Sobre partidos, classes e ordem do capital
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Nenhum eleitor brasileiro sabe exatamente no que está votando, nessa
mistura do pragmatismo dos grandes partidos com o oportunismo dos partidos
caroneiros, que não representam nada a não ser sua própria
gula por um naco de poder. Uma salada decididamente indigesta.
A salada
. Veríssimo.
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Estamos enfrentando mais um complexo processo eleitoral. Apesar de existirem
opções de programas, de partidos e, neles, de candidatos de
excelente qualidade para diversos níveis do pleito, o conjunto do
processo eleitoral se apresenta opaco, sem brilho e incapaz de suscitar
entusiasmo.
Vejamos duas razões para isso, que precisam ser relembradas, pois
não nasceram agora, perduram e se generalizam, mesclando-se e
aprofundando essa opacidade. A primeira razão é a
desqualificação do processo eleitoral,
resultado do predomínio da pequena política (a política
politiqueira, a que se limita a gerenciar a ordem dominante). A segunda
razão resulta da primeira, e configura nosso quadro partidário e
político, cujas linhagens serão posteriormente analisadas.
A desqualificação atual do processo eleitoral e, por
extensão, da própria política, decorre de quatro motivos
principais:
1) a captura quase imediata, após a
Constituição de 1988,
do processo eleitoral pelo poder econômico imediatista. Quem não
lembra do ricaço herdeiro Collor tentando se passar por defensor dos
descamisados? A grande e moderna burguesia brasileira inclusive a
paulista ameaçava ser ultrapassada pelo voto popular no processo
eleitoral e mais uma vez aceitou acordos com os setores sociais mais
retrógrados, apoiando-os para "falsificar a ira" popular, na
feliz expressão de Francisco de Oliveira. A população
reagiu, o fora Collor ocorreu apesar da resistência da grande imprensa,
mas todos sabem como o episódio contribuiu para inflacionar o custo das
campanhas eleitorais e estimular acordos e compromissos espúrios. Com
poderosos apoios, esse tipo de fenômeno não desapareceu, tendo
apenas sido varrido para debaixo do tapete. Esse é o terreno dos
partidos efêmeros porém com recursos, numa miríade de
ofertas de serviços eleitoreiros, condensando posições
profundamente conservadoras.
2) a tentativa explícita de esvaziar desde seus
primórdios as
conquistas populares realizadas nas décadas de 1970 e 1980, como a
própria reconquista do voto direto, alguns importantes direitos na
Constituição e, inclusive, a capacidade de luta
recém-adquirida através de inúmeras
organizações de trabalhadores. A reconquista do voto foi
essencial mas não assegura democracia. Quem já esqueceu de
Fernando Henrique Cardoso, o ilustre doutor e autor de textos sobre a
democracia (que aliás pediu para esquecer o que havia escrito),
esgrimindo argumentos "técnicos" para justificar uma das
maiores políticas deliberadas de desemprego, de redução de
direitos, de privatizações e violência anti-sindical? Com
ele, cresceram as grandes fortunas às custas dos direitos populares,
contemplados com escassos projetos de migalhas. Daqui sairiam linhagens
peculiares,
formuladoras
e naturalizadoras das exigências do grande capital, mas com decrescente
capacidade eleitoral.
3) o peso da frustração. A
população trabalhadora
defendeu as candidaturas populares do PT e de Lula quando seus
militantes estavam nas ruas. Pouco a pouco também este partido se rendeu
ao ambiente de desqualificação. Suas campanhas deixaram de lado
os militantes, pagando bóias-frias para sacudir bandeiras e marqueteiros
para inventar "imagens" de candidatos. Seus dirigentes afastaram-se
das bases para encastelar-se nas cúpulas. Mesmo assim, maiorias
populares asseguraram a primeira vitória de Lula. Se não com
grande entusiasmo, ao menos com alguma expectativa. Os que lutaram por grandes
alterações, rapidamente se frustraram e procuraram construir
outros caminhos. Muitos porém foram se conformando a ganhos
miúdos e sem garantias, que o novo governo apresentava como se fossem
enormes conquistas. Também aos poucos, o partido antes diferente se
tornava igual aos demais: manejava com vigor e sem pruridos a violência
social, criminalizando movimentos sociais. Falava uma novilíngua: as
palavras eram suaves e lembravam antigas reivindicações
populares, mas os atos garantiam a ordem empresarial e aprofundavam o
deslocamento do protagonismo popular para as novas cúpulas. Aproveitaram
o que era um projeto de migalhas e o converteram num extenso programa. Com
pouca garantia de direitos, era melhor do que nada. Resultou em alguma melhoria
para os setores populares, sem dúvida, mas mambembe e frustrante. Este
partido inauguraria uma nova linhagem nos anos recentes, pois antes ela
já existira a de uma
esquerda apta para a ordem.
Outros explicitaram, com muita propriedade: uma "esquerda para o
capital"... Nessa linhagem cabe a contestação adequada, sem
riscos maiores e sem comoções. Se a bolsa de valores espirrar,
voltam atrás em suas propostas.
4) a raiva e a persistência Alguns partidos e
movimentos sociais
persistiram na luta, procurando conservar programas e coerência
política, através da luta cotidiana em vários
âmbitos, sobretudo contra a maquiagem generalizada, evidente por exemplo
nas alterações urbanas promovidas pela Copa do Mundo e seu
cortejo de especulações. Foram crescentemente espremidos e
reprimidos: falavam a linguagem e agiam de acordo com uma esquerda
clássica, que luta por direitos, pela capacidade de
auto-organização popular, pela superação da ordem
do capital e, por essa razão, eram execrados pelos primeiros (a ordem) e
pelos segundos (naturalizadores da vida capitalista). Mas também eram
desconsiderados e reprimidos pelos novos partidos "da esquerda para o
capital", pois relembravam o que queriam esquecer. Mesmo assim, tiveram
importante papel em denunciar, explicitar a armadilha na qual o processo
eleitoral tendia a se converter.
De maneira legítima e compreensível, a raiva popular explodiu.
Junho e julho de 2013 extrapolaram os diques de contenção. Os
motivos centrais, imediatos, evidentes a todos: a dramática desigualdade
persistente na vida social, escancarada e explícita nos serviços
públicos (saúde, educação e, sobretudo,
transportes) e a corriqueira brutalidade policial contra os setores populares.
Irritada e frustrada, parcela expressiva da população se revoltou
em inúmeras cidades. As manifestações de junho, no
terceiro mandato do PT com Dilma Rousseff na Presidência
estremeceram os alicerces de todos os que apostavam na ordem. Todas as
tendências contra a ordem se manifestaram e foram para as ruas. Havia
algumas pautas explícitas: exigência de direitos universais
(transporte, saúde, educação) e recusa da
truculência policial (que incide desigualmente, acompanhando o perfil da
desigualdade social e urbana). A elas se agregaria rapidamente o resultado da
desqualificação da política "oficial", traduzida
na recusa por alguns grupos de quaisquer partidos e, mesmo, de quaisquer
organizações. Exacerbava-se por longa inexperiência
de lutas coerentes uma recusa legítima da ordem, mas sem
horizonte preciso. Se recompõe a linhagem dos grupos, movimentos sociais
e partidos de contestação da ordem dominante e de
expressões anti-capitalistas. Também aqui, mal-educados pelo
oportunismo dominante, vicejam alguns grupos de ocasião.
Partidos, classes e a defesa da ordem
Examinemos agora as principais divisões na estrutura partidária
brasileira com a lupa gramsciana, aquela que entende que a história dos
partidos é a da luta de classes e sabe que o termo
partido
remete a duas realidades políticas: a institucional (cada agrupamento
que se legaliza) e a real (a que corresponde ao seu papel e
função na luta de classes). Nosso contexto eleitoral resulta
historicamente dos eixos que desqualificaram a política mostrados nos
parágrafos precedentes. A realidade de um enclausuramento da democracia,
através dessa pequena política com grandes recursos, conduz a uma
orquestração perfeita para a desqualificação da
política
como um todo
, bloqueando qualquer intento de transformação radical. Ainda por
cima, a pequena política se espelha num contexto partidário ao
mesmo tempo "moderníssimo" e "atrasadíssimo",
como quase toda a nossa vida social, onde [telefone] celular se espreme no trem
da Central do Brasil. Chegamos assim à segunda razão para a falta
de entusiasmo nessas eleições e ela reside na própria
estruturação da dinâmica eleitoral.
Do ponto de vista da estrutura de classes, temos apenas dois grupos
organizativos com programas contrapostos. Um é enorme, disforme e, como
num saco de gatos, seus integrantes se engalfinham sem cessar. O outro grupo, o
dos partidos contra a ordem capitalista, é pequeno, combativo, e
também bastante heterogêneo. Não temos partidos
regressivos, que tenham como proposição um retorno a alguma
sociedade mítica, de base camponesa ou comunitária, de tipo
religioso.
As alas do partido da ordem
O
partido da ordem
se apresenta bastante dividido, embora no fundo tenha um programa comum:
desenvolver o capitalismo, assegurar a produção de riquezas e,
acima de tudo, garantir a grande propriedade e garantir a ordem social para o
capital. Está dividido, o que corresponde tanto a tensões
internas, acomodando peculiaridades, como assegura estrategicamente ocupar um
amplo espectro, da direita raivosa até uma esquerda moderada. Ele
é o irradiador da desqualificação da política.
Vejamos suas linhagens, ou alas, que não se traduzem de maneira imediata
em coligações partidárias, uma vez que estas variam
casuisticamente.
A linhagem que se filia à "falsificação da ira"
se disseminou, constituindo "
os partidos à disposição, ou ao seu dispor
", sempre aptos a apoiar a ordem dominante. Esse grupo abrange muito
partidos do espectro eleitoral, com um sem-número de siglas. A maioria
deles é inexpressivo como formulação ideológica,
programática ou política. Alguns têm matriz religiosa, mas
seu vínculo político pouco tem a ver com os princípios ou
valores que dizem apregoar. Estão sempre disponíveis para impedir
que a ira popular atinja os setores sociais conservadores, além de
barganhar apoios reacionários. Alguns assumem posições
raivosas, proto-fascistas e exibem preconceitos variados. Podem alinhar-se em
qualquer direção (mais à esquerda ou mais à direita
para o capital), mas seu peso é o da conservação.
No miolo do partido da ordem, a segunda e crucial linhagem agrupa o rescaldo
dos partidos oficiais da ditadura empresarial-militar, dois deles grandes e um
pequeno. O PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e o DEM pretendem o
espaço de
"formuladores da ordem
dura
do capital".
São um pouco menos imediatistas do que os precedentes,
pois expressam grandes interesses de curto, médio e longo prazo,
respondem ao mesmo tempo a setores históricos e a grandes e concentrados
grupos econômicos, e contam com estrategistas mais tarimbados, em
especial alguns grandes aparelhos privados de hegemonia de base empresarial, ou
"entidades sem fins lucrativos" sustentadas pelo grande empresariado.
O PSDB, saído de costela do MDB, aliou-se ao que resta do partido da
ditadura, que já foi ARENA (Aliança Renovadora Nacional),
convertido por pouco tempo em PDS (Partido Democrático Social), depois
transformado em PFL, nome bem mais adequado (Partido da Frente Liberal) e,
finalmente, se escora hoje na sigla DEM (Partido Democratas) para ocultar suas
origens. Disfarçam de forma muito conveniente sua origem e
procedência. Nenhum deles ousa se apresentar pela direita, como
conservadores, liberais ou neoliberais; todos se dizem
"democráticos" e até mesmo acenam para uma certa
social-democracia despida de conteúdo. A rigor, se constituíram
como os partidos capazes de manter a ligação nacional entre as
formas da grande propriedade, quer ela se apresente de maneira arcaica ou
moderna.
Opostos durante a ditadura empresarial-militar, eles se unificaram após
a Constituição de 1988 para a eleição FHC e mesmo
quando se separam, nunca ficam muito distantes. Eles formam o cerne da defesa
da grande propriedade no Brasil e reatualizam a complexa conexão do
atraso com o moderno, erigida desde a década de 1930. Sua própria
atuação recente, entretanto, contribuiu para modificar o espectro
nacional a partir do qual essa grande propriedade se converte em forma
política. As privatizações redesenharam a
implantação nacional e transnacional dos grandes
negócios. Ainda que São Paulo eixo fulcral desse grupo
continue o polo concentrador da riqueza, esta transborda na atualidade
para outras direções, não totalmente agregadas e digeridas
por este grupo.
Ainda no miolo, o outro grande partido oficial (pelo tamanho) e pelo
histórico assegura uma espécie de via de ligação
entre os primeiros ("ao seu dispor") os segundos (os
"formuladores"): o PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro). Aqui é o seu lugar real, onde se sente à vontade,
embora constitua a base de apoio dos governos PT. Neste papel, ele atua como o
limitador prévio para qualquer tentação de protagonismo
popular que porventura ainda se manifeste no interior do PT.
A última ala do partido da ordem é constituída por
partidos que expressam questões populares reais e as explicitam no
cenário político, mas as edulcoram para que sejam
palatáveis à ordem. Em outros termos, são partidos
oficiais cujo papel é transformar reivindicação
legítima em ajuste; é converter luta por reformas em
contrarreformas. Não derivam da ditadura empresarial-militar e foram
criados em pleno combate contra ela e seus resquícios. Espelham de
maneira perceptível as contradições da expansão do
capitalismo no Brasil, tanto pelo crescimento urbano quanto pelo
dramático problema da devastação ambiental.
Seu núcleo fundamental é o Partido dos Trabalhadores - PT, que
nasceu nas bases populares e se apresenta pela "esquerda" mas
está a cada dia mais distante de defender qualquer protagonismo da
classe trabalhadora ou mesmo popular. É permanentemente perseguido pela
grande mídia proprietária, não pelo que realmente faz, mas
pelo "cheiro" popular que ainda exala, apesar de todo o perfume
francês com que tenta ocultá-lo. Seu registro de nascimento
incomoda os demais. A ele se agregaram outros partidos, como o Partido Verde ou
o PSB (Partido Socialista Brasileiro), os quais sequer cheiro de povo
têm, e resultam de setores médios descontentes com a gestão
da política (e não com as condições estruturais nas
quais ela existe). Assim, recriou-se uma esquerda domesticada, capaz de usar os
termos das lutas populares, mas para assegurar às classes dominantes que
tudo seguirá como antes. Têm maior compromisso com melhorias
palpáveis para setores populares, pois neles encontram seu fôlego
eleitoral e, por essa mesma razão, precisam demarcar-se dos partidos
anteriores. Porém aceitam as pautas fundamentais dos
"formuladores", solicitando apenas adaptações de escala
e ritmo.
Decerto há diferenças entre essas alas, inclusive de origens
sociais e geracionais. O processo de amalgamento no interior de grupo
tão grande e díspar é complexo e se torna ainda mais
confuso quando apresentado pela grande mídia proprietária, que
ora enaltece as peculiaridades de cada um, ora os apresenta como sendo
"todos iguais", jamais identificando efetivamente o que os separa e
une. Essas diferenças levam a nuances de padrões de gestão
e de atuação, gerando ora políticas francamente
anti-populares, ora adoção de propostas conciliatórias,
mesmo se nascidas alhures. Elas também se expressam no terreno das
relações internacionais, em geral em torno de maior ou menor
alinhamento com os Estados Unidos, mas em todos os casos os interesses das
grandes empresas brasileiras, inclusive as transnacionalizadas, são
cuidadosamente protegidos.
Contra a ordem
O
partido contra a Ordem,
ou por sua
superação,
reúne também algumas alas. Há os que consideram haver uma
etapa nacional ainda a vencer, com a exigência de uma democracia ampliada
e maior autonomia econômica como pré-condição para
avanços mais substantivos. De outro lado, há os que analisam que
as formas do capitalismo no Brasil contemporâneo não expressam um
"atraso", mas a efetividade do capitalismo sob as
condições internacionais contemporâneas. Este é um
ponto complexo que, embora os divida, não chega a fraturar o conjunto.
Contra a Ordem
reagrupa grande número de movimentos sociais, muitos pequenos grupos
não oficiais e alguns pequenos partidos oficiais que teimosamente
resistem ao amalgamento generalizado promovido pela modernização
capitalista e seus novos recursos persuasivos por diversas modalidades,
desde as monetárias até as coercitivas, os setores dominantes
utilizando amplamente recursos e moldes organizativos internacionais.
Permanecer coerente
contra a ordem
resulta em permanente penúria, discriminação e
criminalização. O inchamento e desfiguração do
partido da Ordem e a decorrente desfiguração da política,
faz com que até mesmo as agremiações cujo foco é a
luta por Direitos Humanos, ou aqueles sinceramente democratas, somente aqui
encontrem abrigo e interlocução efetivos. Neste grupo
estão os que participam das lutas e mobilizações em prol
das reivindicações genuinamente populares, denunciam a
truculência e violência social contra os setores populares e
procuram assegurar uma formação política e intelectual a
seus militantes. Os mais expressivos partidos oficiais são o PCB
(Partido Comunista Brasileiro), o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o
PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado).
A conversão do PT à ordem foi um enorme golpe ainda não
totalmente superado neste campo. As próprias práticas
organizativas desses grupos carregam em muitos casos marcas anteriores, posto
que muitos deles participaram da formação do PT, compartilharam
de suas experiências e, sobretudo, atuam naquelas que foram as bases
originais do PT. Atravessam uma penosa transição pois precisam
conservar as conquistas reais que a classe trabalhadora arrancou, como o voto,
e necessitam defrontar-se contra a desqualificação da
política. Não para requalificar o existente, fazendo o papel de
fiel da balança que a legitima, mas para assegurar que as
múltiplas, diversas e por vezes díspares
reivindicações dos setores trabalhadores possam atuar como um
conjunto variado mas potencialmente coeso dos subalternos, para superar a
ordem. Essa é uma posição delicada e
complicadíssima, após tantas frustrações e dada a
confusão reinante: trata-se de evidenciar que é possível
construir uma grande política, com real enfrentamento de programas e
projetos sociais ligados à classe trabalhadora. Ela passa por todos os
espaços conquistados e passa, ademais, por enfrentar o próprio
Estado.
A raiva deslanchada em 2013 trouxe para este partido outros militantes.
Também nesse terreno a frustração com a adesão do
PT à ordem gerou como contrapartida uma recusa absoluta e abstrata da
própria reflexão sobre o Estado e da organização
das classes subalternas. Como se emergissem instantaneamente, alguns ainda
supõem que a espontaneidade nasce de origem não social, pura e
intocada. Haverá tensões para o aprendizado da importância
da organização, da formação e do enfrentamento de
longo curso. A raiva que explicitam assinala um ponto de inflexão contra
os adesismos que vicejaram e impõe maior clareza nas
posições assumidas.
Nas condições vigentes da pequena política, mesmo nesse
campo alguns acreditam que basta falar de grande política para
exercê-la, gerando oportunismos também aqui.
Finalizando
A hegemonia não resulta da ação específica de um
partido oficial ou de uma liderança, mas de um bloco de forças
aglutinado em torno de um setor ou fração da classe dominante,
capaz de apresentar o mundo
tal-como-está
como se fosse necessário, natural e até mesmo desejável.
Decerto, a hegemonia não significa inexistência de
divergências entre os setores dominantes ou entre eles e setores
dominados, mas que tais divergências encontram canais de expressão
no interior da mesma dinâmica societária. A
dominação
hegemônica
burguesa centrada no
grande capital monopolista e expansionista
no Brasil é uma evidência. Essa hegemonia se instaurou
através de inúmeros agenciamentos, a começar por uma
enorme disseminação de aparelhos privados de hegemonia (entidades
associativas) fortemente sustentados pelo empresariado, mas voltados para
persuadir setores populares, capturar suas lideranças e converter suas
bases a formas de participação alijadas da grande
política. Tais entidades são dirigidas fundamentalmente pelos
grandes grupos brasileiros (inclusive detentores de empresas multinacionais),
mas agrega também grande quantidade de entidades de origem estrangeira.
Ainda, a hegemonia não se limita a tais entidades privadas, pois envolve
um redesenho do próprio Estado e a configuração de suas
políticas. Desse processo, cujo curso mais evidente remonta à
década de 1990, resultou a enorme e inchada "frente" comum
o partido da ordem voltada para a expansão das
relações capitalistas de tipo neoliberal (ou
capital-imperialismo, o que me parece mais correto) no campo e nas cidades. Ao
mesmo tempo em que reatualizou os pactos de dominação
clássicos e autocráticos, incorporou novos elementos de
persuasão. Por essa razão, o partido da ordem foi capaz inclusive
de atrair o PT, o que lhe assegura fôlego suplementar. Entretanto,
também introduz tensões crescentes no interior do partido da
ordem, pois a acomodação interna se torna a cada dia mais
complexa.
A ideia era escrever sobre as novas possibilidades que se abrem para as lutas
anti-capitalistas contra a ordem, e mostrar como, apesar das dificuldades, as
novas condições vão exigir ousadia, coerência e
capacidade de organização e de enfrentamento. As novas
exigências estão postas e não há como escapar delas.
2013 mostrou que, por mais que a mídia manipule, que se enalteça
o hábito do conformismo, que o marketing e o crediário
ofereçam o consumo como solução, que o hegemonismo do
partido da ordem imagine que controla todo o espectro político, a
expansão do capitalismo é também o aprofundamento de
contradições. A classe trabalhadora hoje é enorme, apesar
de heterogênea, e certamente trará exigências mais
substantivas.
Temos programas e partidos coerentes no campo da
superação da ordem
, com sólida história junto à classe trabalhadora e
capacidade de integrar as reivindicações legítimas que as
novas contradições suscitam. É no próprio processo
da luta de classes que a divergências no interior do partido contra a
ordem serão elaboradas e superadas. As eleições são
apenas um dos momentos da luta, cuja importância fundamental está
na própria defesa da garantia da participação ampliada (e
o voto foi conquista fundamental) ena divulgação da real
possibilidade de uma grande política, com o protagonismo da classe
trabalhadora para a superação da ordem do capital.
Setembro/2014
Da mesma autora:
Capital, imperialismo e urgência socialista
O capital-imperialismo: algumas características
[*]
Professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da
Escola Politécnica Joaquim Venâncio-Fiocruz
O original encontra-se em
marxismo21.org/esquerdas-e-eleicoes-2014/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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