Da "explosão demográfica" ao "envelhecimento
populacional": 220 anos de falácias
por Henrique Júdice Magalhães
1
A contrarreforma previdenciária tem como pretexto o envelhecimento
populacional. Da mudança do perfil etário da
população pela queda da natalidade e aumento da expectativa de
vida, todo o arco parlamentar e seus intelectuais orgânicos concluem ser
preciso aumentar idade e tempo de contribuição para aposentadoria
e reduzir seu valor. Se cresce o número de idosos dizem ,
devem-se reduzir seus direitos. O objetivo é congelar a parcela da renda
[NR]
nacional
destinada a eles.
Na exposição de motivos da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 6/2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que ela atende à
"indispensável busca por um ritmo sustentável de crescimento
das despesas com previdência em meio a um contexto de rápido e
intenso envelhecimento populacional". Na PEC 287/2016, do governo Temer, o
então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dizia que o Brasil
"vem passando por um processo acelerado de envelhecimento
populacional".
Já Guido Mantega, Garibaldi Alves Filho e Miriam Belchior
ministros, respectivamente, da Fazenda, Previdência e Planejamento de
Dilma Roussef , pretenderam justificar, no fim de 2014, a Medida
Provisória 664 (contra inválidos, deficientes e viúvas)
alegando "aumento da participação dos idosos na
população total e uma piora da relação entre
contribuintes e beneficiários".
Nenhum deles leva em conta que 1/3 dos assalariados brasileiros trabalha sem
carteira assinada, como mostram sucessivas edições da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. Nem que, somando a
isso os 12% de desemprego aberto (só pessoas que procuraram trabalho na
semana de referência da PNAD), chegamos a quase metade da
população assalariada. Ou que os exportadores estão
isentos de contribuir para o INSS. A revogação desse
privilégio, a criação de empregos e uma
fiscalização trabalhista eficiente cobririam, no todo ou em boa
parte, o déficit que o governo diz que o INSS tem.
Mas deixemos tudo isso de lado.
2
O indicador da proporção entre as pessoas em idade de trabalhar e
aquelas que não devem fazê-lo e a quem o Estado deve prover
cuidados pagos com o produto do trabalho das demais se chama razão de
dependência. O IBGE considera que a idade de trabalho é dos 15 aos
64 anos, apesar de a Constituição determinar
escolarização obrigatória até os 17 e a
Organização Mundial de Saúde (OMS) considerar que, em
países "em desenvolvimento", uma pessoa é idosa a
partir dos 60. Mesmo inexatos à luz desses aspectos, os dados abaixo
retratam bem como evoluiu no tempo a razão de dependência em nosso
país:
|
Ano
|
Razão de Dependência (%)
|
|
1940
|
87,5
|
|
1950
|
85,5
|
|
1960
|
90,2
|
|
1970
|
89,3
|
|
1980
|
79,7
|
|
1990
|
71,7
|
|
2000
|
61
|
|
2010
|
55,2
|
|
2020 (projeção feita em 2008)
|
50,9
|
Fonte: IBGE (
https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=CD95
)
Como se vê, ela
cai
fortemente desde 1940. Em 2020, será
a menor da história
. Mesmo que se considerem as projeções para anos mais distantes,
chegaria a 75,1% em 2050. Não está num horizonte visível
que volte sequer ao que era em 1980 (79,7%).
Mas como, se a "
a expectativa de vida ao nascer passou de 45 anos em 1940, para 76 anos hoje
" e a "
expectativa de sobrevida aos 65 anos cresceu de cerca de 10,6 anos em 1940,
para 18,7 anos em 2017
", segundo dados do IBGE citados na PEC 6?!
Simples: pela forte queda da taxa de natalidade, que "
em 1960, era cerca de 6 filhos por mulher, reduzindo-se para menos de 1,8
atualmente
", como consta da mesma proposta. A proporção de idosos
cresce num ritmo menor que aquele em que a cai a de crianças. Logo, a
elevação da despesa pública relacionada à terceira
idade é compensada (ainda que não se possa calcular precisamente
em que medida) pela redução quantitativa da demanda concernente
à infância e à adolescência.
Como o sistema educacional e a saúde materno-infantil não
são financiados por contribuições específicas,
ninguém pensou, na década de 1960, em calcular o
"déficit" desses serviços públicos, nem quantos
contribuintes diretos ou trabalhadores aptos a gerar riqueza havia para cada
criança, como fazem, hoje, com as aposentadorias e pensões. O
resultado teria sido bem mais aterrador que a projeção de 1 (um)
contribuinte por beneficiário que consta da PEC 6 para a
Previdência em 2040.
3
O que não muda é o terrorismo demográfico baseado em
falácias. Desde que Thomas Malthus escreveu seu primeiro
Ensaio sobre o Princípio da População
, e por uns 200 anos, seu foco foi as crianças. Há pouco mais de
20, são os idosos. O capitalismo tem um problema insolúvel com
ambos: a existência de pessoas que não produzem, não
compõem reservas de mão-de-obra para baixar salários,
não estão aptas a matar numa guerra e precisam de cuidados
é disfuncional para ele.
Por isso, quer joga-las ou mantê-las no mercado de força de
trabalho. No Brasil, fez isso com as crianças baixando a idade
mínima
legal
de trabalho para 12 anos em 1967 e deixando, desde sempre, de coibir o
trabalho antes dela. Com a elevação da idade mínima
constitucional explícita de trabalho para 16 anos (14 como aprendiz) e a
existência, hoje, de um pouco de fiscalização e
consciência quanto ao trabalho infantil, ataca os idosos, impondo ou
aumentando idades de aposentadoria.
A redução da natalidade foi, no Brasil, uma política
extraoficial do Estado pós-64, imposta pelos EUA a partir do Memorando
200 de seu Conselho de Segurança Nacional, intitulado "
Consequências do Crescimento da População Mundial sobre a
Segurança e os Interesses Transcontinentais dos Estados Unidos
" (AND 36
[1]
). Que os mesmos grupos de interesses se mostrem agora tão preocupados
com o envelhecimento (consequência do que fizeram), traz à mente a
tradicional advertência: "cuidado com os seus desejos, eles podem se
tornar realidade".
4
No interessante estudo
As tendências da população mundial: rumo ao crescimento
zero
[2]
, os demógrafos Fausto Brito, José Alberto Magno de Carvalho,
Cássio Turra e Bernardo Lanza Queiroz observam que "
especialistas, instituições e países envolvidos com as
questões demográficas sequer imaginavam que os anos 1980 poderiam
apresentar inflexão no crescimento absoluto da população
mundial. Estavam extremamente preocupados com a velocidade do crescimento,
tendo como referência as taxas das três primeiras décadas da
segunda metade do século
".
"
Caso prevalecesse a taxa de crescimento dos anos 1960
" prosseguem , "
chegar-se-ia, em 2050, a uma população próxima de 18,5 mil
milhões de habitantes, um pouco mais que o dobro das
projeções revistas da Organização das
Nações Unidas, 9,1 mil milhões
".
Se as projeções baseadas na alta natalidade dos anos 50/60
não se concretizaram, não há porque pensar que as de
agora, relacionadas em sua queda, necessariamente se concretizarão.
Ambas só retratam a tendência do momento em que são
formuladas. Um país menos inóspito que o Brasil de hoje atrairia
imigrantes jovens e despertaria neles e nos brasileiros o desejo de ter mais
filhos algo que muita gente não se permite na horrível
situação atual.
[1] Ver
anovademocracia.com.br/no-36/252-crimes-de-guerra-em-tempos-de-qpazq
. Íntegra do documento em inglês:
pdf.usaid.gov/pdf_docs/Pcaab500.pdf
[2]
www.ufjf.br/...
[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento.
Ver também:
Banqueiros são os maiores defensores da Reforma da Previdência
O original encontra-se em
anovademocracia.com.br/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|