Capitalismo & crises econômicas
por Jacques Gouverneur
[*]
e Marcel Roelandts
[**]
I- Taxa de lucro, Taxa de mais-valia, Composição orgânica do
capital. Estados Unidos, 1951-2010
A
taxa de lucro
mede a rentabilidade do capital total investido. Ela indica como este
último se valoriza e exprime assim o grau de cumprimento da finalidade
capitalista. De todas as leis do capitalismo é essa a que Marx
considerava como a historicamente mais importante
[1]
. Suas flutuações nos apresentam duas dinâmicas:
1. Por um lado, as pulsações do
curto prazo
dos ciclos de acumulação, compostos sucessivamente de um
período de alta da taxa de lucro, seguido de uma baixa, e terminando por
uma recessão (1954, 1958, 1970, 1974-75, 1980-82, 1991, 2001, 2007-08).
São os ciclos econômicos tipicamente estudados por Marx
no capital
[2]
, ciclos que ele chamava de
"decenais"
[3]
.
2. Por outro lado, as evoluções
tendenciais
da taxa de lucro em
médio prazo
dão lugar a quatro grandes fases de uma quinzena de anos cada uma: para
o alto (1951-66), para baixo (1966-82), de novo para o alto (1982-97), e
aparentemente de novo para baixo (1997-...) ... tendência ainda a
confirmar nos anos vindouros desta última fase.
Entretanto, não é porque a taxa de lucro cai na saída de
cada ciclo de acumulação que se está forçosamente
na presença de uma
baixa tendencial da taxa de lucro,
da mesma forma que não é por que o aquecimento climático
e a estação de Verão correspondem a uma alta de
temperatura que esses dois fenômenos compartilham a mesma causalidade: o
primeiro está ligado a atividades humanas
[NR]
, e o segundo à
rotação da terra em torno do sol. O mesmo ocorre com a taxa de
lucro: nem as flutuações de
curto e médio
prazo, nem as razões dessas flutuações devem ser
confundidas. Assim, as quedas recorrentes da taxa de lucro na saída dos
ciclos de acumulação podem ter lugar dentro de uma
tendência de médio prazo para a alta ou a baixa desta. É em
médio prazo que a baixa tendencial age, como indicava Marx em
O Capital,
e não a cada ciclo curto
[4]
.
As flutuações da taxa de lucro resultam da evolução
respectiva da taxa de mais-valia como numerador e da composição
orgânica do capital como denominador :
A
taxa de mais-valia
reparte o produto social entre os lucros e os salários: "...o
poder de consumo da sociedade ... tem por base as condições de
repartição antagônicas que reduzem o consumo da grande
massa da sociedade a um mínimo variável dentro de limites mais ou
menos estreitos. Isso é de outra forma, restrito pelo desejo de
acumular, a tendência a aumentar o capital e a produzir a mais-valia em
uma escala cada vez mais estendida"
[5]
. A dinâmica de investimento e as crises dependem, portanto, grandemente
do equilíbrio entre a proporcionalidade desta repartição,
como explica Marx no livro II do Capital.
A
composição orgânica do capital
mede a intensidade em capital fixo quando os ganhos de produtividade já
não podem compensar os gastos realizados para obter os meios de
produção.
O gráfico nos mostra uma fortíssima proximidade entre a
evolução da taxa de lucro e a da taxa de mais-valia, e a
composição orgânica do capital vindo depois para adicionar
ou contrarrestar seus efeitos: tanto em 1966 quanto em 1997, a taxa de lucro
volta a cair primeiro como consequência da inversão da taxa de
mais-valia, e a composição orgânica do capital vem
acrescentar os seus efeitos somente depois.
Não se pode esquecer que tanto o numerador da taxa de lucro (a taxa de
mais-valia), quanto o seu denominador (a composição
orgânica do capital), são todos os dois fortemente influenciados
pela
evolução da
produtividade do trabalho.
As incidências desta última estão detalhadas nos
gráficos abaixo, que explicam as determinantes da
taxa de mais-valia
e da
composição orgânica do capital.
Os resultados desse gráfico sugerem igualmente que em 1997 se encerrou a
fase de restabelecimento da taxa de lucro iniciada desde 1982 e que os Estados
Unidos entraram de novo em um período tendencial de baixa no
médio prazo (tendência ainda a confirmar, entretanto).
Para seguir adiante, o capitalismo tem a necessidade de se apoiar sobre as suas
duas pernas: a produção e o consumo. Por vezes se
apresenta muito
frequentemente uma taxa de lucro reduzida como parte das dificuldades
encontradas na produção (a dificuldade em extrair suficiente
sobretrabalho para um capital dado). Na realidade a taxa de lucro é uma
variável sintética que exprime simultaneamente as dinâmicas
e as contradições relativas à produção e
à realização do valor: como a sua
evolução
depende tanto da eficácia do capital (no denominador) como da
repartição do produto total (a taxa de mais-valia, no numerador),
ela mede tanto a capacidade do capital para garantir a sua rentabilidade quanto
a adequação dos mercados à produção.
É, portanto, equivocado privilegiar somente um dos dois aspectos do
circuito de acumulação (produção ou venda), ou
fazê-los estritamente depender um do outro. Na realidade Marx desenvolve
uma visão integrada do circuito de acumulação em um
sistema de variáveis parcialmente independentes. Esta
concepção sintética da taxa de lucro constitui um dos
maiores aportes metodológicos de Marx. Nós estamos muito longe de
todos os esquemas simplificadores que abreviam a mecânica complexa do
Capital e de suas contradições e reduzem tudo a uma
explicação monocausal, onde as crises recorrentes tenderiam a
cada vez a uma só e mesma causa ao longo da história, que seriam:
A contradição entre o caráter social da
produção e a sua apropriação privada (Lênin) ;
O esgotamento progressivo dos mercados extra-capitalistas (Luxemburgo) ;
A escassez da mais-valia consecutiva à superacumulação
(Grossman-Mattick);
A concentração do capital (Hilferding) ;
As trocas desiguais (Samir Amin) ;
A forma valor e a passagem à dominação real do capital
(Perspectiva Internacionalista);
Etc.
Em conclusão, a taxa de lucro deve ser concebida como um indicador
integrado do restabelecimento das condições de
produção e realização do produto social total. Ela
expressa tanto as contradições ligadas à
repartição do valor produto (a luta de classe, ou seja, a taxa de
mais-valia no numerador), quanto o mecanismo da intensidade em capital fixo (as
forças produtivas, ou seja, a composição do capital no
denominador).
Notas:
[1] "...de todas as leis da economia política moderna, é a
mais importante que existe. Essencial para a compreensão dos problemas
mais difíceis, ela é também a lei mais importante do ponto
de vista histórico, uma lei que, apesar de sua simplicidade, nunca foi
compreendida até o momento presente e menos ainda enunciada de maneira
consciente" Marx, Grundrisse, La Pléiade II: 271-272.
[2] "Na medida em que a acumulação diminui, desaparece
também a causa de sua diminuição, a saber, a
desproporção entre capital e força de trabalho
explorável. O mecanismo do processo de produção
capitalista elimina por si mesmo os obstáculos que ele cria
espontaneamente" Marx, Le Capital, Livre I, quarta edição
alemã, Editions Sociales, 1983 : 694. "As crises não
são mais do que soluções momentâneas e violentas que
restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado [...] A
estagnação ocorrida na produção teria preparado
nos limites capitalistas uma expansão subsequente da
produção. Assim o ciclo uma vez mais teria sido percorrido. Uma
parte do capital depreciado pela estagnação reencontraria o seu
antigo valor. De resto, o mesmo ciclo vicioso seria outra vez percorrido, nas
condições de produção amplificadas, com um mercado
ampliado, e com um potencial produtivo acrescido" Marx, Le Capital, Livre
III, La Pléiade II : 1031 & 1037.
[3] O ciclo de acumulação mergulha suas raízes na
necessidade de crescimento do capital constante em detrimento do capital
variável ; seu ritmo é então essencialmente ligado aos
ciclos mais ou menos decenais de rotação do capital fixo :
"À medida que o valor e a duração do capital fixo
envolvido se desenvolvem com o modo de produção capitalista, a
vida da indústria e do capital industrial se desenvolvem em cada empresa
particular e se prolonga sobre um período, digamos, em média de
dez anos [...] ...Este ciclo de rotações que se encadeiam e se
prolongam por uma série de anos, onde o capital é prisioneiro de
seu elemento fixo, constitui uma das bases materiais das crises
periódicas". Marx, Le Capital, Livre II, La Pléiade : 614.
Marx fala de um período decenal médio, e não absoluto :
"Sem dúvida os períodos de inversão do capital
são muito diferentes, mas a crise serve sempre como ponto de partida
para um poderoso investimento; ela fornece, por conseguinte do ponto de
vista da sociedade tomada em seu conjunto uma nova base material para o
próximo ciclo de rotação". Marx, Le Capital, Livre
II, Editions Sociales, tomo IV : 171.
[4] "Assim a lei [da baixa tendencial da taxa de lucro] age apenas como
uma tendência cuja ação manifesta-se claramente apenas em
certas circunstâncias e no curso de longos períodos" Livre
III, La Pléiade II: 1023. Marx define então dois casos onde 'a
ação da lei se manifesta claramente': (1) "em certas
circunstâncias" e (2) "no curso de longos períodos"
Mas o que ele quer dizer por período longo? A resposta foi claramente
dada no início do mesmo capítulo sobre as influências
contrárias : "Se se considera o enorme desenvolvimento das
forças produtivas do trabalho social, ainda que seja apenas dos
últimos trinta anos, e se nós comparamos esse período com
todos os períodos anteriores, se consideramos mais particularmente a
massa enorme de capital fixo que, para além das máquinas como
tais, entram no processo social de produção, tomado como um todo,
vemos que a dificuldade com que se têm entretido até agora os
economistas, a explicar a queda da taxa de lucro, se transmuta na dificuldade
inversa, a de explicar por que essa queda não é maior e mais
rápida" (idem: 1014). Assim, logo que Marx evoca "longos
períodos" nos cursos dos quais se exerce a lei da baixa tendencial
da taxa de lucro, ele fala de uma "trintena de anos". Portanto
nós não falamos aqui nem na temporalidade dos ciclos decenais de
acumulação, nem naquele espaço de tempo de um
século ou mais, como reclamado por certos autores, temporalidade ausente
na obra de Marx, posto que ela data do começo da época moderna do
capitalismo, a partir de 1825, e ele escreve O Capital na segunda metade do
século XIX.
[5] Marx, Le Capital, Livre III, La Pléiade II : 1026-1027.
[NR} A analogia não é feliz pois é contestável que
as actividades humanas tenham influência sobre o clima global. Ver
A impostura global
.
II. Taxa de mais-valia e seus determinantes, Estados Unidos, 1948-2010
As flutuações da taxa de mais-valia dão lugar às
três fases que dão ritmo à evolução do
capitalismo desde o pós-guerra: ela aumenta desde 1948 até 1966,
diminui até o ano de 1982, e retoma sua curva para o alto desde
então.
I. 1948-1966
Contrariamente a uma idéia preconcebida, os salários e os lucros
não evoluem necessariamente numa relação inversa um com o
outro: eles podem crescer juntos enquanto os ganhos de produtividade forem
suficientemente intensos e distribuídos. Foi esse o 'milagre' dos Trinta
gloriosos durante os quais todas as variáveis econômicas
aumentaram conjuntamente, permitindo uma diminuição dos tempos de
trabalho! Isso se traduziu no pleno emprego e os salários reais
triplicaram nos países do OCDE (em média). O gráfico
indica que os intensos ganhos de produtividade durante esse período:
-
Fizeram baixar o valor médio dos bens de consumo (5).
-
Baixaram também o valor da força de trabalho (4).
-
Permitiram um aumento dos salários reais (2).
-
E uma diminuição dos tempos de trabalho (3).
II. 1966-1982
A taxa de mais-valia diminui durante todo esse período, pois a
desaceleração dos ganhos de produtividade (5) já
não permitia compensar a diminuição dos tempos de trabalho
(3) e a continuação do aumento dos salários reais
sobretudo de 1966 a 1972 (2).
III. 1982-2010
A taxa de mais-valia volta a subir fortemente depois de 1982 por conta da
recuperação dos ganhos de produtividade mas sem retomar ao
nível imediato do pós-guerra (5), enquanto que o tempo de
trabalho já não diminuía mais (3), e o aumento dos
salários reais diminuía consideravelmente (2).
Essa retomada da taxa de mais-valia, junto com a diminuição da
composição orgânica do capital (na sequência da
recuperação dos ganhos de produtividade desde 1982), foi a base
da retomada da taxa de lucro, como podemos constatar no gráfico
"Taxa de lucro Taxa de mais-valia Composição
orgânica do capital, Estados Unidos (1951-2010)", o primeiro dos
gráficos acima.
A taxa de mais-valia
O valor total criado se decompõe em salários (valor da
força de trabalho) e lucros (mais-valia). A taxa de mais-valia relaciona
a mais-valia com os salários. Como a mais-valia é igual ao valor
total criado menos os salários, a taxa de mais-valia é igual a:
mais-valia / salário = (valor total criado salários) /
salários = (valor total criado / salários)
(salários / salários) = valor total criado / salários)
1 = (valor total criado / valor da força de trabalho) 1 =
[(3) / (4)] 1, conforme o gráfico acima.
Dito de outra forma, visualmente, a taxa de mais-valia aumenta quando as curvas
(3) e (4) se separam, e ela diminui quando as curvas se aproximam.
Além disso, pode-se também mostrar que a taxa de mais-valia
depende da evolução respectiva da
produtividade do trabalho
e do
salário real:
se a produtividade do trabalho aumenta mais rapidamente do que o
salário real, então a taxa de mais-valia aumenta, também
valendo o inverso. É o que também nos mostra o gráfico:
logo que a curva (5), que representa o inverso da produtividade, decresce mais
rapidamente do que o aumento dos salários reais (2), então a taxa
de mais-valia aumenta, sendo o inverso verdadeiro.
O salário real
Ele corresponde à quantidade dos meios de consumo (bens e
serviços) que um trabalhador pode comprar. Calcula-se relacionando, sob
forma de índices, a evolução dos salários nominais
com a evolução dos preços ao consumidor.
O valor por meio de consumo
É o inverso da produtividade do trabalho. É calculado
relacionando, sob forma de índices, a evolução dos
preços ao consumo com a evolução ao equivalente
monetário dos valores (conforme se vê abaixo).
O Equivalente monetário dos valores
É a expressão, em dólares, de uma hora de valor criado.
É calculado relacionando o produto interno novo criado no setor
mercantil, com o número total de horas de trabalho prestadas nesse setor.
III. Composição orgânica do capital e seus determinantes.
Estados Unidos, 1951-2010
Afirma-se com frequência que a diminuição da taxa de lucro
resulta da mecanização crescente da economia: a
utilização cada vez maior de máquinas (a
composição técnica do capital) faz aumentar a
composição orgânica do capital (a relação
entre o valor das máquinas e o trabalho). Ora, isso nos faz esquecer uma
contra-tendência essencial assinalada por Marx: os ganhos de
produtividade fazem diminuir o valor dos meios de produção
permitindo assim compensar o crescimento do seu número
[1]
. É exatamente o que mostra o gráfico acima: a
composição orgânica do capital aumenta somente quando os
ganhos de produtividade desaceleram no setor dos meios de
produção e não permitem mais compensar o aumento da
composição técnica do capital (o número de
máquinas compradas).
Não apenas este último (da composição
técnica do capital) tem crescido ao longo do tempo, mas a rapidez desse
crescimento é cada vez maior: 1,7% ao ano entre 1951-68, 2,5% ao ano
entre 1968 a 1995, e 4,6% depois disso. Durante todo esse período, um
assalariado utiliza em média cinco vezes mais máquinas atualmente
do que no período posterior à segunda guerra. Como as
variações na diminuição do valor da força de
trabalho intervêm pouco na explicação das
flutuações da composição orgânica do capital,
são, sobretudo, as inflexões nos ganhos de produtividade no setor
dos meios de produção que fazem baixar o valor desses
últimos, e é isso que explica as flutuações da
composição orgânica do capital: quando o valor por meio de
produção diminui mais rapidamente do que o aumento da
composição técnica do capital, então a
composição orgânica diminui, e vice-versa.
A composição orgânica do capital
A composição orgânica do capital relaciona o capital
constante ao capital variável. É a relação entre os
componentes que fazem apenas transmitir o seu valor e aqueles que criam um novo
valor, ou entre aqueles que não produzem mais-valia e aqueles que
produzem, ou ainda, entre o trabalho passado cristalizado nas máquinas e
o trabalho presente representado pelos assalariados. Ela é então
calculada relacionando-se o capital fixo investido à massa salarial
empregada.
A composição técnica do capital
Em sentido estrito, a composição técnica do capital
é o número de meios de produção utilizados por
trabalhador, ou o capital per capta. Esta composição
técnica é calculada aqui dividindo o índice da
evolução do estoque de capital novo (em R$) pelo índice da
evolução dos preços dos meios de produção
(em R$ por meio de produção). O resultado dessa
relação nos dá um índice do aumento do
número dos meios de produção.
O valor por meio de produção
É o inverso da produtividade no setor dos meios de
produção. É a evolução sob a forma de
índices do número médio de horas necessárias para
produzir um meio de produção. Esse valor é obtido
dividindo o índice do preço médio do capital fixo pelo
equivalente monetário dos valores (o equivalente em dólares de
uma hora de valor criado: ele é calculado relacionando o produto interno
líquido do setor mercantil com o número total de horas de
trabalho prestadas nesse setor).
Notas:
[1] "Em uma palavra, o desenvolvimento que faz crescer a massa do capital
constante em relação ao capital variável reduz, como
consequência da produtividade acrescida do trabalho, o valor dos seus
elementos; ele impede então que o valor do capital constante, aumentando
sem cessar, cresça na mesma proporção que a massa
material, ou seja, o volume dos meios de produção colocados em
movimento pela mesma quantidade de força de trabalho. Pode ocorrer mesmo
que, em alguns casos, a massa de elementos do capital constante aumente,
enquanto o seu valor permanece constante ou mesmo diminua" Marx, Le
Capital, livre III, La Pléiade II : 1019.
"...graças a uma produtividade aumentada, pois, paralelamente ao
crescimento do número de máquinas a um preço reduzido, o
preço da mercadoria diminui, a taxa de lucro pode permanecer a mesma ...
a taxa de lucro poderia mesmo crescer se o aumento da taxa de mais-valia
estivesse ligada a uma diminuição sensível do valor dos
elementos do capital constante, particularmente do capital fixo
[consecutivamente aos ganhos de produtividade]" Marx, Le Capital, livre
III, La Pléiade II : 1013.
IV. Salários e produtividade, Estados Unidos
O período do pós-guerra caracteriza-se por um paralelismo entre o
aumento dos ganhos de produtividade e dos salários reais. Isso
estabiliza a parte salarial no total da riqueza produzida e possibilita ao
capitalismo evitar, por algum tempo, "uma superprodução que
provenha justamente do fato da massa do povo não poder nunca consumir
mais que a quantidade média de bens de primeira necessidade, que o seu
consumo não aumente senão ao ritmo do aumento da produtividade do
trabalho" (Marx
[1]
).
Tal é a explicação de base usada pelos marxistas do
pós-guerra para compreender a prosperidade daquele período:
"É inegável que na época moderna os salários
reais aumentaram. Mas apenas no âmbito da expansão do capital, o
qual supõe que a relação dos salários com os lucros
permanece constante no geral. A produtividade do trabalho deveria então
se elevar com uma rapidez que permitisse ao mesmo tempo o acúmulo do
capital e o crescimento do nível de vida dos trabalhadores"
(Mattick
[2]
). Em outras palavras, "salários e lucros podem se elevar se a
produtividade cresce de maneira suficiente..." (Mattick
[3]
). Isso nos mostra que a escola de regulação não inventou
nada de fundamentalmente novo : ela apenas prolongou uma análise
já bem desenvolvida por Marx e seus sucessores
[4]
.
A defasagem entre a produtividade e os salários se tornará
óbvia e crescente a partir dos anos 1980. O desenvolvimento mais
rápido da produtividade (curva superior) em relação aos
salários (curva inferior) materializa a tendência natural do
capitalismo de fazer crescer sua produção para além da
demanda. Esta é a explicação fundamental da
superprodução elaborada por Marx: "a
superprodução tem especialmente como condição a lei
geral de produção do capital : produzir à medida das
forças produtivas (ou seja segundo a possibilidade que existe de
explorar a maior massa possível de trabalho com uma massa dada de
capital), sem ter em conta os limites existentes do mercado ou as necessidades
solváveis..."
[5]
. Dito de outra forma: "a razão última de todas as crises
reais é sempre a pobreza e o consumo restrito das massas, face a
tendência da economia capitalista em desenvolver as forças
produtivas como se elas não tivessem por limite o poder de consumo
absoluto da sociedade"
[6]
. É isso também o que Engels sintetizava em uma de suas
fórmulas: "Enquanto as forças produtivas crescem em
progressão geométrica, a expansão dos mercados prossegue,
na melhor das hipóteses, em progressão aritmética"
[7]
.
Notas:
[1] Teorias sobre a mais-valia, Décimo sexto capítulo: A teoria
do lucro de Ricardo, § 3 : A lei da baixa da taxa de lucro, Editions
sociales, tomo 2 : 559-560.
[2] Paul Mattick, Intégration capitaliste et rupture ouvrière,
1969, édition EDI : 151.
[3] Paul Mattick, Le capital aujourd'hui, publicado por Maximilien Rubel em
Etudes de marxologie, n°11, juin 1967.
[4] Notadamente por Socialisme ou Barbarie (1949-67), uma revista marxista bem
conhecida à época e que inspirou largamente a escola de
regulação (Aglietta, Souyri, Lipietz, etc.) como podemos dar-nos
conta por esta longa citação: "o capitalismo pode realizar
um compromisso com respeito à distribuição do produto
social, porque precisamente um ritmo do aumento dos salários que seja da
mesma ordem que o crescimento da produtividade do trabalho deixa grandemente
intacta a repartição existente. (...) A idéia
clássica era a de que o capitalismo era incapaz de suportar aumentos de
salários porque eles significavam automaticamente a
diminuição dos lucros, por conseguinte, a redução
do fundo de acumulação indispensável às empresas
para sobreviver à concorrência. Mas esta imagem estática
está fora da realidade. Se a produtividade dos operários aumenta
em um ano em 4% e os salários igualmente, os lucros aumentam
necessariamente também em 4%, pois que todas as coisas são iguais
nessa proporção (...). A partir do momento que o aumento dos
salários não excede substancialmente e de maneira sustentada os
aumentos da produtividade, e são generalizados, os aumentos dos
salários são perfeitamente compatíveis com a
expansão do capital. Eles são mesmo indispensáveis no
plano estritamente econômico. Numa economia que cresce a uma taxa
média de 3% ao ano, e onde os salários correspondem a 50% da
demanda final, qualquer desvio mesmo que pouco substancial entre a taxa de
crescimento dos salários e a taxa de expansão da
produção conduziria ao final de um tempo relativamente curto a
desequilíbrios formidáveis, e a uma incapacidade de escoar a
produção que não poderia ser corrigida par nenhuma
'depressão' mesmo sendo esta bastante profunda" (Socialisme ou
Barbarie n°31, artigo escrito em 1959 e publicado em 1960).
[5] Teorias sobre a mais-valia, Décimo sétimo capítulo:
Teoria da acumulação de Ricardo, § 14 :
Contradição entre o desenvolvimento irresistível das
forças produtivas e a limitação do consumo como base da
superprodução, Editions Sociales, tomo II : 637.
[6] Le Capital, Livre III, ch. XXX : Capital dinheiro e capital real, La
Pléiade, Economie II : 1206.
[7] Prefácio à edição inglesa (1886) do livro I de
O Capital, La Pléiade, Economie II : 1802.
[*]
Economista
.
[**]
Investigador
.
De Jacques Gouverneur ver também:
Crescimento e crises
Compreender a Economia
, Edições Avante!, 2010,
O original encontra-se em
http://www.capitalism-and-crisis.info/pt/Bem-vindo/Novo
Este texto encontra-se em
http://resistir.info/
.
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