa de funcionar se
o crescimento económico global subisse, se o Banco Central Europeu
permitisse uma moderada ultrapassagem na inflação, se as taxas de
juro do mercado e os níveis de liquidez viessem a cair a níveis
anteriores à crise, se a correcção no mercado habitacional
em países como a Espanha e Irlanda acabasse abruptamente e se o governo
pudesse manter apoio político para a sua posição durante
vários anos. Só sob este muito improvável conjunto de
condições a Grécia e a Irlanda terão uma
possibilidade de evitar uma bancarrota nacional.
A razão porque estou céptico acerca deste cenário é
a experiência histórica. Crises de dívida nunca são
auto-correctoras. Não atribuiria uma probabilidade superior a 10% a este
evento não impossível, mas não muito
provável.
O cenário três é aquele claramente preferido pelo
establishment político. O Mecanismo de Estabilidade Europeu é
concebido especificamente com esta opção em mente. As garantias
não são apenas protecções
(backstop)
nesse sistema. Se complementadas com
bail-ins
[NT]
de investidores privados, um fundo com um total oficial de 750 mil
milhões poderia estender-se a 1000-2000 mil milhões
de alívio total da dívida. Se, além disso, os
países receptores aplicassem níveis significativos de
austeridade, então aquele tecto efectivo demonstrar-se-ia suficiente
mas só sob uma grande condição: Que o
bail-in
do sector privado não eleve o passivo do sector público. Mas
isso parece improvável. Uma reestruturação de
dívida forçaria governos a porem de lado somas substanciais para
o
bail-out
do sector financeiro interno e do Banco Central Europeu.
Há várias opções alternativas mais suaves nesse
cenário, tal como um reescalonamento de dívida. Mas isso
não resolveria o problema de um rácio dívida-PIB
insustentável. O mais provável seria um cenário envolvendo
um misto de reestruturação e reescalonamento. Mas não
é trivial que os custos combinados de transferências
transfronteiriças e resgates financeiros internos possam muito bem
exceder o que é politicamente aceitável nos países da
eurozona classificados com o triplo A.
Ao invés de atribuir uma probabilidade directa a este evento, eu
preferiria fazer um cálculo no sentido inverso. Se considerarmos a
probabilidade dos cenários um e dois como, digamos, 10%, e a
probabilidade do cenário quatro, uma ruptura da eurozona, como zero,
então logicamente a probabilidade de um cenário três com
êxito deve estar na ordem dos 90%. Certamente, essa [probabilidade]
é demasiado alta para um cenário tão incerto.
Isto significa que a probabilidade do cenário quatro pode não ser
zero ou mesmo próxima de zero. Quando estalou a crise da eurozona, a
probabilidade de fracasso era considerada como pequena, mas não
insignificantemente positiva. Ela é mais alta agora apesar da promessa
de "o que for preciso". Em França, Marine Le Pen está
agora à frente do presidente Nicolas Sarkozy e de Dominique Strauss-Kahn
nos inquéritos de opinião e ela está a fazer campanha para
uma retirada do euro da França, mas também da Espanha, da
Grécia e de Portugal. Se bem que ela possa não vencer a
competição [eleitoral], suas probabilidades de êxito
são claramente maiores do que zero. Portugal é irracionalmente
hostil a qualquer programa que envolva o Fundo Monetário Internacional,
ao passo que a Grécia já está a renegar alguns dos seus
compromissos sob o programa existente. A política económica
não está em vias de ficar mais fácil.
Minha tese é de que se a Alemanha for séria acerca da
limitação de passivo e acredito que seja a
probabilidade de uma ruptura não é nada pequena.
24/Março/2011
[NT] Bail-in: Nova expressão inventada para designar o resgate de uma
empresa ou de um país através de arranjos financeiros feitos a
partir de dentro (emissões de títulos, negociações
com credores, etc). O bail-in está em contraposição ao
bail-out, que é uma ajuda externa à empresa ou ao país.
[*]
Presidente da Eurointelligence ASBL, editor associado e colunista do
Financial Times.
Do mesmo autor:
Colapso da Eurozona: Oito cenários de como o impensável pode acontecer
, 18/Jun/2009
Porque esta crise prosseguirá
, 17/Jun/2010
O original encontra-se em
www.eurointelligence.com/...
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|