Colapso da Eurozona:
Oito cenários de como o impensável pode acontecer
por Wolfgang Münchau
e Susanne Mundschenk
[*]
Introdução
Será legal?
Pode um estado membro sair legalmente?
Os aspectos legais do salvamento
Um salvamento dentro da área do euro
Um salvamento de países da UE fora da área do euro
Oito cenários
Cenário 1: Um incumprimento por um pequeno estado membro
Cenário 2: Um membro de grande dimensão declara colapso
Cenário 3: Um incumprimento em cadeia dentro da área euro
Cenário 4: Um incumprimento em cadeia dos países CEE
Cenário 5. Ruptura do mercado interno
Cenário 6: Aumento insuportável de pressões competitivas
Cenário 7: Inflação
Cenário 8: Inquietação popular
Introdução
Afastámos há muito a probabilidade de uma ruptura da
área euro como conversa ociosa de tagarelas e especuladores. Qualquer um
que fizesse uma aposta quanto a esta proposição teria perdido
fortemente durante os primeiros dez anos da existência do euro. A crise
financeira e o modo como os governos europeus responderam à mesma mudou
as coisas do nosso ponto de vista. Ainda acreditamos que uma ruptura da
área euro é improvável, mas a probabilidade não
é mais descartável. Isto é ainda mais verdadeiro
após a corrida ao mercado de acções de Março de
2009 e a resultante queda temporária na aversão ao risco entre
investidores. O perigo não está ultrapassado. O objectivo desta
breve nota é avaliar esta probabilidade com algum pormenor.
Ao assim fazer, pretendemos alertar investidores e decisores políticos
para alguns dos riscos envolvidos, mas também desmistificar algumas das
concepções erradas habituais acerca dos aspectos legais,
económicos e políticos de uma hipotética crise do euro. O
cenário de ruptura mais frequentemente mencionado pelos participantes no
mercado financeiro, no qual um país em ou próximo do
incumprimento abandonaria voluntariamente a área euro, na nossa
óptica é tão improvável que classificaríamos
a probabilidade como próxima de zero. Mas há alguns
cenários perturbadores que não podemos afastar tão
facilmente.
Quando nesta breve nota falamos acerca da ruptura da área euro, queremos
dizer uma de duas possibilidades: um ou mais países abandonam a
área euro, enquanto a própria área euro continua a existir
com um número de membro mais pequeno, ou a possibilidade de que a
própria área euro cessasse de existir. Isto ficará claro
no contexto de cada um dos oito cenários, dos quais mencionaremos as
duas principais possibilidades de ruptura.
Os cenários de ruptura não pretendem representar um conjunto
completo de todos os estados concebíveis, mas sim um subconjunto que
consideramos relevante para investidores e decisores políticos. Os
cenários incluem ataques especulativos, tanto directamente a estados
membros, através por exemplo do mercado para
credit default swaps,
ou a
países não da área euro com efeitos de contágio na
área euro. Incluímos um par de cenários a longo prazo, os
quais não envolvem necessariamente ataques especulativos. Nem todos os
oito cenários são plausíveis no nosso entender. Mas alguns
são.
Não estamos de forma alguma a tentar incitar investidores a fazerem uma
aposta contra a área euro. Nós próprios não a
faríamos. Como mostrou o mercado em depressão
(bear market)
em Março de 2009, tais estratégias de investimento estão
repletas de perigos. Igualmente, a possibilidade de que o Banco Central Europeu
possa adoptar uma política de facilidade quantitativa poderia produzir
uma súbita pressão baixista sobre rendimentos de títulos
soberanos. Recordar também: Quando George Soros atacou de forma
memorável o mecanismo da taxa de câmbio, o sector financeiro
estava de boa saúde. Este não é o caso agora e não
é claro para nós se o sector financeiro é suficientemente
forte para lançar um ataque especulativo, nem suficientemente confiante
uma vez que muitos bancos estão agora directa ou indirectamente
dependentes de governos.
A área euro pode estar num tempo bom de construção, mas
este pode persistir mais do que alguns dos seus críticos afirmam. Mas
não é invulnerável. Isto é o que a nossa breve nota
tentará mostrar.
Será legal?
Uma das razões porque há muita confusão acerca do assunto
resulta de uma falta de entendimento geral acerca dos aspectos legais de uma
ruptura da área euro. Isto em grande medida é assim porque o
direito europeu é um assunto altamente especializado, conhecido
principalmente por observadores que têm intimidade com os assuntos
políticos e económicos europeus, mas geralmente não
conhecido por pessoas de fora. Muitos investidores, quem está a apostar
numa ruptura da área euro, tendem a ignorar totalmente os aspectos
legais e arriscam-se. Tal como é frequente na Europa, a questão
não é tanto se alguma coisa é legal ou não, mas sim
como o direito, a política e a economia interagem. No que se segue vamos
ver os dois aspectos legais mais relevantes do nosso debate. O primeiro
é se os estados membros podem realmente sair, e a segunda
secção mais curta é se um salvamento
(bail-out)
é permissível, dada a famosa cláusula No Bailout do
Tratado de Maastricht. Uma vez que tenhamos clareza sobre o que é
possível, e o que não é, podemos prosseguir para os nossos
cenários de ruptura.
Pode um estado membro sair legalmente?
Isto é por definição uma área que se presta a
alguma especulação, pois não existe julgamento de
tribunal, ou opinião de tribunal, sobre a questão da legalidade
da saída de um estado membro da área euro. Também
há nítidas diferenças de opinião legal. Eis o que
sabemos.
Os Tratados Europeus estipulam que todos os estados membros da UE estão
na obrigação de aderirem à área euro, assim que
cumprirem os critérios de convergência. A união
económica e monetária é portanto uma parte integral da UE.
Legalmente não há geometria variável, alguma coisa como se
um estado membro pudesse optar por aderir ou sair. O tratado também
estipula que os países membros têm de sujeitar a sua
política económica a certos princípios, de modo que, com
efeito, um acto deliberado de não cumprimento do critério de
convergência constituiria uma violação do tratado.
A área euro e a da UE com o tempo convergirão para uma e a mesma
coisa, se todos cumprirem suas obrigações. Se todo país
decidisse adoptar o euro, incluindo a opção saída, seria
impossível lançar uma cunha entre os membros da área UE e
os da área euro. Nesse caso, abandonar a área euro seria o mesmo
que abandonar o mercado único, ou abandonar a política
agrícola comum. Significaria que o país teria de abandonar a UE.
Os Tratados Europeus não têm disposições para uma
cláusula de saída da área euro, assim como não
há disposição para uma saída da PAC. O único
meio de sair da PAC é sair da UE e o mesmo princípio logicamente
aplicar-se-ia também à área euro
[1]
. No nosso entender, seria preciso uma alteração de tratado para
tornar legal uma saída da área euro, assim como é preciso
uma alteração de Tratado para tornar legal a saída da UE.
O novo Tratado de Lisboa, o qual ainda não está ratificado, tem
um conjunto de disposições claras que permitem a um país
abandonar a UE, sob procedimentos claramente definidos. Isto é regulado
no Artigo
50 da nova versão consolidada dos Tratados Europeus. De acordo com este
artigo, um estado decide com base nas suas próprias
disposições constitucionais notificar os outros da sua
intenção de abandonar. A UE negociará então um
acordo de secessão com aquele país seguindo um procedimento
estrito, na base da maioria qualificada de votos. Eis o Artigo 50 na
íntegra:
1. Qualquer Estado Membro pode decidir retirar-se da União de acordo com
as suas próprias exigências constitucionais.
2. Um Estado Membro que decida retirar-se notificará o Conselho Europeu
da sua intenção. À luz das linhas orientadoras fornecidas
pelo Conselho Europeu, a União negociará e concluirá um
acordo com aquele Estado, estabelecendo as disposições para a sua
retirada, tendo em conta a estrutura do seu futuro relacionamento com a
União. Aquele acordo será negociado de acordo com o Artigo 218(3)
do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Ele será
concluído pelo Conselho em nome da União, actuando por uma
maioria qualificada, depois de obter o consentimento do Parlamento Europeu.
Ainda não há, contudo, procedimento para forçar a
saída de um membro da UE contra a sua vontade. A única base legal
concebível para uma tal decisão seria a Convenção
de Viena sobre o Direito de Tratados, adoptada em 1969 e em vigor desde 1980.
Alguém poderia em teoria justificar a retirada forçada de um
país de uma organizada baseada num tratado tal como a UE se aquele
país estivesse em séria
infracção às regras. É opinião dos nossos
peritos legais que o abandono da democracia quase certamente constituiria
razão para isso, uma vez que a UE define-se como um
organização de estados democráticos. Se uma decisão
de abandonar o euro autorizaria a mesma sanção não
é tão óbvio. Além disso, não há
tribunal internacional distinto para impor o tratado. Ele seria imposto pelo
Tribunal de Justiça Europeu (TJE) e não é claro como o TJE
aplicaria a Convenção de Viena e como resolveria quaisquer
conflitos reais ou percebidos entre a convenção e os tratados
europeus. Normalmente esperar-se-ia que o direito primário, neste caso o
direito europeu, prevalecesse sobre o direito secundário, neste caso o
direito internacional. Assim, se alguém julgar a decisão de um
estado membro de abandonar a área euro enquanto permanecendo na UE como
contrária ao direito europeu, como fazemos, não é claro de
todo que alguém possa legalmente impor a saída do membro da UE.
Contudo, é aqui que começa a política...
A UE é acima de tudo uma entidade legal e apesar de países de
tempos em tempos infringirem o direito europeu por vezes com pleno
conhecimento de que assim o fazem, por vezes para testar os limites de
quão longe podem ir e ocasionalmente porque eles genuinamente
interpretam mal o direito eles acabam por cumprir o direito europeu. Um
estado membro perderia toda a sua influência política se
persistentemente e conscientemente desprezasse a lei. O país descobriria
que o valor da sua condição de membro seria seriamente reduzido.
Se imaginássemos uma situação de um renegado desistente da
área euro que actuasse a partir de uma posição de fraqueza
económica, a situação seria catastrófica mesmo se
os outros não fossem capazes de expelir aquele país
imediatamente. O país não teria aliados em
negociações do orçamento da UE. Ele poderia ser
sistematicamente discriminado nas distribuições de projectos e
empregos e poderia descobrir ser difícil invocar o terreno da grande
moral, ou mesmo do direito europeu, uma vez que está a desrespeitar o
próprio direito europeu. Mesmo a mais remota ameaça de que outros
possam conspirar e tentar forçar um procedimento legal sob o direito
internacional para forçar a sua saída criaria incerteza
maciça entre investidores naquele país. Uma tal decisão
é extremamente arriscada.
Se imaginarmos uma situação em que um renegado que abandonou a
área do euro actua a partir de uma posição de fortaleza
económica, as consequências económicas imediatas podem
não ser severas, mas o país, ao longo do tempo, também
perderia aliados e enfrentaria o isolamento. Seria também uma
decisão arriscada. Assim, concluímos que se um país
realmente quisesse deixar a área euro, quase certamente seria do
interesse desse país alcançar um acordo amigável com
outros, ao invés de adoptar uma posição de confronto
dentro da área euro. E o único acordo amigável que pode
ser alcançado legalmente é sob o Artigo 50 TEU. Por outras
palavras, o país terá de deixar a UE, mas ele pode pelo menos
assegurar que retém o acesso privilegiado ao mercado único e a
outras políticas da UE. Caso contrário o país correria o
risco de um divórcio, o qual poderia ser extremamente
desagradável e economicamente desvantajoso.
Outra possibilidade é um acordo amigável para aquele país
deixar a área euro mas permanecer dentro da UE. Aquele país seria
então deixado num estado de não cumprimento em
relação ao critério de convergência da EMU. O
país estaria de volta à ante-câmara do EMU e portanto
não seria considerado em infracção das
obrigações decorrentes da UE. Se bem que isto seja
possível em teoria, não podemos ver porque outros Estados membros
deveriam aceitar um tal acordo, uma vez que eles não beneficiarão
por ter suportar um país que procurará uma vantagem competitiva
através da desvalorização e a seguir reentrar no momento
oportuno seguinte. Além disso, se tal procedimento fosse aplicado uma
vez, seria utilizado como um precedente para outros, ou mesmo para o mesmo
país, no futuro. Isto minaria seriamente a viabilidade a longo prazo da
união monetária.
A posição legal portanto é: Deixar a área euro,
mesmo se isto constituir uma infracção do direito europeu,
não desqualifica automaticamente um Estado membro da
condição de membro da UE, mas se se levar em conta a
reacção política dos outros Estados membros, é
difícil ver como aquele país pode permanecer na UE. Eis porque
uma decisão de deixar a área euro é de facto, embora
não de jure, uma decisão de deixar a UE. Isto não é
algo que se faça de ânimo leve. Não é algo que se
liste em "opções políticas". Na maior parte dos
casos, estará entre as cinco mais importantes, e bastante provavelmente
catastróficas, decisões que aqueles países terão de
tomar em toda a sua história.
Produzimos esta análise legal em tal pormenor a fim de rejeitar o que se
tornou o mais popular cenário isolado para uma ruptura com a área
euro: que um país optasse por deixar a área euro. Ouvimos isto o
tempo todo. O economista estado-unidense Martin Feldstein, antigo conselheiro
económico de Ronald Reagan e presidente do National Bureau of Economic
Research, recentemente repetiu a sua previsão, feita originalmente na
década de 1990, de que a área euro fragmentar-se-á quanto
Estados membros a abandonarem voluntariamente.
Não estamos a dizer que a área euro é imune. Ao
contrário. Há alguns cenários de ruptura
plausíveis. Mas se a área euro se rompesse, isto quase certamente
não aconteceria do modo que Feldstein e muitos outros críticos da
união monetária, principalmente anglo-saxões, imaginaram.
Nem a Grécia nem a Itália optarão por deixar a área
euro. Há mais cenários críveis de
fragmentação, como veremos.
Os aspectos legais do salvamento
Ser capaz de salvar um país numa crise severa poderia ser uma
contribuição positiva para a sustentabilidade da área
euro, desde que, naturalmente, o salvamento não resultasse em risco
moral
(moral hazard)
e mudança de comportamento. O salvamento estado-unidense do
México em 1994 provavelmente serviria de exemplo para um tal salvamento
positivo, embora seja concebível que um salvamento dentro de uma
união monetária é construído de modo a que
países
possam pensar, correcta ou incorrectamente, que eles, também, poderiam
beneficiar de um comportamento perdulário, pois teriam direito a um
salvamento.
Um salvamento dentro da área do euro
Os Tratados Europeus contêm a famosa Cláusula de Não
Salvamento
(No Bailout Clause).
O objectivo desta cláusula é declarar o princípio de que
os países são responsáveis pelas suas próprias
finanças públicas. Não é uma cláusula de
não salvamento no sentido de que contribuintes do país A
não são passíveis de financiar o défice do
país B. Aqui está a cláusula contida no Artigo 103,
secção 1, Tratado Consolidado:
"A Comunidade não será passível de ou assumirá
os compromissos de governos centrais, regionais, locais ou outras autoridades
públicas, outros corpos governados pelo direito público, ou
empreendimentos públicos de qualquer Estado Membro, sem prejuízo
de garantias financeiras mútuas para a execução conjunta
de um projecto específico. Um Estado Membro não será
passível de ou assumirá os compromissos de governos centrais,
regionais, locais ou outras autoridades públicas, outros corpos
governados pelo direito público, ou empreendimentos públicos de
outro Estado Membro, sem prejuízo de garantias financeiras mútuas
para a execução conjunta de um projecto específico".
Esta cláusula estabelece um princípio fundamental, mas ela
não nos diz o que fazer numa emergência. A resposta é o
Artigo 100, secção 2, o qual diz que em caso de ocorrências
excepcionais para além do controle de um estado membro, um salvamento
é na verdade possível.
Isto está estabelecido no Artigo 100, secção 2:
"Quando um Estado Membro está em dificuldades ou está
severamente ameaçado por severas dificuldades causadas por desastres
naturais ou ocorrências excepcionais para além do seu controle, o
Conselho, actuando por uma maioria qualificada sobre uma proposta da
Comissão, pode garantir, sob certas condições,
assistência financeira da Comunidade ao Estado Membro afectado. O
Presidente do Conselho informará o Parlamento Europeu da decisão
tomada".
A cláusula de Não Salvamento ainda protege a união
monetária do perdularismo imprudente, mas não é relevante
nos tipos de crises acerca das quais especulamos no nosso cenário de
análise. Isto é porque os governos, a Comissão Europeia, o
FMI, podem todos salvar nesta crise. Não há lei que os
impeça. Tudo o que é preciso é uma maioria qualificada,
pois a condição na qual o Artigo 100, secção 2, se
aplica é certamente cumprida.
Um salvamento de países da UE fora da área do euro
A segunda situação refere-se aos países da UE fora da
área do euro. É concebível que tais países possam
ser sujeitos a ataque especulativo, ou que tais países experimentem uma
crise de balança de pagamentos, a qual poderia provocar
reacções negativas para a própria área do euro,
através por exemplo do sector bancário. Isto é um problema
potencial na Europa central e do leste neste exacto momento. A base legal para
um salvamento de países CEE que não estão na área
do euro é muito mais directa, na medida em que os problemas sejam
relativos a crises de balança de pagamentos. Se uma tal crise ocorresse,
o Artigo 119, secção 2, estipula que o Conselho da UE, a actuar
com um voto de maioria qualificada, garantirá assistência
mútua, a qual inclui:
1. Coordenar um pacote de resgate em conjunto com organizações
internacionais;
2. Tomar medidas para proteger o comércio, incluindo
restrições quantitativas contra países terceiros;
3. Garantir créditos limitados directamente.
Oito cenários
Nesta secção examinamos cenários mais ou menos
plausíveis de uma ruptura da área do euro, incluindo eventos que
possam dispará-los, e avaliar a sua probabilidade, baseados na nossa
avaliação pessoal e na informação disponível
no momento em que escrevemos.
Sabemos que alguns especuladores estão a apostar numa ruptura da
área do euro. Há duas diferentes espécies de apostas que
os especuladores estão a fazer. Um tipo são apostas cambiais
sobre divisas de países da Europa central e do leste, com o objectivo de
deitar abaixo suas divisas contra o euro. A outra são apostas directas
sobre incumprimentos soberanos de estados membros da área do euro. Estas
apostas são feitas no mercado de
credit default swaps.
Por que investidores fazem tais apostas? Eles assumem alguma espécie de
choque, tal como um incumprimento por um estado membro da área do euro,
ou um choque político, por exemplo uma eleição de um
primeiro-ministro extremamente eurocéptico, ou um choque comercial que
faria com que um país quisesse desvalorizar através de um
ajustamento nominal rápido, via depreciação da taxa de
câmbio ao invés de um penoso ajustamento real.
Se um estado membro fosse tomar uma decisão unilateral de deixar a
área do euro, não haveria meio de presumir que ele pudesse ainda
permanecer feliz dentro da UE, apto a desvalorizar e beneficiar do mercado
único. Esta parece ser a suposição nas mentes de alguns
especuladores. Legalmente, como argumentámos na secção
anterior, é virtualmente impossível para um estado membro deixar
a área do euro, desvalorizar, e permanecer da UE. O argumento legal
é algo subtil, desde que é verdade que não existe
mecanismo para expulsar um membro da UE. Nem há mecanismo para impedir
um estado membro de deixar a área do euro. A UE não tem
força policial ou exército que pudesse impor uma decisão.
Mas ninguém deveria interpretar mal esta falta de
disposições como uma garantia de que estados membros possam fazer
o que quiserem.
Cenário 1: Um incumprimento por um pequeno estado membro
O incumprimento de um estado membro, um evento não de todo
implausível, é muito frequentemente citado
[2]
como o mecanismo disparador para a ruptura da zona do euro. Os Credit Default
Swaps (CDS) para títulos do governo da zona do euro têm estado em
ascensão desde Setembro de 2008 como se mostra na figura, especialmente
para a Grécia e a Irlanda. A ascensão propaga-se menos
dramaticamente, mas isto não é necessariamente um sinal
confortante. Os CDS foram um indicador prévio das
perturbações financeiras da Islândia bem antes de a
propagação do título reflectir isto.
Um país em incumprimento
[3]
é incapaz de levantar dinheiro no mercado de títulos
prímários. Os investidores simplesmente recusam-se a financiar os
défices do sector público do país, ou sobem as taxas de
juro a alturas tão horrendas que o país já não pode
permitir-se levantar novos meios financeiros. Uma escalada desta
situação verificar-se-ia se um país precisasse refinanciar
empréstimos a curto prazo existentes e não estivesse numa
posição de fazer isso porque as taxas de juros haviam-se elevado
a níveis punitivos.
Se um país estivesse em perigo de incumprimento, haveria uma
probabilidade significativa de que o resto da UE, com ou sem o FMI, salvassem
aquele país.
[4]
Por um salvamento não queremos dizer a assunção plena ou
parcial da dívida de um outro país, um acto que é
especificamente excluído sob a chamada cláusula de Não
Salvamento no Tratado de Maastricht. Queremos dizer financiar na forma de um
empréstimo-ponte, para ajudar um país a renovar
(roll over)
dívida existente, ou impedir o não pagamento de cupons de
dívida existente, sujeito a condições mutuamente
acordadas. Nós assumimos que tal financiamento seria proporcionado por
um fundo criado especialmente, ou linha de crédito, tanto financiada
directamente por estados membros, através do Banco Europeu de
Investimentos, ou algum outro mecanismo técnico, com ou sem o FMI.
A probabilidade de um salvamento está inversamente relacionada com a
dimensão do país. Um salvamento da Irlanda ou da Grécia
é dinheiro de bolso para a UE. Um salvamento de vários pequenos
estados poderia demonstrar-se mais custoso, um salvamento da Itália pode
ficar muito caro. A Alemanha, que anteriormente apoiou a regra do Não
Salvamento do Tratado de Maastricht, agora aceita que um salvamento é
inevitável se um país estiver à beira de incumprimento.
Como já declarámos na secção anterior, o Artigo
100, secção 2, dos Tratados Europeus (versão consolidada)
contem uma cláusula dizendo que salvamentos são possíveis
sob circunstâncias específicas, as quais quase certamente
são preenchidas nesta crise. Assim, a primeira linha de defesa contra
este cenário é que nós não vamos cair aí. A
um estado membro da área do euro provavelmente não será
permitido incumprir.
Mas vamos agora considerar o que aconteceria se esta suposição
estivesse errada porque, por exemplo, a política mudou outra vez, ou
porque o salvamento tornou-se proibitivamente caro, ou que foi
impossível chegar a acordo sobre ele, ou qualquer outra razão.
Por que deveria um tal país querer deixar a área do euro?
[5]
Obviamente, para o país isto só faria sentido se ele pudesse
utilizar o seu direito soberano de denominar a sua dívida pendente na
nova divisa. Vamos seguir os contos de fadas de Martin Feldstein
[6]
para o cenário de saída, segundo o qual um país sai para o
seu próprio benefício. Do lado de fora da área do euro o
país poderia desvalorizar, a sua dívida a estrangeiros seria
reduzida e a seguir inflacionada, e a economia gradualmente seria posta de
volta sobre os seus pés. A perturbação com este
cenário é que isto não é o que está em vias
de acontecer.
A decisão de deixar a área do euro não pode ser tomada da
noite para o dia. Qualquer governo que quisesse deixar a área do euro
teria de passar através de algum processo democrático. Em alguns
países, tais como a Irlanda, a constituição nacional
exigiria um referendo, em outros seria preciso pelo menos a tomada de
decisão por uma ou mais câmaras, ou casas do parlamento. Em
qualquer caso, há bastante tempo para todo o residente naquele
país transferir os seus haveres em euros para uma conta de
poupança estrangeira. Uma decisão governamental de retirada da
área do euro poderia disparar uma crise bancária
[7]
, pois todo banco isolado naquele país iria à bancarrota, uma vez
que todos os depositantes racionais desejariam assegurar os seus haveres em
euro e impedir a conversão forçada em novos e sem valor dracmas,
ou punts, ou liras ou que quer que seja. Há movimentação
de capital sem restrições na UE, de modo que um país
não poderia impedir isto por
dictat.
O único meio de evitar tal colapso seria elevar taxas de juro para
além do nível em que estão agora ou atrair outros
depósitos do mercado interbancário ou do BCE ou aumentar a tomada
de empréstimo do governo. Todos estes cenários colocam em risco a
probabilidade de benefícios para o desistente do euro
[8]
.
Se a transição ocorresse, a consequência seguinte seria uma
crise da divisa e do mercado de títulos, pois os possuidores de
títulos existentes perderiam devido à
desvalorização e à inflação. Tendo acabado
de cometer uma fraude de facto contra investidores estrangeiros, este
país não veria o retorno do investimento estrangeiro por bastante
tempo. A taxa de câmbio afundaria para níveis tão baixos
que o país importaria inflação elevada. Se o banco central
permitisse isto, o que ele provavelmente pode fazer não sendo
independente, poderia assistir-se a uma ascensão significativa na
inflação, a qual ajudaria a erradicar a dívida, mas que
também asseguraria que o país perdesse acesso ao mercado global
de capitais.
É de esperar além disso que os outros exigiriam que o desistente
do euro deixasse também a UE. Os outros podem ou não prevalecer
com este pedido no Tribunal Europeu de Justiça, mas esta disputa
certamente provocaria grande incerteza no mercado. Os investidores abandonariam
o país, fábricas relocalizar-se-iam dentro da área euro.
Seria muito possivelmente a mais desastrosa decisão económica que
um país tomaria.
Estamos confiantes em prever que a maior parte dos cenários
frequentemente mencionados pelos participantes do mercado financeiro não
pode acontecer e não acontecerá. Seria mais provável que o
estado membro negociasse um salvamento de apoio ou um empréstimo junto a
outros estados membros e a instituições da UE.
Cenário 2: Um membro de grande dimensão declara colapso
Este é outro cenário marginalmente plausível. Suponha-se
que todo o sistema bancário espanhol entre em colapso e que a Espanha
precise assistência. A Espanha é provavelmente o país mais
vulnerável, dada a sua dimensão e a exposição do
sistema bancário à habitação. A Irlanda pode estar
numa categoria semelhante, mas a Irlanda é pequena. O BCE provavelmente
teria de ser arrastado a uma negociação de resgate contornando de
alguma forma imaginativa a regra da não-monetização. O
custo de salvar a Espanha seria tão grande que toda a área euro
sofreria ajustamentos significativos de rebaixamento na sua
classificação de crédito, bem como uma
elevação das taxas de juro na área euro.
Mais uma vez, deveríamos recordar, isto não é um
salvamento para assumir a dívida do país, meramente um
empréstimo para permitir ao país cumprir suas
obrigações para com possuidores de títulos e manter os
gastos públicos a níveis correntes.
Um fracasso em salvar a Espanha dispararia toda espécie de
confusões. Não vamos listar todas as possibilidades que poderiam
ocorrer num tal caso, mas obviamente a Espanha sofreria um colapso
económico estilo islandês, com ondas de choque muito além
do país. Portugal poderia também ir abaixo. Poderia haver algum
grau de contágio através da área euro.
Este cenário poderia provocar pressões para finalizar a
união monetária. Alternativamente, estados membros poderiam
decidir manter a EMU intacta, e permitir a um país deixar a EMU, com uma
possibilidade de reentrada posterior. O facto de que um tal acto não
seja explicitamente mencionado no Tratado não o torna necessariamente
ilegal. A Espanha poderia então reintroduzir uma divisa nacional, o que
é em si mesmo um enorme e custoso empreeendimento com elevados custos
irreversíveis
(sunk costs),
devalorizar, erradicar os desequilíbrios em conta corrente e re-aderir
novamente numa etapa posterior. Depois de abandonar, a Espanha retornaria
imediatamente à ante-câmara do EMU (ver secção
legal). Isto seria exigido para re-aderir se e quando cumprisse o
critério de convergência. Uma vez que poderíamos ter
instabilidade significativa da taxa de câmbio, e presumivelmente um grau
de inflação muito mais elevado, a Espanha poderia permanecer do
lado de fora por uns poucos anos. Uma vez retornada à estabilidade, a
Espanha reentraria finalmente a uma taxa mais baixa.
É óbvio que isto não é o cenário preferido
por ninguém pois estenderia o conceito de união monetária
ad absurdum
se estados membros pudessem negociar saídas temporárias,
desvalorizar e re-aderir. Isto relegaria a união monetária a um
mecanismo de taxas de câmbio e poderia provocar risco moral. Mas se
confrontada com a opção rematada de ruptura, é
concebível que a UE possa simplesmente optar por este derradeiro absurdo.
Cenário 3: Um incumprimento em cadeia dentro da área euro
Vamos assumir que um estado membro anuncie que um incumprimento é
possível. Vamos assumir ainda que não há acordo para ajuda
ou salvamento. A reacção no mercado de títulos e de
credit
default swaps
seria cruel e instantânea. As taxas CDS explodiriam,
não apenas para este país mas também para aqueles
países considerados serem relativamente riscos maus.
Este grupo inclui Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Itália. Se
quisessem verdadeiramente o pânico, poder-se-ia acrescentar à
lista a França e a Alemanha. A julgar por alguns movimentos recentes do
mercado CDS alemão, é concebível que mesmo títulos
do governo alemão seriam afectados. Quando começámos a
escrever esta nota, o CDS alemão atingia 90 pontos base, o que é
mais elevado do que o nível a que estavam os CDS gregos um ano
atrás. Isto significa que os títulos do governo alemão
serão considerados tão prováveis ao incumprimento como
alguns dos melhores títulos corporativos. A companhia francesa Danone
é considerada como um risco mais baixo do que o estado alemão.
Não queremos discutir aqui a sabedoria de tais
classificações, mas simplesmente destacar o ponto de que um
incumprimento, ameaçado por um único membro, poderia, se mal
manejado, levar a ataques especulativos à maior parte ou a todos os
membros da área euro, o que poderia disparar a possibilidade de um
incumprimento muito maior, um que não seja facilmente
financiável. A Alemanha poderia facilmente salvar a Grécia e a
Irlanda, mas a Alemanha provavelmente não poderia salvar a
Grécia, a Irlanda e a Itália, e certamente não aqueles
três mais a Espanha. Tal cenário poderia provocar uma ruptura
violenta da área euro, pois países como a Alemanha ou a Holanda
já não beneficiariam mais por ficarem responsáveis pela
dívida de outros países.
Não consideramos este cenário de modo algum provável,
dadas as recentes discussões acerca do estabelecimento de alguma forma
de mecanismo de salvamento. Há várias propostas não
convencionais, as quais estão a ser discutidas. Mesmo a Alemanha, como
ardente defensora da regra do Não Salvamento, reconheceu que, se
confrontada com uma situação de potencial incumprimento, a
área euro teria de actuar em conjunto. O fracasso em actuar, mesmo se
este fosse falsamente percebido pelos investidores, poderiam levar a este
cenário.
Cenário 4: Um incumprimento em cadeia dos países CEE
Um ataque especulativo a um ou mais dos países CEE é muito
provável dados os insustentáveis grandes défices em conta
corrente de alguns países CEE, num momento em que investidores globais e
instituições financeiras internacionais, em particular de
países da área euro, estão a restringir-se. As
tendências de desvalorização desde Agosto de 2008 em
divisas CEE reflectem esta preocupação. Mesmo que o desempenho
haja recuperado recentemente, as divisas CEE permanecem sob pressão.
Não há maneira de os países CEE poderem repelir um ataque
especulativo por si próprios. Um ataque a um país fraco, digamos
a Roménia, ou a Hungria, poderia disparar um ataque sincronizado
à região. Se as taxas de câmbio caíssem
dramaticamente, muitas famílias não seriam capazes de cumprir o
serviço das suas dívidas hipotecárias, as quais em
vários países, tais como a Hungria e a Polónia, são
denominadas em divisas estrangeiras, principalmente franco suíço,
yen e euros. A popularidade do franco suíço é devida
inteiramente às baixas taxas de juros. A tomar empréstimos em
divisa estrangeira, em euros teria feito mais sentido de um ponto de vista
macroeconómico, pois estes países irão, ou deveriam
finalmente aderir ao euro.
Um ataque coordenado teria um certo número de consequências
indesejáveis, mesmo para países como a Polónia ou a
República Chéquia, os quais são muito mais fortes do que
os outros países CEE. Um incumprimento por um pais, ou uma corrida
sistemática a divisas CEE, poderia disparar uma saída
maciça de capital, e os governo poderia descobrir ser difícil
renovar a dívida a curto prazo.
A situação também acarreta enormes riscos para bancos
europeus ocidentais, os quais estão efectivamente a dirigir os sistemas
bancários na maior parte dos estados CEE. O montante total de
empréstimos a europeus do leste por bancos austríacos eleva-se a
mais de 50% do produto interno bruto
[9]
. Um ataque especulativo com êxito a divisas europeias do leste, ou um
único incumprimento de estado, poderia portanto não só
desencadear problemas para os países afectados como também, e em
particular, para a Áustria. É através do sistema
bancário que a crise da CEE se propagaria dentro da área euro. A
Áustria quase certamente não tem os recursos para resgatar o seu
sistema bancário interno, de modo que poderíamos estar a ver uma
crise bancária sistémica na área euro o fim de uma
cadeia de eventos catastróficos que começou com um incumprimento
por um país CEE.
Actualmente, a UE proporciona alguma "assistência financeira a
médio prazo" no valor de 25 mil milhões, dos quais
10 mil milhões já foram concedidos à Letónia
e Hungria. Assistência adicional à região poderia vir de um
FMI relançado e do Banco Europeu para Reconstrução e
Desenvolvimento. Mas isto não seria suficiente para por os países
outra vez de pé. Seria melhor e menos custoso em primeiro lugar reduzir
a probabilidade de tal evento.
Vários autores tem advogado que a UE estabeleça um fundo de
estabilidade. Não financiamento maciço de balança de
pagamentos a governos, mas um fluxo de crédito normal para o sector
privado e uma recapitalização substancial do sector
bancário é necessária. Daniel Gros
[10]
sugere utilizar o Banco Europeu de Investimento, o qual actualmente tem um
capital de 230 mil milhões e poderia ser alavancado até um
rácio de quatro, para resultar em empréstimos no valor de 1
milhão de milhões. Isto dotaria o fundo com cerca de 700
mil milhões, uns 5% do PIB da UE, a ser utilizado para manter fluxos de
créditos a países CEE. Há alguma oposição a
tais esquemas, nomeadamente da Alemanha, mas não ficaríamos
surpreendidos se qualquer esquema para a CEE fosse ligado a um plano de
reestruturação e a um compromisso firme de aderir ao euro.
Uma outra opção política é a
tramitação rápida da entrada no EMU, nosso cenário
preferido, pelo qual queremos dizer um calendário obrigatório e
crível para cada estado membro CEE, bastante curto para não ser
atacado pelos mercado e ser desafiado por políticas internas durante o
período de transição. Isto reduziria grandemente a
possibilidade de especulação com divisas.
Os líderes da UE, e a seguir os ministros das Finanças da UE,
despejaram água fria sobre esta opção, mantendo que
qualquer tentativa de romper a regra enfraqueceria a credibilidade da
área euro. Mas algumas destas regras já foram rompidas. À
Itália foi permitido aderir ao euro sem ter completado os dois anos na
condição de membro da ERM (Exchange Rate Mechanism). O
critério da inflação, tal como formulado no Tratado, foi
claramente redigido para a situação específica do
período anterior a 1999, pois refere-se à média das
três taxas de inflação mais baixas na UE, ao passo que o
próprio BCE direcciona a taxa de inflação da área
euro. Está também em divergência com o facto de que o Banco
Central Europeu aplica uma taxa alvo de inflação para a
própria área euro, ao passo que a condição de
acesso exige a um país que esteja dentro de 1,5 pontos de percentagem
dos três países com as taxas de inflação mais
baixas. Isto não faz qualquer sentido económico ou legal, pois
discrimina entre os de dentro e os de fora da área euro. Também
duvidamos que o Tribunal Europeu de Justiça confirme a prática
actual. Uma vez que tanto a inflação como a regra são
defeituosas, isto deixaria apenas duas regras rígidas a serem
observadas: rácio défice/PIB e o spread da taxa de juro a curto
prazo. Na medida em que os países preencham aqueles critério e
tenham uma taxa de inflação razoável abaixo dos 3,5%, o
alvo do BCE mais 1,5% de margem, nada deveria impedir o seu acesso.
É nosso julgamento político que a UE não rejeitará
um país solicitante, dado o caos político e económico que
isto provocaria. Assumimos que tanto a Comissão da UE como o BCE
são em última análise profundamente avessos ao risco e
aceitariam um novo membro, embora relutantemente. Nem tão pouco quer ser
responsabilizada por uma catástrofe política ou financeira. O
acto do Não poderia disparar uma corrida sobre a divisa dos
solicitantes. Do nosso ponto de vista, a melhor solução seria uma
estratégia crível e firme de acesso uma para cada
país que incluiria uma data firme para a entrada e uma taxa de
conversão, suportada por políticas críveis.
Os países CEE apresentam um risco pela simples razão de que
é altamente
provável que o contágio dali para os bancos ocidentais poderia
quase certamente acontecer, assim como o contágio para outros bancos
ocidentais, e que não temos confiança de que a resposta
política seja tanto atempada como suficiente. Só por esta
razão, o cenário é na verdade plausível, como
é a possibilidade de que a reacção política
ocidental seja errada.
Cenário 5. Ruptura do mercado interno
Este cenário sob certos aspectos relaciona-se com o anterior, mas
não envolve necessariamente os países CEE e sim a
Grã-Bretanha, Dinamarca e Suécia, a comunidade total da
área não euro. Vamos começar com uma
situação semelhante ao princípio do cenário
anterior. Temos um incumprimento em um país CEE, seguido por um ataque
especulativo a outras divisas CEE. Mas ao invés de levar a uma ruptura
catastrófica, o ataque acabaria com uma depreciação da
divisa em causa em relação ao Euro.
A área euro já tem alguns problemas devido à
desvalorização extrema da libra esterlina, a qual tem sido um
factor importante na apreciação geral da taxa de câmbio
ponderada pelo comércio do euro (na qual o Reino Unido importa mais do
que os EUA). No seu relatório mensal de Fevereiro, o BCE publicou o
índice de condições monetárias para a área
euro, o qual mostra uma apreciação muito grande, contrariada
apenas marginalmente pelos mais recentes cortes na taxa de juros. As
condições monetárias na área euro permanecem muito
rígidas e ficarão mais duras a cada depreciação
dentro da UE.
De um ponto de vista macroeconómico isto não deveria constituir
problema. A área euro desfruta um bom grau de estabilidade da conta
corrente. A forte taxa de câmbio poderia produzir um défice em
conta corrente o qual seria bem vindo numa perspectiva global. Mas
alguns governos da área euro quase inevitavelmente levantariam
objecções a depreciações de taxa de câmbio em
países da UE da área não euro. Dado o seu relativamente
pequeno sector manufactureiro, o Reino Unido não tem sido encarado como
uma grande ameaça (embora o RU tenha um sector manufactureiro maior do
que o folclore popular sugeriria e o RU venha provavelmente a passar de um
grande défice em conta corrente para um pequeno excedente quase
espontaneamente).
Uma depreciação da divisa em países como a
República Chéquia, um grande fabricante de carros, quase
certamente dispararia uma resposta hostil da França e provavelmente de
outros países. Quando o presidente Sarkozy queixou-se acerca de
fabricantes de carros franceses produzirem carros na República
Chéquia para venda em França, quanto mais não se queixaria
se a koruna chéquia fosse desvalorizada em 50%? Não há
modo algum de a França, ou mesmo a Alemanha, poderem competir com isto.
Mesmo o BCE está preocupado com as quedas nas taxas de câmbio nas
bordas da UE. Lorenzo Bini-Smaghi, membro da direcção do BCE, fez
o seguinte comentário:
"... a crise actual é forçada a levantar-se contra a
questão de se um mercado único como o que temos entre 27
países da UE pode funcionar suavemente quando à taxa de
câmbio de alguns dos membros é permitido ou mesmo
encorajado depreciar agudamente, possivelmente distorcendo a
competição. A integridade do próprio mercado único
pode ser posta em risco se a taxa de câmbio for utilizada e visto
ser utilizada como um instrumento para ganhar competitividade em
detrimento dos outros. Isto pode alimentar reacções e alimentar
pressões proteccionistas, também dentro da UE. Pouca
atenção tem sido prestada até então aos riscos
incorridos pelo mercado único nos tempos actuais, em
comparação com as especulações acerca da divisa
única".
Bini-Smaghi não tocou num importante ponto legal, o qual
desenvolvemos na nossa secção jurídica em maior pormenor.
De uma perspectiva legal, o euro é tão integral à UE
quanto o mercado interno. O Reino Unido e a Dinamarca desfrutam o que é
chamado uma opção de saída
(opt-out).
Eles têm o poder de escolher o momento da sua entrada. Mas nenhum o
faz, embora vários países pensem fazê-lo, mas isto é
política, não direito. Obviamente, a UE não vai
forçar a Suécia a entrar no euro através da força.
Mas a posição legal é absolutamente clara: O euro é
a divisa da UE. Não é um projecto efectuado por uma
coligação de vontades.
De uma perspectiva puramente legal, a República Chéquia e a
Polónia não têm desculpa por não estarem no euro.
Para a República Chéquia dizer que não quer entrar no euro
durante mais cinco ou dez anos é, de um ponto de vista da legalidade
europeia, o mesmo que o presidente Sarkozy dizer que quer sair do mercado
único (ele não disse disso, embora tenha chegado muito perto).
O ponto importante aqui é que há uma ligação, tanto
economicamente como legalmente, entre a divisa única e o mercado
único. Se um conjunto de países trata o euro como opcional,
então não deveriam ficar surpreendidos se outros estados
começarem a questinar o mercado único. Bini-Smaghi colocou o dedo
sobre um desenvolvimento muito perigoso, o qual pode não apenas levar
à ruptura da área euro como também por em perigo a UE.
Isto é na verdade um cenário plausível e não
estamos confiantes em que as políticas no estados membros estejam
realmente a levar a uma melhoria perdurável na situação.
Realmente muito perigoso.
Cenário 6: Aumento insuportável de pressões competitivas
Movemo-nos agora para cenários a prazos mais longos. Um cenário
mencionado frequentemente é uma perpétua elevação
da competitividade de um país contra outros países da área
euro quando estas pressões se tornam insuportáveis
[11]
. Isto é sob certo aspecto uma variante da crítica
da política monetária adaptável a tudo
(one-size-fits-all)
entre estados membros fiscalmente independentes. No muito longo prazo
ocorrerão divergências, mas os estados membros não
têm instrumentos políticos para delas tratar. O ajustamento
é invariavelmente real, o que significa que ocorrerá
através de salários mais baixos ou desemprego mais alto. Desde
2000, as pressões competitivas, quando medidas pela taxa de câmbio
efectiva real, estão a divergir dentro da área euro
[12]
.
Se bem que não pensemos que as pressões competitivas
romperão a área euro, elas podem ainda assim provocar danos e
produzir desempenho económico abaixo do óptimo na área
euro por longos períodos, ou tensões políticas.
Alguém poderia olhar para o mesmo cenário através de
lentes macroeconómicas em termos de insustentáveis saldos
em conta corrente dentro da área euro. Concordamos até um certo
ponto. Mas desequilíbrios extremos, tais como de 10% do PIB como em
Espanha, importam em termos de risco macroeconómico. As uniões
monetárias transformam riscos de desvalorização da divisa,
os quais normalmente são associados a grandes défices em conta
corrente, em risco de crédito. O euro espanhol não pode
desvalorizar, mas a Espanha pode ir à bancarrota.
Contudo, afastamos o argumento de que o persistente excedente comercial da
Alemanha acabará por provocar o colapso da área euro. A
razão é que estes desequilíbrios provavelmente não
persistirão, especialmente quando nos movemos em meio a esta crise
severa. A Espanha não será capaz de manter o seu défice em
conta corrente, resultante de gastos internos com bens importados num momento
em que proprietários de casas espanhóis estavam a realizar lucros
muito grandes sobre as suas propriedades residenciais. A Alemanha igualmente
não será capaz de manter o seu excedente em conta corrente num
momento em que os desequilíbrios tanto globais como intra-eurozona
estão a cair rapidamente.
Este é um momento muito
Herb Stein
. Quando alguma coisa não avança, ela para. A presença de
desequilíbrios não significa que alguma coisa terrível
vá acontecer. Significa que o mundo simplesmente
reequilibrar-se-á. Esperamos que isto aconteça e consequentemente
não estamos preocupados.
Isto não significa que todo membro da área euro declare, ou
deveria declarar, ter uma conta corrente equilibrada contra todas as outras.
Isto não é nem necessário nem desejável.
Défices em conta corrente são excessivos quando ficam demasiado
grandes. Os da Alemanha e Espanha estão claramente desequilibrados.
O nosso próprio optimismo acerca de pressões competitivas,
contudo, não é partilhado universalmente. Um dos nossos peritos,
com quem temos trocado correspondência, exprimiu o temor de que o fosso
no crescimento e na competitividade provavelmente persistirá e que isto
dispare persistentes diferenças inflacionárias (as quais nos
levariam então ao cenário 7). Isto podia dar lugar à
seguinte bifurcação. Ou o fraco "toma o BCE", o que
podia encorajar a Alemanha a abandoná-lo. Ou, uma alternativa, seria um
cenário em que o forte permanece no comando, mas isto levaria ao
cenário número 8 em relação aos países
fracos.
A Comissão Europeia
[13]
também exprimiu preocupação acerca do aumento da
distorção competitiva dentro da área euro. Algumas das
divergências são benignas, reflectindo uma função
normal de um mercado. Mas outras reflectem desequilíbrios
macroeconómicos internos em alguns dos estados membros. Estes
desequilíbrios incluem respostas inadequadas de salários a
choques específicos de países.
Cenário 7: Inflação
Há várias circunstâncias que poderiam provocar
inflação. Por exemplo, como destaca
Axel Leijonhufvud
[14]
, a combinação de uma crise de balança e grandes pacotes de
estímulos poderia levar a uma bifurcação a crise
pode ser tão profunda que o resultado será deflação
semi-permanente.
Alternativamente, se os pacotes tiverem êxito, podemos assistir a
inflação elevada, especialmente se bancos centrais globais
entrarem neste período com balanços exagerados, os quais
terão de reparar. Não é claro de todo se mesmo a
estabilidade de preços que miram bancos centrais pode eliminar o excesso
de liquidez suficientemente rápido para impedir uma ascensão na
inflação. Alguns governos e bancos centrais podem mesmo ser
tentados a reduzir o seu endividamento através da
inflação, embora isto seja improvável no caso do Banco
Central Europeu.
Mas uma elevação da inflação europeia é
problemática. A razão é que uma alta taxa de
inflação pode persuadir países com baixa
inflação a quererem escapar com base em que poderiam proporcionar
um melhor desempenho de estabilidade de preços e que os
benefícios seriam muito superiores aos custos da escapada. Mas os mesmos
problemas legais levantar-se-iam se um membro forte quisesse abandonar do que
se um membro fraco o quisesses, e certamente não tem havido quaisquer
discussões sérias na Alemanha acerca de abandonar o euro.
Mas a questão aqui é que uma elevação da
inflação podia pelo menos dar um argumento económico
racional de porque um país pode ficar melhor se abandonar o euro. Para
um país fraco, tentar deixar o euro significaria que os riscos
ultrapassariam grandemente
os benefícios. Não se trata deste caso aqui. Se o BCE tolerasse
uma inflação de 10%, não haveria dúvida de que a
Alemanha desenvencilhar-se-ia melhor se escapasse. Um novo Bundesbank poderia
proporcionar melhor estabilidade de preços. Tal decisão seria a
um grande custo. A nova divisa da Alemanha, o novo D-Marco, apreciar-se-ia
contra as outras divisas e o excedente comercial da Alemanha fundir-se-ia
instantaneamente. Tal decisão poderia facilmente disparar uma
recessão violenta. Assim, não é claro porque um governo
racional alemão desejaria tomar uma tal decisão, especialmente
desde que a UE e a área euro são partes essenciais de
estratégias políticas com êxito de governos alemães.
Contudo, há uma possibilidade de que tal situação possa
ocorrer, talvez em conexão com o cenário seguinte.
Cenário 8: Inquietação popular
A UE não tem uma boa reputação entre alguns dos seus
cidadãos. Podemos listar muitas acusações, tais como
distanciamento, falta de transparência ou burocracia de Bruxelas. Estados
membros muitas vezes têm "culpado a Europa" quando alguma coisa
sai errada e este jogo de culpa tem tido um efeito sobre a opinião
pública. A Europa não vende capas de revistas, não
é o lugar a que os políticos nacionais mais talentosos se
dirigem. Não há dúvida de que o cargo de primeiro-ministro
é mais atraente do que o de presidente da Comissão Europeia.
Uma vez que a UE está em grande medida preocupada com matérias
regulamentares e tem pouca oportunidade, quem dirá fundos, para elevar a
sua própria popularidade, é concebível que o
público venha a tornar-se muito hostil à UE e suas
instituições. O mercado único estaria em algum perigo,
especialmente se divisas periféricas se desvalorizassem. Podemos
considerar como absurda a declaração de Sarkozy acerca de
fabricantes franceses de carros produzirem na Europa do Leste, mas ele
reflecte um sentimento muito popular. As pessoas preocupam-se com os seus
empregos mais do que se preocupam com o mercado interno. Muitos
políticos perceberam que sovar a Europa pode promover a sua
classificação nos inquéritos (embora até agora isto
seja verdadeiro só até certo ponto).
Assim, se se verificasse uma situação em que a
inflação se elevasse, como no cenário anterior, ou uma
economia nacional experimentasse um detestável choque
assimétrico, por exemplo o hipotético encerramento da
indústria francesa de carros e a sua relocalização na
Europa do Leste, não é difícil imaginar uma
reacção adversa que poderia desestabilizar a área euro. Se
o programa do mercado único revertesse, o caso económico para uma
divisa única seria muito reduzido (não estamos a dizer que livre
comércio exige uma divisa única ou taxas de câmbio fixas.
Mas um mercado interno, o qual é um projecto muito mais ambicioso, pode
bem ser liquidado o longo prazo).
Isto é uma situação em que romper com a área euro,
ou deixar da UE, poderia tornar-se uma opção política para
governos. Não temos dúvida de que um país que seguisse um
caminho tão populista lamentaria tal decisão, mas não
podemos excluir tal cenário no médio prazo.
Notas
1. Note-se que isto também se aplicaria ao Reino Unido e à
Dinamarca depois de terem aderido à área euro. Ao aderirem, a
cláusula de saída tornar-se-á imaterial. Não
é um bilhete gratuito para a entrada e saída perpétua.
2. Note-se que isto também se aplicaria ao Reino Unido e à
Dinamarca depois de terem aderido à área euro. Ao aderirem, a
cláusula de saída tornar-se-á imaterial. Não
é um bilhete gratuito para a entrada e saída perpétua.
3. Incumprimento é definido como uma falha em efectuar a tempo
pagamentos de dívida exigido ou incapacidade para renovar
(roll over).
4. Barry Eichengreen utilizou o exemplo do recente acordo orçamental da
Califórnia para argumentar que um país dentro de uma união
de divisas apenas pode consolidar com ajuda externa [Emerald Isle to Golden
State, Eurointelligence.com, 25. February 2009].
5. Como argumentámos na secção anterior, não
há fundamento para o país ser involuntariamente expulso da
área euro. O único meio de fazer isso é excluí-lo
juntamente da UE. Portanto focamos o cenário da saída
voluntária assumindo que o país ainda pretenda permanecer no
Mercado Único.
6. Martin Feldstein, Reflexões sobre a visão da América do
euro ex ante, apresentada nas reuniões da AEA, January, 2009, VoxEu.org,
26 January 2009.
7. Barry Eichengreen, Eurozone Breakup would trigger the mother of all
financial crisis, EMU Monitor, eurointelligence.com, 18 Nov 2007.
8. Depende muito de se activos e passivos são ambos redenominados na
nova divisa ou não [A Roadmap for EMU breakup, Lombard Street Research,
Monthly Review February 2009].
9. CEE tomou emprestado USD1,3 milhão de milhões de bancos
europeus ocidentais. Os direitos da Áustria sobre a CEE subiram a 55% do
seu PIB, ao passo que a Bélgica e a Suécia têm direitos
equivalente a 23% e 21% do seu PIB [Euro area: Exposure to the crisis in
Central and Eastern Europe, Danske Bank Research, 24. February 2009].
10. Daniel Gros, Collapse in Eastern Europe? The rational for a European
Financial Stability Fund, 25. February 2009, VoxEu.org.
11. Por exemplo Martin Feldstein Reflections on America's view of the euro ex
ante, Presented at the AEA meetings, January, 2009, VoxEu.org, 26 January 2009.
12. A escolha do ano base é importante aqui. Erik Jones mostrou que se
fosse baseada em 1990 ao invés de 2000, a Itália ainda é
mais competitiva hoje do que em 1990 e a Alemanha apenas recuperou a sua
competitividade perdida desde a reunificação [A couple of euro
myths debunked, eurointelligence.com, 27. February 2009].
13. The European Commission, Quarterly Report on the Euro Area, Volume 8, No. 1
(2009): Special Report: Competitiveness developments within the euro area.
14. Axel Leijonhufvud: No ordinary recession, 13 February 2009, VoxEu.org.
[*]
Juristas.
O original encontra-se em
http://www.eurointelligence.com/article.581+M57ab41e086c.0.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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