Os fazedores da guerra
Entre os ataques dos EUA à Síria, em Abril, e os recentes
desenvolvimentos na Península Coreana, estamos de certa forma numa pausa
na procura do Império pelo começo de uma nova guerra. Os sempre
prestativos israelenses, na pessoa do inefável Bibi Netanyahu,
estão agora a rufar os tambores para, bem, se não uma guerra,
então pelo menos alguma espécie de falsa bandeira ou pretexto
para fazer com que os EUA ataquem o Irão. E há ainda o Donbass
sempre a sangrar (o qual não tratarei na análise de hoje). Assim,
vamos ver onde estamos e tentar fazer a melhor estimativa para onde podemos
estar a caminhar. Para ser honesto, tentar adivinhar o que ignorantes
belicistas psicopatas podem fazer a seguir é por definição
um exercício fútil, mas como há alguns sinais não
desprezíveis de que ainda há pelo menos algumas pessoas racionais
na Casa Branca e/ou Pentágono (como mostrado sobretudo pelos
"ataques faz-de-conta" à Síria no mês passado),
podemos assumir (ter esperança) de que algum grau de sanidade residual
ainda esteja presente. No mínimo, os americanos em uniforme têm de
se perguntar uma questão muito básica e ainda assim fundamental:
Pretendo eu morrer por Israel? Pretendo eu perder o meu emprego por Israel? Que
tal a minha pensão? Talvez [sobrem] apenas as minhas
opções em acções? Valerá a pena arriscar uma
grande guerra regional em favor de um estado tão
"admirável"?
Muito depende de se os líderes militares dos EUA (e o povo!)
terão a coragem para se colocarem estas perguntas e, caso o
façam, quais serão as suas respostas. Mas primeiramente vamos
começar com as boas notícias:
A RDPC e a RC estão em conversações directas uma com a
outra.
Isto é realmente um desenvolvimento verdadeiramente grandioso devido a
pelo menos duas razões. A primeira, naturalmente, a principal e
objectiva: qualquer coisa que reduza os riscos de guerra na Península
Coreana é boa. Mas há uma segunda razão que não
deveríamos desprezar: Trump agora pode tomar todo o crédito por
isto e afirmar que foram as suas ameaças (vazias) que levaram os
norte-coreanos à mesa de negociações. Eu digo
deixe-o dizer. De facto, espero que organizem uma parada para Trump em algum
lugar dos EUA, com confetti e milhões de bandeiras. Como para um
astronauta. Deixem-no sentir-se triunfante, justificado e muito, muito macho.
JACTÂNCIA, sabe?!
Sim, pensar nisso será doentio (sem dizer que contra-factual), mas se um
bocadinho de náusea intelectual for o preço a pagar pela paz,
digo: vamos em frente. Se Trump, Bolton, Haley e os restantes deles puderem
sentir que são "muito bons" e que os seus "militares
invencíveis" é que levaram o "Rocket Man" a
"abandonar as suas ogivas nucleares" (ele nunca disse algo como tal,
mas não importa) então sinceramente desejo-lhes uma
celebração alegre e altamente prazeirosa para os seus egos.
Qualquer coisa serve para impedi-los de tentar começar outra guerra,
pelo menos por agora.
Agora as más notícias.
Os israelenses estão de volta
Admirável, não é? Os israelenses estiveram a lamuriar-se
durante anos acerca de "iminentes" ogivas iranianas e ainda continuam
com isso. Não só com isso, mas eles têm o descaramento de
dizer "o Irão mentiu". Seriamente, mesmo pelos padrões
israelenses, já por si únicos, isso é
chutzpah
[audácia] elevada a um nível realmente estratosférico. Se
se tratasse apenas de Bibi Netanyahu, então isto seria cómico.
Mas o problema é que Israel agora subjugou completamente todos os ramos
do governo dos EUA com os seus agentes (os Neocons) e que agora eles dirigem
tudo: desde os dois ramos do Partido Único no Congresso até os
media e, agora que Trump capitulou abjectamente a todos os seus pedidos, eles
também dirigem a Casa Branca. Aparentemente também dirigem a CIA,
mas no Pentágono ainda pode haver alguma resistência à sua
loucura. Os EUA são agora quase literalmente dirigidos por um Governo de
Ocupação Sionista, não tenha dúvida acerca disso.
Então o que estes sujeitos estão realmente a tramar? Ouçam
um homem que os conhece bem e cujas palavras valem ouro, o
secretário-geral do Hezbollah, Nasrallah (é de se perguntar: por
que o Hezbollah, que desde a década de 1980 nunca cometeu qualquer acto
mesmo remotamente assemelhado a um ataque terrorista continua a ser chamado
"
Uma equipe de terroristas
"?):
O primeiro evento é a flagrante e manifesta agressão contra a
base T-4 ou aeroporto nos arredores de Homs, que alvejou forças
iranianas dos Guardiões da Revolução Islâmica do
Irão ali presentes, atingindo-os com um grande número de
mísseis, provocando sete mártires entre seus oficiais e soldados
e ferindo outros. Isto foi um evento novo, significativo e importante. Talvez
algumas pessoas não dêem atenção à sua
importância e magnitude. Nesta operação, Israel matou
deliberadamente (soldados iranianos). Isto é um evento sem precedentes.
No passado, Israel atingiu-nos [o Hezbollah] como em Quneitra e aconteceu que
por coincidência oficiais dos Guardiões [da
Revolução Islâmica] estavam connosco. Israel declarou
apressadamente que não sabia disso pois pensava que todos [os soldados
alvejados] eram do Hezbollah. Isto é um evento sem precedentes desde
há sete anos, alvejar abertamente na Síria os Guardiões da
Revolução Islâmica, matando deliberadamente numa
operação que provocou mártires e feridos (...) Quero dizer
aos israelenses que devem saber escrevo esta declaração
com precisão e leio-a para eles que cometeram um erro
histórico. Não é um simples erro crasso. Eles cometeram um
acto de grande estupidez e com esta agressão entraram numa
confrontação directa com o Irão, a República
Islâmica do Irão. E o Irão, oh sionistas, não
é um pequeno país, não é um país fraco,
não é um país covarde. E sabem disto muito bem. Quando
comento acerca deste incidente, enfatizo que ele constitui um ponto de viragem
na situação da região. A que se segue será muito
diferente da que a antecedeu. Trata-se de um incidente que não pode ser
considerado ligeiramente, ao contrário do que acontece com muitos
incidentes aqui. É um ponto de viragem, um ponto de viragem
histórico. E quando os israelenses cometeram este acto estúpido,
eles tinham alguma avaliação (da situação), mas
digo-lhes que a sua avaliação era falsa. E mesmo no futuro, uma
vez que abriram um novo caminho na confrontação, (deveriam
assegurar) não errarem nas suas avaliações. Neste novo
caminho que abriram e iniciaram, não errem na sua
avaliação quando estiverem face a face e directamente (em
conflito) com a República Islâmica do Irão.
Só posso concordar com esta avaliação. Tal como o faz
The Jerusalem Post
, NBC News e muitos outros media. Por mais louca que esta noção
possa soar para pessoas racionais (ver abaixo), há todos os sinais de
que os israelenses agora estão a pedir que os EUA comecem uma guerra
contra o Irão, seja por opção ou mais provavelmente para
"apoiar nossos aliados israelenses e amigos" depois de eles atacarem
o Irão primeiro.
Israel é um país único e admirável: não
só ignora descaradamente e completamente o direito internacional,
não só é o último país abertamente racista
no planeta, não só tem estado a perpetuar um genocídio em
câmara lenta contra os palestinos ao longo de décadas, como
também utiliza constantemente consideráveis recursos de
propaganda para advogar em favor da guerra. E a fim de alcançar estes
objectivos não hesita em aliar-se com um regime quase tão
desprezível e maligno quanto o sionista estou a falar acerca dos
lunáticos wahabitas no Reino da Arábia Saudita. E tudo isso sob o
alto patrocínio dos Estados Unidos. Um "Eixo da bondade"
realmente! O que é o seu plano? Na verdade, ele é razoavelmente
claro.
O plano "A" israelense (fracassado)
Inicialmente o plano era derrubar todos os regimes laicos (baathistas) no poder
e substituí-los por lunáticos religiosos. Isso não
só enfraqueceria os países infectados por esse apodrecimento
espiritual como os transladaria muitas décadas para trás, alguns
deles romper-se-iam em entidades mais pequenas, árabes e
muçulmanos matar-se-iam em grandes números enquanto os
israelenses orgulhosamente afirmariam serem um "país
ocidental" e a "única democracia no Médio
Oriente". Ainda melhor, quando os tipos do Daesh/ISIS/al-Qaeda etc cometem
atrocidades numa escala industrial (e sempre sob câmaras, filmados
profissionalmente), pois o genocídio em câmara lenta dos palestino
seria realmente esquecido. Se houvesse alguma coisa, os israelenses
declarar-se-iam ameaçados pelo "extremismo islâmico" e,
bem, estenderiam um par de "zonas de segurança" para
além das suas fronteiras (legais ou não), além de
bombardeamentos regulares "porque os árabes só entendem a
força" (o que daria aos israelenses uma ovação
calorosa dos broncos sionistas "cristãos" nos EUA que amam a
matança de quaisquer árabes e outros "negros das
areias"). No fim de tudo isto, o sonho dourado sionista: desencadear as
forças do Daesh contra o Hezbollah (a qual eles temem e odeiam desde a
humilhante derrota de 2006 sofrida pelas forças armadas de Israel).
Concordo prontamente em que isto é um plano estúpido. Mas ao
contrário do mito induzido pela propaganda, os israelenses não
são realmente muito brilhantes. Agressivos, arrogantes, maldosos,
impulsivos sim. Mas inteligentes? Não realmente. Como puderam
não perceber que o derrube de Saddam Hussein resultaria em que o
Irão se tornasse o actor principal no Iraque? Isto é um exemplo
de como os israelenses sempre vão para
"soluções" rápidas de curto prazo, provavelmente
cegos pela sua arrogância e sentimento de superioridade racial. Ou quanto
à sua invasão do Líbano em 2006? Quem no mundo pensaria
que acabaria assim? E agora aqueles sujeitos estão a enfrentar
não o Hezbollah, mas o Irão. Hassan Nasrallah está
absolutamente correcto, essa é uma decisão verdadeiramente
estúpida. Mas, naturalmente, agora os israelenses têm um plano
"B".
O plano "B" israelense
Passo um, utilizar a sua máquina de propaganda e infiltrar agentes para
relançar o mito acerca de um programa nuclear militar iraniano. E
não importa que o chamado "
The Joint Comprehensive Plan of Action
" (JCPOA) tenha sido acordado por todos os cinco membros permanentes do
Conselho
de Segurança da ONU, pela Alemanha (P5+1) e mesmo pela União
Europeia! E não importa que este plano coloque restrições
ao Irão as quais nenhum outro país alguma vez teve de enfrentar,
especialmente considerando que desde 1970 o Irão tem sido um membro em
boa situação quanto ao Tratado de Não
Proliferação Nuclear (NPT) ao passo que Israel, naturalmente,
não. Mas os sionistas e os seus fãs Neocon são, é
claro, pessoas quase excepcionais, de modo que não são
constrangidos nem pelos factos nem pela lógica. Se Trump diz que o JCPOA
é um acordo terrível, então isso é assim.
Atenção, estamos a viver na era "pós Skripal" e
"pós Douma" se alguns líderes anglo (ou judeus)
disserem ser isso "altamente provável" então a
obrigação de toda a gente é mostrar
"solidariedade" instantânea a fim de não ser acusado de
"anti-semitismo" ou "teorias conspirativas marginais"
(conhecem o exercício). De modo que o passo um é reacender
ex nihilo
o rumor do programa nuclear militar iraniano.
O passo dois é declarar que Israel está "ameaçado
existencialmente" e portanto tem o direito de "defender-se". Mas
há um problema aqui: as forças armadas de Israel simplesmente
não têm os meios militares para derrotar os iranianos. Elas podem
atacá-los, atingir um par de alvos, sim, mas quando os iranianos (e o
Hezbollah) desencadearem uma chuva de mísseis sobre Israel (e
provavelmente sobre a Arábia Saudita) os israelenses não
terão os meios para responder. Eles sabem isso, mas também sabem
que o contra-ataque iraniano lhes dará o pretexto perfeito para berrarem
"oy vey!! oy, gevalt!!"
[NR]
e deixarem os tolos americanos combaterem os iranianos.
Pode-se objectar que os EUA não têm um tratado de defesa
mútua com Israel. Mas quem disser isso está errado. Ele existe e
chama-se
AIPAC
. Além disso, no ano passado
os EUA estabeleceram uma base militar permanente em Israel
, tornando-a um "detonador": basta afirmar que "os
ayatollahs" tentaram atacar a base dos EUA com "armas
químicas" e, bingo, tem-se então um pretexto para utilizar
todas as suas forças militares em retaliação, incluindo, a
propósito, suas forças nucleares tácticas para
"desarmar" os "genocidas iranianos que querem varrer Israel do
mapa" ou alguma variação deste absurdo.
Pode-se perguntar, como faço, qual seria o sentido de tudo isso se o
Irão não tivesse qualquer programa nuclear militar?
Minha resposta seria simples: pensa realmente que os sírios estiveram a
utilizar armas químicas?
Naturalmente que não!
Todos estes absurdos acerca de ADMs de Saddam, do programa nuclear iraniano,
das armas químicas sírias ou, a propósito, os
"
soldados violadores armados de Viagra
" de Gaddafi, e antes disso o
"massacre Racak" no Kosovo ou as várias atrocidades no
"mercado de Markale" em Sarajevo: tudo isto foram pretextos para
agressões, nada mais.
No caso do Irão, o que os israelenses temem não é serem
"
varridos do mapa
" (o que é uma má
tradução de palavras originalmente ditas pelo ayatollah Khomenei)
por ogivas iranianas; o que realmente os assusta é terem uma grande
potência regional muçulmana como o Irão a denunciar
abertamente Israel como um estado ilegítimo e racista. Os iranianos
também estão a denunciar abertamente o imperialismo dos EUA e
mesmo a denunciar a ditadura wahabita da Casa de Saud. Esse o
"pecado" real do Irão: ousar desafiar abertamente o
Império Anglo-Sionista e ter êxito nisso!
Assim, o que os israelenses realmente querem fazer é:
-
Infligir o máximo dano económico ao Irão
-
Punir a população iraniana por ousar apoiar os líderes
"errados"
-
Derrubar a República
Islâmica (fazer o que eles fizeram na Sérvia)
-
Dar um exemplo para dissuadir qualquer outro país que ouse seguir as
pisadas do Irão
-
Provar a omnipotência do Império Anglo-Sionista.
Para atingir este objectivo não há necessidade de invadir o
Irão: uma campanha sustentada com mísseis de cruzeiro e
bombardeamento cumprirá a tarefa (mais uma vez, como na Sérvia).
Finalmente, temos de assumir que os sionistas são suficientemente maus,
arrogantes e loucos para utilizarem armas nucleares sobre algumas
instalações iranianas (as quais eles, naturalmente,
designarão como instalações secretas de
"investigação nuclear militar").
Os israelenses esperam que ao fazerem com que os EUA atinjam duramente o
Irão eles enfraquecerão o país para também
enfraquecer suficientemente o Hezbollah e os demais aliados do Irão na
região e romperem o chamado "crescente xiita".
De certo modo, os israelenses não estão errados quando dizem que
o Irão é uma ameaça existencial a Israel. Eles apenas
mentem acerca da natureza desta ameaça e da razão porque é
perigosa para eles.
Considere-se isto:
SE à República Islâmica for permitido desenvolver-se e
prosperar e SE a República Islâmica se recusar a ficar
aterrorizada pela indiscutível capacidade das forças armadas de
Israel para massacrar civis e destruir infraestrutura pública,
então a República Islâmica tornar-se-á uma
alternativa atraente à espécie de Islão repugnante
encarnado pela Casa de Saud a qual, por sua vez, é a patrocinadora
primária de todos os regimes colaboracionistas no Médio Oriente,
desde os tipos Hariri no Líbano até a própria Autoridade
Palestina. Os israelenses gostam de árabes gordos e corruptos até
os ossos, não íntegros e corajosos. Eis porque o Irão
deve, absolutamente, ser atingido: porque o Irão pela sua própria
existência ameaça o eixo de que depende a sobrevivência da
entidade sionista: a corrupção total dos líderes do mundo
árabe e muçulmano.
Riscos com o plano "B" de Israel
Pense em 2006. Os israelenses tinham supremacia aérea total sobre o
Líbano os céus eram simplesmente incontestados. Os
israelenses também controlavam os mares (pelo menos até o
Hezbollah quase afunda a sua corveta classe Sa'ar 5
). Os israelenses bombardearam o Líbano com tudo o que tinham, desde
bombas até ataques de artilharia e mísseis. Eles também
utilizaram suas melhores forças, incluindo a sua putativamente
"invencível" "Brigada Golani". E isso durante 33
dias. E eles alcançaram exactamente "nada". Não puderam
nem mesmo controlar a cidade de
Bint Jbeil
do outro lado da fronteira israelense. E agora vem a parte melhor: o Hezbollah
manteve as suas forças mais capazes ao norte do rio Litany de modo que a
pequena força do Hezbollah (não mais de 1000 homens) era composta
por milícias locais apoiadas por um número muito mais pequeno de
quadros profissionais. Isso dá uma vantagem para os israelenses de 30:1
em mão-de-obra. Mas o "invencível Tsahal" obteve um
chute no rabo colectivo como poucos outros chutes na história. Eis
porque, no mundo árabe, é desde então conhecida como a
"Vitória Divina".
Quanto ao Hezbollah, ele continuou a despejar foguetes sobre Israel e a
destruir tanques Merkava indestrutíveis até o último dia.
Há vários relatórios que discutem as razões do
fracasso abjecto das forças armadas israelenses (ver
aqui
ou
aqui
), mas a simples realidade é esta: para vencer uma guerra são
precisas botas capazes sobre o terreno, especialmente contra um
adversário que aprendeu a operar sem cobertura aérea ou poder de
fogo superior. Se Israel manipulasse os EUA para atacar o Irão,
aconteceria exactamente a mesma coisa: o CENTCOM estabelecerá
superioridade aérea e terá uma vantagem esmagadora em poder de
fogo em relação aos iranianos, mas além de destruir um
bocado de infraestrutura e assassinar montes de civis, isto não
alcançará absolutamente nada. Além disso, o ayatollah Ali
Khamenei não é Milosevic, ele não se renderá
simplesmente com a esperança de que o Tio Sam lhe permita permanecer no
poder. Os iranianos combaterão, e combaterão, e
continuarão a combater durante semanas e meses e possivelmente anos. E,
ao contrário das forças do "Eixo da bondade", os
iranianos têm "botas sobre o terreno" críveis e capazes,
não apenas no Irão mas também na Síria, no Iraque e
no Afeganistão. E eles têm os mísseis para atingir um
número muito grande de instalações militares
estado-unidenses por toda a região. E também podem não
só encerrar o Estreito de Ormuz (o qual a US Navy eventualmente seria
capaz de reabrir, mas só ao custo de uma enorme operação
militar sobre a costa iraniana), como também atacar a Arábia
Saudita e, naturalmente, Israel. De facto, os iranianos têm tanto a
mão-de-obra como o know-how para declarar uma
"estação de caça" a todas e quaisquer
forças dos EUA no Médio Oriente, e há um bocado delas, a
maior parte muito fracamente defendidas (aquele senso imperial de impunidade:
"eles não ousariam").
A guerra Irão-Iraque perdurou por oito anos (1980-1988). Ela custou aos
iranianos centenas de milhares de vida (se não mais). Os iraquianos
tinham o apoio pleno dos EUA, da União Soviética, da
França e de praticamente todo o mundo. Quanto aos militares iranianos,
eles haviam acabado de sofrer uma revolução traumática. A
história oficial (ou seja, a Wikipedia) classifica o resultado como um
"impasse". Considerando as probabilidades e as circunstâncias,
chamo a isto uma magnífica vitória iraniana e uma derrota total
para aqueles que quiseram derrubar a República Islâmica (algo que,
a propósito, décadas de duras sanções também
não conseguiu alcançar).
Haverá alguma razão para acreditar que neste momento, quando o
Irão teve quase 40 anos para se preparar para um ataque anglo-sionista
em plena escala, os iranianos combaterão menos ferozmente ou com menos
competência? Também poderíamos examinar o registo real das
forças armadas dos EUA (ver
aqui
o excelente sumário de Paul Craig Roberts) e perguntar: pensa realmente
que os EUA, liderados pelos émulos de Trump, Bolton ou Nikki Haley
terão a perseverança para combater os iranianos até
à exaustão (uma vez que invasão terrestre do Irão
está fora de causa)? Ou isto: o que acontecerá à economia
mundial se todo o Médio Oriente explodir numa grande guerra regional?
Agora vem a parte assustadora: tanto os israelenses como os Neocons sempre,
sempre, dobram a aposta. A noção de cortar suas perdas e parar o
que é uma política evidentemente errada está simplesmente
para além deles. A sua arrogância simplesmente não pode
sobreviver mesmo à aparência de terem cometido um erro (lembram
quando tanto Dubya como Olmert declararam que haviam vencido contra o Hezbollah
em 2006?). Tão logo Trump e Netanyahu percebam que fizeram algo de facto
fantasticamente estúpido e tão logo esgotem suas
opções habituais (mísseis e ataques aéreos
primeiro, a seguir aterrorizar a população civil) eles
terão uma escolha rígida e simples: admitir a derrota ou utilizar
ogivas nucleares.
Qual das duas pensa que escolherão?
Exactamente.
Indo ao nuclear?
Aqui está o paradoxo: em termos puramente militares, utilizar ogivas
nucleares sobre o Irão não servirá qualquer
propósito pragmático. Armas nucleares podem ser utilizadas em uma
das duas seguintes maneiras: contra activos militares
("contra-força") ou contra civis ("contra-valor"). A
questão é que no momento em que os Neocons e seus patronos
israelenses chegarem ao ponto de considerar a utilização de
forças nucleares tácticas contra os iranianos, já
não haverá um bom alvo a atingir. As forças iranianas
estarão dispersas e principalmente em contacto com aliados (ou mesmo
forças dos EUA) e atacar com arma nuclear um batalhão iraniano ou
mesmo uma divisão não alterará fundamentalmente a
equação militar. Quanto a atacar com armas nucleares cidades
iranianas apenas por selvajaria, isto só servirá um
propósito: fazer realmente com que Israel seja varrido do mapa do
Médio Oriente. Eu não descartaria que os Neocons e seus
patrões israelenses tentassem utilizar uma arma nuclear táctica
para destruir algumas instalações nucleares civis iranianas ou
algum bunker subterrâneo com a esperança muito errada de que tal
demonstração de força e determinação
forçaria os iranianos a se submeterem ao Império anglo-sionista.
Na realidade, isto somente enraiveceria os iranianos e fortaleceria a sua
resolução.
Quanto aos actuais europeus "macronescos", eles, certamente, primeiro
mostrarão "solidariedade" na base do "altamente
provável", especialmente a Polónia, os ucranianos e os
estadozecos do Báltico, mas se armas nucleares começarem a
explodir no Médio Oriente, então a opinião pública
europeia também explodirá, especialmente em países
mediterrânicos, e isto pode simplesmente disparar ainda uma outra grande
crise. Israel não daria um chavo (ou, como sempre, atribuiria a culpa de
tudo a algum misterioso ressurgimento de anti-semitismo), mas a maior parte dos
EUA definitivamente não quer o domínio anglo sobre o continente
comprometido por tais eventos.
Pode haver um cenário coreano?
Haverá alguma probabilidade de que todo este bufar e arfar resulte em
alguma espécie de resolução pacífica como a que
parece estar a ser trabalhada na Coreia? Infelizmente, provavelmente não.
Alguns meses atrás parecia que os EUA poderiam fazer algo
irreparavelmente estúpido na Coreia (veja
aqui
e
aqui
), mas algo inesperado aconteceu: os sul-coreanos, percebendo a inanidade das
ameaças imprudentes de Trump, tomaram a situação em suas
próprias mãos e começaram a fazer aberturas para o Norte.
Além disso, todo o resto dos vizinhos regionais disseram de modo
enfático e claro à Trump & Co. que as consequências de um
ataque dos EUA à Coreia do Norte seriam apocalípticas para toda a
região. Infelizmente, há duas diferenças fundamentais
entre a Península Coreana e o Médio Oriente:
- Na Península Coreana,
o
aliado local dos EUA (a RC) não quer guerra. No Médio Oriente
é o aliado local dos EUA (Israel) que mais pressiona por uma guerra.
- Na Ásia do Extremo
Oriente todos os vizinhos regionais estavam e estão categoricamente
opostos à guerra. No Médio Oriente a maior parte dos vizinhos
regionais estão vendidos aos sauditas, os quais também querem que
os EUA ataquem o Irão.
Assim, apesar de os riscos e consequências de uma
conflagração serem semelhantes entre as duas regiões, as
dinâmicas geopolíticas locais são completamente diferentes.
E a Rússia em tudo isto?
A Rússia nunca "escolherá" ir à guerra com os
EUA. Mas a Rússia também entende que a segurança do
Irão é absolutamente crucial para a sua própria
segurança, especialmente ao longo das suas fronteiras do sul. Neste
exacto momento há um frágil equilíbrio entre o
(também muito poderoso) lobby sionista na Rússia e os elementos
nacionais/patrióticos. Na verdade, os recentes ataques israelenses na
Síria deram mais poder aos elementos anti-sionistas na Rússia,
daí toda a conversa acerca de (finalmente!) entregar os S-300s à
Síria. Bem, veremos se/quando isso acontece. Minha melhor conjectura
é que isto
já pode ter acontecido
e que é simplesmente mantido em silêncio para restringir tanto os
americanos como os israelenses, os quais não têm maneira de saber
que equipamentos os russos já entregaram, onde está localizado
ou, a propósito, quem (russos ou sírios) realmente os operam.
Esta espécie de ambiguidade é útil para aplacar as
forças pró sionistas na Rússia e complicar o planeamento
anglo-sionista. Mas talvez isto seja apenas o meu desejo e pode ser que os
russos ainda não tenham entregado os S-300 ou, se o fizeram, talvez este
seja dos (não muito úteis) antigos modelos S-300P (em
oposição aos S-300PMU-2, os quais apresentariam um enorme risco
para os israelenses).
O relacionamento entre a Rússia e Israel é muito complexo (ver
aqui
e
aqui
), mas se o Irão for atacado é plenamente expectável que
os russos, especialmente os militares, apoiem o Irão e proporcionem
assistência militar com pouco envolvimento com forças dos
EUA/Israel/NATO/CENTCOM. Se os russos forem directamente atacados na
Síria (e no contexto de uma guerra mais vasta, eles podem muito bem
sê-lo), então a Rússia contra-atacará pouco
importando que é o atacante, os EUA ou Israel ou qualquer outro: o lobby
sionista na Rússia não tem o poder para impor um "
evento como o do Liberty
" à opinião pública russa).
Conclusão: Malditos sejam os feitores da guerra, pois serão
chamados os filhos de Satã.
Os israelenses podem comer falafels, criar "
kyfiyeh israelenses
" e imaginarem-se como "orientais", mas a realidade é que
a criação do estado de Israel é uma maldição
que pesa sobre todo o Médio Oriente, ao qual só trouxe
incontável sofrimento, brutalidade, corrupção e guerras,
guerras e mais guerras. E eles ainda estão nisto a fazerem tudo o
que podem para disparar uma grande guerra regional na qual muitas dezenas ou
mesmo centenas de milhares de pessoas inocentes morrerão. O povo dos EUA
agora permitiu que um perigosa cabala de Neocons psicopatas tomasse o controle
completo do seu país e agora aqueles, a quem o
Papa Bush costumava chamar os "loucos no porão"
, têm o dedo sobre o botão nuclear. Assim, neste momento tudo se
reduz às perguntas com que abri este artigo:
Caros americanos querem vocês morrer por Israel? Querem perder
seus empregos por Israel? E quanto à sua pensão? Talvez apenas as
suas opções de acções? Porque sem dúvida o
Império dos EUA não sobreviverá a uma guerra em plena
escala contra o Irão. Por que?
Porque tudo o que o Irão precisa para "vencer" é
não perder, isto é, sobreviver.
Mesmo bombardeado e calcinado por ataques convencionais ou nucleares, se o
Irão sair desta guerra ainda como uma República Islâmica (e
isso não é algo que possa ser alterado por mísseis ou
bombas) então o Irão terá vencido. Em contraste, para o
Império, o fracasso em por o Irão de joelhos significará o
fim do seu estatuto como o poder hegemónico mundial, derrotado
não por uma super-potência nuclear mas sim por uma potência
regional convencional. Depois disso, será apenas uma questão de
tempo até que o inevitável efeito dominó desintegre todo o
Império (leia o excelente livro de Richard Green, "
Twilight's Last Gleaming
", para um relato muito plausível sobre como isso podia acontecer.
Certo, ao contrário da Rússia, o Irão não pode
lançar ogivas nucleares sobre os EUA ou, aliás, nem mesmo
atingi-lo com armas convencionais (não penso sequer que os iranianos
atacarão com êxito um porta-aviões dos EUA como dizem
alguns analistas pró iranianos). Mas as consequências
políticas e económicas de uma guerra em plena escala no
Médio Oriente serão sentidas por todo os Estados Unidos:
exactamente agora a única coisa que "sustenta"o US
dólar, por assim dizer, são porta-aviões da US Navy e sua
capacidade para explodir em migalhas qualquer país que ouse desobedecer
o Tio Sam. O facto de estes porta-aviões serem (e, na verdade, foram por
muito tempo) inúteis contra a URSS e a Rússia já é
mau, mas tornar-se conhecido
urbi et orbi
que eles também são inúteis contra uma potência
regional convencional como Irão, então é porque
está tudo acabado. O dólar se tornará dinheiro macaco num
espaço de tempo muito curto.
Guerras muitas vezes têm "consequências nietzcheanas":
países que as guerras não destroem muitas vezes saem mais fortes
do que antes de terem sido atacados, mesmo se o preço for horrendo.
Tanto os israelenses como os Neocons são dialecticamente analfabetos
para perceberem que com as suas acções estão apenas a
criar inimigos cada vez mais poderosos. A velha guarda anglo que dirigia os EUA
desde a sua fundação provavelmente era mais sábia,
possivelmente porque era melhor educada e mais consciente das
lições penosas aprendidas pelo Império Britânico (e
outros).
Francamente, desejo que os 1% que dominam hoje os EUA (bem, eles são
realmente muito menos de 1%, mas não importa) se preocupem com a sua
riqueza e dinheiro mais do que se preocupam em apaziguar os Neocons e que os
maus antigos imperialistas anglo que construíram este país tenham
bastante cobiça para dizerem aos Neocons e seus patronos israelenses
para perderem. Mas com os Neocons a controlarem ambas as alas do Partido
Único e os media, não estou muito esperançoso.
Ainda assim, há uma possibilidade de que, como na Coreia, alguém
em algum lugar dirá ou fará a coisa certa e que temerosos da
magnitude potencial do que estão prestes a desencadear, bastantes
pessoas entre os militares dos EUA seguirão o exemplo do almirante
William Fallon, comandante do CENTCOM, quando disse ao presidente "um
ataque ao Irão não acontecerá no meu turno". Acredito
que, pela sua coragem com princípios, as palavras de Cristo:
"Abençoados sejam os feitores da paz: pois eles serão
chamados os filhos de Deus" (Mateus 5:9) podem ser aplicada ao almirante
Fallon e espero que o seu exemplo inspire outros.
04/Maio/2018
[NR] Frase em yidish que exprime horror ou exasperação.
Ver também:
Joint Statement on the Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) by the Russian Federation and the People’s Republic of China
, 05/Mai/18
‘Who can trust the US, if bully Trump kills predecessor’s deals?’ Iran’s national security chief
, 06/Mai/18
Israel Has Issued an Ultimatum to Russia
, 04/Mai/18
Europe's Last Ditch Effort to Save Iran Deal
, 04/Mai/18
[*]
Analista militar, suíço de origem russa.
O original encontra-se em
http://thesaker.is/the-warmakers/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|