Crescimento e crises
por Jacques Gouveneur
[*]
1. O CRESCIMENTO ANTES DA SEGUNDA GUERRA
2. O CRESCIMENTO DE 1945 A 1974
3. A CRISE ESTRUTURAL DESDE 1975
O crescimento não pode ocorrer de modo equilibrado: ele repousa, com
efeito, nas iniciativas de milhares de produtores que tomam decisões
independentes e portanto não necessariamente compatíveis. Este
capítulo aborda o problema dos desequilíbrios inerentes ao
crescimento e, mais precisamente, o problema das crises. Para fazer isso,
será adoptada uma dupla distinção.
Por um lado, serão
distinguidas duas grandes etapas no crescimento: o
"clássico",
até a Segunda Guerra Mundial, e o
"contemporâneo"
desde então
[1]
. Como se verá, o contexto difere claramente de uma etapa para a outra,
tanto no que se refere à situação dos assalariados como
às intervenções do Estado na economia. Verifica-se que a
produção e os mercados (a oferta e a procura globais) têm
tendência a crescer de um modo
não paralelo
antes da Segunda Guerra, e de um modo paralelo a seguir
[2]
.
Por outro lado,
distinguir-se-ão dois tipos de crises: "conjunturais" e
"estruturais". Uma crise
conjuntural
é uma situação de
superprodução temporária
(a oferta a ultrapassar a procura) no interior de um ciclo conjuntural: ela
é seguida de uma recessão (diminuição da
produção), a qual permite restabelecer o equilíbrio entre
a oferta e a procura globais. Uma
crise estrutural
é uma situação em que
problemas fundamentais
impedem o desenrolar normal do crescimento (clássico ou
contemporâneo). Em certos casos, uma crise conjuntural pode revelar a
presença de uma crise estrutural.
1. O CRESCIMENTO ANTES DA SEGUNDA GUERRA
1.1. O contexto socioeconómico
Um traço essencial do
período que cobre o século XIX e se prolonga até à
Segunda Guerra Mundial é a tendência permanente para um
desequilíbrio entre o crescimento da oferta global e da procura global:
enquanto a extensão do trabalho assalariado e dos progressos
técnicos permitem um aumento contínuo da produção,
nada assegura um crescimento paralelo dos mercados.
a) Por um lado, nada garante
que os
assalariados
desenvolvam o seu consumo de mercadorias capitalistas
[3]
, e que a desenvolvam de um modo regular. Isto é assim por várias
razões.
- Os assalariados consomem na
sua maior parte bens ou serviços tradicionais, que são comprados
a pequenos produtores
independentes
ou produzidos no âmbito das actividades
domésticas
(auto-consumo).
- A maior parte dos
contratos de trabalho
são contratos
individuais
, ligando
um
empregador a
um
assalariado. Cada empresa considera o salário apenas sob o aspecto de
um custo a minimizar, ignorando o aspecto complementar de mercado; e este
objectivo de minimização do custo é tanto mais
fácil de assegurar desde que o empregador negocie com indivíduos
ao invés de uma organização sindical. Nestas
condições, as capacidades de consumo dos assalariados têm
sempre tendência a desenvolverem-se menos rapidamente que as capacidades
de produção das empresas (por outras palavras, o poder de compra
por trabalhador tende a crescer menos rapidamente que a produção
por trabalhador).
- Os
empregos
e os
rendimentos
são
precários
(ou seja, não estáveis) e susceptíveis de grandes
variações
. Os contratos de trabalho não abrangem senão períodos
limitados: os assalariados podem portanto ser facilmente privados do seu
emprego. Os assalariados que perdem o seu emprego (devido a despedimento, mas
também devido a doença, acidente, velhice) perdem imediatamente o
seu salário e esta perda de salário não é
compensada por um salário indirecto (alocações de
desemprego e outras prestações sociais).
b) Por outro lado, o
Estado
intervém relativamente pouco para sustentar a procura global:
- Ele certamente fornece
empregos estáveis no sector institucional, mas os referidos
funcionários não constituem senão uma
proporção pequena da população activa.
- Da mesma forma, as encomendas
do Estado ao sector privado e as outras intervenções do Estado na
economia permanecem muito limitadas.
1.2. O carácter cíclico do crescimento
No contexto acima descrito, o
crescimento efectua-se através das fases alternadas de expansão
(aumento da produção) e de recessão
(diminuição da produção). Uma fase de
expansão desenvolve-se de modo cumulativo, mas encontra um limite que
impõe um retorno: é a crise conjuntural. A recessão que se
segue desenvolve-se igualmente de modo cumulativo, mas ela também
encontra um limite que permite uma retoma e uma nova expansão.
Vamos descrever brevemente as
fases sucessivas deste ciclo conjuntural, antes de fazer quaisquer
comentários sobre as crises e as recessões.
1.2.1. O ciclo conjuntural da produção
[5]
a) A expansão
A expansão da
produção desenvolve-se de modo cumulativo: um aumento da
produção significa com efeito um aumento do emprego e dos
salários, portanto um aumento da procura; uma procura acrescida estimula
por sua vez uma alta dos preços, dos lucros, dos investimentos, da
produção; e assim por diante.
b) A crise
A expansão faz-se de
maneira competitiva e desordenada. A concorrência leva cada empresa
individual
a aumentar a sua capacidade e o seu nível de produção,
sem que o aumento
total
da produção seja planificado em função dos
mercados possíveis. Ora, como se viu, os mercados tendem a
desenvolver-se de maneira relativamente limitada. Daí resulta que, cedo
ou tarde,
a oferta ultrapassa a procura:
é a
crise de superprodução.
O excesso de oferta traduz-se pelo acréscimo de stocks não
vendidos e de capacidades de produção inutilizadas.
c) A recessão
O excesso de oferta provoca uma
baixa dos preços efectivos e uma
redução das taxas de lucro
[6]
. Esta situação afecta particularmente as empresas marginais em
cada ramo: a trabalharem já com os custos marginais mais elevados e as
margens de lucro mais delgadas, elas são empurradas à
falência.
Quanto às empresas sobreviventes, elas restringem a sua
produção e procedem a
racionalizações.
Na sequência das
falências, restrições de produções e
racionalizações, o
desemprego
estende-se. Como os trabalhadores despedidos perdem o seu salário, o
poder de compra global retrai-se.
Retrai-se tanto mais quando os subsídios de desemprego, nessa
época, forem irrisórios ou inexistentes.
O processo descrito é o
da recessão. Esta tende a apresentar um carácter
cumulativo
. Com efeito, a retracção do poder de compra das massas equivale
a uma redução da procura; os preços e os lucros diminuem
em consequência e as falências propagam-se.
d) O retorno e a retoma
Ao cabo de um certo tempo, o
processo de recessão dá lugar a uma
retoma.
Com efeito, a eliminação das empresas marginais aumenta a
clientela potencial das empresas sobreviventes e a baixa dos preços
estimula uma retoma da procura. As empresas sobreviventes escoam os seus
stocks, os preços tornam a subir, assim como as taxas de lucro.
A retoma transforma-se
então numa nova expansão cumulativa: o investimento reinicia-se,
a produção aumenta, assim como o emprego, os salários, a
procura.
1.2.2. O carácter absurdo e funcional das crises e das recessões
O processo de crise e
recessão parece
absurdo.
Com efeito, a recessão provoca uma redução do poder de
compra e do consumo das massas. Mas este consumo reduzido não se deve a
uma produção insuficiente, a uma escassez (como no caso das
crises pré-capitalistas, em que o consumo reduzido devia-se por exemplo
a uma penúria de colheitas).
A redução do consumo deve-se a um excesso de
produção
em relação às capacidades de consumo das massas: este
excesso de produção acarreta falências e
racionalizações, perdas de emprego e de salários, uma
redução do poder de compra e do consumo. O processo parece
absurdo ainda doutro ponto de vista: as empresas encerradas, os trabalhadores
no desemprego, constituem outros tantos
recursos inutilizados
face às necessidades de consumo das massas.
Entretanto, o processo é
funcional.
A crise e a recessão não constituem "acidentes de
percurso", acontecimentos lamentáveis mas fortuitos. Elas
constituem ao contrário o meio por excelência para restaurar
periodicamente a taxa de lucro, para restabelecer periodicamente um certo
equilíbrio entre a oferta e a procura numa sociedade fundada sobre a
livre iniciativa e sobre a concorrência dos produtores. Sem dúvida
novas regulamentações podem atenuar consideravelmente os ciclos
conjunturais e o processo cumulativo de recessão: é o que revelam
as evoluções do pós-guerra (§2.2.). Mas estas
intervenções não suprimem completamente as
flutuações conjunturais e as crises: a evolução
desde os anos 1970 demonstra-o bem (§2.3.).
1.3. A crise e a recessão dos anos 1930
A crise de 1929-30 constitui
uma crise
conjuntural
típica do crescimento clássico prevalecente antes de 1940. Ela
assinala o limite de uma fase de expansão cumulativa e o ponto de
partida de uma recessão ela própria cumulativa.
O ciclo conjuntural que culmina
em 1929 difere entretanto da maior parte dos ciclos anteriores pela
duração e pela intensidade das fases de expansão e de
recessão. A expansão começa cerca de 1920 e prolonga-se
aproximadamente uma dezena de anos (em vez dos 3-4 anos habituais); ela
caracteriza-se por ganhos de produtividade muito mais fortes que anteriormente.
A recessão traduz-se por uma queda catastrófica da
produção e do emprego, cuja ultrapassagem será longa: na
maior parte dos países, os níveis de produção e de
emprego atingidos em 1929 não serão recuperados senão por
volta dos anos 1940.
A amplitude desta
recessão permite qualificar a crise de 1929-30 não só de
crise conjuntural como também de crise
estrutural.
Enquanto as crises conjunturais anteriores constituíam
episódios "normais", a crise de 1929-30 manifesta pelo
contrário que o crescimento clássico se depara com um problema
fundamental, cuja solução é politicamente
insuportável. O problema reside no desequilíbrio crescente entre
a alta rápida das possibilidades de produção (a oferta) e
a alta relativamente limitada das possibilidades de consumo (a procura). A
solução clássica é a recessão (o recuo da
produção) e esta recessão deve ser tanto mais forte quanto
o desequilíbrio anterior era ele próprio importante. Mas uma
recessão forte, da amplitude daquela dos anos 1930, implica um tal
desperdício económico e um tal custo social que ela já
não é politicamente suportável. É necessário
um outro tipo de crescimento.
2. O CRESCIMENTO DE 1945 A 1974
2.1. O novo contexto socioeconómico
O tipo de crescimento
instaurado progressivamente após a Segunda Guerra Mundial caracteriza-se
essencialmente pelo seguinte traço: a
procura global tende a crescer paralelamente à produção
[7]
. Este paralelismo pode ser explicado pelas mudanças verificadas no
contexto socioeconómico.
a) A
procura de consumo dos assalariados
apresenta-se sob aspectos inteiramente novos:
- Os assalariados desenvolvem
maciçamente a compra de
mercadorias capitalistas.
O seu consumo experimenta uma diminuição importante da parte
dos produtos domésticos (nomeadamente a seguir à expansão
do trabalho feminino), assim como a parte das mercadorias artesanais (sendo os
produtores independentes progressivamente eliminados pelas empresas
capitalistas).
- Os salários e
condições de trabalho são fixados no essencial por
convenções colectivas
estabelecidas a nível sectorial ou nacional. Implícita ou
explicitamente, estas convenções colectivas tendem a ligar a
evolução dos salários à da produtividade. Nestas
condições, as capacidades de consumo dos assalariados tendem a
desenvolver-se mais ou menos ao mesmo ritmo das capacidades de
produção das empresas (por outras palavras, o poder de compra por
trabalhador tende a crescer paralelamente à produção por
trabalhador).
- O
emprego
e os
rendimentos
tendem a
estabilizar-se
. Uma maior estabilidade do emprego é assegurada, a nível
nacional, pelo desenvolvimento dos serviços públicos mercantis e
não mercantis (aumento do número de funcionários). O
salário indirecto desenvolve-se igualmente sob diversas modalidades
(subsídios de desemprego, pensões,...) e constitui uma parte
crescente do rendimento das famílias. A estabilidade de emprego e a
extensão do salário indirecto contribuem para estabilizar o poder
de compra global e portanto a procura de consumo dos assalariados.
- Além disso, assiste-se
aos progressos do
crédito ao consumo,
que estimula e regulariza a procura das famílias (especialmente para
os bens duráveis).
b) Pelo seu lado, o
Estado
exerce uma acção cada vez mais importante sobre a procura global:
- Fornece um volume crescente
de empregos estáveis nos serviços públicos; regula a alta
do salário indirecto no conjunto da economia.
- Influencia o nível de
actividade económica pelo jogo das encomendas públicas bem como
através de diversas outras intervenções (subsídios
às empresas, nomeadamente).
2.2. As novas modalidades de crescimento
As novidades introduzidas na
procura de consumo dos assalariados e na procura do Estado deram lugar a um
crescimento inteiramente novo depois de 1945. Este crescimento novo
manifesta-se por uma atenuação considerável das crises
cíclicas e dos ciclos de conjuntura, bem como por um aumento sustentado
da produção num período da ordem dos 30 anos.
2.2.1. A atenuação das crises e dos ciclos de conjuntura
Os processos cumulativos de
recessão típicos da etapa clássica (recuos da
produção a estenderem-se por 2-3 anos) desapareceram desde 1945:
eles deram lugar mais frequentemente a simples
reduções
no crescimento da produção, por vezes a recuos muito
breves
seguidos de uma retoma rápida. A que se deve esta mudança?
As crises sendo crises de
superprodução (excesso de oferta em relação
à procura), é possível, na etapa contemporânea do
crescimento, atenuar a sua amplitude por diversas medidas de
sustentação da procura.
Estas medidas contribuem para quebrar o processo cumulativo da
recessão, processos em que as quedas de produção levam a
quedas no poder de compra que limitam por sua vez as possibilidades de
produção. As medidas adequadas para sustentar a procura em
período de recessão podem ser agrupadas em duas grandes
categorias: as que têm como efeito directo estabilizar relativamente o
poder de compra das massas e as que têm como efeito directo estabilizar
relativamente o nível de actividade económica.
a) A estabilização relativa do poder de compra das massas
O desenvolvimento de
empregos estáveis
(no sector institucional) e de
rendimentos de substituição
(em particular os subsídios de desemprego) têm como efeito manter
permanentemente uma procura relativamente elevada de bens de consumo: os
funcionários dispondo de um emprego e de um rendimento garantidos
mantêm o seu nível de consumo; os assalariados despedidos reduzem
forçosamente o seu consumo, mas esta redução é
tanto mais fraca quanto os subsídios de desemprego forem elevados.
O
crédito ao consumo
permite igualmente às famílias manterem uma certa estabilidade
nas suas compras. Quando as condições de crédito
são facilitadas em período de recessão, a estabilidade da
procura de consumo das famílias é mais bem assegurada.
b) As intervenções anti-cíclicas do Estado
As
encomendas do Estado
constituem uma medida típica para atenuar as flutuações
conjunturais. Assim, um programa de construção de auto-estradas
empreendido num período de recessão tem como efeito elevar
imediatamente a procura de meios de consumo (através dos rendimentos
distribuídos aos trabalhadores) e depois a de meios de
produção (na medida em que é preciso recorrer a
equipamentos novos).
Outras
intervenções públicas podem contribuir para atenuar os
ciclos de conjuntura, como por exemplo os
subsídios às empresas
em dificuldades. Estas intervenções têm como efeito
retardar a eliminação das empresas em causa: atenuam pois o
processo cumulativo de falências e de despedimentos típico dos
períodos de recessão.
O quadro IX.1. sintetiza o
contexto socioeconómico predominante após a Segunda Guerra e
precisa os elementos deste contexto que contribuem para atenuar as crises e
ciclos de conjuntura. Ele indica igualmente os elementos que contribuem para
assegurar um crescimento rápido a longo prazo (ver mais adiante 2.2.2.).
Quadro IX.1.: O contexto socioeconómico após a Segunda Guerra
e sua influência sobre o crescimento
2.2.2. O crescimento sustentado da produção
A atenuação dos
ciclos conjunturais não implica por si mesma um crescimento sustentado
da produção e do consumo a longo prazo: poder-se-ia imaginar
oscilações conjunturais fracas em torno de uma tendência a
longo prazo fracamente orientada para a alta. Na realidade, os países
avançados experimentaram, ao longo de um período de 30 anos
(1945-1974), um crescimento sem precedente na história. A que se pode
atribuir este crescimento notável? Dois factores parecem fundamentais:
por um lado, a
produtividade geral
aumentou muito rapidamente durante os anos 1950 e 60, levando a uma alta
considerável da produção; por outro, uma
relação de forças relativamente favorável
aos trabalhadores permitiu assegurar um crescimento paralelo dos mercados,
tanto sob a forma de salários reais em alta regular como de despesas
públicas em expansão contínua.
Antes de considerar a
influência destes dois factores (produtividade geral em alta,
relação de forças relativamente favorável aos
trabalhadores), é preciso lembrar que os salários e as despesas
públicas apresentam aspectos contraditórios para as empresas. A
coisa é clara para os salários (ver capítulo III, 2.2.3. e
capítulo VIII, 2.1.1.): os salários constituem um
custo de produção,
que as empresas têm interesse em
reduzir
(para aumentar o seu lucro); constituem ao mesmo tempo um
mercado
essencial, que elas têm interesse em
aumentar
(diminuindo assim o lucro disponível). Do mesmo modo, as despesas
públicas apresentam vantagens e inconvenientes para as empresas (ver
capítulo VI, 3.2.1. e capítulo VIII, 2.1.2.). Por um lado, estas
despesas fornecem-lhes uma série de
vantagens
económicas: as encomendas públicas, os salários pagos aos
funcionários, bem como as prestações sociais
(subsídios familiares, subsídios de desemprego, pensões)
ampliam ou regularizam os mercados; os subsídios públicos
melhoram a rentabilidade; as despesas públicas em matéria de
educação e de saúde asseguram a reprodução
em grande escala e a menor custo de uma força de trabalho
adaptada; etc. Se se levar em conta estas diversas vantagens, uma
expansão
das actividades públicas é desejável. Entretanto, as
despesas públicas implicam
transferências
sobre os salários e os lucros: as transferências sobre os lucros
diminuem os montantes disponíveis para a acumulação, as
transferências sobre os salários reduzem os mercados. Se se
levarem em conta todas estas transferências, é preferível
uma
limitação
das despesas públicas.
Esta dupla
contradição, inultrapassável se se raciocinar de maneira
estática, pode ter uma solução se colocada numa
perspectiva dinâmica e se considerarem os
acréscimos da produtividade geral.
Como se viu mais atrás (capítulo VIII, secção 2),
os acréscimos de produtividade permitem efectivamente ter e tornar
compatíveis três evoluções aparentemente
antagónicas: o aumento do poder de compra salarial (com os seus efeitos
benéficos sobre os mercados), o aumento das despesas públicas
(com os seus efeitos benéficos sobre os mercados e a rentabilidade das
empresas, bem como sobre o nível de vida dos consumidores) e o aumento
dos lucros (e portanto das possibilidades de acumulação). Quanto
mais fortes forem os acréscimos de produtividade, maiores serão
as possibilidades de acrescer as despesas salariais e as despesas
públicas sem comprometer o lucro e a acumulação. Em
contrapartida, um enfraquecimento dos progressos da produtividade
travará necessariamente as altas possíveis destes diversos
componentes e trará conflitos de repartição entre poder de
compra salarial, despesas públicas e acumulação.
Durante o período
1945-1970, os progressos da produtividade geral foram muito importantes. Eles
permitiram a adopção de políticas "keynesianas"
estimulando as despesas de consumo dos assalariados e as despesas
públicas, favorecendo portanto o crescimento rápido da
produção e do emprego. Entretanto, os progressos de produtividade
não têm efeito automático sobre o crescimento: eles
permitem, mas não trazem necessariamente, o acréscimo do poder de
compra salarial e o desenvolvimento das despesas públicas (em particular
das despesas públicas favoráveis aos trabalhadores:
educação, saúde, prestações sociais). Para
que estas evoluções potenciais se tornem realidade, é
preciso que intervenha uma segunda condição, ou seja,
uma relação de forças
relativamente favorável aos trabalhadores. Esta condição
foi bastante bem cumprida durante o período 1945-1975: isto explica-se
em particular pelo perigo do "contágio comunista"
[8]
e pela manutenção de altos níveis de emprego.
A conjunção de
uma alta rápida da produtividade geral e de uma relação de
forças relativamente favorável aos trabalhadores permitiu pois,
durante este período, assegurar um crescimento conciliando os interesses
materiais dos capitalistas e dos assalariados. Estes viram o seu nível
de vida aumentar, ao passo que aqueles viram crescer os seus lucros e os seus
mercados: foram portanto estimulados a reinvestir os seus lucros, a desenvolver
a produção e o emprego
[9]
.
Notar-se-á entretanto
que os progressos da produtividade, no decorrer deste período,
estão longe de serem uniformes nos vários sectores: são
extremamente fortes nos sectores da agricultura e da indústria, mas
muito fracos no sector dos serviços tomados globalmente (o sector
terciário).
Os progressos de produtividade
mais fortes tiveram lugar nas indústrias produtoras de bens de consumo
duráveis (automóvel, electrodoméstico, televisão,
etc.). Estas indústrias são igualmente consideradas como os
"motores" do crescimento. É aí que os progressos da
produtividade fazem sentir mais claramente os seus efeitos, no sentido de uma
baixa dos custos de produção unitários e ao mesmo tempo no
sentido de uma alta das quantidades consumidas. Estes dois movimentos
estimulam-se mutuamente: a baixa dos custos e dos preços (devida aos
progressos da produtividade) torna os bens mais acessíveis à
massa dos consumidores; inversamente, a ampliação do consumo
estimula a produção em massa e portanto os ganhos de
produtividade (produção em grandes séries, a custos
decrescentes, de bens padronizados)
[10]
.
Em contrapartida, os progressos
de produtividade naquela época permaneceram muito fracos no sector
terciário tomado em conjunto. Este sector abrange em simultâneo os
serviços mercantis (lazeres, restauração, comércio,
etc.) e serviços não mercantis (educação nacional,
por exemplo). A insuficiência dos progressos de produtividade
mantém em níveis relativamente elevados tanto o preço dos
serviços mercantis como o custo social dos serviços não
mercantis. No entanto, a procura e a oferta de todos estes serviços
continua a aumentar devido à alta do poder de compra (para os
serviços mercantis) e de uma cobertura mais ampla das necessidades pela
segurança social e pelos poderes públicos. O resultado deste
duplo movimento (preços e custos elevados, mas procura e oferta em
expansão contínua): a parte dos serviços na
produção e no consumo globais não cessa de aumentar; ela
acaba por representar até 2/3 do rendimento nacional.
Esta fraca produtividade do
sector terciário terá muita importância para compreender a
origem da crise estrutural com a qual o sistema se encontra confrontado desde
os anos 1970. Antes de abordar este problema, convém ainda dizer uma
palavra acerca da crise conjuntural de 1974-75.
2.3. A crise conjuntural de 1974-75
No conjunto dos países
avançados, o ano de 1974-75 caracteriza-se por um recuo líquido
da produção, que se prolonga vários meses.
Sob certos aspectos, esta
recessão é uma recessão
conjuntural,
mas típica da nova etapa de crescimento. Como se disse, esta nova
etapa caracteriza-se por uma procura sustentada dos assalariados e do Estado, o
que tem como efeito atenuar consideravelmente os processos cumulativos de
recessão (os quais dão lugar a simples enfraquecimentos do
crescimento ou a recuos de curta duração). A recessão de
1974-75 é com efeito muito diferente das recessões longas e
profundas do período anterior (e em particular da recessão dos
anos 1930): o processo cumulativo de recuo da produção é
travado ao cabo de alguns meses, dando lugar a uma retoma a partir do fim de
1975
[11]
.
Mas o ano de 1974-75 significa
igualmente uma mudança radical nas tendências do sistema. Enquanto
a produção e o consumo haviam crescido a ritmos sem precedentes
de 1945 a 1974, desde então eles crescem apenas a um ritmo moderado,
através de uma sequência de recuos e re-arranques incertos,
acompanhados de um desemprego em expansão quase constante. Este longo
bloqueio do crescimento e este desenvolvimento do desemprego manifestam uma
crise
estrutural
do sistema. É esta crise estrutural que é preciso agora abordar:
quais são as causas? quais as saídas que se podem encarar?
3. A CRISE ESTRUTURAL DESDE 1975
3.1. As etapas da crise
O crescimento após a
Segunda Guerra Mundial foi explicado pela conjugação de dois
factores benéficos: por um lado, os progressos da produtividade geral;
por outro lado, a manutenção de uma relação de
forças relativamente favorável aos trabalhadores. Do mesmo modo,
o bloqueio do crescimento desde 1975 pode ser atribuído ao
desaparecimento
de um ou do outro
destes factores, ou dos dois
em simultâneo.
Quanto a isso, é possível operar uma distinção
esquemática entre as últimas três décadas do
século XX: durante os anos 1970, a relação de
forças ainda continua bastante favorável aos trabalhadores, mas a
produtividade geral está atrasada; durante os anos 1980, a produtividade
geral continua a progredir relativamente pouco e a relação de
forças além disso reverte-se; nos anos 1990, a produtividade
geral aumenta de novo rapidamente, mas a relação de forças
é ainda mais desfavorável aos trabalhadores. Como explicar a
crise estrutural a partir destes elementos?
[12]
3.1.1. Os anos 1970: a falência das políticas keynesianas
Sublinhou-se mais atrás
que os acréscimos da produtividade geral permitem tornar
compatíveis três evoluções à primeira vista
antagónicas: o aumento do poder de compra salarial, o aumento das
despesas públicas e o aumento dos lucros. Mas os progressos de
produtividade enfraquecem-se desde o fim dos anos 1960: isto trava
necessariamente as altas possíveis destes diversos componentes e agudiza
os conflitos de repartição entre eles. Antes de ver como estes
conflitos foram sucessivamente resolvidos, é preciso indicar as
razões do enfraquecimento da produtividade geral.
Uma primeira
explicação é frequentemente avançada: o
enfraquecimento em causa seria explicado pela
resistência dos trabalhadores face ao progresso técnico
e às suas consequências (desemprego, agravamento da intensidade
do trabalho, acidentes...). Esta resistência manifesta-se nomeadamente
pelo absentismo, por actos de sabotagem, por um afrouxamento do trabalho, etc.,
todas manifestações que reduzem efectivamente a
produção por trabalhador. Este factor explicativo tem uma
importância muito variável conforme os ramos de
produção: entram em jogo aqui, nomeadamente, o grau de
organização e de combatividade dos trabalhadores, bem como as
possibilidades patronais de levar mais adiante a mecanização da
produção.
Uma explicação
mais fundamental reside
no peso crescente e na fraca produtividade do sector terciário
. Viu-se mais atrás que desde 1945 os serviços ganharam uma parte
crescente da produção e do consumo global e que hoje ocupam um
lugar preponderante. Mas, até há pouco, os progressos
técnicos e os ganhos de produtividade têm sido muito limitados no
sector dos serviços, em comparação com o que foram nos
ramos de produção industriais. A fraca produtividade dos
serviços, combinado com a sua importância crescente na
produção global, explicaria portanto o enfraquecimento da
produtividade média, da produtividade
de conjunto.
Este enfraquecimento da
produtividade coloca o seguinte dilema:
- ou se mantém o ritmo
do consumo salarial e das despesas públicas (políticas
keynesianas): neste caso, os lucros tornam-se insuficientes, as empresas cessam
de investir, o crescimento é reduzido a zero;
- ou se diminui o consumo
salarial e as despesas públicas (políticas neoliberais): neste
caso, as empresas recuperam um lucro para investir, mas as oportunidades de
investimento rentável diminuem devido ao enfraquecimento da procura dos
assalariados e do Estado.
Durante os anos 1970, a
relação de forças relativamente favorável aos
trabalhadores traduziu-se pela manutenção de políticas
keynesianas: o consumo salarial continuou a aumentar a um ritmo rápido,
assim como as despesas públicas. Isto fez cair os lucros e portanto as
possibilidades de investimento das empresas. O crescimento enfraqueceu-se e o
desemprego expandiu-se
[13]
.
Caixa IX.2. As condições para resolver as
contradições inerentes aos salários e às despesas
públicas
1.
Os salários e as despesas públicas apresentam aspectos
contraditórios para o conjunto das empresas (as quais requerem em
simultâneo lucros e mercados):
a) Salários:
(-) custos de produção: daí o interesse em
diminuir
os salários, para aumentar os lucros;
(+) poder de compra: daí o interesse em
aumentar
os salários, para aumentar os mercados e portanto as
possibilidades de investir.
b) Despesas públicas:
(+) vantagens diversas (rentabilidade acrescida, mercados ampliados ou
regularizados, etc.: daí o interesse em
aumentar
as despesas públicas;
(-) transferências necessárias (reduzindo os lucros e os
salários, portanto a rentabilidade e os mercados): daí o
interesse em
diminuir
as despesas públicas.
2.
Estas contradições podem ser resolvidas se houver ao mesmo tempo:
(1)
aumento da produtividade geral
(= aumento do número de "fatias do bolo");
(2)
uma relação de forças favorável aos trabalhadores
para impor políticas de acréscimo dos salários
e das despesas públicas (políticas
"keynesianas").
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Caso nº 1 (anos 1950 e 1960): condições (1) e (2)
satisfeitas:
|
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A nova situação é favorável aos assalariados (alta
dos salários e das despesas públicas: ensino, segurança
social, etc.). Ela é igualmente favorável às empresas
(alta dos lucros
e
dos mercados).
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Caso nº 2 (anos 1970): condição (1) não
satisfeita, condição (2) satisfeita:
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A nova situação é favorável aos assalariados
(aumento dos salários e das despesas públicas). Mas ela é
intolerável para as empresas (diminuição dos lucros, que
no exemplo desaparecem).
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Caso nº 3 (anos 1980): condições (1) e (2) não
satisfeitas:
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A nova situação é desfavorável aos assalariados
(baixa dos salários e das despesas públicas). Para as empresas,
ela é em simultâneo favorável (os lucros aumentam) e
desfavorável (os mercados diminuem).
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Caso nº 4 (desde os anos 1990): condição (1)
satisfeita, condição (2) não satisfeita:
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A nova situação é desfavorável aos assalariados
(estagnação ou baixa dos salários e das
despesas públicas). Para as empresas, elas é simultaneamente
favorável (os lucros aumentam) e desfavorável (os mercados
estagnam ou diminuem).
|
Nota: S = salários; L = lucros; E = contribuições,
impostos e despesas do Estado
Quadro IX.3.: As etapas do crescimento e da crise desde 1950
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(1) Produtividade geral e latitudes do sistema que dela resultam
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(2) Relação de forças entre classes e políticas
económicas que dela resultam
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Efeitos de (1) + (2)
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Anos 50 e 60
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Subida suficiente da produtividade geral
·
Causa: progresso rápido na produção (sobretudo de bens de
consumo duradouros)
·
Consequência:
conciliação teoricamente possível
entre crescimento dos lucros, dos salários reais e das despesas
públicas
|
Relativamente favorável aos assalariados:
·
Causas: pleno emprego + medo do "contágio comunista"
·
Consequências: aplicação de
políticas keynesianas
(crescimento dos salários reais e das despesas públicas)
|
Subida dos lucros + expansão dos mercados
Crescimento do investimento produtivo
Crescimento do emprego
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Anos 70
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Subida insuficiente da produtividade geral
·
Causa: importância crescente e fraca produtividade dos serviços
·
Consequência:
conflitos inevitáveis
entre crescimento dos lucros, dos salários reais e das despesas
públicas
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Relativamente favorável aos assalariados
·
Causas: como anteriormente
·
Consequência: prosseguimento de
políticas keynesianas
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Queda dos lucros
Queda do investimento produtivo
Crescimento do desemprego
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|
Anos 80
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Subida insuficiente da produtividade geral
·
Causa: como anteriormente
·
Consequência: como anteriormente
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Desfavorável aos assalariados
·
Causas: desemprego + mundialização da economia + fraqueza do
sindicalismo internacional
·
Consequência: adopção de
políticas neoliberais
(diminuição dos salários e das despesas públicas)
|
Subida dos lucros + contracção dos mercados
Transferências de propriedade (absorções,
privatizações,
especulação financeira e monetária) em detrimento de
investimentos produtivos
Persistência do desemprego
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Desde os anos 90
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Subida suficiente da produtividade geral
·
Causa: progresso da automatização e da
informatização, também nos serviços
·
Consequência:
conciliação teoricamente possível
entre crescimento dos lucros, dos salários reais e das despesas
públicas
|
Ainda mais desfavorável aos assalariados
·
Causas: idem + queda dos regimes "comunistas"
·
Consequência: persistência de
políticas neoliberais
|
Como anteriormente
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3.1.2. Os anos 1980: a viragem para as políticas neoliberais
Os progressos da produtividade
geral ainda são fracos no decorrer desta década. Alguns
serviços certamente desenvolvem a sua produtividade (em particular os
serviços mercantis como os bancos e os seguros), mas o sector
terciário considerado globalmente trava a produtividade geral. Os
conflitos entre consumo salarial, despesas públicas e lucros permanecem
pois inevitáveis.
Mas estes conflitos agora
são resolvidos de uma maneira inteiramente diferente da década
anterior: as políticas keynesianas dão lugar a políticas
neoliberais, que fazem pressão sobre os salários e sobre as
despesas públicas com a finalidade explícita de restaurar os
lucros. Porquê esta reviravolta?
A queda anterior dos lucros era
intolerável para o sistema e portanto para o próprio Estado:
quaisquer que sejam as coligações no poder (mesmo que se trate de
coligações de esquerda), o Estado tem sempre como primeira
função assegurar a reprodução do sistema social em
vigor (ver conclusão, secção 2). Os poderes
públicos deviam pois, inevitavelmente, adoptar, cedo ou tarde,
políticas económicas e sociais com vista a elevar o lucro das
empresas, seja qual for o custo para os trabalhadores. E eles fazem-no tanto
mais facilmente quando a relação de forças se modificou em
detrimento dos trabalhadores: estes devem enfrentar o crescimento do desemprego
desde 1975; além disso, como se verá, sofrem os efeitos
cumulativos da internacionalização da economia.
As políticas restritivas
em matéria de emprego e de salários respondem a motivos
simultaneamente internos e externos. No interior de cada país, visam
modificar a repartição do "valor acrescentado"
(monetário): trata-se de reduzir a massa salarial para aumentar de
maneira directa os lucros das empresas e portanto as suas possibilidades de
investimento. No plano externo, as políticas restritivas visam melhorar
a posição competitiva das empresas locais pela
diminuição, comparativamente às empresas estrangeiras
concorrentes, do custo salarial por unidade produzida: trata-se aqui de reduzir
o custo dos produtos nacionais em relação ao custo dos produtos
estrangeiros, para assegurar a sobrevivência e se possível o
desenvolvimento das empresas locais.
Existem duas
soluções para reduzir a massa salarial e o custo salarial
unitário
[14]
. Ou fazer pressão sobre o salário-custo por trabalhador, isto
é, reduzir o salário directo (e portanto o poder de compra dos
assalariados) e/ou as quotizações sociais (e portanto o
salário indirecto e o poder de compra que lhe está ligado:
subsídios de desemprego, pensões, etc.). Ou então aumentar
a produtividade do trabalho por racionalizações ou melhorias
técnicas, tanto umas como outras levando a uma diminuição
do emprego.
Numa economia cada vez mais
internacionalizada, com fluxos crescentes de mercadorias e de capitais entre
países, a pressão sobre os salários e o emprego agrava-se
e tende a transformar-se num círculo vicioso. Por que isto é
assim?
Uma primeira razão
é a
concorrência entre países dominantes
. Na medida em que são eficazes, as políticas restritivas
adoptadas num país estimulam políticas análogas
eventualmente mais restritivas ainda em outros países. Se as
empresas francesas, por exemplo, têm melhor "desempenho" para
"dominar" os salários e o emprego, elas desenvolvem as suas
partes de mercado em detrimento das empresas de países concorrentes;
estas deverão reagir adoptando as mesmas medidas de compressão
dos salários e do emprego.
Com o desenvolvimento da
"nova divisão internacional do trabalho", as empresas dos
países dominantes acham-se igualmente confrontadas com a
concorrência de empresas estabelecidas nos países dominados
, onde o salário-custo é claramente mais baixo
[15]
. Isto aumenta a pressão em favor de políticas restritivas nos
países dominantes.
A
mobilidade internacional do capital
agrava a pressão sobre os rendimentos. Para melhorar a sua
competitividade e o seu lucro, as grandes empresas implantam filiais no
estrangeiro, nos lugares onde o custo salarial por trabalhador for menor. Elas
podem fazê-lo seja conservando as unidades de produção
existentes (trata-se então de uma extensão das actividades com
diversificação geográfica), seja suprimindo unidades de
produção existentes (as actividades não são
expandidas, mas simplesmente deslocalizadas). Em ambos os casos, a
pressão sobre os salários e o emprego no país de origem
vê-se exacerbada.
A
ausência de uma organização sindical eficaz à escala
internacional
pesa igualmente de maneira forte. A concorrência entre países
dominantes, a concorrência com os países dominados e a mobilidade
internacional do capital combinam-se com efeito para enfraquecer as
organizações sindicais em cada país. Na ausência de
uma organização internacional eficaz para defender e promover os
direitos dos trabalhadores por toda a parte do mundo, os capitalistas
encontram-se numa situação favorável para exercer por toda
a parte a chantagem à competitividade e à mobilidade do capital.
Finalmente,
a ideologia da competitividade,
incansavelmente difundida pelos meios de comunicação de massa,
invadiu os trabalhadores e as organizações sindicais
. Ela leva-os a aceitar concessões salariais ao nível de cada
país e ao nível de numerosas empresas particulares
[16]
.
Quais são afinal os
efeitos das políticas neoliberais executadas nos anos 1980? São
contraditórios. Por um lado, estas políticas
restabelecem o lucro global
das empresas e portanto as suas possibilidades financeiras de investir: era
resultado pretendido. Resultado não pretendido mas inevitável:
estas mesmas políticas, fazendo pressão de maneira cumulativa
sobre a procura dos assalariados e do Estado,
contraem os mercados globais
e reduzem assim as oportunidades de investimento rentável para as
empresas. O lucro global é investido então maciçamente
não nas operações de produção, mas nas
operações de
transferência de propriedade:
absorção de empresas privadas, resgate de empresas
públicas (é o fenómeno das privatizações),
especulação sobre as moedas e sobre os títulos (é o
fenómeno da "bolha financeira")
[17]
. Tais operações redistribuem a propriedade dos meios de
produção e do dinheiro: numerosas empresas e grupos encontram
aí um meio privilegiado para se desenvolverem e ampliarem a sua esfera
de influência, para aumentarem o seu poder económico. Mas estas
operações não ampliam a produção e o
emprego: o crescimento permanece fraco e o desemprego continua a expandir-se.
3.1.3. Desde os anos 1990: o carácter absurdo das políticas
neoliberais
Os diversos factores negativos
que acabam de ser mencionados continuam a operar plenamente no decorrer da
etapa actual. A relação de forças continua
desfavorável aos trabalhadores e ainda mais desfavorável do que
durante os anos 1980: o desemprego não cessou de se expandir e a
internacionalização da economia reforçou-se (daí a
chantagem acrescida à competitividade e à mobilidade do capital);
além disso, a derrocada dos regimes de economia planificada deixa as
mãos ainda mais livres às empresas e aos grupos.
O que aconteceu com a
produtividade geral? Esta progride claramente desde o fim dos anos 1980, sob o
efeito das racionalizações e das novas técnicas (em
particular a informatização generalizada). Estas
racionalizações e técnicas novas afectam cada vez mais o
sector terciário e inclusive os serviços públicos
não mercantis. Numa grande medida, o sector terciário participa
agora dos progressos da produtividade geral.
Os progressos da produtividade
geral permitem teoricamente tornar novamente compatíveis o aumento do
poder de compra salarial, o aumento das despesas públicas e o aumento
dos lucros. A perpetuação das políticas neoliberais surge
portanto como absurda à escala do sistema considerado globalmente: elas
asseguram o
restabelecimento dos lucros
(e portanto das possibilidades de investimento)
em detrimento dos mercados
(e portanto das oportunidades de investimento rentável). Mas
o que é absurdo ao nível do sistema considerado globalmente pode
perfeitamente responder aos interesses das empresas e grupos dominantes:
estas aguentam o golpe e desenvolvem-se, ao passo que as suas rivais menos
bem colocadas se debilitam e desaparecem. A aplicação do
"dogma da competitividade" e a exacerbação da
concorrência à escala internacional desembocam portanto num triplo
resultado: estimulam os progressos da produtividade, limitam a procura global e
reforçam o processo de concentração de capital.
3.2. Qual a saída para a crise actual?
Se a análise anterior
for correcta, uma conclusão parece impor-se:
o relançamento do crescimento supõe um relançamento da
procura,
e esta supõe
uma mudança na relação de forças entre empregadores
e assalariados.
Desde 1945 até aos anos 1970, as organizações sindicais
dos países avançados estiveram em condições de
obter, do patronato e dos Estados nacionais, a execução de
políticas elevando sistematicamente o poder de compra (directo e
indirecto). A partir daí, o enfraquecimento do crescimento, o aumento do
desemprego, o reforço da concorrência internacional e a derrocada
dos regimes de economia planificada permitiram aos empregadores retomar o
predomínio e minar as vantagens anteriormente concedidas aos
trabalhadores. A ultrapassagem da crise estrutural implica, como depois da
Segunda Guerra, uma modificação da relação de
forças em favor dos assalariados: é a condição
necessária para que os responsáveis políticos e
económicos cessem de considerar os salários como simples custos a
minimizar e os encarem igualmente no seu aspecto de mercado essencial da
produção.
O simples relançamento do crescimento não seria suficiente
entretanto para resolver a presente crise estrutural.
Por um lado, porque este não seria suficiente para resolver o problema
do
desemprego:
os progressos técnicos (robotização,
informatização generalizada) são de uma tal amplitude que
um crescimento, ainda que rápido, não pode assegurar por si mesmo
o pleno emprego. Por outro lado, porque o relançamento da
produção e do consumo agravaria os problemas
ecológicos:
rarefacção de matérias-primas a montante,
multiplicação dos resíduos e das poluições a
jusante. Finalmente, porque este crescimento deixaria sem solução
o problema do
subdesenvolvimento
à escala mundial: o desenvolvimento do "Norte" alimentou-se
da pobreza no "Sul" (custo reduzido da mão-de-obra e dos
produtos exportados pelo terceiro mundo), mas esta pobreza, humanamente
inaceitável, constitui ao mesmo tempo um formidável
obstáculo à estabilidade económica, social e
política do planeta (atrofia do mercado mundial, estímulo
às migrações, multiplicação dos riscos de
guerras locais ou internacionais).
Os problemas do desemprego, do
ambiente e do desenvolvimento não podem portanto ser resolvidos pelo
simples relançamento de um crescimento comparável àquele
que se impôs após a Segunda Guerra Mundial. Não podem ser
resolvidos senão com o afastamento da lógica dominante, que
está na raiz dos problemas denunciados. Afastar-se da lógica
dominante é quer promover reformas no interior do sistema quer visar a
transformação do próprio sistema.
3.2.1. Reformar o sistema
a) A criação de empregos socialmente úteis
Um primeiro remédio para
os principais problemas aqui denunciados consiste em
desenvolver maciçamente o emprego nas produções que
correspondam a necessidades sociais
bem conhecidas mas insuficientemente satisfeitas (atenção
às pessoas idosas, infantários, alojamentos sociais, mobilidade
das pessoas na cidade e no campo, melhoria do ambiente, etc.). Uma tal
política mata dois coelhos com uma só cajadada: ataca
directamente o problema do desemprego e desenvolve produções
socialmente úteis mas descuradas por falta de rentabilidade.
Como financiar esta
política? Uma primeira medida consiste em reorientar os subsídios
públicos concedidos às empresas e nomeadamente as ajudas ao
emprego. No presente momento, as ajudas ao emprego revelam-se muito
frequentemente ineficazes ou inúteis: ineficazes na medida em que
resultam menos na criação de novos empregos do que na
substituição de alguns trabalhadores por outros menos custosos;
inúteis, na medida em que a maior parte dos empregos novos teriam de
qualquer forma sido criados, mesmo sem subsídios. Além disso, os
empregos criados ou mantidos no sector mercantil são sempre
precários uma vez que a sobrevivência das empresas permanece na
dependência da concorrência nacional e internacional. Daí o
interesse em reorientar os subsídios hoje concedidos às empresas,
de utilizá-los para criar sistematicamente empregos novos que
responderiam a necessidades sociais insatisfeitas e que, além disso,
escapariam aos riscos da concorrência.
Outras fontes de financiamento
devem ser solicitadas para as mesmas finalidades. Os progressos da
produtividade geral e a persistência de políticas neoliberais
aumentaram os lucros das empresas, bem como os rendimentos e as fortunas dos
mais ricos: um acréscimo da fiscalidade sobre estes lucros, rendimentos
e fortunas é hoje uma questão de simples equidade
[18]
. Do lado dos assalariados, os progressos da produtividade poderiam traduzir-se
mais por um aumento do salário indirecto (e portanto das
quotizações sociais) do que por uma alta do salário
directo. Do lado dos utilizadores, um pagamento individualizado,
variável conforme o rendimento disponível, poderia ser obtido
pela utilização de certos serviços novos.
A criação de
empregos na linha aqui descrita supõe evidentemente decisões
políticas claras da parte dos poderes públicos. Estes não
as tomarão senão se os movimentos sociais exercerem uma
pressão suficiente neste sentido.
b) A redução do tempo de trabalho.
Uma outra medida preconizada
contra o desemprego consiste em
reduzir a duração do tempo de trabalho individual
e proceder a contratações compensatórias.
A mesma questão se
coloca: como financiar estes empregos novos? Uma redução dos
salários paralela à redução do tempo de trabalho
deve ser excluída: seria catastrófica para a maior parte dos
trabalhadores, em particular para os assalariados menos bem pagos; por outro
lado, não resolveria o problema dos mercados insuficientes com o qual o
sistema está confrontado no presente momento. A redução do
tempo de trabalho deve pois ser feita sem perda de salário (excepto para
as remunerações mais elevadas, de modo a reduzir a hierarquia
salarial). Ela deve ser financiada pelos lucros disponíveis e pelos
ganhos de produtividade: em vez de serem traduzidos em aumentos salariais,
estes seriam traduzidos em reduções do tempo de trabalho com
contratações compensatórias.
Se bem que contribua para
resolver o problema da insuficiência dos mercados, esta
solução vai duplamente ao encontro dos interesses das empresas:
por um lado, aumenta os custos de produção e compromete a
competitividade de cada empresa considerada isoladamente; por outro lado, ao
reduzir o fosso social entre activos e desempregados, restringe a
dominação sobre o conjunto dos trabalhadores. Eis porque a
solução deve ser decidida pelos poderes públicos (de
preferência a nível europeu para evitar as
distorções de concorrência entre os principais parceiros
comerciais). Mas, mais uma vez, os poderes públicos não
tomarão decisões neste sentido senão se forem
constrangidos a isso pela pressão dos movimentos sociais
[19]
.
c) O desenvolvimento durável
A criação de
empregos socialmente úteis e a redução do tempo de
trabalho atacam o problema do desemprego estrutural que afecta o crescimento
das economias desenvolvidas. Mas deixam intactos outros problemas ligados ao
crescimento e que se colocam à escala mundial: os problemas
ecológicos
por um lado, os problemas do
subdesenvolvimento
por outro lado.
As propostas de
desenvolvimento durável
pretendem precisamente remediar estas duas ordens de problemas. Trata-se de
promover um tipo de desenvolvimento centrado nas necessidades essenciais das
populações (em particular das populações do
terceiro mundo) e respeitando os equilíbrios a longo prazo dos
ecossistemas.
Os conhecimentos
técnicos e científicos acumulados ao longo das últimas
décadas, juntamente com os conhecimentos ancestrais das
populações, são amplamente suficientes para assegurar
desde já um desenvolvimento durável para o conjunto dos
habitantes do planeta. Se a realização deste objectivo se afasta
cada vez mais, se as propostas tendo em vista um desenvolvimento durável
permanecem frequentemente letra morta (ou simples poeira nos olhos), é
porque falta uma real vontade política de "transformar o
mundo". Numerosos movimentos sociais militam certamente neste sentido, mas
os poderes públicos nacionais e internacionais permanecem submissos
à pressão dos grupos económicos dominantes.
3.2.2. Transformar o sistema
Transformar o sistema é
construir uma economia alternativa, funcionando segundo princípios
radicalmente diferentes da economia capitalista (ver quadro IX.4).
Quadro IX.4.: Comparação entre uma economia capitalista
e uma economia democrática
|
|
Economia capitalista
|
Economia democrática
|
|
Poder de decisão
|
Monopolizado por uma minoria
|
Partilhado pela maioria
|
|
Critérios de decisão
|
Lucro e acumulação
|
Satisfação das necessidades sociais
(avaliadas democraticamente)
|
|
Relações entre empresas
|
Concorrência
|
Cooperação
|
A economia capitalista é
basicamente
antidemocrática.
A propriedade real (ou seja, o poder de decisão efectivo) está
concentrada entre as mãos de um grupo muito minoritário de
dirigentes. São eles que tomam as decisões essenciais quanto
à produção: o que produzir (prioridade aos
automóveis individuais ou aos meios de transporte colectivos?), como
produzir (prioridade às máquinas ou ao emprego?), onde produzir,
etc. Apesar de todas estas decisões afectarem directa ou
indirectamente o modo de vida do conjunto dos
cidadãos-produtores-consumidores, estes não têm voz quanto
a isso: eles são ao contrário condicionados (pela publicidade,
pelos meios de comunicação de massa) a ratificar as escolhas
efectuadas por uma minoria
[20]
. Os outros dois traços deste sistema económico são bem
conhecidos. Os dirigentes tomam as suas decisões referentes
à natureza dos produtos lançados no mercado, à
localização das empresas, às técnicas de
produção utilizadas, etc. em função de um
objectivo prioritário: o
lucro
e a acumulação. E fazem-se mutuamente
concorrência
para maximizar o seu lucro particular.
A alternativa reside na
construção de uma economia democrática, respondendo
às necessidades sociais e fundada na cooperação entre
produtores. Nesta economia alternativa, a propriedade real deixa de ser
monopolizada por uma minoria: tudo deve ser posto em acção, ao
contrário, para que o poder de decisão seja partilhado
pelo maior número
de pessoas envolvidas (através de mecanismos de
participação na planificação, na gestão das
empresas, na defesa dos consumidores, etc.). O objectivo prioritário da
produção não é mais o lucro e a
acumulação, mas a
satisfação das necessidades sociais
avaliadas democraticamente: dentre as necessidades sociais a levar em conta
intervêm evidentemente a saúde, o alojamento, a
educação, mas também o domínio sobre a
técnica, o respeito pelo ambiente, o emprego, a repartição
entre trabalho e tempo livre, a qualidade de vida em geral. E estes objectivos
são prosseguidos segundo modalidades, também elas, radicalmente
diferentes: na medida em que o critério do lucro desaparece, a
concorrência pode dar lugar a uma verdadeira
cooperação
entre produtores (cooperação organizada no quadro da
planificação, por intermédio de contratos entre empresas,
etc.)
[21]
.
A persistência ou o
agravamento dos problemas económicos e sociais (desemprego,
desigualdades, miséria, violência, degradação do
ambiente, etc.) mostram que a construção de uma economia
democrática é uma questão de actualidade para sair da
crise estrutural. Ainda mais que as reformas consideradas acima, uma tal
transformação supõe uma pressão considerável
dos movimentos sociais neste sentido: pois forças poderosas estão
constantemente em acção, como se verá na conclusão,
para assegurar a perpetuação do sistema em vigor.
NOTAS
1. a) A distinção de duas etapas é retomada na
"escola francesa da regulação" (Aglietta, Boyer,
Destanne de Bernis, Lipietz, etc.), da qual entretanto não adoptamos a
terminologia (acumulação concorrencial e a seguir monopolista,
extensiva e a seguir intensiva).
b) As análises deste capítulo aplicam-se apenas aos países
avançados, elas não se referem aos países subdesenvolvidos.
2. Não se estuda a génese e o desenvolvimento de cada etapa, nem
a transição de uma para a outra. É claro que o contexto
não mudou completamente entre 1940 e 1945: diversos elementos
característicos do crescimento contemporâneo nasceram no decorrer
da etapa anterior (como as convenções colectivas); mas eles
não se generalizam e não se tornam dominantes senão no
decorrer da segunda etapa.
3. Mercadorias capitalistas = mercadorias produzidas nas empresas capitalistas.
4. Certas intervenções do Estado têm como efeito
limitar
a procura global. É o caso quando o Estado proíbe as
coligações de trabalhadores: semelhante medida reduz o poder de
negociação dos trabalhadores e portanto o seu salário e o
seu poder de compra.
5. A descrição que se segue privilegia o aspecto
produção
. As flutuações conjunturais dos
preços
são apenas mencionadas.
6. Um ramo que disponha de um poder de mercado importante pode manter os seus
preços e as suas taxas de lucro por tempo razoavelmente longo. Isto
apenas agrava as dificuldades dos outros ramos, dificuldades que acabam por
afectar o primeiro. O processo da crise aqui descrito faz
abstracção das diferenças no poder de mercado de que
desfrutam os ramos: considera-se a crise ao nível global,
macroeconómico.
7. Este crescimento paralelo da produção e da procura global em
nada altera o facto fundamental de que a economia capitalista é uma
economia de mercado e que portanto está sujeita às aleatoriedades
e incertezas que uma economia de mercado inevitavelmente implica: cada empresa
deve encontrar compradores para as suas mercadorias e cada uma pode muito bem
fracassar nesta aventura.
8. A URSS beneficiava de uma força de atracção
considerável logo após a Segunda Guerra Mundial. No plano
político, havia contribuído de modo decisivo para a derrota do
regime nazi. No plano económico e social, o seu sistema de
planificação havia-lhe permitido experimentar taxas de
crescimento importantes, escapar à grande crise dos anos 1930, assegurar
o emprego e uma existência segura aos trabalhadores (daí a
pressão que se exercia, nos países ocidentais, em favor de uma
elevação dos salários e pelo estabelecimento de um sistema
de segurança social).
9. A nossa argumentação referente à influência
respectiva das duas variáveis-chave (progresso da produtividade geral e
relações de força em vigor) está resumida no
enquadrado IX.2. e no quadro IX.3., que cobrem igualmente os anos posteriores.
(Os progressos da produtividade geral traduziam-se, no capítulo VIII,
por uma baixa do valor unitário dos meios de consumo; no enquadrado
IX.2. eles são ilustrados, de forma gráfica, por um crescimento
do "bolo" produzido, por um aumento do número de "fatias
do bolo").
[10] O efeito de estímulo mútuo da produtividade e do consumo
também influencia, indirectamente, os ramos que produzem os meios de
produção. O
acréscimo da procura de consumo
leva ao acréscimo da procura de bens de equipamento, o que estimula
acréscimos de produtividade nos ramos que produzem estes últimos.
Por outro lado, a
busca contínua de ganhos de produtividade
em todos os ramos (ligada à concorrência) estimula uma procura de
equipamentos sempre mais aperfeiçoados e portanto uma difusão
acelerada do progresso técnico na produção das
próprias máquinas. Assiste-se em consequência a uma
renovação constante da procura e da oferta de máquinas, o
que provoca uma obsolescência acrescida das máquinas: é
preciso cada vez menos tempo para que uma máquina esteja
tecnologicamente ultrapassada sem estar fisicamente usada. Este fenómeno
aumenta os mercados dos ramos produtores de máquinas e contribui, por
isso, para o crescimento da produção (ver cap. VII, 3.3.2.a).
11. Em comparação com as recessões fracas dos anos 1950 e
1960, a recessão de 1974-75 traduz-se por uma diminuição
real e muito clara da produção: o grau da recessão
é sem qualquer dúvida maior, mas a quebra rápida do
processo cumulativo torna-a uma recessão típica da nova etapa de
crescimento.
12. Os princípios avançados e as
periodizações propostas deveriam evidentemente ser
precisados, nuançados ou adaptados conforme as especificidades de cada
país. Mas eles parecem constituir um ponto de partida útil para
abordar as análises concretas próprias a cada país. A
nossa argumentação é resumida no enquadrado IX.2. e no
quadro IX.3.
13. A crise estrutural não pode ser explicada pelo "choque
petrolífero" dos anos 1970 e 1980: por um lado, a queda dos lucros
começou desde a segunda metade dos anos 1960, ao passo que a primeira
subida brusca dos preços do petróleo não data senão
de 1973; por outro lado, os preços do petróleo caíram
outra vez nos anos 1990 para um nível relativo mais baixo do que nos
anos 1960, mas a crise estrutural prosseguiu... Como já foi assinalado,
o "choque petrolífero" teve como efeito essencial redistribuir
em grande escala (entre sectores e entre países) a mais-valia total do
sistema (ver cap. V, nota 9).
14. As seguintes igualdades permitem "visualizar" as duas
soluções:
15. A vantagem dos países dominados em matéria de salário
directo e indirecto pode eventualmente ser compensada por um
atraso em matéria de produtividade do trabalho, assim como pelo custo de
transporte das mercadorias para os países dominantes. Globalmente, os
países dominantes fazem sobretudo concorrência
entre si:
eles sofrem apenas marginalmente a concorrência de empresas
estabelecidas nos países dominados. Do mesmo modo, os movimentos de
capitais e de deslocalizações industriais fazem-se sobretudo
entre países dominantes.
16. A ideologia da competitividade oculta os três factos seguintes: 1.
uma empresa ou um país particular não melhora a sua
posição senão em detrimento dos trabalhadores de outras
empresas ou países (se salvamos o nosso emprego, outros perdem o seu);
2. a manutenção de uma posição favorável
exige a mais longo prazo novas concessões da parte dos trabalhadores; 3.
todas estas concessões salariais reduzem os mercados globais e conduzem
todo o sistema à falência. A ideologia da competitividade mascara
assim o carácter simultaneamente mortífero (a curto prazo) e
suicidário (a mais longo prazo) das concessões salariais.
É portanto essencial que as organizações sindicais
nacionais e internacionais apoiem e globalizem as lutas dos trabalhadores para
defender o seu emprego
e
o seu salário.
17. O desenvolvimento da "bolha financeira" geralmente é
considerado como uma
causa
do fraco crescimento da economia: atraídos pelas perspectivas de lucros
especulativos, os investidores ignorariam deliberadamente a esfera da
produção, menos rentável. Na nossa opinião, o
desenvolvimento da "bolha financeira" é antes uma
consequência
do fraco crescimento da economia provocado pelas políticas neoliberais:
limitados pela estreiteza dos mercados (devido à pressão sobre os
salários e as despesas públicas), os investidores procuram
valorizar os seus capitais por outros meios, isto é, por diversas
operações de transferência de propriedade.
18. Na maior parte dos países, as fortunas fogem completamente ao
imposto. Além disso, é do lado dos lucros das empresas e dos
rendimentos mais elevados que a fraude fiscal assume toda a sua amplitude.
19. A redução do tempo de trabalho, mesmo com
contratações compensatórias, apresenta no entanto limites.
Ela não assegura o desenvolvimento necessário da produtividade
correspondendo às necessidades sociais não satisfeitas. Por outro
lado, se ela abranger apenas o sector de produção capitalista,
introduz uma nova dualização entre os assalariados deste sector
(beneficiando de tempos livres acrescidos) e os outros assalariados (que
não beneficiariam). Daí o interesse em criar simultaneamente
empregos nas produções socialmente úteis e de aí
reduzir igualmente a duração do trabalho.
20. Este carácter anti-democrático acentua-se com o
desenvolvimento do capitalismo: como se viu no capítulo VIII
(§2.2.), a concentração do capital contribui para a
formação e o reforço de uma
oligarquia
dominando o conjunto da economia mundial.
21. Os três critérios enunciados (democratização do
poder de decisão, prioridade à satisfação das
necessidades sociais, primado da cooperação sobre a
concorrência) permitem igualmente efectuar uma apreciação
crítica positiva ou negativa sobre cada uma das
acções executadas ou consideradas pelos poderes públicos,
pelas diversas instituições e associações, pelos
movimentos sociais, etc., mesmo no quadro do sistema capitalista.
[*]
Doutorado em direito pela Universidade Católica de Louvaina (UCL) (1962) e
doutorado em economia pela Universidade de Oxford (1969). Professor na UCL,
ensinou no departamento de ciências económicas (ECON) e no departamento de
ciências da população e do desesenvolvimento (SPED), bem como na
faculdade aberta de política económica e social (FOPES). MInistrou
igualmente cursos e seminários em outras universidades da Europa e da
América Latina. É autor de
numerosas publicações, muitas delas disponíveis em
www.i6doc.com
. Seu sítio web é
Capitalismo & crises económicas
.
O presente texto faz parte do Capítulo IX de
Compreender a economia: Introdução à análise
económica marxista do capitalismo contemporâneo,
lançado em Abril de 2010 pelas
Edições Avante!
, 379 pgs., ISBN 978-972-550-362-1 (foi omitida a parte relativa aos apoios
pedagógicos). A obra contém os seguintes capítulos:
Introdução
I- O fundamento dos bens e serviços: o trabalho
II- O fundamento dos preços e dos rendimentos: o valor
III- O fundamento do lucro e da acumulação: o sobrevalor
IV- As relações económicas fundamentais
V- A concorrência para a partilha da mais-valia
VI- Capitalismo e produções não capitalistas
VII- Tendências e contradições fundamentais do crescimento
VIII- Conflitos e conciliações em torno da taxa de mais-valia
IX- Crescimento e crises
X- Conclusão: A reprodução do capitalismo
Anexos teóricos
Léxico
Este texto encontra-se em
http://resistir.info/
.
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