Após a Grécia, a Irlanda, ...
A crise gaguejante do euro
O jogo do massacre começou: a crise financeira irlandesa reproduz o
esquema do da Grécia e abre o caminho para os seguintes, Portugal e
outros. Para pagar as suas guerras no Afeganistão e no Iraque, os
Estados Unidos optaram por monetarizar a sua dívida pública, ou
seja, repassar as suas facturas ao resto do mundo. Este afluxo de liquidez
permite às elites capitalistas devorarem presas cada vez mais gordas.
Depois de ter pilhado o terceiro mundo, elas podem finalmente atacar o euro.
Mas, ao invés de impedi-las, o Banco Central Europeu favorece-as em
detrimento das populações europeias doravante restritas
às políticas de austeridade.
Uma frase atribuída a Marx ensina-nos que quando a história
não se repete tem tendência a gaguejar. Este diagnóstico
ilustra perfeitamente o novo ataque contra o euro. Por ocasião da crise
irlandesa, os mercados financeiros puseram em cena um cenário semelhante
àquele da ofensiva contra a Grécia
[1]
. Trata-se do deslocamento de uma mesma causa externa: a política
monetária expansionista do FED (Federal Reserve). De maneira
análoga, a ofensiva dos mercados vai igualmente ser apoiada pela
Alemanha Federal
Tal como durante os meses de Abril e Maio de 2010, o anúncio de uma
futura injecção maciça de liquidez pela Reserva Federal
estado-unidense não teve como efeito fazer baixar o valor do
dólar, mas relançar o assalto especulativo contra a zona euro. A
Alemanha esteve igualmente, em parte, na origem da subida das taxas de juros
das obrigações irlandesas, assim como das portuguesas e
espanholas. As recentes declarações, no entanto puramente
formais, de Angela Merkel sobre a necessidade de fazer os credores privados
participarem, em caso de reestruturação da dívida de
certos países da zona euro, reforçou o a desconfiança dos
mercados em relação aos países mais fracos.
O objectivo do FED: uma criação ininterrupta de bolhas financeiras
O dito espirituoso de John Connally, secretário do Tesouro de Nixon em
1971, "O dólar é nossa moeda, mas é vosso
problema", é de grande actualidade. Até o presente, a
monetização da dívida americana coloca menos problemas aos
Estados Unidos do que aos seus satélites. O arbusto da
dilapidação financeira da Grécia já fora suficiente
para dissimular a floresta dos défices estado-unidenses. Da mesma forma,
este fim de ano viu a dívida irlandesa eclipsar o anúncio de um
novo programa de compra maciça de títulos do Tesouro pela Reserva
Federal americana. Esta manobra de "quantitative easing" consiste em
por em andamento a máquina de imprimir tendo em vista fazer baixar as
taxas de juros sobre as obrigações do Estado. Ela deveria
permitir, à razão de 75 mil mihões por mês, uma
injecção de 600 mil milhões de dólares na economia
do outro lado do Atlântico.
O FED já havia introduzido uma soma de 1700 mil milhões de
dólares no circuito económico estado-unidense. Este novo programa
de injecção de liquidez mostra-nos que esta política
monetária fracassou amplamente, uma vez que se verifica
necessária uma nova fase de compra. Sobretudo, indica-nos que a
"quantitative easing" não é mais uma política
excepcional. Ela é para perdurar e torna-se assim um procedimento normal
[2]
.
Ao contrário das declarações do Tesouro, a
criação monetária lançada pelos EUA não tem
como objectivo permitir aos bancos conceder créditos aos particulares e
às empresas. Dada a conjuntura económica, esta procura
actualmente é fraca e as instituições financeiras
dispõem de reservas importantes.
Já existe abundância de liquidez e acrescentar mais não vai
resolver o problema actual que tem a ver com a desconfiança dos bancos
em relação à solvabilidade dos eventuais tomadores de
empréstimos, ou seja, sobre a rentabilidade dos seus investimentos.
Assim, para que é que pode servir esta injecção permanente
de liquidez num mercado já saturado? Para responder a esta pergunta,
basta observar os efeitos desta política: formação de
bolhas especulativas e ascensão do valor dos activos, afluxo de capitais
nos países em forte crescimento, tais como a China ou a Índia, e
ataques especulativos, nomeadamente contra a zona euro.
A política estado-unidense de monetização da sua
dívida pública actualmente é pouco inflacionista pois uma
grande parte dos capitais deixa os Estados Unidos a fim de se colocar nos
mercados emergentes e, assim, não alimenta a procura interna nos EUA.
Ela não provoca uma forte baixa do dólar, uma vez que as compras
adicionais de activos: ouro, matérias-primas e petróleo, que
provoca, fazem-se na divisa estado-unidense, o que sustenta o seu curso. As
compras dos especuladores americanos fazem-se na sua moeda nacional, ao passo
que os "investidores" estrangeiros, incitados a seguir o movimento de
alta induzido por esta política, trocam as suas moedas nacionais contra
dólares a fim de comprar estes "activos".
A intenção do BCE: a transferência de rendimentos dos
assalariados para os bancos
No que se refere à União Europeia, o BCE anunciou o
prosseguimento da sua política de compras de obrigações
soberanas. Ele decidiu igualmente prolongar seu dispositivo de refinanciamento
dos bancos, ilimitado e a uma taxa fixa, por um novo período de quatro
meses pelo menos. Também aqui, regista-se uma mudança de atitude:
esta política não é mais apresentada como excepcional, mas
sim como permanente
[3]
. O que se modifica na política do BCE é o seu compromisso ao
longo do tempo. "Em tempos normais, o BCE compra títulos a curto
prazo: três semanas, um mês, mais raramente três meses, mas
desde a crise o BCE pôs-se a comprar títulos a prazo de um ano, o
que nunca fora visto"
[4]
. Esta mudança inverte o papel do Banco Central, de prestamista de
último recurso ele passa a prestamista de primeira linha. O Banco
Central funciona então como uma instituição de
crédito.
Até o presente, o BCE adquiriu títulos de dívida
pública num montante de 67 mil milhões de euros
[5]
, essencialmente títulos de Estados em dificuldade, tais como a
Grécia e a Irlanda. Estamos portanto bem longe dos 600 mil
milhões de dólares de compra efectuado pelo FED. A
política do Banco Central Europeu difere não só
quantitativamente como também qualitativamente, uma vez que optou por
esterilizar sua injecção de liquidez, diminuindo na mesma medida
os empréstimos que efectua aos bancos privados.
O objectivo do Banco Central Europeu é tentar retardar ao máximo
uma reestruturação da dívida grega, irlandesa,
portuguesa...; estando os grandes bancos europeus fortemente empenhados no seu
financiamento. Trata-se antes de tudo de salvar as instituições
financeiras e tentar fazer com que a factura seja paga pelos assalariados e os
poupadores.
Para assim fazer, a União Europeia e os Estados membros transferiram aos
mercados financeiros a chave do financiamento dos défices. Os Estados
devem tomar emprestado junto a instituições financeiras privadas
que obtêm, elas, liquidez a baixo preço do Banco Central Europeu.
Enquanto os défices dos Estados membros da UE, em média de 7%,
são claramente em recuo em relação aos 11% do Estado
federal estado-unidense
[6]
, a União Europeia, ao contrário dos
EUA, comprometeu-se a seguir a via de uma redução brutal das
despesas públicas. A Comissão quer impor aos países uma
longa cura de austeridade para retornar a uma dívida pública
inferior a 60% do PIB e lançou procedimentos de défice excessivo
contra os Estados membros. Em meados de 2010, praticamente todos os Estados da
zona a ela estavam submetidos. Ela pediu-lhes para se comprometerem a retornar
à fasquia de 3% antes de 2014 e qualquer que seja a
evolução da situação económica. Os meios
previstos para a realização destes objectivos não
consistem numa tributação dos grandes rendimentos ou das
transacções financeiras, mas antes numa diminuição
do salário directo e indirecto, a saber: compromisso com
políticas salariais restritivas e colocação em causa dos
sistemas públicos de aposentadoria e de saúde.
Complementaridade das políticas do FED e do BCE
A política monetária fortemente expansiva dos EUA consiste em
comprar obrigações soberanas a médio e longo prazo, de 2 a
10 anos, no mercado secundário, a fim de que as novas emissões
que o FED deve fazer encontrem tomados a uma taxa de juro fraca, ou seja,
suportável pelas finanças públicas estado-unidenses.
Esta política não apenas adequada aos interesses do capital
americano, mas está em fase com os do capitalismo multinacional. Ela
é a ferramenta principal de uma prática de taxas de juro muito
baixa, abaixo do nível real de inflação. Trata-se de
permitir, não só aos Estados Unidos, mas também à
Europa e ao Japão, poder enfrentar a sua montanha de dívidas
praticando taxas piso. Todo aumento do rendimento obrigacionista conduziria
estes Estados à falência. Além disso, a médio prazo,
esta prática laxista terá um efeito inflacionista que desvaloriza
estas dívidas públicas e reduzirá, em termos reais, os
encargos das mesmas.
Dado o lugar particular do dólar na economia mundial, a Reserva Federal
americana é o único banco central que pode permitir-se uma tal
política, praticada numa escala tão elevada. Toda outra moeda
nacional seria atacada pelos mercados e fortemente desvalorizada. O FED
é o único banco central que pode fazer funcionar a máquina
de impressão e fazer com que esta moeda adicional seja aceite pelos
agentes económicos estrangeiros.
A monetização da dívida dos EUA, dando
munições aos mercados financeiros, permite lançar, de
forma barata, operações de especulação contra a
zona euro. Ela está em fase com os objectivos da UE, pois permite
mobilizar os mercados e fazer pressão sobre as populações
europeias, a fim de lhes fazer aceitar uma diminuição
drástica do seu nível de vida. As políticas
orçamentais encetadas pelos Estados membros terão como efeito
impedir toda retomada económica, fragilizando mais as finanças
públicas e exigindo novas transferências de rendimentos dos
assalariados para os bancos e as empresas. A crise do Euro não acabou de
gaguejar. Não é a vontade anunciada pela agência americana
Moody's
[7]
de degradar novamente a classificação das
obrigações do Estado espanhol, devido às suas
"necessidades elevadas de refinanciamento em 2011", que irá
contradizer este diagnóstico.
29/Dezembro/2010
[1]
"L'UE et les'' hedge funds': régulation ou abandon du territoire européen?"
, par Jean-Claude Paye, Réseau Voltaire, le 12 novembre 2010.
[2]
"La FED va injecter 600 milliards de dollars dans l'économie américaine"
, par Audrey Fournier,
Le Monde,
4 novembre 2010.
[3]
"La Banque centrale européenne prolonge ses mesures exceptionnelles de soutien"
, par Mathilde Farine,
Le Temps,
3 décembre 2010.
[4]
"La BCE poursuit son programme de rachat d'obligations publiques"
, par Audrey Fournier,
Le Monde,
2 décembre 2010.
[5]
"Les Etats-Unis à l'origine des tensions au sein de la zone euro"
, par Sébastien Dubas,
Le Temps,
3 décembre 2010,
[6]
Manifeste des économistes atterrés. Crise et dette en Europe: 10 fausses évidences, 22 mesures en débat pour sortir de l'impasse
, 14 septembre 2010,
http://resistir.info/crise/economistas_aterrorizados.html
[7]
"Moody's envisage une nouvelle dégradation de la note de l'Espagne"
,
Le Monde
avec AFP, 15 décembre 2010,
[*]
Sociólogo. Últimas obras publicadas:
La Fin de l'État de droit,
La Dispute 2004;
Global War on Liberty
, Telos Press 2007.
O original encontra-se em
http://www.voltairenet.org/article167903.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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