Brasil: Banqueiros são os maiores defensores da Reforma da
Previdência
por Maria Lucia Fattorelli
[*]
A proposta de Reforma da Previdência apresentada por Bolsonaro ao
Congresso representa a destruição do regime de solidariedade que
foi aprovado por unanimidade pelos constituintes de 1988.
As principais justificativas para tal destruição são a
falácia do défice
e a longevidade da população, argumentos que já foram
completamente desmontados, mas que precisamos repetir. O governo também
fala em combate a privilégios. Vamos falar disso também.
Para começo de conversa, sequer se deveria falar em défice
da Previdência, como se não fosse obrigação do
Estado garantir o direito sagrado a uma aposentadoria digna para a classe
trabalhadora, que de fato é a que produz a riqueza real do país;
produz todos os bens e serviços colocados à
disposição da população; alimenta todas as
famílias; garante a própria vida da população e
movimenta a economia do país.
Mas se querem falar em números, vamos lá. Historicamente, as
contribuições sociais previstas na Constituição
Federal (COFINS; CSLL; PIS; contribuição ao INSS pagas por
trabalhadores e empregadores; sobre produção rural;
importações; loterias etc) foram mais que suficientes para cobrir
toda a despesa da Seguridade Social (que engloba a Previdência, a
Saúde e a Assistência Social) e ainda sobraram recursos que foram
destinados para outros fins, em especial para o pagamento de juros da chamada
dívida pública.
A partir de 2015 houve uma queda brutal da arrecadação das
contribuições sociais, devido à "crise" que
levou milhares de empresas de todos os setores à falência,
provocou desemprego recorde e paralisação da economia brasileira.
Nesse cenário de "crise", o governo ainda concedeu diversas
desonerações fiscais e liberou diversos setores de contribuir
para a Seguridade Social, afetando ainda mais a arrecadação.
Portanto, a insuficiência de contribuições sociais
não se deve a um problema no modelo de Previdência Social
solidária, mas sim à "crise", que no caso brasileiro
foi fabricada pela política monetária do Banco Central, que
quebrou inúmeras empresas, provocou desemprego recorde e derrubou
o PIB. Empresas quebradas, desempregados e informais não contribuem para
a Previdência. Esse é o problema, e não a longevidade das
pessoas ou a solidariedade do modelo.
Ademais, ainda que as contribuições sociais passassem a
não ser suficientes para assegurar os direitos sociais, a própria
Constituição já previu (Art. 195) que recursos do
orçamento fiscal de todos os entes federados (União, Estados, DF
e Municípios) também são responsáveis pela
manutenção da Seguridade Social, juntamente com as
contribuições sociais.
Tudo isso está sendo destruído por essa PEC 6/2019, que cria um
regime de capitalização que não oferece garantia alguma de
qualquer pagamento de benefício futuro aos trabalhadores e trabalhadoras
que terão que pagar uma
contribuição definida
durante décadas, porém, o benefício dependerá do
comportamento do mercado, e pode ser zero ou negativo: em vez de receber
benefício o trabalhador pode ser chamado a aportar recursos ao fundo de
capitalização. Quem vai ganhar com isso? Somente as
instituições financeiras que administrarão os fundos de
capitalização e receberão as contribuições,
sem responsabilidade alguma com o pagamento de benefício futuro.
Mas vamos falar de privilégio. O que o governo e a grande mídia
chamam de privilegiados são os servidores públicos que aceitaram
um contrato de trabalho oferecido unilateralmente pelo próprio governo,
passaram em um concurso público, e durante toda a sua vida laboral
pagaram contribuição previdenciária calculada sobre o
vencimento bruto e, mesmo depois de aposentados continuam pagando
contribuição previdenciária de 11% (ou mais) sobre o
provento bruto. Ou seja, os privilegiados seriam aqueles que recebem
aposentadoria acima do teto do INSS (atualmente em R$5.839,45 [1.347]),
porque contribuíram nessa proporção e ainda continuam
contribuindo até a morte. Além de pagar cerca de 11% (ou mais) de
contribuição previdenciária, estão na faixa de
27,5% de imposto de renda
[NR]
da pessoa física, de tal forma que cerca de 40% do que recebem é
tributo pago na fonte e nem irá para as mãos destes que
estão sendo acusados de privilegiados.
Na verdade, o grande privilegiado no Brasil é o mercado financeiro, que
ganhou mais de meio milhão de milhões com a "crise"
produzida pela política monetária do Banco Central e
ganhará mais ainda com essa PEC 6/2019.
Os bancos ganharam R$526 mil milhões [121 mil milhões] com
a remuneração de sua sobra de caixa pelo Banco Central nos
últimos cinco anos! Ganharam outras centenas de milhares de
milhões com os juros exorbitantes também definidos pelo Banco
Central, e com os sigilosos contratos de
swap
cambial. Aí é que está o privilégio obscuro,
sigiloso, que beneficiou os bancos enquanto quebrava a economia brasileira e
criava a crise que está servindo de justificativa para a
destruição da Previdência Social e para a entrega brutal de
patrimônio por meio das privatizações de empresas
estratégicas e lucrativas, como a Eletrobras, Petrobras etc.
O mercado tem tanta certeza de seus ganhos com a PEC 6/2019 que a Bolsa de
Valores, que bateu recorde histórico diante da
simples notícia, em 14/01/2019, sobre o avanço da proposta que seria entregue por Bolsonaro ao Congresso
.
Além dos bancos, as pessoas físicas privilegiadas deste
país não são servidores públicos aposentados que
deixam cerca de 40% de seus ganhos nas mãos do governo, mas sim aquelas
que têm renda mensal elevadíssima, e a maioria dos rendimentos que
recebem são isentos, ou seja, não entregam praticamente nada ao
governo.
Vejam a tabela a seguir, parte da
tabela 9 (disponível no link)
, que mostra as faixas de renda, em números de salários
mínimos, a quantidade de
declarantes e o respectivo valor (em milhões de Reais) do rendimento
tributado, tributado exclusivamente na fonte e isento. Mostra também o
valor da contribuição previdenciária paga:
É escandaloso o fato de existirem 25.785 pessoas que em 2016 (dado mais
recente divulgado pela Receita Federal) tiveram renda mensal superior a 320
salários mínimos, dos quais a maior parte foi ISENTA, ou seja,
não pagaram imposto de renda nem contribuição
previdenciária! Estes são os que estão favoráveis
à PEC 6/2019. Outras pessoas que defendem essa destruição
da Seguridade com certeza desconhecem os dados e estão embarcando em
falsas propagandas.
Não podemos permitir qualquer reforma da Seguridade Social sem debate
amplo, honesto, que leve em conta o fato de que historicamente a
Previdência Social pública e solidária tem sido
superavitária e que, momentaneamente, estamos no auge das
consequências nocivas da crise fabricada pela política
monetária (esta sim, que precisa ser reformada urgentemente) do Banco
Central, que ainda quer ficar "independente" para entregar de vez ao
mercado os destinos das finanças do país.
[NR] No Brasil chamam de "renda" a qualquer tipo de rendimento,
não apenas os dos rentistas.
Ver também:
O que provocou a crise econômica atual
Orçamento federal executado em 2018
O que está em jogo com a proposta de reforma da Previdência
[*]
Economista.
O original encontra-se em
www.extraclasse.org.br/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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